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CONTRATO DE ARRENDAMENTO
CADUCIDADE
USUFRUTO
RENÚNCIA
Sumário
I - O alegado facto de o titular da nua propriedade ter vindo a receber rendas em vida do usufrutuário/locador e a intitular-se como senhorio, seria, por si só, insuficiente para se ter por verificada uma renúncia ao usufruto. II - Do facto de, na qualidade de administradora dos bens do pai, usufrutuário, reconhecer a Ré como arrendatária, não se pode inferir que, uma vez falecido este não iria invocar a caducidade do arrendamento com fundamento na al. c) do art. 1051º do CC, inexistindo qualquer comportamento contraditório no pedido de restituição do locado. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa (7ª Secção):
I – RELATÓRIO. T (…) intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo sumário contra, F (…),
pedindo que seja decretada a caducidade do contrato de arrendamento celebrado com a Ré, por morte do usufrutuário, condenando-se a mesma a despejar o imediatamente o locado, entregando-o à autora, livre de pessoas e bens, a pagar à A. a quantia de 1.017,60 €, correspondente ao valor da indemnização a que se reporta o art. 1045º, nº2, do CC, referente ao período em que medeia entre Janeiro de 2008 e Maio de 2008, a e a pagar uma indemnização, aferida nos termos anteriores, a contar de Junho de 2008 até efectiva desocupação e entrega do locado.
A Ré contesta, alegando, em síntese, que há muito a autora se assumiu como senhoria, actuando enquanto tal, antes da morte do seu pai, agindo como se pretendesse a manutenção do contrato, só a 28.09.2008 invocando a caducidade do contrato, sendo a conduta da autora reconduzível à figura do abuso de direito, sendo que, por renúncia desde 2005 se encontra prescrito o exercício do direito por parte da A..
Conclui pela improcedência da acção, pela procedência das excepções invocadas e pela condenação da A. como litigante de má-fé.
Responde a A. não assistir razão à Ré, por sempre ter intervindo perante aquela enquanto representante de seu pai, por motivos de doença, concluindo pela improcedência das invocadas excepções.
Proferido despacho saneador, realizou-se a audiência de julgamento, tendo sido proferida decisão sobre a matéria de facto.
Foi proferida sentença que, julgando a acção procedente:
a) Declarou, por morte do usufrutuário, a caducidade do contrato de arrendamento referente à fracção em causa, condenando-se a ré a proceder à entrega da mesma à A., livre e devoluta de pessoas e bens.
b) Condenou a Ré a pagar à A., a indemnização prevista no art. 1045º, nº2, do CC, correspondente ao valor da renda em dobro, desde Janeiro de 2008 e até entrega do locado.
Não se conformando com o teor de tal despacho, veio a Autora dele interpor recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:
A. A ora Apelante discorda de parte da decisão da matéria de facto, considerando constarem dos autos elementos que impunham decisão diversa.
B. O presente recurso tem por objecto a reapreciação da prova gravada em audiência, porquanto o que ficou registado não foi correctamente atendido pela decisão ora em crise, ou não o foi de todo, tendo esta laborado em erro quanto a determinados aspectos de facto.
C. Atentando na matéria de facto provada, considera a Apelante que a sua subsunção às regras de Direito aplicáveis teria que ter resultado em decisão diferente por parte do Douto Tribunal recorrido.
D. Com efeito, tendo a postura e comportamento adoptados pela Autora conduzido a uma assunção da posição de senhoria, não poderia esta vir invocar a caducidade do contrato de arrendamento por morte do usufrutuário, seu pai.
E. Decorre do depoimento das Testemunhas arroladas pela Ré (nomeadamente, VC, PM e JF) a actuação da Autora como senhoria.
F. Dos registos dos depoimentos prestados em audiência de julgamento destas três testemunhas resulta evidente a conclusão da actuação da Autora como senhoria, pelo que se impugna o facto de os quesitos 7.º e 10.º não terem sido dado como provados e quanto aos quesitos 11.º a 15.º só ter sido considerado provado o constante dos documentos juntos aos autos.
G. A Autora e ora Recorrida ainda antes do falecimento do seu pai, usufrutuário, consolidou em si a plena propriedade, quando se assumiu como proprietária e senhoria.
H. Dúvidas não pode haver que a Autora e ora Apelada, nos últimos anos, sempre assumiu a posição de Senhoria/ Proprietária em relação a todos os inquilinos do prédio, incluindo perante a Ré e ora Apelante; sempre se comportou e actuou como proprietária e como se pretendesse a manutenção do contrato de arrendamento, inclusivamente intitulando-se como Senhoria.
