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COMISSÃO DE SERVIÇO
Sumário
I – Antes da previsão legal do regime da comissão de serviço, era consensualmente aceite a validade dos acordos de comissão de serviço celebrados ao abrigo de instrumentos de regulamentação colectiva, nos precisos termos em que neles era regulada esta modalidade contratual. II – Contudo, depois da vigência do Decreto-Lei n.º 404/91, de 16.10, que veio estabelecer um regime legal preciso e excepcional, as comissões de serviço já constituídas e as que vieram a constituir-se ao abrigo dos instrumentos de regulamentação colectiva passaram a estar submetidas ao regime jurídico deste diploma legal. III – Face à exclusão expressamente imperativa do n.º 2 do artigo 1º do DL 404/91, com a respectiva excepção, a disposição da parte final do n.º 1 do mesmo artigo, que remete para a contratação colectiva a criação de outras funções que podem ser exercidas em comissão de serviço, significa que se permite que, por contratação colectiva, empregador e estruturas representativas dos trabalhadores criem comissões de serviço no caso de funções “cuja natureza se fundamente numa especial relação de confiança” (n.º 1), mas excluindo os cargos de chefia directa e todos os outros cargos hierárquicos que não envolvam coordenação de outras chefias, salvo tratando-se de dirigente máximo de estabelecimento com um número de trabalhadores não superior a 20, desde que, neste caso, envolva capacidade de gestão e chefia directamente dependentes da Administração (nº 2). IV – O cargo de chefe de uma estação de correio, ao reportar a um director de zona e ao chefiar directamente os trabalhadores do estabelecimento, não integra as hipóteses em que a lei permite o recurso à comissão de serviço. V – No caso de nulidade de comissão de serviço interna para provimento de cargos que a não admitem, deve considerar-se o acordo de comissão de serviço como não celebrado, suscitando-se a aplicação das regras gerais do direito do trabalho, designadamente as relativas à protecção da categoria profissional. (Elaborado pela Relatora)
Texto Parcial
Acordam, em Conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
П 1. Relatório
1.1. AA intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra CTT-Correios de Portugal, S.A. pedindo:
1) a declaração de nulidade da sua nomeação, em comissão de serviço, para o exercício das funções de chefe da estação de correios de ..., em Lisboa;
2) a condenação da ré a reclassificá-la na categoria profissional de assistente de gestão;
3) a condenação da ré no pagamento da retribuição mensal no valor de € 1.240,68, acrescida das diferenças salariais vencidas e vincendas, diuturnidades e juros de mora vencidos e vincendos;
4) a condenação da ré no pagamento da quantia de € 39,31 que lhe descontou indevidamente no mês de Fevereiro de 2007, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos.
Em fundamento da sua pretensão, alegou, em síntese: que em Fevereiro de 1981 foi admitida pela ré para desempenhar funções de técnica postal e de gestão e que em Setembro de 1993 a ré a nomeou, em comissão de serviço, como chefe da estação de correios de ..., em Lisboa, cargo que manteve até 29 de Dezembro de 2006; que esta nomeação é nula porque a comissão de serviço apenas se aplica a cargos dependentes da administração e está excluída dos cargos que não envolvam coordenação de outras chefias; que o núcleo essencial das funções que exerceu para a ré desde Setembro de 1993 até Dezembro de 2006 aproxima-se mais da categoria de assistente de gestão; que durante o período em que exerceu funções de chefia a ré lhe pagou, mensalmente, subsídios de chefia e de telefone de residência; que uma vez cessada a comissão de serviço, a ré deixou de pagar-lhe estes subsídios e descontou-lhe, a este título, a quantia global de € 39,34, o que viola o disposto na cláusula 74ª do AE/CTT e o princípio da irredutibilidade da retribuição.
Na contestação apresentada a R. veio defender a licitude da nomeação da autora em comissão de serviço e que a atribuição dos subsídios cujo pagamento é reclamado depende do efectivo exercício das funções de chefia, pelo que defende a improcedência da acção e a sua absolvição dos pedidos.
Foi dispensada a fixação de matéria de facto assente, bem como a organização de base instrutória e proferido despacho saneador.
Após a junção de documento contendo acordo das partes quanto a alguns dos factos em litígio, realizou-se audiência de discussão e julgamento e foi proferido despacho a decidir a restante matéria de facto (fls. 99 e ss.), após o que a Mma. Julgadora a quo proferiu sentença que terminou com o seguinte dispositivo: «Em face de tudo o exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência: 1. Condeno a ré, CTT-Correios de Portugal, S.A., a manter o salário base mensal da autora, AA, no valor de €1.201,80, até que a evolução salarial relativa à categoria profissional da autora, em conjunto com as diuturnidades, atinja valor superior; 2. Condeno a ré, CTT-Correios de Portugal, S.A., a manter à autora, AA, o subsídio de telefone de residência; 3. Condeno a ré, CTT-Correios de Portugal, S.A., a pagar à autora, AA, a quantia de €39,31, acrescida de juros de mora, computados à taxa legal de 4% desde a data do respectivo desconto até integral pagamento; 4. Condeno a ré, CTT-Correios de Portugal, S.A., a pagar à autora, AA, as diferenças salariais resultantes da inclusão na sua retribuição mensal, desde Fevereiro de 2007, das quantias referentes a subsídios de chefia e de telefone de residência, acrescidas de juros de mora, computados à taxa legal de 4% desde a data de vencimento de cada prestação até integral pagamento; 5. Absolvo a ré dos restantes pedidos formulados.»
1.2. A A., inconformada interpôs recurso desta decisão, tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
(…)
1.3. Igualmente a R. se mostrou irresignada com a sentença e interpôs recurso da mesma, tendo rematado o texto alegatório com as seguintes conclusões:
(…)
1.4. A R. respondeu à alegação da A. nos termos de fls. 161 e ss., defendendo a improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida relativamente aos dois pedidos a que o mesmo se reporta.
1.5. Mostra-se lavrado despacho de admissão a fls. 170.
1.6. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, em parecer que não mereceu resposta das partes, no sentido de a sentença não ser revogada.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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* 2. Objecto do recurso
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O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes – artigo 684.º, n.º 3 do Código de Processo Civil aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho – ressalvadas as questões de conhecimento oficioso.
Assim, vistas as conclusões de ambos os recursos, as questões que fundamentalmente se colocam à apreciação deste tribunal prendem-se com a análise:
2.1 Quanto ao recurso da A.:
· da nulidade da nomeação em comissão de serviço como chefe de estação de correios;
· da pretendida reclassificação profissional da autora com assistente de gestão (ASG);
2.2 Quanto ao recurso da R.:
· da inclusão na retribuição mensal da A. das quantias referentes a subsídios de chefia e de telefone de residência que auferiu enquanto desempenhou as funções de chefe de estação de correios.
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* 3. Fundamentação de facto
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3.1. Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram fixados pela sentença recorrida nos seguintes termos:
«[...] 1º A autora foi admitida para prestar serviço por conta e sob a autoridade da ré em Fevereiro de 1981; 2º Desde a data da sua admissão até ao presente a autora mantém a categoria de técnica postal e de gestão (TPG); 3º A autora exerceu funções nas estações de correios de O... e ... e desde 2007 na estação de correios de ..., onde se mantém; 4º Em Setembro de 1993 a ré nomeou a autora, em comissão de serviço, como chefe da estação de correios de ..., em Lisboa; 5º No exercício das funções de chefia da estação de correios de ... a autora não coordenava outras chefias; 6º No exercício das funções de chefia da estação de correios de ... a autora não estava directamente dependente da administração; 7º No exercício das funções de chefia da estação de correios de ... a autora reportava a um director de zona; 8º No exercício das funções de chefia da estação de correios de ... a autora coordenava, controlava e geria os resultados, função comercial e fundos financeiros, pessoal e instalações; 9º Na sequência da nomeação referida em 4º a ré passou a pagar à autora um subsídio de chefia e um subsídio de telefone de residência; 10º Em Janeiro de 2007 o subsídio de chefia cifrava-se no montante de €59,40; 11º Em Janeiro de 2007 o subsídio de telefone de residência cifrava-se no montante de €38,88; 12º Por despacho datado de 29 de Dezembro de 2006 a ré exonerou a autora das funções de chefia da estação de correios de ... e declarou cessado o pagamento dos subsídios de chefia e de telefone de residência que a autora auferia; 13º A ré não paga à autora subsídios de chefia e de telefone de residência desde o mês de Fevereiro de 2007; 14º No mês de Fevereiro de 2007 a ré descontou à autora a quantia de € 15,55 a título de subsídio de telefone de residência; 15º No mês de Fevereiro de 2007 a ré descontou à autora a quantia de €23,76 a título de subsídio de chefia; 16º Em 25 de Outubro de 2000 a ré a ré emitiu o despacho junto a fls. 30 referente a mudança de grupo profissional extraordinária, cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos; 17º As relações de trabalho entre autora e ré são reguladas pelos seguintes instrumentos de regulamentação colectiva: - PRT publicada no BTE nº 28, 1ª série, de 29.07.1977; - AE/CTT publicado no BTE nº 24, 1ª série, de 29.06.1981.
