QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO
INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
RESERVA DA VIDA PRIVADA
INTERESSE PREPONDERANTE
Sumário

Iº Com a alteração introduzida pela Lei nº36/2010 de 2 de Setembro, ao art.79, nº2 al.d), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, o legislador pretendeu combater a morosidade processual, facilitando o acesso das autoridades judiciárias, no âmbito de um processo, à informação bancária, deste modo pondo fim à aplicação, ao sigilo bancário, do incidente de quebra de segredo profissional regulado no Código de Processo Penal;
IIº O direito constitucional do cidadão da reserva da intimidade da sua vida privada, no tocante ao segredo bancário, não é tutelado com a mesma intensidade de outros aspectos da vida pessoal, tendo de ceder perante interesses públicos e prevalentes do combate à criminalidade e do exercício do jus puniendi, em nome da preponderância e salvaguarda destes outros direitos constitucionalmente protegidos;

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I - RELATÓRIO
1. No Juízo de Instrução Criminal – Juiz 1 – da Comarca da Grande Lisboa – Noroeste, Processo de Inquérito com o nº 828/11.6TDLSB, foi proferido despacho, aos 18/05/2011, que ordenou à “Banco ...” o fornecimentos de elementos informativos relativos à identificação completa e morada de titulares de uma conta bancária sedeada naquela instituição.


2. Inconformada com o teor do referido despacho, dele interpôs recurso a “Banco ...”, para o que formulou as seguintes conclusões (transcrição):

1. Andou mal o Tribunal a quo ao considerar ilegítima a escusa apresentada pela “Banco ...”, S.A. e consequentemente determinar aos recorrentes A …, B… e C… que prestassem a informação solicitada pelo Ministério Público a 11s. ..., sob pena de incorrerem na prática de um crime de elesobediencia;
2. A informação solicitada pelo Ministério Público à “Banco ...”, S.A. encontra-se sujeita a segredo, nos termos do disposto no artigo 78.º do RGICSF;
3. O Tribunal a quo não interpretou correctamente a alínea d) do n.° 2 do artigo 79.° do RGICSF, que dispõe que os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal:
4. E parece ter aplicado indevidamente ao caso o disposto no artigo 135.°, n.º 2, do CPP, pretendendo não ter a “Banco ...”, S.A. legitimidade para se escusar à prestação da informação em causa, o que equivale a dizer que entendeu não existir in casu dever de guardar segredo profissional;
5. Nos termos do disposto no artigo 9.º do Código Civil, a norma contida na alínea d) do n.° 2 do artigo 79.º do RGICSF não pode ser interpretada fora do contexto sistémico em que se integra;
6. E devem antes de mais aplicar-se, no âmbito de um processo penal, as normas da CRP, designadamente a disposição contida no seu artigo 26.º, que dispõe que a todos é reconhecido o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar;
7. Atendendo à forma como é actualmente utilizado o sistema bancário, o acesso à informação bancária dos cidadãos permite determinar os exactos contornos da respectiva vida privada;
8. Nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, a lei apenas pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos;
9. A ponderação exigida pela CRP para que ocorram as restrições referidas em 8 antecedente apenas poderá resultar da intervenção de um tribunal superior, nos termos do disposto no artigo 135.º, n.° 3, do CPP;
10. A interpretação que o Tribunal a quo faz da norma contida na alínea d) do n.º 2 do artigo 79.º do RGICSF não respeita o disposto nos artigos 18.° e 26.° da CRP, facto que aqui se argui para todos os efeitos;
11. A alteração legislativa que esteve na origem da actual redacção da alínea d) do n.° 2 do artigo 79.º do RGICSF não alterou o regime de tutela do segredo bancário em sede de processo penal;
12. O n.° 2, do artigo 79.° do CPP pretende apenas determinar as entidades às quais a informação sujeita a sigilo pode ser revelada, contendo regras de apuramento de legitimidade passiva para recepção da informação em causa, tal não significando contudo que não devam ser respeitadas as normas casuisticamente aplicáveis para que a informação possa ser prestada às entidades aí referidas;
13. Ao contrário do que pretende o Tribunal a quo, não veio o legislador introduzir na alínea d) do n.º 2 do artigo em causa qualquer excepção ao padrão constante das restantes alíneas do mencionado preceito, que devem ser complementadas com as regras procedimentais casuisticamente aplicáveis no sentido de possibilitar a prestação da informação coberta pelo dever de segredo;
14. Assim, quando se refere que a informação bancária pode ser revelada, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 79.º do RGICSF, às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal, deverá entender-se que tal informação deve ser prestada nos termos das disposições aplicáveis do processo penal, que se mantiveram inalteradas;
15. A introdução do actual n.º 3 do artigo 79.° do RGICSF em nada interfere com as conclusões supra expendidas, antes evidenciando incongruência na interpretação que o Tribunal a quo parece fazer da alínea d) do n.° 2 do artigo 79.° do RGICSF;
16. Atendendo ao que antecede, é legitima a escusa na prestação da informação solicitada, ao abrigo do disposto nos artigos 78.° do RGICSF e 135.° e 182.º, ambos do CPP;
17. A quebra de sigilo pela “Banco ...”, S.A. ou por qualquer dos demais recorrentes fá-los-ia aliás incorrer na violação do dever de segredo, nos termos e com as consequências previstos nos artigos 84.° do RGICSF e no artigo 195.° do Código Penal;
18. É assim ilícita a aplicação feita in casu pelo Tribunal a quo do disposto no artigo 135.º, n.° 2, do CPP, violando o disposto nos artigos referidos em 16 antecedente;
19. Acresce que, ao usar da competência atribuída ao Tribunal da. Relação pelo n.° 3 do artigo 135.º e pelo artigo 12.º ambos do CPP, verifica-se a nulidade insanável a que se refere a alínea e) do artigo 119.º do CPP, que aqui expressamente se argui, com as consequências estatuídas no n.° 1 do artigo 122.° do CPP;
20. O despacho referido deverá assim ser revogado e substituído por outro que permita, quer a “Banco ...”, S.A., quer aos demais recorrentes, que guardem segredo acerca da informação em causa, a menos que venha a ser determinada a quebra de tal segredo, nos termos legais;
21. Assiste aos recorrentes legitimidade para interposição do presente recurso, nos termos do disposto no artigo 401º, n.º 1, alínea d), do CPP.
Termos em que deve o despacho ora recorrido ser revogado e substituído por outro que considere legítima a escusa na prestação da informação bancária solicitada e, sendo caso disso, desencadeie a aplicação do disposto no artigo 135º, n.° 3, do CPP.
3. Respondeu à motivação de recurso o Ministério Público, com o entendimento de que a recusa da “Banco …” a fornecer os elementos solicitados, os quais são imprescindíveis à descoberta da verdade material, é ilegítima, pelo que consequentemente não deve ser concedido provimento ao recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida nos seus exactos termos.