I. Discorda, pois, a Apelante em absoluto do entendimento do Tribunal “a quo” de que não tenha sido produzida prova dessa actuação da Autora como senhoria, como foi entendimento do Tribunal de 1.ª instância.
J. É certo e inquestionável que a morte do usufrutuário, que outorgou o contrato de arrendamento determina a caducidade daquele contrato, nos termos do artigo 1051.º, alínea c) do Código Civil, mas no caso sub iudice, a proprietária, antes da morte do usufrutuário assumiu-se como Senhoria.
K. A Autora não apenas se comportou como Senhoria, como nas próprias comunicações dirigidas aos arrendatários se intitulou como tal.
L. Na verdade, os comportamentos assumidos pela Autora nos últimos anos antes do falecimento do seu Pai criaram uma legítima expectativa que deve ser titulada.
M. E, por conseguinte intentar acção de despejo contra a Recorrente configura uma situação de abuso de direito.
N. Uma das manifestações mais evidentes do abuso de direito é precisamente a proibição do venire contra factum proprium.
O. Por violar o princípio da boa-fé, o venire contra factum proprium é valorado negativamente pela ordem jurídica, sendo a sua mais frequente consequência a da irrelevância do segundo comportamento.
P. É que todas as relações jurídicas entre as pessoas implicam um princípio de confiança e de auto-vinculação, criando expectativas futuras.
Q. E, é precisamente esta confiança vinculativa que proíbe que alguém exerça o seu direito em manifesta oposição a uma tomada de posição anterior em que a outra parte acreditou e aceitou.
R. Ocorrendo uma situação de abuso de direito ou de venire contra factum proprium, ao titular que assim exerceu o seu direito é-lhenegado o efeito pretendido, o que se verifica no caso sub iudice.
S. Na medida em que a ora Apelante não se pode conformar com o douto entendimento do Tribunal de 1.ª instância, constitui também objecto do presente recurso a impugnação da fundamentação de direito da douta sentença recorrida, a qual, salvo o devido e havido respeito, alicerça-se numa incorrecta interpretação e aplicação das normas aplicáveis ao caso em apreço.
T. Entende a Apelante que a decisão a quo errou flagrantemente na consideração das disposições de Direito aplicáveis e, respectiva interpretação jurídica da questão de direito relativa à caducidade do contrato de arrendamento por morte do usufrutuário, não sendo aplicável o artigo 1051.º, alínea c) do Código Civil, mas antes aplicável o artigo 334.°do Código Civil na vertente do abuso de direito.
U. Porquanto, entende a Apelante que a sentença de que se recorre deve ser revogada e, julgando-se a presente acção totalmente improcedente.
Conclui pela sua absolvição do pedido.
O Autora/recorrida apresentou contra alegações.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do art. 707º, do CPC, há que decidir.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
Considerando que as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, as questões a decidir são unicamente as seguintes:
1. Impugnação da matéria de facto dada como provada.
2. Subsunção dos factos ao direito.
a. Legislação Aplicável
b. Consolidação da plena propriedade na A. ainda em vida do usufrutuário.
c. Abuso de direito.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
1. Impugnação da matéria de facto dada como provada.
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2. Subsunção dos factos ao direito. A. Matéria de Facto.
São os seguintes os factos dados como provados na decisão recorrida:
1. Por contrato escrito, datado de 30 de Junho de 1972, M (…), deu de arrendamento a C (…), o ..º andar, correspondente à actual fracção autónoma, designada pela letra “…”, do prédio urbano, actualmente em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, n.ºs …, freguesia da …, concelho da …, descrito na ...ª Conservatória do Registo Predial da …a, sob o número … (antigo …) e inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia, sob o artigo n.º…, como documento n.º1 junto com a petição inicial, cujo teor se deu por integralmente reproduzido;
2. O locado destinava-se a habitação e a renda acordada foi de €2.450$00 (dois mil quatrocentos e cinquenta escudos);
3. M (…) adquiriu o usufruto sobre o prédio identificado em 1., conjuntamente com a sua mulher MT (…), por escritura pública de compra e venda, outorgada no dia 01 de Julho de 1971, no ….º Cartório Notarial de Lisboa, conforme documento n.º3 junto com a petição inicial, cujo teor se deu por integralmente reproduzido;
4. MT (…) faleceu no dia 11 de Outubro de 1973, conforme documento n.º4 junto com a petição inicial, cujo teor se deu por integralmente reproduzido,
5. A autora é a legítima proprietária do prédio descrito em A), tendo-o adquirido por escritura pública, outorgada no dia 0 de Julho de 1971, encontrando-se tal aquisição registada na Conservatória do Registo Predial da … pela inscrição G, AP. ., de 19 de Julho de 1917, conforme documento de fls. 15 e seguintes, cujo teor se deu por integralmente reproduzido;
6. No processo de divórcio entre C (…) e a ré (…), que correu os seus termos sob o n.º2586, do 2.º Juízo, 3.ª Secção, o direito ao arrendamento ficou a pertencer à ora ré, conforme documento constante de fls. 36, cujo teor se deu por integralmente reproduzido;
7. M (…) faleceu no dia 27 de Junho de 2007;
8. À data do óbito de M (…) a renda que se encontrava em vigor era de €101,76 (cento e um euros e setenta e seis cêntimos);
9. Em razão do óbito de M (…), a autora comunicou à ré que o locado lhe deveria ser entregue em 27 de Dezembro de 2007, recusando-se a ré a fazê-lo.