[...]».
3.2. No despacho de resposta à matéria de facto ficou ainda consignado não se ter provado “que os subsídios de chefia e de telefone de residência pagos à autora dependiam do efectivo exercício de funções de chefia” (vide fls. 100).
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3.3. No caso sub judice não foi impugnada a matéria de facto.
Cabe contudo ter presentes os poderes oficiosos de que o Tribunal da Relação dispõe para alterar a matéria de facto com base no disposto na alínea b) do artigo 712.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, por força de regras de direito probatório material (com a necessária observância dos limites que emergem dos artigos 664.º e 684.º, n.º 4 do mesmo diploma legal)[1].
A A. recorrente invoca na sua alegação factos que não ficaram a constar do elenco fáctico apurado e que têm interesse para a decisão do pleito (vide as conclusões XIII e XX do recurso da A.).
Analisados os articulados das partes e os documentos juntos aos autos, entendemos que, em bom rigor, tais pontos de facto deveriam integrar tal elenco, sendo certo que cabe nos poderes oficiosos deste tribunal aditar os mesmos à matéria de facto.
Com efeito, nos termos do artigo 713.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, aplicam-se ao acórdão da Relação as regras prescritas para a elaboração da sentença, entre as quais o artigo 659.º, n.º 3 (por força do qual o juiz deve tomar em consideração na fundamentação os factos admitidos por acordo e os provados por documento ou confissão reduzida a escrito), pelo que os factos admitidos por acordo ou plenamente provados por documento que não constem da matéria dada como provada pela 1.ª instância devem ser tidos em consideração pelo Tribunal da Relação, se relevantes para a decisão do pleito.
Além disso, ao verificar se houve (ou não) confissão tácita de uma das partes perante os factos alegados pela outra nos termos previstos no artigo 490.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, e ao aferir se determinado facto está (ou não) plenamente provado por documento de acordo com as regras dos artigos 362.º e ss. do Código Civil, a Relação mais não faz do que usar dos poderes conferidos pela alínea b) do n.º 1 do artigo 712.º, do CPC, ou seja, apreciar se ocorreu ou não ofensa de disposição expressa da lei sobre determinado meio de prova.
Assim, aditam-se à matéria de facto os seguintes: 18º A chefia que a A. exerceu é classificada pela R. como chefia nível 3; [facto alegado no artigo 7.º da petição inicial, expressamente aceite no artigo 1.º da contestação, referido nos artigos 17.º, 19.º e 20.º da mesma contestação e afirmado no documento de fls. 15 (subscrito pelo Administrador da R. e referido no ponto 12.º da matéria de facto provada)]; 19º As funções de chefe de estação de correios nível 3 que a Recorrente exerceu, bem como os requisitos exigidos pela Recorrida para o seu exercício, são as que se transcrevem de seguida; FUNÇÕES Coordenar e controlar toda a actividade da Estação de Correio. Promover e assegurar, no seu âmbito de intervenção e responsabilidade, o cumprimento dos padrões de qualidade definidos pelos serviços postais e produtos comercializados pela EC. Assegurar a organização do trabalho, de acordo com os modelos de funcionamento aprovados, e a gestão dos recursos humanos e materiais, de modo a cumprir os padrões de produtividade e objectivos definidos para a EC. Identificar potenciais clientes e oportunidades de negócio, com o objectivo de aumentar as vendas e o tráfego da EC. Assegurar atendimento personalizado de clientes da EC, informando e promovendo os produtos e serviços dos Correios. Recolher, analisar e comunicar as opiniões e reacções dos clientes, no que se refere à qualidade dos produtos comercializados e serviços prestados, veiculando uma informação permanente que permita a adaptação dos mesmos às necessidades do mercado. Apoiar, informar e motivar a equipa de trabalho, visando a criação de um espírito de equipa e de um clima favorável à prossecução dos objectivos empresariais. Assegurar a contabilização, controle e movimentação de fundos da EC, desenvolvendo as acções para tal necessárias. Assegurar o bom estado de conservação e operacionalidade das instalações e meios afectos à EC. Cumprir e garantir o cumprimento, dentro dos limites das suas responsabilidades e competências, dos regulamentos, instruções e demais normas aplicáveis. REQUISITOS: Bom conhecimento dos modelos de funcionamento e de organização do trabalho implantados nas Estações de Correios. Bom conhecimento dos produtos comercializados nas Estações de Correios. Acentuada sensibilidade comercial. Bom conhecimento da estrutura operacional da Empresa e da organização do ciclo produtivo dos Correios. Motivação para desempenho de uma função dirigida para a obtenção de resultados. Capacidade de organização, planeamento e programação do trabalho. Capacidade de dinamização e envolvimento de equipas de trabalho. Autonomia funcional, capacidade de iniciativa e sensibilidade comercial.
[facto que é alegado no artigo 33.º da petição inicial, não expressamente impugnado pela R., que está descrito no documento de fls. 25, emitido pela R. (Noticiário Oficial dos CTT onde se relata a abertura de candidaturas para este cargo de chefia e se descrevem as funções e requisitos para o mesmo), e que está pressuposto na alegação da R. efectuada no artigo 18.º da sua contestação].
Estes os factos a atender para resolver as questões postas no recurso.
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* 4. Fundamentação de direito
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4.1. Regime jurídico aplicável
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Ao caso “sub judice” aplica-se o quadro normativo que integra o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado Decreto-Lei nº 49.408, de 24 de Novembro de 1969, uma vez que a investidura da A. nas funções de chefe de estação de correio em regime de comissão de serviço teve lugar em 1993, antes da entrada em vigor do Código do Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto (1 de Dezembro de 2003, nos termos prescritos no artigo 3.º, n.º 1 da lei preambular).
A invocada nulidade da comissão de serviço deverá ser, assim, analisada à luz do regime emergente daquele diploma legal e do diploma que especialmente rege sobre a comissão de serviço: o Decreto-Lei n.º 404/91 de 16 de Outubro.
Quando a A. cessou estas suas funções de chefe de estação de correio, em 2006, estava já em vigor o Código do Trabalho de 2003, pelo que também se fará alusão ao respectivo regime jurídico.
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4.2. Da nulidade da comissão de serviço
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A protecção legal da categoria profissional faz parte do núcleo duro do ordenamento juslaboral há largos anos e manifesta-se em vários sentidos.
À face da legislação em vigor antes da era codicística (a aqui aplicável), a doutrina e a jurisprudência afirmavam geralmente que, como é dito no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2005.07.06:
“[…]a lei consagra o princípio geral da correspondência entre a actividade exercida e a categoria estatuto do trabalhador no art. 22º, nº1 do D.L. nº 49.408 de 24 de Novembro de 1969. Este princípio só admite derrogações desde que se verifiquem, cumulativamente, os requisitos do nº2 daquele art. 22º, pelo que o “ius variandi” previsto e admitido nesta norma tem um carácter excepcional, isto é, ele não corresponde ao conteúdo normal do poder directivo do empregador.
Por outro lado, proíbe-se a baixa definitiva ou temporária da categoria para a qual o trabalhador foi contratado ou a que foi promovido (arts. 21º, nº1, al. d) e 23º do D.L. nº 49.408) e estabelece-se a obrigação de o empregador pagar a retribuição correspondente a esta categoria (através de mínimos estabelecidos em instrumento de regulamentação colectiva).
