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CONTRATO DE ARRENDAMENTO
OBRAS DE CONSERVAÇÃO ORDINÁRIA
DETERIORAÇÃO
Sumário
I - A própria estrutura do andar encontra-se afectada e o estado de deterioração irreversível resultou directamente ou foi fortemente acelerado e acentuado pela forma insensata como o réu descuidou o andar de que é arrendatário, obrigando a uma intervenção radical e aprofundada em todo esse espaço, inclusive, o mesmo procedeu à abertura de roços nas paredes que não fechou e efectuou a rede de abastecimento e drenagem de águas, com uniões disformes e secções, não realizando qualquer estudo dos causais associados. II - Tais deteriorações não podem deixar de ser imputáveis ao R., sendo que em virtude do estado em que o locado se apresenta verificam-se infiltrações nas fracções do 2° piso, apresentando os 2° andares frente e direito abatimento parcial do tecto. III - O andar foi entregue em bom estado de conservação e o réu obrigou-se, nos termos da cláusula terceira do contrato, a realizar por sua conta e risco as obras respeitantes a rebocos, pinturas, beneficiação de instalação eléctrica e montagem de uma casa de banho. IV - É lícito ao arrendatário realizar pequenas deteriorações no prédio arrendado quando elas se tornem necessárias para assegurar o seu conforto e comodidade, e, na falta de convenção em contrário, é o locatário obrigado a manter e a restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato, como já se referiu. V - A prudente utilização do locado é a que é envolvida de zelo e cuidado normais na espécie de coisas em causa, considerando-se como tal, os pequenos estragos. VI - Estamos em face de uma utilização duradoura gravemente imprudente do locado pelo réu, por via do qual infringiu as suas obrigações decorrentes do contrato e da lei, designadamente dos artigos 1038º alª d) e 1083º nº 1 e 2 alª b) do Código Civil. (ISM)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
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A…, SA, instaurou acção declarativa, com processo ordinário, contra B…, pedindo que seja:
- declarada a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre aquela e o R. por escritura pública outorgada em 24 de Março de 1977;
- o R. condenado a restituir o locado à A. livre e devoluto de pessoas e bens;
- o R. condenado a indemnizar a A. na quantia de € 35.000, quantia essa em que alegadamente importarão as obras a realizar no locado necessárias à colocação do mesmo em condição de poder ser usado para o fim a que se destina.
Alegou, em síntese, que:
- É dona e legítima possuidora do prédio urbano sito na Rua …, n° …, na freguesia de …, em …, descrito junto da …Conservatória do Registo Predial de … sob o n° … da referida freguesia;
- A A. e o R. celebraram, por escritura pública outorgada a 24 de Março de 1977, um contrato de arrendamento tendo por objecto a locação do terceiro andar do prédio supra descrito para exercício do comércio.
- Por força do disposto na cláusula 6a do contrato de arrendamento, o R. obrigou-se "(...) a conservar sempre em bom estado o andar arrendado, bem como as canalizações de água, esgotos e quaisquer outras instalações que existam no mesmo, a fazer todas as reparações que sejam de simples conservação, respondendo por todas as deteriorações (...) ". - O R. vem pagando à A. uma renda mensal de f 240,00.
- O locado chegou a um grau de deterioração que torna impossível o uso do mesmo para o fim a que se destina.
- Tal fica a dever-se ao facto do R. fazer do mesmo um uso imprudente e de nunca ter procedido às obras de conservação a que se vinculou.
As divisões apresentam os materiais de revestimento envelhecidos, por força de falta de manutenção e as zonas húmidas, 2 cozinhas e 2 instalações sanitárias, apresentam um grau de degradação que coloca em causa a estabilidade estrutural do imóvel.
- As zonas húmidas apresentam abaulamento de tectos, descasque parcial de argamassas, sujidade generalizada em parede e os pavimentos, revestidos a material cerâmico diverso e/ou linóleo, encontram-se oscilantes e genericamente soltos do suporte.
- A rede de águas frias/quentes encontra-se à vista, desenvolvendo-se pelo exterior, atravessando o saguão.