4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunto emitiu parecer pugnando pela improcedência do recurso, com fundamento, no essencial, na posição expressa na resposta em 1ª Instância.


5. Não foi apresentada resposta pela recorrente.


6. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.


Cumpre apreciar e decidir.



II - FUNDAMENTAÇÃO


1. Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/95, DR I Série A, de 28/12/95.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:
- Se a recusa da “Banco ...” em fornecer a informação relativa a elementos bancários solicitada pelo Ministério Público no âmbito de um processo de Inquérito é legítima, face à redacção da alínea d), do nº 2, do artigo 79º, do RGICSF, introduzida pela Lei nº 36/2010, de 2 de Setembro.
- Se se verifica a nulidade insanável a que se refere a alínea e), do artigo 119º, do CPP, por o tribunal recorrido ter usado da competência atribuída ao Tribunal da Relação pelos artigos 135º, nº 3 e 12º, do CPP.


2. Elementos relevantes para a apreciação deste recurso


2.1 Nos autos de Inquérito supra referenciados investigam-se factos consubstanciadores da prática de crimes de burla, p. e p. pelo artigo 217º e falsificação, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1, alíneas a) e e), do Código Penal.


2.2 No seu âmbito, o Ministério Público, em 09/03/2011 solicitou à “Banco ...” “que identifique e forneça a respectiva morada, do titular da conta a que corresponde o NIB que é indicado a fls. 10”, fazendo referência ao disposto no artigo 79º, nº 2, alínea d), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, alterado pela Lei nº 36/2010, “que excepciona o regime de sigilo bancário, estipulando que os factos a coberto do mesmo podem ser revelados “às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal”.