Finalmente, proíbe-se a mudança unilateral e definitiva de categoria, ainda que esta se não traduza numa baixa de categoria, como resulta dos princípios gerais dos contratos e do art. 22º do D.L. nº 49.408. Como escreve Jorge Leite, “a mudança de categoria que não corresponda a uma normal progressão ou promoção na carreira equivale a uma modificação substancial do contrato, modificação que só pode produzir efeitos se for aceite pelo trabalhador”[2].
Perante esta protecção legal da categoria profissional, o legislador viu-se na necessidade de, na sequência do que já estabeleciam alguns instrumentos de regulamentação colectiva para responder a necessidades específicas das empresas, estabelecer no âmbito do contrato individual de trabalho um regime excepcional para o desempenho de cargos de “direcção”que se afasta de alguns princípios estruturantes do Direito do Trabalho: o regime jurídico da comissão de serviço instituído pelo já referido DL n.º 404/91 de 16 de Outubro.
O exercício de funções de chefia em regime de comissão de serviço é de carácter “precário”, não conferindo ao trabalhador o direito à aquisição da categoria profissional respectiva[3]. Neste regime, a correlação estabelecida pela lei entre o exercício continuado de certas funções e a “aquisição” da categoria profissional a que elas se reportam, sofre um importante desvio, possibilitando a atribuição ao trabalhador de certas funções a título reversível, ou seja, sem que se produza o efeito estabilizador da aquisição da categoria em conformidade com o chamado princípio da irreversibilidade.
Com a comissão de serviço – cujas traves mestras são o exercício temporário de funções de direcção e chefia e a reversibilidade da categoria profissional – visou-se subtraír aos aludidos princípios estruturantes aquele tipo específico de cargos. Os principais objectivos do Decreto-Lei n.º 404/91 foram precisamente os de, por um lado, garantir aos empregadores a possibilidade de recorrerem a uma figura que possibilite a temporalidade do exercício relativamente a um tipo específico de cargos e, por outro lado, afastar quaisquer dúvidas possíveis sobre a legitimidade da utilização da comissão de serviço no mundo laboral[4].
O Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 7 de Agosto, regula a matéria da comissão de serviço nos seus arts. 244.º e ss., em termos muito similares aos que constam deste DL n.º 404/91, em vigor à data em que a A. iniciou as suas funções de chefe de estação de correios ao serviço da R.
Como refere Luís Miguel Monteiro, a propósito do regime jurídico da comissão de serviço[5], “[a] importância – dir-se-á mesmo a necessidade – da figura decorre do confronto entre princípios gerais do direito do trabalho, concretamente, a segurança no emprego (Constituição da República Portuguesa, art. 53.º) a irreversibilidade da carreira profissional [regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo DL. n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (LCT), art.º 21.º1, al. d)], por um lado, e as especiais exigências de confiança que determinados cargos ou núcleos de funções supõem, por outro. A prevalência daqueles princípios imporia a permanência dos trabalhadores nos mencionados cargos mesmo após o desaparecimento do laço fiduciário que justificara a nomeação, solução inaceitável à luz da valoração da confiança como elemento decisivo de determinadas relações laborais. (......) A disciplina legal da comissão de serviço veio submeter leque mais alargado de relações jurídicas às regras da transitoriedade da função e da reversibilidade do título profissional. O exercício de determinadas funções só se mantém enquanto perdurar a relação de confiança que as caracteriza. Após a quebra desta – porque se altera a composição do capital social da sociedade, porque muda o elenco da sua administração, porque simplesmente se revê o juízo sobre as capacidades de determinado trabalhador – é possível pôr termo ao desempenho funcional e, eventualmente, à própria relação de trabalho”.
Pretendeu-se pois com o diploma regular de modo específico o exercício de determinado tipo de cargos, possibilitando-se o afastamento de princípios gerais atinentes à categoria profissional nos casos ali taxativamente enunciados.
Para que o efeito de afastamento excepcional daqueles princípios se produza, é sempre necessário que no vínculo da comissão de serviço sejam observados os requisitos materiais e formais estabelecidos no diploma.
Assim, e para além de outros requisitos que para o caso sub judice não relevam, éindispensável, antes de mais, que as funções a que se reporta o acordo de comissão de serviço(quer se perspective a mesma como uma cláusula acessória do contrato individual de trabalho, quer como um novo vínculo de natureza temporária que acarreta a suspensão do anterior), se inscrevam no âmbito material traçado no art. 1.º do diploma.
Como refere Irene Gomes, a primeira grande preocupação manifestada pelo legislador no Decreto-Lei n.º 404/91 foi a de identificar as relações de trabalho relativamente às quais se legitima a utilização da figura, enumerando taxativamernte (circunscrevendo-os, portanto), os cargos relativamente aos quais é possível recorrer à comissão de serviço e permitindo à contratação colectiva identificar em concreto quais as “outras funções” ali previstas “cuja natureza se fundamente numa especial relação de confiança”.
Esta preocupação compreende-se justamente na medida em que a comissão de serviço implica desvios importantes a princípios estruturantes do nosso ordenamento laboral, como o “princípio da irreversibilidade da categoria profissional” e, na submodalidade da comissão de serviço de trabalhador externo sem garantia de emprego, o próprio “princípio do despedimento causal” [6].
Daí que o artigo 1.º circunscreva as funções relativamente às quais pode ser acordada a comissão de serviço, traçando algumas directrizes no seu n.º 2 para determinar o conceito de trabalhador “dirigente”, relacionadas não só com o tipo de funções inerentes ao cargo, mas com a própria posição ocupada na organização empresarial pelo titular das funções.
Segundo este preceito: “1. Podem ser exercidos em regime de comissão de serviço os cargos de administração, de direcção directamente dependentes da Administração e, bem assim, as funções de secretariado pessoal relativas ais titulares desses cargos e a outras funções previstas em convenção colectiva de trabalho, cuja natureza se fundamente numa especial relação de confiança. 2. Excluem-se os cargos de chefia directa e todos os outros cargos hierárquicos que não envolvam coordenação de outras chefias, salvo tratando-se de dirigente máximo de estabelecimento com um número de trabalhadores não superior a 20, desde que, neste caso, envolva capacidade de gestão e chefia directamente dependentes da Administração”
Perante o quadro factual apurado e vistos os termos deste preceito, podemos adiantar que a comissão de serviço estabelecida entre a A. e a R. a partir de Setembro de 1993 e de que a A. foi exonerada por despacho de 29 de Dezembro de 2006 (factos 4. e 12.), contraria a norma imperativa constante do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 404/91, de 16 de Outubro.
É certo que, de acordo com o n.º 1 da cláusula 69.ª do AE/CTT[7], “[o]s cargos de direcção e chefia, dada a sua especificidade, não farão parte dos grupos profissionais e serão exercidos em comissão de serviço” (nº 1).
Atenta a amplitude desta referência da cláusula convencional a “cargos de direcção e chefia”, sem qualquer exigência relacionada com a posição do titular das funções na organização empresarial, é manifesto que as funções de chefe de correios de que a A. foi incumbida se enquadram na hipótese da cláusula cláusula 69.ª do AE/CTT: as funções de chefe de correios são de direcção da actividade da estação e de chefia dos seus trabalhadores (facto 19.); trata-se de um cargo de nível 3 (vide o facto n.º 18., o n.º 3 da cláusula 69.ª e o n.º 1 da cláusula 70.ª) e a A. foi para ele nomeada pela R. (cláusula 73.ª).
Mas esta cláusula do AE tem que ser compatibilizada com o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 404/91, sendo que a abertura à previsão em instrumento de regulamentação colectiva consagrada na parte final do seu nº 1 – ao estabelecer que o regime de comissão de serviço pode estender-se a “outras funções previstas em convenção colectiva de trabalho, cuja natureza se fundamente numa especial relação de confiança” –, tem, por sua vez, que ser interpretado conjuntamente com o respectivo nº 2.
Ora, o nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 404/91 refere, expressamente, que se “excluem os cargos de chefia directa e todos os outros cargos hierárquicos que não envolvam coordenação de outras chefias, salvo tratando-se de dirigente máximo de estabelecimento com um número de trabalhadores não superior a 20, desde que, neste caso, envolva capacidade de gestão e chefia directamente dependentes da administração”.