- No lado esquerdo do locado, as paredes apresentam descasque integral até ao osso, deixando alvenaria de pedra e/ou cerâmica, bem como cruzes de Santo André estruturais completamente expostas, zona do duche inclusa, nesta sem qualquer tipo de protecção à água.
Os tectos do tipo saia-camisa abateram parcialmente e os restantes estão em risco de ruína.
Os pavimentos apresentam sobreposição de tabuado de solho e material diverso, não fixos entre si, criando grande instabilidade e perigando quem sobre eles circula.
Em virtude da degradação das zonas húmidas do 3° Piso, desenvolveu-se quadro patológico a elas associado com infiltrações diversas nas fracções do 2° Piso.
O 2° andar Frente e Direito ostentam abatimento parcial de tecto e insalubridade geral.
No 2° andar Esquerdo encontram escorrências nas salas a tardoz, com correspondência vertical com a instalação sanitária do 3° piso podendo constatar-se o repasse de água para o pavimento que se encontra saturado.
O R. não tem vindo a fazer um uso normal e prudente do locado.
Para a A. colocar o locado em condições mínimas de salubridade e segurança são necessárias obras avultadas.
A degradação do locado impede que a A. possa, na sequência da resolução do contrato, utilizá-lo para o exercício do comércio, ou dá-lo de arrendamento para esse fim.
O locatário está obrigado a reparar as deteriorações causadas por um uso imprudente do prédio. O R. contestou. Alegou, sustentando, em suma, que o locado não se encontra em grau de deterioração que torne impossível o uso do mesmo para o fim a que se destina.
Apenas as obras de simples conservação estão a cargo do R., encontrando-se as de conservação extraordinária a cargo do senhorio.
A A. é a única pessoa a quem é imputável a actual degradação do locado e do edifício.
A casa de banho mais afastada da cozinha foi integralmente construída e montada por conta e risco do R. e obras levadas a cabo pelo senhorio no piso superior ao do R. e torneiras abertas durante vários dias provocaram não só um abatimento de parte do tecto da casa de banho, como infiltrações graves nesta mesma divisão.
O locado é afectado há vários anos por infiltrações oriundas do andar superior, não existindo fundamento para a resolução do contrato de arrendamento.
A A. apresentou réplica, na qual requereu a ampliação do pedido e da causa de pedir, tendo liquidado o valor em que importarão as obras cuja realização alegou ser necessária.
Invocou que o R. recebeu o locado em bom estado, bem sabendo que era sobre si que incumbia a obrigação de assim o manter.
Tem já conhecimento das obras de que o locado se encontra carecido, obras essas que identificou. As mesmas têm um valor não inferior a € 35.000,00.
Termina concluindo que, por acréscimo ao pedido na petição inicial, deve a R. ser
condenada a pagar à A. uma indemnização não inferior a € 35 000,00.
O R. treplicou, sustentando que as deteriorações que o locado apresenta e a obras que a
A. vem agora dizer serem impreteríveis de levar a cabo não são da responsabilidade do réu.
Foi admitida a ampliação da causa de pedir e do pedido requeridas pela A. na réplica.