2.3 A “Banco ...” não prestou a informação pretendida, fundando-se em que “a nova redacção da alínea d), do nº 2, do RGICSF, efectuada pela Lei nº 36/2010, de 2 de Setembro, não fundamenta a derrogação do segredo. Não há qualquer redução, ampliação ou por qualquer forma alteração do regime de tutela do segredo em sede de processo penal, de processo civil, ou noutro qualquer tipo de processo. E em consequência, as normas legais, do Código penal, Código de Processo Penal e Código de Processo Civil continuam a aplicar-se do mesmo modo sempre que uma instituição de crédito for directamente interpelada por autoridade judicial ou judiciária”.


2.4 Insistiu o Ministério Público, notificando a “Banco ...” para os mesmos efeitos, agora com a advertência de que “nova recusa será tomada como ausência de colaboração na descoberta da verdade, o que poderá vir a acarretar uma eventual condenação em multa”, respondendo esta com nova recusa, afirmando que a mesma é legítima.

2.5 Determinou então o Ministério Público a remessa dos autos ao Juízo de Instrução Criminal, promovendo a notificação da “Banco ...” para a prestação das informações em falta, sob cominação de multa processual.

2.6 Aos 18/05/2011 foi proferida a decisão objecto do recurso (transcrição):
Conforme dispõe, expressamente, o art° 79°, n° 2, al. d), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo DL n° 298/92, de 31 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei 36/2010, de 02 de Dezembro, fora do caso previsto no número anterior, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados, entre outras entidades onde se incluem o Banco de Portugal ou CMVM e administração tributária, às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal.
São autoridades judiciárias, como prevê o art° 1°, al. b), do CPP, o juiz, o juiz de instrução e o Ministério Público.
Assim, é ilegítima a recusa da “Banco ...”.
Nestes termos, ordeno à “Banco ...”, na pessoa do seu legal representante, que no prazo de cinco dias forneça os elementos em causa, sob pena de os agora notificados incorrerem na prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo art° 348°, n° 1, al. b), do Código Penal, sem prejuízo de virem a ser condenados nas sanções processuais legalmente previstas para a falta de colaboração para a realização da justiça e apreensão a realizar nos termos do disposto no art° 181°, do CPP.
Notifique, com cópia de fls. 29, 31 a 33, 43 a 49 e deste despacho, na pessoa dos subscritores do documento de fls. 29 e do Presidente do Conselho de Administração da “Banco ...”, SA.

Apreciemos

Estabelecia-se no artigo 79º, do Decreto-Lei nº 298/92, de 31/12 (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras), na redacção anterior à entrada em vigor da Lei nº 36/2010, de 02/09;

1 - Os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição podem ser revelados mediante autorização do cliente, transmitida à instituição.
2 - Fora do caso previsto no número anterior, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados:
a) Ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições;
b) À Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, no âmbito das suas atribuições;
c) Ao Fundo de Garantia de Depósitos e ao Sistema de Indemnização aos Investidores, no âmbito das respectivas atribuições;
d) Nos termos previstos na lei penal e de processo penal;
e) À administração tributária, no âmbito das suas atribuições;
f) Quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo”.

Com a entrada em vigor da aludida Lei nº 36/2010 – 180 dias após a sua publicação – tal disposição legal passou a ter a seguinte redacção:
“1 - Os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição podem ser relevados mediante autorização do cliente, transmitida à instituição.
2 - Fora do caso previsto no número anterior, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados:
a) Ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições;
b) À Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, no âmbito das suas atribuições;
c) Ao Fundo de Garantia de Depósitos e ao Sistema de Indemnização aos Investidores, no âmbito das respectivas atribuições;
d) Às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal;
e) À administração tributária, no âmbito das suas atribuições;
f) Quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo.
3 - É criada no Banco de Portugal uma base de contas bancárias existentes no sistema bancário na qual constam os titulares de todas as contas, seguindo-se para o efeito o seguinte procedimento:
a) No prazo de três meses a contar da entrada em vigor da presente norma todas as entidades autorizadas a abrir contas bancárias seja de que tipo for enviam ao Banco de Portugal a identificação das respectivas contas e respectivos titulares, bem como das pessoas autorizadas a movimentá-las, incluindo procuradores, indicando ainda a data da respectiva abertura;
b) Enviam, ainda, ao Banco de Portugal informações sobre a posterior abertura ou encerramento de contas, indicando o respectivo número, a identificação dos seus titulares e das pessoas autorizadas a movimentá-las, incluindo procuradores, a data de abertura ou do encerramento, o que deverá ocorrer mensalmente e até ao dia 15 de cada mês com referência ao mês anterior;
c) O Banco de Portugal adopta as medidas necessárias para assegurar o acesso reservado a esta base, sendo a informação nela referida apenas respeitante à identificação do número da conta, da respectiva entidade bancária, da data da sua abertura, dos respectivos titulares e das pessoas autorizadas a movimentá-las, incluindo procuradores, e da data do seu encerramento, e apenas podendo ser transmitida às entidades referidas na alínea d) do n.º 2 do presente artigo, no âmbito de um processo penal”.
Ou seja, para a questão que nos interessa, foi dada uma nova redacção à alínea d) do nº 2, passando a constar que “os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados (…) às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal” em vez de “os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados (…) nos termos previstos na lei penal e de processo penal”.