Ou seja, a lei (n.º 1 do artigo 1.º) permite o exercício em comissão de serviço dos cargos de administração e de direcção directamente dependentes da Administração, bem como as funções de secretariado pessoal relativas a esses mesmos cargos de administração e de direcção (sendo aqui patente a especial ligação à cúpula do empregador). E abre, também, a possibilidade de instrumentos de regulamentação colectiva preverem outras funções “de confiança”.
Mas, no n.º 2, exclui, imperativamente, os cargos de chefia e todos os outros cargos hierárquicos que não envolvam coordenação de outras chefias, com a excepção logo de seguida enunciada do dirigente máximo de estabelecimento com um numero de trabalhadores não superior a 20, mas exige, mesmo neste caso (de excepção à excepção), que essa função envolva capacidade de gestão e chefia directamente dependentes da administração.
Como bem refere a recorrente, face à exclusão expressamente imperativa do nº 2, com a respectiva excepção, a disposição da parte final do nº 1 do artigo 1º do DL 404/91, que remete para a contratação colectiva a criação de outras funções, só pode significar que se permite que, por contratação colectiva, empregador e estruturas representativas dos trabalhadores criem comissões de serviço no caso de funções “cuja natureza se fundamente numa especial relação de confiança” (artigo 1º, nº 1), mas excluindo os cargos de chefia directa e todos os outros cargos hierárquicos que não envolvam coordenação de outras chefias, salvo tratando-se de dirigente máximo de estabelecimento com um número de trabalhadores não superior a 20, desde que, neste caso, envolva capacidade de gestão e chefia directamente dependentes da Administração (artigo 1º, nº 2).
Antes da previsão legal do regime da comissão de serviço, era consensualmente aceite a validade dos acordos de comissão de serviço celebrados ao abrigo de instrumentos de regulamentação colectiva, nos precisos termos em que neles era regulada esta modalidade contratual.
Contudo, depois da vigência do Decreto-Lei n.º 404/91, que veio estabelecer um regime legal preciso e excepcional, passou a atentar-se no princípio geral emergente do artigo 13º, n.º 1 do Decreto-Lei nº 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (LCT), nos termos do qual “[a]s fontes de direito superiores prevalecem sempre sobre as fontes inferiores, salvo na parte em que estas, sem oposição daquelas, estabelecem tratamento mais favorável ao trabalhador”.
Pelo que as comissões de serviço que, ulteriormente, vieram a constituir-se ao abrigo dos instrumentos de regulamentação colectiva passaram a estar submetidas ao regime jurídico deste diploma legal, sendo certo que mesmo as já constituídas passaram a reger-se pela disciplina nele estabelecida, como resulta claramente do disposto no seu artigo 7.º que, aludindo às comissões de serviço já constituídas, prescreve que o disposto nas alínea s b) e c) do seu artigo 4.º só se lhes “aplica decorridos 12 meses sobre a sua entrada em vigor”.
No caso sub judice ficou provado que no exercício das funções de chefe de estação de correios a recorrente não coordenava outras chefias (facto n.º 5), não estava directamente dependente da administração e reportava a um director de zona (factos n.ºs 6 e 7).
Por isso não podemos acompanhar o tribunal a quo quando este afirma que o cargo de chefia cujo exercício foi atribuído à A., por estar previsto em instrumento de regulamentação colectiva (cláusula 69.ª do AE) se insere na previsão constante da segunda parte do n.º 1, do artigo 1.º, e vem a concluir pela validade da nomeação da autora, em comissão de serviço, para o exercício das funções de chefe da estação de correios de ..., em Lisboa.
Ao deixar à livre determinação da contratação colectiva a indicação das outras funções que, por se fundarem numa especial relação de confiança com o empregador, podem ser exercidas em regime de comissão de serviço, a lei quis claramente alargar o âmbito da aplicabilidade desse regime (n.º 1, do artigo 1.º), mas não deixou de, do mesmo passo, estabelecer limitações a esse alargamento. E, ao excluir os cargos de chefia directa e que não envolvam a coordenação de outras chefias, situando o “trabalhador dirigente” a que se reporta no vértice da estrutura da organização da empresa, em plano imediatamente inferior ao da Administração (n.º 2, do artigo 1.º), exigiu um elevado grau de intensidade, a nível hierárquico, daqueles poderes de direcção e chefia, grau esse que não se verifica no caso concreto da chefia de uma estação de correios.
Se é incontestável que a atribuição à A. das funções de chefia da estação de correios implica uma relação de confiança (atenta a responsabilidade inerente ao exercício das correspondentes funções), é igualmente incontestável que se trata de um cargo de chefia directa, que não envolve a coordenação de outras chefias e que, independentemente do número de trabalhadores da estação de correios de ... (que não ficou apurado nos autos), não se trata de uma chefia directamente dependente da Administração, pois que a A. reportava a um Director de Zona.
Ou seja, não tanto pelo tipo de funções inerentes ao cargo, mas essencialmente pela posição ocupada pela trabalhadora na organização empresarial enquanto desenvolveu as suas funções de chefe de correios, entendemos que este exercício funcional não se enquadra nos cargos susceptíveis de serem exercidos em comissão de serviço à luz do Decreto-Lei n.º 404/91.
Pelo que o acordo relativo ao exercício pela recorrente, em comissão de serviço, daquelas funções, é nulo nos termos do artigo 294.º do Código Civil, por violar norma legal de carácter imperativo[8].
A esta conclusão não obsta a circunstância de, ainda no decurso daquele exercício funcional, ter entrado em vigor o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto que, no seu artigo 244.º parece ampliar o conceito de “trabalhador dirigente” ao não estabelecer prescrição idêntica à do n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 404/91, embora não deixe de fazer reportar aos titulares dos cargos elencados no preceito a especial relação de confiança que continua a exigir[9].
Na verdade, e em primeiro lugar, é à face da lei em vigor à data em que foi estabelecida a comissão de serviço que deve ser aferida a sua validade, designadamente por se recorrer à mesma relativamente a cargos que legalmente a não admitem.
Em segundo lugar, mesmo à face do Código do Trabalho de 2003, cremos que deveria continuar a considerar-se inválida a comissão de serviço no caso sub judice. Cabe notar que o artigo 244.º do Código oferece ao instrumento de regulamentação colectiva a possibilidade de estender a comissão de serviço a funções cuja natureza suponha especial relação de confiança “relativamente aos titulares” inicialmente elencados[10], o que igualmente sugere um posicionamento elevado na pirâmide da organização empresarial que a recorrente, manifestamente não ocupava ao reportar a um director de zona e ao chefiar directamente os trabalhadores do estabelecimento.
Concluímos assim, com a recorrente, que o cargo de chefia por si exercido entre 1993 e 2006 não se enquadra na previsão da primeira parte do nº 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 404/91, nem na excepção da segunda parte do seu nº 2, estando abrangido pela proibição expressa da primeira parte do mesmo nº 2, o que acarreta a nulidade da sua nomeação em comissão de serviço para aquele cargo de chefia.
E quais os efeitos desta nulidade?
Como defende João Leal Amado, caso se recorra à contratação em regime de comissão de serviço para o provimento de funções que exorbitem do círculo de situações demarcado pela lei, ou, sendo caso disso, pelo instrumento de regulamentação colectiva, a comissão de serviço será nula “valendo o contrato como contrato de trabalho standard”[11].
Também Luís Miguel Monteiro defende que o recurso à comissão de serviço para provimento de cargos que não a admitem “suscita a aplicação das regras gerais do Direito do Trabalho, maxime as relativas à protecção da categoria profissional”[12].
E Maria do Rosário Palma Ramalho sustenta que, no caso de recurso a comissão de serviço interna fora das situações previstas na lei, deve considerar-se o acordo de comissão de serviço como não celebrado[13].
Cremos ser esta a solução que se impõe, não perfilhando a tese já defendida pela jurisprudência de que a nulidade da comissão de serviço (acto modificativo inválido de um contrato de trabalho válido) importa que esta produza os seus efeitos, como se válida fosse, em relação ao tempo durante o qual esteve em execução (por aplicação do n.º 1 do artigo 15.º da LCT)[14], negando quaisquer reflexos no contrato de trabalho que anteriormente vinculava as partes ao exercício continuado, sob a inválida invocação daquele regime, de funções não compreendidas na primitiva categoria profissional do trabalhador.
Procede nesta parte, o recurso da A.
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4.3. Da categoria profissional da recorrente
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Cabe agora responder à questão de saber se a recorrente deve ser reclassificada na categoria profissional de assistente de gestão.