Após audiência de discussão e julgamento, foi proferida decisão que julgou a acção procedente, e, em consequência:
a) declarou resolvido o contrato de arrendamento referente ao 3° andar do prédio sito na Rua …, n°s …, em …, celebrado entre A. e R.;
b) condenou o R a despejá-lo, entregando-o à A. completamente livre e devoluto de pessoas e bens;
c) condenou o R. a pagar à A. a quantia necessária à realização das seguintes obras, quantia essa a liquidar no respectivo incidente, mas não superior a € 35.000,00:
1. desmonte de forro em tectos e arrumação de entulhos e transporte a vazadouro;
2- desmonte de vigamento do tecto e arrumação de entulhos e transporte a vazadouro;
3- desmonte de molduras em madeira de pinho em rodatecto e arrumação e transporte a vazadouro;
4 - fornecimento e assentamento de vigamento em madeira de pinho imunizado com produto colorido anti-xilófago e fungicida imunizado, com 16x8, em tectos;
5. decapagem das pinturas existentes em tectos e trabalhos complementares;
6 - decapagem das pinturas existentes em molduras em madeira de pinho e trabalhos preparatórios e complementares;
7. fornecimento e assentamento de forro em madeira de pinho imunizado com produto colorido anti-xilófago e fungicida. tipo saia camisa pregado ao vigamento do tecto;
8. fornecimento e assentamento de réguas de madeira de pinho imunizado com produto colorido anti-xilófago e fungicida em rodatecto com secção 10x2 cm e respectiva moldura colocada sobre a régua;
9 - pintura de tectos em madeira, com tinta de esmalte, sobre duas demãos de tinta de óleo e uma de primário e trabalhos complementares;
10 - pintura a tinta de esmalte do rodatecto em madeira (10x2 cm), sobre duas demão de tinta de óleo e uma de primário e trabalhos preparatórios e complementares;
11- desmonte do massame em pavimentos e arrumação e transporte a vazadouro;
12 - desmonte de solho no pavimento e arrumação e transporte a vazadouro;
13 - desmonte de rodapé em madeira de pinho/cerâmico e arrumação e transporte a vazadouro;
14- desmonte de mosaico em pavimentos e argamassa de assentamento, arrumação e transporte a vazadouro;
15 - fornecimento e assentamento de solho tosco e ripas de 4x5 cm em madeira de pinho imunizado com produto colorido anti-xilófago e fungicida pregado entre vigas do pavimento;
16- execução de massame de betão com 5 cm de espessura com argila expandida, tipo Leca, em pavimentos e todos trabalhos complementares;
17- fornecimento e assentamento de mosaico cerâmico, com cimento cola e acabamentos e limpeza final;
18 - fornecimento e assentamento de rodapé em mosaico cerâmico, com cimento cola, incluindo acabamentos e limpeza final;
19. queima e raspagem da tinta existente dos rodapés e trabalhos complementares;
20. pintura a tinta de esmalte, de rodapé de madeira (10x2 cm), sobre uma demão de tinta de óleo e uma de primário e trabalhos complementares;
21. afagar, betumar e envernizar, com duas demãos incluindo uma demãos de tapa-poros, o soalho no pavimento;
22. desmonte, limpeza e assentamento de azulejo com cimento cola;
23. picagem de reboco em paredes interiores e arrumação e transporte a vazadouro;
24. desmonte de vigamento em madeira de pinho de estrutura de paredes "gaioleiro" e remoção e transporte a vazadouro com posterior fornecimento de vigamento em madeira de pinho imunizado com produto colorido anti-xilófago e fungicida de secção 16x8, em estrutura de paredes "gaioleiro";
25. execução de esboço e estuque branco em paredes interiores;
26. fornecimento e assentamento de azulejo branco 15x15 cm com cimento cola, com prévia execução de reboco, acabamentos e limpeza final;
27. pintura de paredes a tinta de água com um primário e trabalhos complementares;
28. desmonte de caixilhos e arrumação e transporte para vazadouro;
29. desmonte de aros e arrumação e transporte para vazadouro; monte de tábuas de peito e arrumação e transporte para vazadouro;
30. decapagem da pintura existente em portadas e execução de nova pintura a tinta de esmalte e trabalhos preparatórios e complementares, bem como substituição das ferragens inoperantes;
31. fornecimento e assentamento de caixilharia em madeira de pinho imunizado com produto colorido anti-xilófago e fungicida, incluindo ferragens;
32. fornecimento e assentamento de tábuas de peito em madeira de pinho imunizado com produto colorido anti-xilófago e fungicida;
33. fornecimento e assentamento de aros em madeira de pinho imunizado com produto colorido anti-xilófago e fungicida;
34. pintura a tinta de esmalte sobre duas demãos de tinta de óleo e uma de primária e trabalhos complementares de caixilhos, aros e tábuas de peito;
35. decapagem da pintura existente em guarnições interiores e trabalhos preparatórios e complementares e substituição das ferragens inoperantes;
36. execução de nova pintura a tinta de esmalte em guarnições interiores e trabalhos preparatórios e complementares e substituição das ferragens inoperantes;
37. decapagem da pintura existente em vãos interiores, trabalhos preparatórios e complementares e substituição das ferragens inoperantes;
38. execução de nova pintura a tinta de esmalte em vãos interiores, trabalhos preparatórios e complementares e substituição das ferragens inoperantes e
39. substituição das instalações eléctricas, águas, esgotos e gás.