10. M (…) interveio no contrato referido em 1. na qualidade de usufrutuário;
11. As rendas pagas pela ré foram sempre auferidas por M (…), a fim de ocorrer aos seus gastos pessoais;
12. E foram sempre incluídas nos seus rendimentos próprios, designadamente para efeitos de I.R.S.;
13. O I.M.I. referente ao imóvel também foi sempre pago pelo mesmo;
14. Desde meados de 2005, o pai da autora adoeceu, tendo o mesmo, por tal facto, ficado impossibilitado de gerir os seus assuntos relacionados com a administração do prédio de que o andar locado faz parte;
15. Daí a autora ter passado a administrar o prédio de que o andar locado faz parte;
16. No início do ano de 2005, o pagamento das rendas passou a ser feito por transferência bancária para uma conta titulada pela autora;
17. Por carta data de 10 de Janeiro de 2005, subscrita pela autora e recebida pela ré, aquela fez constar o seguinte:
“Assunto: Prédio Urbano sito na Rua …, nº.. freguesia da ….
Ex.mº Senhor(a), em conformidade com o acordado com o meu pai, M (…), na qualidade de co-proprietária da fracção autónoma de que V. Ex.ª é inquilino(a), venho, para os devidos efeitos, informá-lo(a) que todos os assuntos relacionados com o prédio em epígrafe e com a fracção que habita, passarão a ser tratados directamente comigo, podendo, para o efeito, ser contactada através da morada acima indicada. A partir de Fevereiro de 2005 as rendas passarão a ser depositadas na conta do banco … balcão ... com o nib: ....
No mês seguinte, e após a boa cobrança ser-lhe-á remetido o respectivo recibo para a morada da sua residência.
Com os meus melhores cumprimentos”;
18. A autora emitiu os seguintes documentos:
“Recibo, €96,67.
Recebi da Ex.ma Sra. D. F (…) a quantia noventa e seis euros e sessenta e sete cêntimos, referente à renda do 3.º andar do prédio sito na R. … n.º… …, correspondente ao mês de Março de 2005.”
A autora emitiu o seguinte documento:
“Recibo, €96,67.
Recebi da Ex.ma Sra. D. F (…) a quantia noventa e seis euros e sessenta e sete cêntimos, referente à renda do 3.º andar do prédio sito na R. … n.º… …, correspondente ao mês de Abril de 2005. Lisboa, 1 de Março de 2005.”;
19. A autora em carta, datada de 21 de Fevereiro de 2005, dirigida à ré fez constar o seguinte:
“Assunto: Obras no arrendado. Prédio sito na R. …, nº.., …3º,
Exma Senhora,
Tendo tido conhecimento de que, ao longo dos anos, têm sido realizadas diversas obras, com alteração de estrutura, em algumas das fracções do prédio acima identificado, obras essas ao arrepio das necessárias autorizações camarárias e que, para além de alterarem a traça do imóvel podem pôr em risco a segurança do mesmo bem como dos seus moradores venho, por este meio, na qualidade de proprietária e senhoria das mesmas, comunicar a V. Ex.a, na qualidade de arrendatário(a) que, a partir desta data, qualquer obra a realizar no andar que vos está arrendado, que não seja de simples manutenção, carece da minha prévia autorização escrita.
Certa da vossa compreensão para esta situação, subscrevo-me com os meus melhores cumprimentos”.
20. A autora subscreveu comunicações dirigida à ré, datada de 17 de Março de 2005, com o seguinte teor
“Ex.mo (a) Sr. (a).
Venho por este meio dar a conhecer um nº de telemóvel que poderá ser usado em caso de urgência em assuntos relacionados com o prédio da R. … nº..e …. Telm – …
Melhores cumprimentos.