E tal resposta resulta já das considerações emitidas na parte final do ponto antecedente.
Se a correlação estabelecida pela lei entre o exercício continuado de certas funções e a “aquisição” da categoria profissional por elas definida, sofre um desvio quando se torna aplicável o regime da chamada “comissão de serviço” – que possibilita a atribuição ao trabalhador de certas funções a título reversível, ou seja, sem que se produza o efeito estabilizador da aquisição da categoria –, quando se verifique a nulidade da comissão de serviço por desrespeitado o âmbito material subjectivo previsto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 404/91, vale plenamenteo denominado princípio da irreversibilidade da categoria profissional.
A sentença recorrida julgou improcedente o pedido de reclassificação profissional da autora tendo como pressuposto que esta desempenhou as funções cuja reclassificação reclama durante 14 anos, em regime de comissão de serviço validamente constituída. E daqui retira, em coerência, que o exercício destas funções era transitório e reversível, regressando a A. ao exercício das funções correspondentes à categoria que antes detinha uma vez cessada a comissão de serviço, não sendo aplicável o regime previsto no artigo 22º, nº 5 da LCT.
Uma vez que tal pressuposto se não verifica, sendo nula a comissão de serviço, cabe lançar mão das normas que proíbem a diminuição da categoria profissional (artigo 23.º da LCT). E coloca-se a questão de aferir se, perante o exercício continuado, durante cerca de 13 anos, das funções de chefe de correio, à A. deve, ou não, ser reconhecida uma categoria profissional distinta da que anteriormente detinha de Técnico Postal de Gestão (TPG), designadamente a categoria profissional prevista no AE de Assistente de Gestão (ASG), por ser esta mais consentânea com as funções efectivamente desempenhadas durante aquele largo período temporal, como defende a A. recorrente.
Vejamos.
As funções de Chefe de Estação de Correios nível 3 que a recorrente exerceu consistem no seguinte:
“FUNÇÕES
Coordenar e controlar toda a actividade da Estação de Correio.
Promover e assegurar, no seu âmbito de intervenção e responsabilidade, o cumprimento dos padrões de qualidade definidos pelos serviços postais e produtos comercializados pela EC.
Assegurar a organização do trabalho, de acordo com os modelos de funcionamento aprovados, e a gestão dos recursos humanos e materiais, de modo a cumprir os padrões de produtividade e objectivos definidos para a EC.
Identificar potenciais clientes e oportunidades de negócio, com o objectivo de aumentar as vendas e o tráfego da EC.
Assegurar atendimento personalizado de clientes da EC, informando e promovendo os produtos e serviços dos Correios.
Recolher, analisar e comunicar as opiniões e reacções dos clientes, no que se refere à qualidade dos produtos comercializados e serviços prestados, veiculando uma informação permanente que permita a adaptação dos mesmos às necessidades do mercado.
Apoiar, informar e motivar a equipa de trabalho, visando a criação de um espírito de equipa e de um clima favorável à prossecução dos objectivos empresariais.
Assegurar a contabilização, controle e movimentação de fundos da EC, desenvolvendo as acções para tal necessárias.
Assegurar o bom estado de conservação e operacionalidade das instalações e meios afectos à EC.
Cumprir e garantir o cumprimento, dentro dos limites das suas responsabilidades e competências, dos regulamentos, instruções e demais normas aplicáveis.”
Os requisitos exigidos pela R. para o exercício destas funções foram pela mesma enunciados do seguinte modo:
“REQUISITOS:
Bom conhecimento dos modelos de funcionamento e de organização do trabalho implantados nas Estações de Correios.
Bom conhecimento dos produtos comercializados nas Estações de Correios.
Acentuada sensibilidade comercial.
Bom conhecimento da estrutura operacional da Empresa e da organização do ciclo produtivo dos Correios.
Motivação para desempenho de uma função dirigida para a obtenção de resultados.
Capacidade de organização, planeamento e programação do trabalho.
Capacidade de dinamização e envolvimento de equipas de trabalho.
Autonomia funcional, capacidade de iniciativa e sensibilidade comercial.”
Por seu turno as funções de Técnico Postal de Gestão (TPG) mostram-se descritas no Anexo I do AE/CTT nos seguintes termos:
“Executam tarefas de atendimento, promoção, venda e assistência pós-venda e tratamento manual ou mecanizado, das correspondências. Efectuam balanços, auditorias, estudos de redimensionamento de giros, controlo e guarda de valores, bem como todo o tipo de tarefas de natureza técnico-administrativa inerentes às actividades comerciais, operacionais, de apoio e controle de qualidade.
Desempenham tarefas de apoio à organização, racionalização e implantação das redes comercial, distribuição, tratamento e transporte.
Podem assumir a responsabilidade de coordenação de equipas de trabalho e participar em acções de formação.”
Como bem refere a recorrente, do cotejo das funções de TPG com as de Chefe de Estação de Correio nível 3, bem como dos requisitos impostos pela R. para o exercício as últimas, “resulta uma muito maior responsabilidade, conhecimentos e capacidade de decisão, acrescendo às funções de TPG, sinteticamente, entre outras, a coordenação, controle e responsabilização por si e pela equipa, por resultados, função comercial e fundos financeiros da Estação de Correio e gestão de pessoal e instalações” (conclusão XIV).
O princípio geral da correspondência entre a actividade exercida e a categoria estatuto do trabalhador previsto no artigo 22.º, nº1 do D.L. nº 49.408 de 24 de Novembro de 1969 admite dois tipos de derrogações:
1ª - a prevista nos n.ºs 7 e 8 do art. 22º da LCT;
2ª - a prevista nos n.ºs 2 a 6 do mesmo artigo, aditados pela Lei n.º 21/96 de 23 de Julho.
Como ensina Jorge Leite, a primeira corresponde ao exercício do poder excepcional do empregador, conhecido por “ius variandi”, de cometer transitoriamente ao trabalhador, verificados certos requisitos, serviços não compreendidos no objecto do contrato e, portanto, não compreendidos na respectiva categoria profissional. Os n.ºs 7 e 8 do preceito estabelecem os seguintes requisitos:
a) não haver estipulação em contrário;
b) ser exigido pelo interesse da empresa;
c) não implicar diminuição da retribuição, nem modificação substancial da posição do trabalhador;
d) ser transitório.
A segunda corresponde ao que se designa por polivalência funcional, isto é, reporta-se ao poder do empregador de encarregar o trabalhador de actividades diferentes das que vinha desempenhando, ainda que não compreendidas na definição da categoria profissional respectiva, mantendo porém, como actividade principal, o desempenho da função normal.
O exercício do primeiro dos referidos poderes implica a mudança de serviços (n.º 7 do art. 22.º), passando o trabalhador a realizar actividades novas em substituição das anteriores.
O exercício do segundo dos referidos poderes implica a cumulação das anteriores com as novas actividades, ocupando aquelas a posição principal e estas uma posição acessória (n.º 3 do art. 22º)[15].
No caso sub judice não se verifica a hipótese do ius variandi, pois que não se pode entender como temporário o período de mais de uma década (entre Setembro de 1993 e Janeiro de 2007) em que a recorrente exerceu as preditas funções de muito maior responsabilidade e autonomia de decisão.
E não se verifica a hipótese da denominada polivalência funcional, pois que nem a recorrente manteve ao longo daqueles anos como actividade principal a de TPG, nem a R. recorrida a reclassificou após o desempenho das suas mais exigentes funções por seis meses.
Sendo de notar que é ao empregador que cabe o ónus de alegar e provar a verificação dos requisitos de que depende o exercício legítimo dos poderes previstos nos n.ºs 2 a 8 do artigo 22.º da LCT[16].
Assim, não tendo aplicação nenhuma das derrogações ao artigo 22.º, n.º 1 da LCT, a A. recorrente tem o direito a ser reclassificada em categoria profissional que melhor corresponda às funções de chefe de correio que desenvolveu entre 1993 e 2006, em conformidade com o princípio do reconhecimento da categoria (através da classificação, a categoria-estatuto deve corresponder às funções desempenhadas )[17].
A R. recorrida mostra-se sujeita ao AE/CTT e, como é jurisprudência uniforme, estando uma categoria institucionalizada (isto é, prevista na lei ou instrumento de regulamentação colectiva), o empregador está obrigado a observar essa institucionalização[18].