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Inconformado, interpôs o réu competente recurso, cuja minuta concluiu da seguinte forma:
I. Ao quesito 17° e 21° da base instrutória respondeu restritivamente o Tribunal a quo.
II. Não fez o Tribunal a quo a apreciação correcta da prova produzida nos autos sobre estes quesitos uma vez que ficou provado nos autos que a causa do abatimento do tecto quer da casa de banho, quer da cozinha, está em infiltrações no andar superior ao do locado, através do relatório pericial de fls. 131 a 134 e a resposta de pedido de esclarecimento do perito a fls.150. III. III. Não houve nenhum outro elemento de prova que tivesse contraditado as conclusões do perito nomeado pelo Tribunal, pelo incorreu num erro de interpretação e aplicação da lei quando não valorou a prova pericial não contraditada por nenhuma outra prova, com violação do disposto nos art° 515° do CPC.
IV. Ao contrário do que afirma a sentença recorrida, o Recorrente logrou elidir a presunção de culpa que pendia sobre si, por aplicação do art°1044 do C. Civil, relativamente à responsabilidade das deteriorações verificadas no locado.
V. Errou, nestes termos, o tribunal a quo quando considerou que o recorrente não demonstrou que as deteriorações em questão não lhe eram imputáveis, com violação da norma do art°1044 do C. Civil.
VI. Não estamos perante nenhuma situação de facto que seja causa de resolução do contrato de arrendamento.
VII. Se é certo que a cláusula sexta do contrato derroga o princípio geral segundo o qual cabe ao senhorio executar todas as obras de conservação ordinária (art°1111 do C. Civil),
VIII. Certo é também que, da cláusula em questão decorre, inequivocamente, que as obras de conservação extraordinária estão a cargo do senhorio.
IX. Ora, as obras que o Tribunal a quo considerou estar o Recorrente obrigado a executar constantes do ponto 1 a 40 da al. c) da parte "III. Decisão" são obras de carácter estrutural e que excedem em muito as meras reparações ordinárias a que o R. estava comprometido por força do contrato,
X. Como desmonte e fornecimento devigamento em madeira de pinho de estruturas deparedes "gaioleiro, bem como a desmonte e fornecimento de vigamento do tecto eroda tecto, ou ainda substituição das instalações eléctricas, águas, esgotos e gás!
XI.O Tribunal a quo ao entender que as obras constantes do ponto 1 a 40 da al. c) daparte "III. Decisão", são obras de conservação ordinária e, consequentemente, da responsabilidade do Recorrente, violou as normas constantes dos art°1111°, n°2, 1043° e 1044°, todos do C. Civil, bem como o Princípio da Autonomia Privada das Partes, ao derrogar a cláusula sexta do contrato de arrendamento celebrado pelas partes.
XII.O Tribunal a quo, ao considerar que as obras referidas eram da responsabilidade do Recorrente, e que este não as efectuara, concluiu ter este violado duradoura e imprudentemente as suas obrigações decorrentes do contrato e da lei,
XIII. E, como tal, terem ocorrido «no caso vertente os pressupostos de resolução do contrato de arrendamento previstos no artigo 1083° n°s 1 e 2 do C. Civil, impendendo sobre o R. a obrigação de restituir o locado à A.».
XIV. As deteriorações e as obras que a Autora veio alegar serem da responsabilidade do Recorrente, na verdade, não são suas, por se tratarem de obras extraordinárias, da lavra do senhorio, conforme supra se alegou.
XV. As deteriorações cujas reparações seriam imputáveis ao Recorrente confeririam ao Autor, na melhor das hipóteses, o direito a exigir a sua reparação no âmbito da vigência do contrato, e nunca o direito a resolvê-lo (art°1043 n°1 do C. Civil).