“RE: Edifício da Rua … nº…
.Por este meio, venho informar V. Exas. de que, quaisquer contactos relativos ao imóvel em referência deverão utilizar, exclusivamente, as seguintes coordenadas:
T (…)
Beco do …, 3
0000-000 Lisboa
---.---mail.telepac.pt
Sem mais por agora, aproveito para lhe deixar também, os meus melhores cumprimentos”.
Por carta, datada de 26 de Dezembro de 2005, dirigida à ré, a autora fez
constar o seguinte:
“Ex.ma Senhora,
Venho comunicar a V. Exªs que a renda mensal do 3.º andar do prédio sito na R. …, n.º…, na …, de que V. Ex.a é inquilina, passará a ser, a partir do mês de Fevereiro de 2005 (pagável de 1 a 8 de Janeiro de 2005), de €98,70, quantia resultante da aplicação à renda vigente de €96,67 do factor de correcção 1,021, nos termos da Portaria n.º1126/2005 de 31 de Outubro.
Com os meus cumprimentos, subscrevo-me”;
Por carta, datada de 19 de Novembro de 2006, dirigida à ré, a autora fez constar o seguinte:
“Ex.ma Senhora,
Pela presente, venho comunicar a V. Exªs que a renda mensal do 3.º andar do prédio sito na R. …, n.º…, na …, de que V. Ex.a é inquilina, passará a ser, a partir do mês de Janeiro de 2007 (pagável de 1 a 8 de Janeiro de 2006), de €101,76, quantia resultante da aplicação à renda vigente de €98,70 do factor de correcção 1,021, nos termos da Portaria n.º1126/2005 de 31 de Outubro.
Com os meus cumprimentos, subscrevo-me”. B. O Direito.
2.1. Regime legal aplicável.
Antes de mais, e como questão prévia, convém sublinhar que a cessação do contrato de arrendamento em causa se encontrará sujeita ao Novo Regime do Arrendamento Urbano, introduzido pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro.
O NRAU entrou em vigor em 28 de Junho de 2006, sendo aplicável “aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo das normas transitórias” (arts. 65º e 59º, nº1).
O contrato de arrendamento em causa foi celebrado a 30 de Junho de 1972, pelo pai da autora, na qualidade de usufrutuário.
O referido usufrutuário veio a falecer a 27 de Junho de 2007, já na vigência do NRAU.
Assim, e não se mostrando a caducidade do contrato de arrendamento excepcionada pelos arts. 26º e 28º, que criaram um regime transitório para as matérias aí previstas, a presente acção de despejo encontrar-se-á sujeita ao NRAU[1].
De harmonia com o disposto no art. 1051º, al. c), do Código Civil, o contrato de locação caduca quando cesse o direito ou findem os poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado.
E, segundo o art. 1093º, nº1, al. c) (aditado pelo NRAU), em caso de caducidade do contrato por ter cessado o direito ou terem findado os poderes legais de administração com base nos quais o contrato fora celebrado, o arrendatário tem direito de preferência na celebração de novo contrato de arrendamento.
Assim sendo, e ao contrário do que é referido na sentença recorrida, no caso de caducidade do arrendamento com fundamento na al. a) do nº1 do art. 1051º, do CC, ao arrendatário não é conferido o direito à celebração de um novo arrendamento (artigo 90º do antigo RAU), mas tão só um direito de preferência na celebração de novo contrato de arrendamento.
Como refere Rui Pinto Duarte, a nova lei baixa a protecção do arrendatário habitacional, já que apenas lhe confere um direito de preferência em eventual novo arrendamento, direito esse que se extingue se o senhorio não celebrar tal novo arrendamento durante o prazo para a restituição do local arrendado, que é de seis meses sobre a verificação do facto que provoca a caducidade (arts. 1091º, nº2 e 1053)[2].
Não pondo em causa que o falecimento do locador/usufrutuário determina a caducidade do contrato de arrendamento nos termos do art. 1051º, al. c) do CC, a Ré insurge-se contra a sentença recorrida com fundamento em que, tendo-se a ora A. comportado como senhoria intitulando-se como tal, antes do falecimento do usufrutuário:
- a Autora e ora Recorrida, ainda antes do falecimento do seu pai, usufrutuário, consolidou em si a plena propriedade;
- a instauração da presente acção de despejo constituiria um abuso de direito por parte da autora.
2.2. Consolidação da plena propriedade.
Segundo a Ré/apelante, tendo-se a Autora comportado como senhoria, intitulando-se como tal ainda antes do falecimento do seu pai usufrutuário, “consolidou em si a plena propriedade”.
Ora, por um lado, a consolidação[3] da propriedade na pessoa da autora pressupunha a extinção do usufruto: para que tal consolidação se desse por verificada, seria necessário que o usufrutuário tivesse renunciado ao usufruto ou de algum modo o tivesse transmitido à ora Ré[4].