Compulsando o AE aplicável, verifica-se que o cargo de chefe de correio desenvolvido pela ora recorrente durante os supra referidos cerca de 14 anos no seio da empresa não encontra correspondente nas categorias ali previstas, pelo que deverá a recorrente ser classificada na categoria que mais se aproxima daquelas funções, atendendo às tarefas nucleares de cada uma das categorias institucionalizadas.
Como é jurisprudência constante, não é necessário que o trabalhador exerça todas as funções correspondentes a determinada categoria, mas sim que o núcleo essencial das funções por ele desempenhadas nela se enquadre. Exercendo o trabalhador diversas actividades enquadráveis em diferentes categorias, a classificação deve fazer-se tendo em consideração aquele núcleo essencial ou a actividade predominante e, em caso de dúvida quanto à categoria profissional, a atracção deve fazer-se para a categoria mais favorável ao trabalhador[19]
As funções desempenhadas pela recorrente enquanto chefe de estação de correios durante mais de uma década consistiam, essencialmente, em garantir, responsabilizando-se, por toda a actividade e resultados de uma determinada área de actividade da empresa, em que ocorre trabalho executado por outros trabalhadores.
Do anexo IV ao AE/CTT, relativo às carreiras profissionais, resulta que a A. pertence a um grupo profissional constituído pelas categorias ESE, CRT, TPG, ASG, e EPT.
Entre estas, a descrição funcional da categoria profissional de ASG tem o seguinte descritivo:
“Profissionais que, de acordo com as suas competências executam actividades que requerem elevados conhecimentos técnicos no domínio da exploração postal, financeira, comercial e outros de natureza estratégica para a Empresa, recebendo orientação e controle sobre a aplicação dos métodos e precisão dos resultados. Colaboram com outros profissionais em matérias que exijam conhecimentos técnicos no âmbito da sua especialização. Participam em acções que visam o desenvolvimento da organização e metodização do trabalho, designadamente na formação e coordenação técnica/funcional de outros trabalhadores ou supervisão de trabalhos.”
O núcleo essencial destas funções, mais exigente e responsabilizante do que as de TPG, incluindo a coordenação técnica/funcional de outros trabalhadores e supervisão de trabalhos, aproxima-se substancialmente mais das funções de chefe de estação de correios efectivamente exercidas pela A. entre 1993 e 2006, do que as funções de TPG que a R. recorrida ora atribui à recorrente.
Além disso, a chefia que a A. exerceu naquele lapso temporal foi classificada pela R. como nível 3 de chefia (facto 18.).
Ora, nos termos da cláusula 70ª do AE/CTT, a chefia de nível 3 de corresponde a “Chefe de Secção de 1ª”, o que nos termos do Anexo V está classificado como “Quadro Médio”, a par da categoria profissional de “Assistente de Gestão” (ASG).
Dentro da panóplia de categorias existentes no grupo profissional que a Ré atribui à Autora (ESE, CRT, TPG, ASG, e EPT), é a categoria de “Assistente de Gestão” (ASG) que corresponde a Quadro Médio.
É pois de considerar que, em termos de posicionamento hierárquico na estrutura empresarial dos CTT, é esta categoria profissional a que corresponde à posição hierárquica que a A. ocupou entre 1993 e 2006.
Assim, a categoria de ASG – posicionada nos termos do AE aplicável, quer em termos hierárquicos, quer salariais, a um nível superior à categoria profissional de TPG –, é aquela que, além de mais se aproximar das tarefas desempenhadas pela recorrente durante cerca de 14 anos, corresponde ao posicionamento hierárquico da A. na estrutura piramidal da R. ao longo desse tempo. Pelo que assiste à recorrente o direito ao reconhecimento desta categoria estatuto e a ser-lhe atribuído o exercício das funções que lhe correspondem.
Procede, também neste aspecto, o recurso interposto pela A.
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4.4. Da inclusão na retribuição mensal da A. das quantias referentes a subsídios de chefia e de telefone de residência que auferiu enquanto desempenhou as funções de chefe de estação de correios
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A sentença recorrida condenou a R., ora recorrente, a manter o salário base mensal da autora, AA, no valor de €1.201,80, até que a evolução salarial relativa à categoria profissional da autora, em conjunto com as diuturnidades, atinja valor superior (n.º 1) a manter à autora, o subsídio de telefone de residência (n.º 2), a pagar à autora a quantia de €39,31, acrescida de juros de mora (n.º 3) e a pagar à autora as diferenças salariais resultantes da inclusão na sua retribuição mensal, desde Fevereiro de 2007, das quantias referentes a subsídios de chefia e de telefone de residência, acrescidas de juros de mora (n.º 4).
Invoca a R., no recurso que também interpôs da sentença, que o Tribunal a quo entendeu que a “remuneração” tal como vem referida na cláusula 74.ª do AE se refere a todos os complementos que integram o conceito de retribuição, a saber, remuneração base e demais prestações que sejam pagas com carácter de regularidade e periodicidade, entendimento que não deve ser dado a tal expressão.
Na sua perspectiva, por remuneração deve entender-se o vencimento, tal como vem assim descrito nos recibos de vencimento correspondente às tabelas publicadas em anexo ao AE e anualmente actualizadas (pois só assim fará sentido a alusão da cláusula 74.ª à evolução retributiva da categoria a que pertencia até os sucessivos aumentos absorverem o vencimento mais elevado trazido da comissão de serviço) não se confundindo o conceito de remuneração usado no AE com o de retribuição mais lato e definido no artigo 82.º do Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969.
A propósito da inclusão na retribuição mensal da autora das quantias referentes a subsídios de chefia e de telefone de residência após a exoneração da A. das funções de chefe de correio, o tribunal a quo discorreu nos seguintes termos:
«[…]
Assim, por força da cláusula 74º, n.º 3, do AE tem direito a manter tal retribuição após o termo da comissão de serviço.
A norma geral vigente no direito do Trabalho é a de que, sendo lícito retirar ao trabalhador as funções de chefia por serem cargos de confiança, consequentemente o trabalhador deixará de auferir o complemento especial que somente é devido enquanto se mantiverem as funções específicas de maior responsabilidade.
Porém, no caso em apreço, existe legislação específica sobre esta matéria de cargos de direcção e chefia, que são sempre desempenhados em comissão de serviço, não fazendo parte dos grupos profissionais (cfr. cláusulas 69º a 75º do AE/CTT, BTE n.º 24, de 29.06.1981).
De acordo com a cláusula 74º, n.º 1, do AE, a comissão de serviço pode ser dada por finda por iniciativa da empresa ou do titular do cargo.
Nos termos do n.º 2 da mesma cláusula, cessando a comissão o trabalhador retoma as funções do seu grupo profissional, com a categoria a que tiver entretanto ascendido.
Além disso, se a cessação for da iniciativa da empresa, depois de decorrido um período de adaptação de 6 meses, o trabalhador mantém o direito à remuneração que auferia, até ao momento em que lhe couber, por actualização de tabelas salariais ou por evolução em categorias ou grupos profissionais, remuneração e diuturnidades que somem quantitativos superiores - n.º 3 da supra citada cláusula.
Ou seja, analisando a aludida cláusula 74º, conclui-se que foram previstos dois regimes distintos, variando em função da comissão de serviço de chefia terminar por iniciativa do trabalhador ou por iniciativa da empresa.
No primeiro caso, estamos perante um regime menos proteccionista do trabalhador, o que de resto se compreende, porquanto foi ele que tomou a iniciativa de fazer cessar a comissão de serviço, retomando este as suas funções no grupo profissional a que pertence, com a categoria a que entretanto tiver ascendido.
Durante o regime de comissão de serviço o trabalhador mantém o direito às promoções automáticas por antiguidade (cfr. cláusula 69º, n.º 4, e 77º, n.º 2, do supra citado AE).
Na hipótese da comissão de serviço terminar por iniciativa da empresa o regime previsto já é mais proteccionista, reconhecendo-se ao trabalhador, nos primeiros seis meses após a cessação, o direito a continuar a auferir a mesma remuneração, como se a situação se mantivesse inalterada.