XVI. Destarte, o R. não violou o dever de proceder a obras de conservação do locado, nem qualquer dever contratual ou legal, incorrendo o Tribunal a quo em erro de interpretação e aplicação da lei, em concreto do n°1 e 2 do art°1083 do C. Civil quando considerou existir incumprimento deveres do Recorrente no contrato em causa,
XVII. Bem como considerar que esse incumprimento é de tal ordem gravoso que impede a subsistência do arrendamento.
XVIII. Não havendo violação de qualquer norma legal ou contratual, não existe fundamento para a resolução do presente contrato de arrendamento e, tão pouco, há fundamento para o pagamento de qualquer indemnização à Autora, porquanto não há facto ilícito,
XIX. Incorrendo o Tribunal a quo também em erro quando condenou o Recorrente no pagamento de €35 000,00 à Autora em obras que não são da sua responsabilidade, com violação do art°798°, 562° e 563° do C. Civil.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. suprirão, deverá ser dado provimento ao presente Recurso de Apelação e, em consequência, o ora Recorrente ser absolvido do pedido, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!»
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São as seguintes as questões decidendas:
i) Saber se houve erro no julgamento de facto;
ii) Saber se houve erro na decisão de mérito, designadamente no que se refere à classificação das obras como de conservação ordinária, no que tange à verificação ou não dos pressupostos de que a lei faz depender a resolução do ajuizado contrato de arrendamento e no que toca à prática de facto ilícito pelo réu gerador de responsabilidade.
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São os seguintes os enunciados de dados de facto considerados assentes no primeiro grau:
1. A Autora é dona e legítima proprietária do prédio urbano sito na Rua …, n°s … a …, freguesia de …, descrito na …Conservatória do Registo Predial de …, sob o n° … e inscrito na matriz sob o artigo … (alínea A) da Matéria de Facto Assente).
2. Por escritura pública outorgada em 23 de Março de 1977, no … Cartório Notarial de …, a A. declarou dar de arrendamento ao R. o 3° andar do prédio aludido em A), com destino a escritório comercial, nos termos que constam do documento junto de fls 21 a 26, tendo este declarado que aceitava o arrendamento (alínea B) da Matéria de Facto Assente).
3. Consta do contrato: TERCEIRO: - O inquilino obriga-se a executar de sua conta e risco as seguintes obras no local arrendado.« rebocos, pinturas, beneficiação da instalação eléctrica e montagem de uma casa de banho, não tendo a senhoria que pagar qualquer indemnização. (...) SEXTO: - O locatário obriga-se a conservar sempre em bom estado o andar arrendado, bem como as canalizações de água, esgotos e quaisquer outras instalações que existiam no mesmo, a fazer todas as reparações que sejam de simples conservação, respondendo por todas as deteriorações, não podendo todavia fazer obras que não sejam de simples conservação sem prévia autorização por escrito da senhoria" (alínea C) da Matéria de Facto Assente).
4. A renda mensal é actualmente de € 240,00 mensais (alínea D) da Matéria de Facto Assente).
5- Por falta de manutenção, todas as divisões apresentam os demais materiais relativos ao pavimento, aos revestimentos de paredes e tectos e à instalação eléctrica envelhecidos (resposta ao artigo 1° da Base Instrutória).
6- As duas cozinhas e as duas instalações sanitárias apresentam:
a) abaulamento de tectos;
b) descasque parcial de argamassas;
c) sujidade generalizada das paredes;
d) os pavimentos, revestidos a material cerâmico e linóleo, se encontram oscilantes e soltos do suporte e
e) a rede de águas frias/quentes se encontra à vista, desenvolve-se pelo exterior e atravessa o saguão, através de um tubo tipo mangueira, alimentando as zonas húmidas no lado oposto (resposta ao artigo 2° da Base Instrutória).
7- No lado esquerdo do locado as paredes apresentam descasque integral até ao osso, deixando alvenaria de pedra e cerâmica, bem como cruzes de Santo André estruturais completamente expostas, incluindo na zona do duche (resposta ao artigo 3° da Base Instrutória).
8- Na zona do duche da casa de banho do lado esquerdo não existe qualquer tipo de protecção para a água que cai do chuveiro (resposta ao artigo 4° da Base Instrutória).