Como refere o Acórdão desta Relação de 14/09/2011, Proc. nº 1214/10.0PBSNT-A.L1 3ª Secção, sumariado em www.pgdl.pt:

“Com a alteração introduzida pela Lei nº36/2010, de 2 de Setembro, ao artº 79º, nº2, al.d) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, o legislador pretendeu agilizar o procedimento relativo à obtenção de informações cobertas pelo segredo bancário, atribuindo, às autoridades judiciárias, competência para as solicitar. Desse modo, a lei reconheceu que o interesse da investigação prevalece face ao direito de reserva da vida privada do titular de uma conta bancária e que, por essa razão, o dever de segredo cai perante a solicitação de uma autoridade judiciária efectuada no âmbito de um processo penal.

Face à definição contida no artº 1, al.b) do CPP, encontrando-se o processo em fase de inquérito cabe necessariamente ao Ministério Público, enquanto autoridade judiciária e titular da direcção do inquérito, solicitar as informações bancárias, revelando-se ilegítima a recusa da entidade bancária em fornecer os elementos assim solicitados”.

Entendimento que merece a nossa absoluta concordância e cujos fundamentos são reforçados pelo consagrado no nº 3, do mesmo artigo 79º, designadamente na sua alínea c) que, como elucida o Acórdão desta Relação e secção de 25/10/2011, Proc. nº 1410/09.3JDLSB-A.L1, consultável em www.dgsi.pt, “teve a sua génese no Projecto de Lei n.º 221/XI que criou no Banco de Portugal uma base de dados de contas bancárias:

“Exposição de motivos:
O processo até agora seguido, de consulta ao Banco de Portugal, que por sua vez dirige consulta a todas as instituições financeiras, sobre a existência de contas bancárias em nome de determinada entidade ou entidades, não se afigura ser o mais prático e resulta em delongas que afectam o regular andamento dos processos, podendo aliás, propiciar mais fácil fuga à acção da justiça. Pelo que, importa facilitar o acesso das autoridades judiciárias, no âmbito de um processo, à informação da existência de conta bancária e dos seus titulares. Impõe-se, assim, a criação no Banco de Portugal de uma base de dados que identifique os titulares de contas, independentemente da sua natureza. Tal base deverá ser constituída através de informações de abertura e fecho de contas e numa primeira fase da titularidade das contas bancárias existentes no sistema com indicação, tão-somente, da dos seus titulares. (…)”.

Ora, se o escopo da alteração legislativa foi o de combater a morosidade processual, evitando a fuga à acção da justiça desta decorrente e para o evitar se teve o propósito de facilitar o acesso das autoridades judiciárias – onde se compreendem o juiz, o juiz de instrução e o Ministério Público, cada um relativamente aos actos processuais que cabem na sua competência, conforme a definição consagrada no artigo 1º, alínea b), do CPP que, obviamente, o legislador não desconhecia - no âmbito de um processo, à informação bancária, não se compreende como é que, efectuando essa alteração nos termos em que o fez, tivesse deixado tudo na mesma, como pretende a recorrente.

Manifestamente que a interpretação sustentada pela “Banco ...” não tem apoio na letra da lei, nem nos elementos interpretativos histórico e teleológico, para além de que esvazia de sentido a alteração legislativa, não podendo ter acolhimento, não se aplicando ao caso o disposto no nº 3, do artigo 135º, do CPP, pois a intenção do legislador foi exactamente “de pôr fim à aplicação ao sigilo bancário do incidente de quebra de segredo profissional regulado no código de processo penal”, como afirma João Latas, no estudo “Sigilo bancário – sentido e alcance da alteração introduzida pela Lei 36/10 de 2 de Setembro à al. d) do n.º 2 do art. 79.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras aprovado pelo Dec-lei 298/92 de 31 de Dezembro com as alterações posteriores”, consultável em www.tre.pt, pag. 7.