Findos estes seis meses:
- ou por actualização das tabelas salariais ou por evolução/promoção na categoria ou grupo profissional a que o trabalhador pertence e a que regressou finda a comissão de serviço de chefia, a remuneração e diuturnidades cifram-se em quantitativo superior àquele que o trabalhador auferia por força da comissão de serviço e, neste caso, o trabalhador passa a receber esse mais correspondente à categoria ou grupo a que ascendeu com melhor remuneração;
- ou verifica-se que o trabalhador, ainda que tenha sido promovido, recebe remuneração que não atinge o montante por si anteriormente auferido (enquanto desempenhava as funções de chefia).
Neste último caso, por força do disposto na cláusula 74º, n.º 3, do AE, o trabalhador mantém o direito a essa remuneração mínima que auferia como se se mantivesse em comissão de serviço e só deixará de auferir tal remuneração quando esta for ultrapassada por quantitativo superior (por força das promoções normais da categoria/grupo em que efectivamente passou a exercer funções).
Face ao exposto, cessada a comissão de serviço de chefia, por iniciativa da ré, a autora mantém o direito a que lhe seja paga a sua anterior retribuição, no montante de €1.201,80 (€ 1.142,40 de retribuição base + € 59,40 de subsídio de chefia) enquanto esta se mostrar superior à retribuição correspondente à sua categoria profissional.
Assim sendo, tem a autora direito a lhe sejam pagas as diferenças entre o que lhe foi pago desde Fevereiro de 2007 e o que lhe era devido desde esta data a título de subsídio de chefia.
Por outro lado, estava vedado à ré proceder a descontos na remuneração base da autora, atento o disposto no artº 95º, nºs 1 e 2 da LCT, pelo que a autora tem direito à restituição da importância de € 23,76 que a ré indevidamente lhe descontou, no mês de Fevereiro de 2007, a título de subsídio de chefia.
No que concerne ao subsídio de telefone de residência, ao contrário do alegado pela ré, não ficou demonstrado que este tivesse relação com o cargo de chefia ou sequer que fosse pago como contrapartida de tal função, nem tal resulta do AE/CTT.
Este subsídio foi pago mensalmente à autora durante 14 anos até lhe ser retirado em Fevereiro de 2007.
De acordo com o disposto no nº 1, do artº 82º da LCT Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho
O nº 2 deste preceito legal estatui, por sua vez, que A retribuição compreende a remuneração base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
Conforme ensina Pedro Romano Martinez em comentário a este preceito legal (Direito do Trabalho, 1994/95, págs. 419 a 423), são três os elementos constitutivos da noção de retribuição empregue em tal normativo: em primeiro lugar, a retribuição corresponde à contrapartida da actividade do trabalhador; segundo, a retribuição pressupõe o pagamento de prestações de forma regular e periódica; por último, a prestação tem de ser feita em dinheiro ou em espécie, ou seja, tem de ser uma prestação com valor patrimonial.
Do primeiro elemento retira-se que a retribuição depende de uma relação sinalagmática.
O contrato de trabalho é bilateral e, por conseguinte, a retribuição encontra-se na dependência sinalagmática relativamente à actividade prestada.
De acordo com o segundo elemento, a atribuição de carácter retributivo a uma certa prestação do empregador exige, igualmente, periodicidade e regularidade no seu pagamento.
Com a expressão regular, a lei refere-se a uma prestação não arbitrária, que segue uma regra permanente, sendo, pois, constante.
E, ao exigir o carácter periódico, a lei considera que a prestação deve ser paga em períodos certos no tempo ou aproximadamente certos, de forma a inserir-se na própria ideia de periodicidade típica do contrato de trabalho e das necessidades recíprocas dos dois contraentes (vide, neste sentido, o Ac. do STJ de 13/01/1993, CJSTJ, T. I, pág. 226).
Estas prestações regulares e periódicas pagas pela entidade patronal ao trabalhador, independentemente da designação que lhes seja atribuída no contrato ou no recibo, só não serão consideradas parte integrante da retribuição se tiverem uma causa específica e individualizável diversa do trabalho, ou seja, a menos que sejam contrapartida específica, diferente da disponibilidade da força de trabalho ou da prestação do trabalho.
A retribuição em sentido estrito compreende a denominada retribuição base - correspondente à parcela retributiva contratualmente devida que condiz com o exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido -, as diuturnidades, assim como as demais prestações pecuniárias pagas regularmente como contrapartida da actividade.
Estas prestações, habitualmente denominadas complementos salariais, assumem, igualmente, carácter de obrigatoriedade.
Assim, além da retribuição base, são normalmente ajustadas outras parcelas retributivas que cabem igualmente no conceito de retribuição, entre as quais se podem incluir as diuturnidades (vide, neste sentido, Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 4.ª ed., págs. 572 e segs.).
No que tange à prova da verificação dos pressupostos condicionantes da atribuição de natureza retributiva a qualquer prestação pecuniária paga pelo empregador ao trabalhador, a lei consagrava e consagra ainda um regime favorável aos trabalhadores, preceituando no n.º 3 do artº 82.º da LCT e, actualmente, no n.º 3 do artº 249.º do Código do Trabalho que, até prova em contrário, se presume constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade empregadora ao trabalhador.
Estabeleceu-se nestes normativos uma presunção juris tantum no sentido de que qualquer atribuição patrimonial efectuada pelo empregador em benefício do trabalhador, salvo prova em contrário, constitui parcela da retribuição.
Conforme estatui o nº 1 do artº 350º do Código Civil, quem tem a seu favor esta presunção escusa de provar o facto na que ela conduz. A existência de presunção legal importa, assim, a inversão do ónus da prova (cf. artº 344º do CC).
Deste modo, não obstante os aludidos pressupostos constituírem factos constitutivos do direito invocado pela autora e de, em princípio, lhe caber a prova desses factos, face ao disposto no nº 1 do artº 342º do CC, a existência da citada presunção legal inverte o ónus da prova, incumbindo à ré a demonstração da inexistência de tais pressupostos factuais.
Em suma, a autora nesta acção cabe apenas provar a percepção das alegadas prestações pecuniárias, competindo à ré demonstrar a não verificação dos elementos integrantes do conceito legal de retribuição.
A autora pretende que o subsídio de telefone de residência, reconhecidamente pago pela ré, seja considerado retribuição de molde a gozar da característica da irredutibilidade da prestação (art.º 21º, n.º 1, al. c), da LCT, art.º 122º, al. d), do Código do Trabalho e cláusula 14ª, al. b), do aludido AE).
Relativamente a esta prestação que a ré pagou à autora com uma periodicidade mensal, ao longo de 14 anos, a ré não ilidiu a presunção prevista nos art.ºs 82.º n.º 3 da LCT e 249º, nº 3 do Código do Trabalho, ou seja, a ré não logrou demonstrar, nem tal resulta da matéria de facto provada, qualquer facto que nos permita concluir que o pagamento desta prestação tinha uma causa específica e individualizável diversa da remuneração do trabalho ou que estava ligado à situação de comissão de serviço.
Conclui-se, assim, que o subsídio de telefone de residência constitui retribuição, pelo que goza das características de irredutibilidade da prestação.
Nestes termos, tem a autora direito a lhe sejam pagas as diferenças entre o que lhe foi pago desde Fevereiro de 2007 e o que lhe era devido desde esta data a título de subsídio de telefone de residência.
E também neste caso a ré procedeu ao desconto ilegal da remuneração da autora, nos termos do disposto no artº 95º, nºs 1 e 2 da LCT, pelo que a autora tem direito à restituição da importância de € 15,55 que a ré indevidamente lhe descontou, no mês de Fevereiro de 2007, a título de subsídio de telefone de residência.
Sobre todas as quantias anteriormente discriminadas são devidos juros de mora, computados à taxa legal de 4% desde a data do vencimento de cada uma das prestações até efectivo e integral pagamento (cf. art.s 804º, 805º nº 2, al. a) e 806º, todos do Código Civil e Portaria nº 291/03, de 08.04).
[…]»
Sufragamos, na sua essencialidade, estas considerações sobre o carácter retributivo das prestações em causa – ressalvado, obviamente, o pressuposto de se ter constituído validamente uma comissão de serviço –, por serem as mesmas consentâneas com o regime legal (artigos 82.º e 95.º da LCT e 249.º do Código do Trabalho de 2003) e convencional (cláusula 74.ª do AE) aplicáveis.