Encontrando-se em causa a extinção ou transmissão de um direito real respeitante a imóvel, encontrar-se-ia sujeita aos requisitos de publicidade e de forma que devem acompanhar este tipo de actos[5].
Como tal, o alegado facto de a Ré se assumir como senhoria, por si só, sempre seria incapaz de produzir o efeito pretendido pela autora de extinção do usufruto.
E, por outro lado, ainda que tivesse ocorrido renúncia ao usufruto, o contrato de locação sempre caducaria pelo termo normal do usufruto, nos termos da al. b) do art. 1052º do CC[6].
De qualquer modo, como veremos em seguida, no caso em apreço nem sequer se pode ter por demonstrado que a autora se tenha assumido como “senhoria” ainda em vida do usufrutuário, seu pai.
2.3. Abuso de direito.
Há abuso de direito sempre que o seu titular o exerce com manifesto excesso dos limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social deste direito – art. 334º do Código Civil.
Entendendo-se a boa-fé como norma de conduta, significa que as pessoas se devem comportar, no exercício dos seus direitos e deveres, com honestidade, correcção e lealdade, de modo a não defraudar a legítima confiança ou expectativa dos outros.
Um dos comportamentos que tem vindo a ser considerado como uma das variantes do abuso de direito, por violação manifestamente excessiva dos limites impostos pelo princípio da boa-fé, é o denominado venire contra factum proprium.
A locução venire contra factum proprium exprime a reprovação social e moral que recai sobre aquele que assuma comportamentos contraditórios.
“Trata-se aqui da proibição da conduta contraditória, isto é, de impedir uma pretensão incompatível ou contraditória com a conduta anterior do pretendente. Parte-se de uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é de molde a criar noutrem uma situação objectiva de confiança, ou seja, a convicção de que aquele sujeito jurídico se comportará, no futuro, coerentemente com aquela conduta. É necessário que, com base na situação de confiança criada, a contraparte tenha tomado disposições ou organizado planos de vida de que lhe resultarão danos se a sua confiança legítima vier a sair frustrada[7]”
Segundo Baptista Machado, os efeitos do abuso do direito nesta especial modalidade exigem a verificação dos seguintes pressupostos:
1 – Uma situação objectiva de confiança: uma conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura;
2 – Investimento na confiança: o conflito de interesses e a necessidade de tutela jurídica surgem quando uma contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos se a confiança legítima vier a ser frustrada;
3 – Boa-fé da contraparte que confiou: a confiança do terceiro ou contraparte só merecerá protecção jurídica quando de boa-fé e tenha agido com cuidado e precaução usuais no tráfico jurídico[8].
Como refere Menezes Cordeiro[9], o abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium”, postula duas condutas da mesma pessoa, lícitas em si mas diferidas no tempo. Só que a primeira – o factum proprium – é contrariada pela segunda – o venire.
Contudo, o venire contra factum propriumsó é proibido em circunstâncias especiais – como afirma Paulo Mota Pinto, no plano dogmático não se poderá afirmar um princípio geral de proibição do comportamento contraditório: “fora dos casos em que assumiu compromissos negociais, o indivíduo é livre de mudar de opinião e de conduta[10]”.
E, em igual sentido, de inexistência, na Ciência do Direito e nas ordens jurídicas por ele informadas, de uma proibição genérica de contradição, se pronuncia Menezes Cordeiro[11].
O venire aparece assim ligado fundamentalmente à protecção da confiança: um comportamento não pode ser contraditado quando tenha suscitado a confiança dos sujeitos envolvidos.
“A confiança digna de tutela tem de radicar em algo objectivo: numa conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura[12]”.
Segundo Menezes Cordeiro, são quatro os pressupostos da protecção da confiança, ao abrigo da figura do “venire contra factum proprium”:
1. Uma situação de confiança, traduzida na boa fé própria da pessoa que acredite numa conduta alheia (no factum proprium);
2. Uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do factum proprium seja plausível e, portanto, sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis;
3. Um investimento de confiança, traduzido no facto de ter havido por parte do confiante o desenvolvimento de uma actividade na base do, factum proprium, de tal modo que a destruição dessa actividade (pelo venire) e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara;
4. Uma imputação da confiança à pessoa atingida pela protecção dada ao confiante, ou seja, que essa confiança (no factum proprium) lhe seja de algum modo recondutível.[13]
No caso concreto, para haver abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium” seria necessário que a conduta da autora fosse de molde a criar razoavelmente na ré uma expectativa sólida de que não viria mais tarde invocar a cessação do contrato com fundamento na cessação dos poderes com base nos quais havia sido celebrado.