Este tem sido também o entendimento firme dos nossos Tribunais Superiores, apenas referindo, a título meramente exemplificativo, os Acs. R. de Lisboa de 19/10/2011, Proc. nº 2061/08.5PFLRS-A.L1-3 e 25/10/2011, Proc. nº 1410/09.3JDLSB-A.L1-5; Acs. R. de Guimarães de 03/10/2011, Proc. nº 1480/06.6TAGMR-C.G1; 03/10/2011, Proc. nº 85/09.4GAMLG-A.G1 e 03/10/2011, Proc. nº 1135/09.0PCBRG-B.G1; Acs. R. do Porto de 19/10/2011, Proc. nº 10228/08.0TDPRT-A.P1; 26/10/2011, Proc. nº 959/10.0PJPRT-A.P1 e 02/11/2011, Proc. nº 1898/09.2PHMTS-A.P1; Acs. R. de Coimbra de 19/10/2011, Proc. nº 1688/09.2PBVIS-A.C1; 02/11/2011, Proc. nº 262/10.5JACBR-A.C1 e 16/11/2011, Proc. nº 288/10.9PBVIS-A.C1 e Ac. R. de Évora de 25/10/2011, Proc. nº 756/10. 2PBFAR-A.E1, todos consultáveis em www.dgsi.pt.

Sustenta ainda a recorrente que a interpretação efectuada pelo tribunal recorrido da norma contida na alínea d), do nº 2, do artigo 79º, do RGICSF, não respeita o disposto nos artigos 18º e 26º, da CRP.

Não tem, porém, a razão pelo seu lado.

Na verdade, o direito de reserva de intimidade da vida privada e familiar tutelado no artigo 26º, da Lei Fundamental não prevalece, tem mesmo de se subalternizar, face aos interesses superiores do Estado de Direito Democrático de combate à criminalidade e da realização da justiça, na exacta medida em que tal se tenha por necessário, proporcional e adequado, como ocorre no caso em apreço, conforme resulta do nº 2, do artigo 18º, da CRP.

Como se refere no Ac. R. de Guimarães de 03/10/2011, Proc. nº 85/09.4GAMLG-A.G1, supra referenciado:

“Tal interpretação em nada fere, nem as regras de interpretação das leis previstas no art.º 9º do Código Civil (designadamente, por a mesma ser reforçada pelas circunstâncias em que a lei foi elaborada, e pelo “processo” que levou à actual redacção), nem o art.º 26º da CRP, já que, conforme supra se afirmou o direito à reserva da vida privada é um interesse e direito individual, mas no âmbito “dos direitos ao segredo de ter” (Comes Canotilho e Vital Moreira, citados no Estudo supra referido), “…que dificilmente se podem considerar abrangidos pela protecção constitucional aos direitos de personalidade, nomeadamente pelo art. 26º n.º 1 da CRP”.

É que “o direito constitucional do cidadão da reserva da intimidade da sua privada, no tocante ao segredo bancário, não é tutelado com a mesma intensidade como outros aspectos da vida pessoal, tendo que ceder perante os interesses públicos e prevalentes do combate à criminalidade e do exercício do jus puniendi, em nome da preponderância e salvaguarda destes outros direito constitucionalmente protegidos (n.º 2 do art.º 18º da CRP), pelo que, e não esquecendo as questões que se podem pôr à consideração de constitucionalidade da norma em causa (ver Estudo citado, pág. 20 e seguinte), não se considera ser a mesma inconstitucional”.

Assim, a interpretação da norma em causa plasmada na decisão revidenda não infringe o consagrado no artigo 9º, do Código Civil (como também se parece afirmar nas conclusões de recurso), nem padece de inconstitucionalidade alguma e, concretamente, por infracção das normas constitucionais pela recorrente invocadas.

E, considerando tudo o que já se mencionou supra, improcede a nulidade insanável a que se refere a alínea e), do artigo 119º, do CPP, que a recorrente também invocou.

Face ao que, ao recurso tem de ser negado provimento.

III - DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam os Juízes da 5ª Secção desta Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso e confirmar o despacho recorrido.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC.

Lisboa, 20 de Dezembro de 2011

Relator: Artur Vargues;
Adjunto: Jorge Gonçalves;