Aliás, não pode deixar de se notar que em toda a sua alegação, e designadamente quando invoca que o pagamento das prestações complementares que a A. deixou de auferir decorre directamente do exercício daquelas funções de chefia, a R. recorrente parece esquecer-se de uma circunstância de importância fundamental. É que alegou na presente acção que os subsídios de chefia e de telefone de residência pagos à autora dependiam do efectivo exercício de funções de chefia enão logrou fazer a prova de tal factualidade, como ficou consignado no despacho de resposta à matéria de facto (vide 3.2.).
Pelo que nunca poderia sustentar em recurso, sem que impugnasse a decisão de facto (o que não fez) que o pagamento das referidas prestações complementares decorre directamente do exercício daquelas funções de chefia.
Devendo as prestações em causa considerar-se parte integrante da remuneração auferida pela trabalhadora enquanto exerceu as funções de chefe de estação de correio, e partindo do pressuposto da validade da comissão de serviço – como partiu a sentença recorrida – aplicar-se-ía às mesmas o regime prescrito na cláusula 74ª, n.º 3 do AE vigente à data da exoneração da A. do cargo de chefe de estação, assistindo-lhe o direito a manter o nível salarial correspondente à retribuição auferida à data da cessação das suas funções de chefe de correio até ao momento em que lhe couber remuneração e diuturnidades que somem quantitativos superiores.
Esta cláusula consagra um dos direitos geralmente conferidos pelos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho nos regimes das comissões de serviço naqueles previstos antes do DL n.º 404/91, regimes estes que – a despeito de acolherem a transitoriedade do exercício das funções de direcção e a reversibilidade da categoria profissional característicos da comissão de serviço – não abalavam excessivamente os princípios estruturantes do Direito do Trabalho, vg. o princípio da irredutibilidade da retribuição.
Uma vez que a A. não interpôs recurso deste segmento da sentença recorrida, deverá a mesma ser mantida nos seus precisos termos, embora no ponto 1. do dispositivo, por uma questão de coerência interna, deva perspectivar-se como feita à categoria profissional de ASG a referência ali efectuada à categoria profissional (sem explicitação de qual).
Cabe ainda acrescentar que, uma vez que a comissão de serviço padece de nulidade nos termos supra analisados, vale também quanto à retribuição auferida o regime jurídico geral, designadamente as normas que proíbem a redução da retribuição [artigo 21.º, n.º 1, alínea c) da LCT e artigo 122.º, alínea d) do Código do Trabalho de 2003], pelo que, embora com um fundamento jurídico distinto, sempre caberia confirmar a sentença recorrida no que diz respeito a este segmento decisório.
Improcede o recurso interposto pela R.
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4.5. Uma vez que a A recorrente obteve vencimento no recurso que interpôs da sentença final e, também, no interposto pela R., ficando esta vencida em ambos os recursos, será a R. a suportar as custas dos dois recursos (artigo 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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* 5. Decisão
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Em face do exposto, decide-se:
5.1. julgar procedente o recurso interposto pela A. e, em consequência:
5.1.1. declara-se a nulidade da comissão de serviço ao abrigo da qual exerceu funções de chefe de estação de correio, e
5.1.2. condena-se a R. a reclassificar a A., reconhecendo-lhe a categoria profissional de assistente de gestão (ASG)
5.2. julgar improcedente a apelação da R., confirmando-se a decisão condenatória constante da sentença recorrida, mas esclarecendo-se que a categoria profissional referenciada no ponto 1. da decisão é a de ASG.
Custas na 1.ª instancia e em ambos os recursos pela R..
Lisboa, 11 de Janeiro de 2012
Maria José Costa Pinto
Seara Paixão
Ferreira Marques
------------------------------------------------------------------------------------ [1] Vide Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Coimbra, 2010, pp. 310-311. [2] Revista n.º 1169/05, da 4.ª Secção. A citação de Jorge Leite reporta-se à sua obra Direito do Trabalho, vol II, Coimbra, 1999, p. 150. [3] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2000.05.24 (Revista n.º 54/00 da 4ª Secção), de 2000.11.30 (Revista n.º 78/00 da 4ª Secção), de 2002.02.06 (Revista n.º 2393/01 da 4ª Secção) e de 2002.01.15 (Revista n.º 338/02 da 4ª Secção). [4] Vide Irene Gomes, no seu estudo Principais Aspectos do Regime Jurídico do Trabalho Exercido em Comissão de Serviço in Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Prof. Manuel Alonso Olea”, pp. 247. [5] No seu estudo Regime Jurídico do Trabalho em Comissão de Serviço, in “Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Prof. Manuel Alonso Olea”, pp. 508 e 509. Também neste sentido Pedro Romano Martinez e outros, in Código do Trabalho Anotado, 2.ª edição, pp.390 e ss. [6] In ob. citada, pp.246-247.Assim também Luís Miguel Monteiro, à face do Código do Trabalho de 2009 in Código do Trabalho Anotado, por Pedro Romano Martinez e outros, 8.ª edição, 2009, p. 423. [7] Publicado no BTE 1ª série nº 24 de 29 de Junho de 1981, sucessivamente alterado, vg. pelo AE publicado no BTE 1ª série nº 13 de 8 de Abril de 1991, cuja aplicação não é discutida nos autos. [8] Como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2005.05.04, Recurso n.º 779/04 - 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt, é nulo, por violação de normas legais imperativas, o acordo pelo qual o autor passou a exercer as funções de jornalista em comissão de serviço, nos mesmos termos que até então vinha exercendo, por essa funções não se integrarem em nenhuma daquelas que o art. 1.º do DL n.º 404/91, de 16 de Outubro, permite o recurso a essa figura jurídica [9] Vide sobre esta matéria Irene Gomes, in estudo citado, pp.253-254, nota 9. [10] Segundo Luís Miguel Monteiro, não obstante o Código de 2003 não contenha norma similar ao artigo 1.º, n.º 2 da LComS, “deve entender-se que continuam a ficar excluídos da contratação em comissão de serviço os cargos de chefia exercida directamente sobre trabalhadores” (in Código do Trabalho Anotado, por Pedro Romano Martinez e outros, 3.ª edição, p. 440). O artigo 161.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro retoma esta exigência, ao estabelecer na sua parte final na parte final do preceito, ao referir que a especial relação de confiança se verifique “em relação ao titular daqueles cargos”. [11] In Contrato de trabalho - À luz do novo Código do Trabalho, Coimbra, 2009, p. 145 e no seu trabalho Comissão de serviço e segurança no emprego; uma dupla inconciliável?, in RLJ, ano 140.º, n.º 3966, p. 174. [12] No seu já citado Regime Jurídico do Trabalho em Comissão de Serviço, p. 524. [13] In Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais, Coimbra, 2006, p. 287. Esta autora convoca a aplicação do regime do artigo 245.º, n.º 2 do Código do Trabalho de 2003, a que se reporta, nos termos do qual “não se considera sujeito ao regime de comissão de serviço” o acordo não escrito ou em que falte a menção do regime de comissão de serviço. [14] Neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2002.09.25, Revista n.º 1197/02, in www.dgsi.ptqueconcluiu não ser devido ao trabalhador, após a cessação do regime de comissão de serviço nulo, o subsídio que lhe foi pago durante a execução da inválida comissão de serviço. [15] Vide Jorge Leite, in Direito do Trabalho e da Segurança Social, Lições ao 3º ano da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra 1982, p. 149. [16] Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2005.01.18, Revista n.º 2951/04, da 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt. [17] A idêntica solução conduziria o elenco normativo constante dos artigos 122.º, alínea e), 151.º, 313.º e 314.º, do Código do Trabalho, vocacionado para a protecção legal da categoria do trabalhador e, consequentemente, da sua carreira, em ordem a impedir que, pelo menos a título definitivo e sem interesse que o imponha, ocorra degradação do seu estatuto profissional por mera iniciativa do empregador. [18] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2001.05.16, proferido na Revista nº 707/01 da 4ª Secção e de 2000.10.25, proferido na Revista nº 1809/00 da 4ª Secção, todos sumariados in www.stj.pt. [19] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2005.02.02, Recurso n.º 1918/04 - 4.ª Secção 2010.02.03, Recurso n.º 436/06.3TTSTS.S1- 4.ª Secção e de 2010.03.17, Recurso n.º 435/09.3YFLSB- 4.ª Secção, in www.dgsi.pt.