Ou seja, encontrar-se-á em causa a verificação (ou não) da seguinte situação de venire contra factum proprium: quando uma pessoa, em termos que, especificamente não a vinculem, manifeste a intenção de não ir praticar determinado acto e, depois, o pratique.
Assim, e em primeiro lugar, há que averiguar se podemos ter por verificado algum comportamento contraditório por parte da autora.
Quanto a tal questão, provou-se o seguinte circunstancialismo factual:
- Desde meados de 2005 o pai da autora adoeceu, tendo o mesmo, por tal facto, ficado impossibilitado de gerir os seus assuntos relacionados com a administração do prédio de que o andar locado faz parte;
- Daí a autora ter passado a administrar o prédio de que o andar locado faz parte;
- No início do ano de 2005, o pagamento das rendas passou a ser feito por transferência bancária para uma conta titulada pela autora, tendo a A. emitido alguns recibos de renda;
- Por carta data de 10 de Janeiro de 2005, subscrita pela autora e recebida pela ré, fez constar que “em conformidade com o acordado com o meu pai, ..., na qualidade de co-proprietária da fracção autónoma de que V. Ex.ª é inquilino(a), venho, para os devidos efeitos, informá-lo(a) que todos os assuntos relacionados com o prédio em epígrafe e com a fracção que habita, passarão a ser tratados directamente comigo”.
- Por carta datada de 21 de Fevereiro de 2005, dirigida à ora ré, a autora intitulou-se de “proprietária e senhoria”;
- O pai da A., usufrutuário do imóvel, veio a falecer em 27 de Junho de 2007, com 88 anos de idade.
De tal factualidade, pretende a Ré retirar a ilação de que a ora autora se assumiu como “proprietária e senhoria” ainda em vida do seu pai, usufrutuário, e “como se pretendesse a manutenção do contrato de arrendamento”.
Ora, titular da nua propriedade sempre o foi desde a escritura de 1 de Julho de 1971, pela qual foi transmitido a seu pai o usufruto e a si a nua propriedade do prédio em causa.
E do facto de numa única carta, das várias enviadas à Ré, a autora se auto intitular de “senhoria”[14], não pode inferir-se, por si só, que se está a assumir como sendo ela própria parte desse contrato, cabendo igualmente a outra hipótese por si aventada de que o fazia, tão só, em representação do seu pai, administrando os seus negócios.
Sobretudo, quando ficou expressamente demonstrado que a autora passou a administrar o prédio de que o locado faz parte na sequência de o seu pai ter ficado impossibilitado de gerir os assuntos relacionados com a administração do prédio (cfr. resp. aos pontos 5 e 5 da Base instrutória).
E, note-se que, na primeira carta dirigida pela Autora à Ré, pela qual lhe comunica que “todos os assuntos relacionados com prédio em epígrafe e com a fracção em que habita, passarão a ser tratados directamente comigo”, refere expressamente que o faz “em conformidade com o acordado com o meu pai, M…, na qualidade de co-proprietária”, o que igualmente aponta no sentido de que o faz, não por conta própria, mas em representação de seu pai e em nome deste.
E, haverá ainda que ter-se em consideração que a administração do prédio onde se inseria o locado, por parte da autora, se cingiu unicamente aos dois últimos anos de vida do usufrutuário, vindo este a falecer com 88 anos de idade[15].
Por outro lado, em vida do usufrutuário, a ora autora não tinha como por em causa a qualidade da ré como arrendatária – esta encontrava-se então no locado ao abrigo de um contrato de arrendamento inteiramente válido e em vigor.
Face às considerações expostas, não se vê como se possa extrair do seu comportamento em vida do seu pai, usufrutuário, que à morte deste iria “reconhecer a ré como arrendatária” e que “tal contrato se manteria”.
Com a morte do usufrutuário, pai da autora, que outorgou o contrato de arrendamento em causa, ocorreu a caducidade do arrendamento, nos termos do art. 1051º, al. c), do CC.
Como se refere no Acórdão do STJ de 16.09.2010, quando o último usufrutuário morre, cessando, finalmente, o direito de usufruto à sombra do qual o contrato de arrendamento foi celebrado, “com esta morte, com a cessação desse direito, caduca o contrato de arrendamento celebrado. Inexoravelmente, atento o disposto no art. 66º, nº1 do RAU e no art. 1951º, al. c), do CCivil. Caducou. Caducou.
Não pode passar por aqui qualquer noção de abuso de direito – art. 334º do CC – porque não passa por aqui o exercício de qualquer direito por forma a que ele, o exercício, possa eventualmente ser considerado ilegítimo.
A caducidade é apenas uma consequência – automática – da morte do usufruto, sem qualquer interferência da vontade do seu titular ou do titular da nua propriedade que possa ser (ou não ser) ofensiva da boa-fé, dos bons costumes ou do fim económico ou social do direito.
O contrato de arrendamento caducou, portanto.
Ope legis.[16]”.
A causa de cessação do contrato em causa – caducidade – opera independente de qualquer manifestação de vontade.
E, após a morte do usufrutuário, ocorrida a 27 de Junho de 2007, a autora enviou à Ré a carta junta como doc. 7, datada de 28 de Setembro, pela qual comunicou à Ré a morte do seu pai, invocando a caducidade do arrendamento e solicitando a sua entrega “no prazo de seis meses a contar da data de óbito, ou seja, 27 de Dezembro de 2007”.
O facto de até à sua carta de 28 de Setembro de 2007, a autora “nunca ter manifestado qualquer intenção de cessar ou resolver o contrato”, como alega a Ré, mostra-se irrelevante.
Com efeito, se o art. 1056º do CC prevê a renovação do contrato no caso de ocorrida a caducidade do arrendamento o locatário se mantiver no gozo do locado pelo período de um ano, sem oposição do senhorio, tal falta de oposição do senhorio tem de durar um ano:
“Enquanto este período não se mostrar decorrido, o senhorio não está limitado por qualquer posição anterior de não oposição, podendo sempre tomar iniciativas conducentes à desocupação do locado. É perfeitamente admissível que, disposto em dado momento, a anuir à renovação de um contrato caduco, o senhorio venha a resolver coisa diversa, desde que ainda não tenha decorrido o prazo de um ano a que alude o art. 1056º do CC[17]”.
De qualquer modo, no caso em apreço, não é invocado pela Ré, a ocorrência de qualquer facto posterior ao decesso do usufrutuário, do qual se pudesse retirar a intenção da Autora no sentido de não vir a invocar a caducidade resultante do falecimento do usufrutuário (a não ser um eventual silêncio de três meses após o óbito do usufrutuário, sendo certo que o art. 1053º do CC impede que a restituição do prédio seja exigida antes de decorridos seis meses sobre a verificação do facto que determina a caducidade).
Ora, o facto de a autora, durante a vida de seu pai e enquanto administrou o prédio pelo facto deste se encontrar impossibilitado de o fazer, ter respeitado o contrato de arrendamento celebrado por este na qualidade de usufrutuário, não é minimamente contraditório com a invocação da caducidade de tal arrendamento após a morte do usufrutuário, seu pai[18].
Após a morte de seu pai, limitou-se a pedir a restituição do imóvel, sendo que, o art. 1053º do CC a impedia de exigir a entrega antes de decorridos seis meses sobre a verificação do facto que determina a caducidade.
Ou seja, e desde logo, não se tem por verificado, a ocorrência de qualquer comportamento contraditório por parte da autora.
O princípio da confiança exige que as pessoas sejam protegidas quando, em termos justificados, tenham sido levadas a acreditar na manutenção de um certo estado de coisas[19].
Ou seja, seria necessário que a conduta da autora fosse de molde a criar, razoavelmente, na Ré uma expectativa factual, sólida, de que não viria, após o falecimento do seu pai, a invocar a caducidade do arrendamento.
Assim, e ainda que a Ré tenha confiado que a Autora não viria a invocar a caducidade do arrendamento, tal confiança não se mostra sustentada em qualquer comportamento inequívoco da autora, pelo que não se descortinam quaisquer razões para proteger tal confiança.
Assim como, não se encontra alegada qualquer matéria que integre “um investimento de confiança” por parte do Ré de modo a que a invocação da caducidade do arrendamento se possa traduzir numa situação de clara injustiça.
E, por fim, nem sequer é alegada a verificação de qualquer desequilíbrio no exercício de tal direito, não se encontrando demonstrada qualquer desproporção entre o benefício que a autora obtém com o exercício do seu direito e o sacrifício que o mesmo acarreta para a Ré.
A aplicação do abuso do direito terá de depender, sempre, de terem sido invocados e demonstrados os competentes factos constitutivos[20].
E, além do mais, deverá ser reservado aos casos em que o exercício do direito leve a clamorosos casos de injustiça[21]”.
Não se tendo por demonstrado o invocado abuso de direito, improcede a apelação interposta pela Ré.
IV – DECISÃO
Pelo exposto, os juízes deste tribunal da Relação acordam em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas da apelação a suportar pela Ré/recorrente.
V – Sumário, elaborado nos termos do art. 713º, nº7, do CPC.
1. O alegado facto de o titular da nua propriedade ter vindo a receber rendas em vida do usufrutuário/locador e a intitular-se como senhorio, seria, por si só, insuficiente para se ter por verificada uma renúncia ao usufruto.
2. Do facto de, na qualidade de administradora dos bens do pai, usufrutuário, reconhecer a Ré como arrendatária, não se pode inferir que, uma vez falecido este não iria invocar a caducidade do arrendamento com fundamento na al. c) do art. 1051º do CC, inexistindo qualquer comportamento contraditório no pedido de restituição do locado.
Lisboa, 15 de Dezembro de 2011
Maria João Areias
Luís Lameiras
Roque Nogueira
----------------------------------------------------------------------------------- [1] E não ao regime do RAU, como se infere da sentença recorrida. [2] “A Cessação da Relação de Arrendamento Urbano no NRAU”, estudo publicado in THEMIS, Revista da FC da UNL, Ano VIII, Nº15 – 2008, pag. 69. [3] Denominação dada por alguns autores à reunião numa mesma pessoa do usufruto e da nua propriedade (por negócio entre vivos ou por sucessão mortis causa: ou porque o proprietário adquira o usufruto ou porque o usufrutuário adquira a nua propriedade. [4] O nº1 do art. 1476º do CC prevê que o usufruto se extingue: a) com a morte do usufrutuário; b) pela reunião do usufruto e da propriedade na mesma pessoa; c) pelo seu não exercício durante 20 anos; d) pela perda total da coisa fruída; e) pela renúncia. [5] Segundo Menezes Cordeiro, em rigor, dever-se-ia exigir escritura pública e registo, para que a renúncia produza totalmente os seus efeitos – “Direitos Reais”, LEX, 1979, pag. 547 e 548. [6] Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, pela excepção prevista na al. b), pretende-se evitar que a caducidade do contrato de arrendamento fique, injustificadamente, da dependência exclusiva da vontade do usufrutuário locador, respeitando a lei as expectativas do locatário até onde parece justo e criterioso respeitá-las – “Código Civil Anotado”, Vol. II, 4ª ed., pag. 395. [7] Cfr. Ac. do Trib. Rel. Lisboa de 23.04.98, in Bases de Dados Jurídicas, Acordãos da Relação de Lisboa – on line, disponível em http://WWW.dgsi.pt/jtrl. (nº convencional JTRL00021291). [8] Cfr., “Tutela da confiança e venire contra factum proprium”, Obra Dispersa, Vol. I, pag. 415 a 418. [9] “Da Boa Fé no Direito Civil”, Colecção Teses, Almedina 2007, pag. 745. [10] “Sobre a Proibição do Comportamento Contraditório (Venire Contra Factum Proprium) no Direito Civil”, in Boletim da FDUC, Vol. Comemorativo 2003, pags. 275 e 276. [11] Cfr., “Da Boa Fé no Direito Civil”, Colecção Teses, Almedina 2007, pag. 750 [12] João Baptista Machado, “Obra Dispersa”, estudo citado, pag. 416. [13] Cfr., António Menezes Cordeiro, “Contrato Promessa – art. 410º, nº3, do CC – Abuso de Direito – Inalegabilidade Formal”, in ROA, nº 58, Vol. II, Julho 1998, pag. 964. [14] Auto denominação que mais desvalorizada ficará, se atentarmos no facto de terem sido enviadas cartas semelhantes à testemunha Venâncio, também ele arrendatário, cujo arrendamento foi celebrado pelos anteriores proprietários do prédio e que, como tal, não caducaria pela morte do pai da autora. [15] Conforme certidão de óbito junta aos autos. [16] Acórdão relatado por Pires da Rosa, e disponível in http://www.dgsi.pt/jstj. [17] Acórdão do STJ de 22.05.2001, disponível in CJ STJ Ano IX, T2, pag. 96. [18] Situação diversa seria se a filha do usufrutuário, após a morte deste, se tivesse comportado como se não tivesse ocorrido o facto que determinara a caducidade do contrato, situação que, a prolongar-se por um ano poderia mesmo levar à renovação do contrato nos termos do art.1056º do CC. [19] Cfr., António Menezes Cordeiro, in “Do Abuso do Direito: estado das questões e perspectivas”, ROA Ano 65, Vol. II, Set.2005, disponível in http://www.oa.pt. [20] Cfr. António Menezes Cordeiro, “Tratado de Direito Civil Português”, I Parte Geral, Tomo I, 2ª ed., pag. 247. [21] Cfr., Acórdão da Relação de Lisboa de 29-04-2010, relator, Fátima Galante, disponível in http://.dgsi.pt/jtrl.