9- Na zona de alimentação das águas o R. abriu diversos roços que nunca foram fechados, existindo argamassas cimentícias nos paramentos (resposta ao artigo 5° da Base Instrutória).
10- Os tectos do tipo saia-camisa abateram parcialmente (resposta ao artigo 6° da Base Instrutória).
11- E os restantes encontram-se em risco de ruína, com apodrecimento geral, incluindo do vigamento que os sustenta (resposta ao artigo 7° da Base Instrutória).
12- Os pavimentos apresentam sobreposição de tabuado de solho, não fixo entre si, criando grande instabilidade (resposta ao artigo 8° da Base Instrutória).
13. Sob e sobre os mesmos, o R. efectuou a rede de abastecimento e drenagem de
águas, com uniões disformes e secções, ... (resposta ao artigo 9° da Base Instrutória).
14. ... não tendo realizado qualquer estudo dos caudais associados (resposta ao artigo
10° da Base Instrutória).
15. A zona da casa de banho é sobrelevada relativamente à cozinha, estando a separação executada com platex e aglomerados de madeira (resposta ao artigo 11° da Base Instrutória).
16. Em virtude do que consta das respostas aos artigos 2° e 4° e dos artigos 3° e 5° a 11° se verificam infiltrações nas fracções do 2° piso, apresentando os 2° andares frente e direito abatimento parcial do tecto (resposta aos artigos 12° a 14° da Base Instrutória).
17. Em virtude do que consta das respostas aos artigos 1°, 2° e 4° e dos artigos 3° e 5° a 11° para que o locado possa ser utilizado para o exercício do comércio terão que ser levadas a cabo as seguintes obras:
a) Desmonte de forro em tectos e arrumação de entulhos e transporte a vazadouro;
b) Desmonte de vigamento do tecto e arrumação de entulhos e transporte a vazadouro;
c) Desmonte de molduras em madeira de pinho em rodatecto e arrumação e transporte
a vazadouro;
d) Fornecimento e assentamento de vigamento em madeira de pinho imunizado com produto colorido anti-xilófago e fungicida imunizado, com 16x8, em tectos;
e) Decapagem das pinturas existentes em tectos e trabalhos complementares;
f) Decapagem das pinturas existentes em molduras em madeira de pinho e trabalhos preparatórios e complementares;
g) Fornecimento e assentamento de forro em madeira de pinho imunizado com produto colorido anti-xilófago e fungicida, tipo saia camisa pregado ao vigamento do tecto;
h) Fornecimento e assentamento de réguas de madeira de pinho imunizado com produto colorido anti-xilófago e fungicida em rodatecto com secção 10x2 cm e respectiva moldura colocada sobre a régua;
i) Pintura de tectos em madeira, com tinta de esmalte, sobre duas demãos de tinta de óleo e uma de primário e trabalhos complementares;
j) Pintura a tinta de esmalte do rodatecto em madeira (10x2 cm), sobre duas demãos de tinta de óleo e uma de primário e trabalhos preparatórios e complementares;
k) Desmonte do massame em pavimentos e arrumação e transporte a vazadouro;
1) Desmonte de solho no pavimento e arrumação e transporte a vazadouro;
m) Desmonte de rodapé em madeira de pinho/cerâmico e arrumação e transporte a
vazadouro;
n) Desmonte de mosaico em pavimentos e argamassa de assentamento, arrumação e transporte a vazadouro;
o) Fornecimento e assentamento de solho tosco e ripas de 4x5 cm em madeira de pinho imunizado com produto colorido anti-xilófago e fungicida pregado entre vigas do pavimento;
p) Execução de massame de betão com 5 cm de espessura com argila expandida, tipo Leca, em pavimentos e todos trabalhos complementares;
q) Fornecimento e assentamento de mosaico cerâmico, com cimento cola e acabamentos e limpeza final;
r) Fornecimento e assentamento de rodapé em mosaico cerâmico, com cimento cola, incluindo acabamentos e limpeza final;
s) Queima e raspagem da tinta existente dos rodapés e trabalhos complementares;
t) Pintura a tinta de esmalte, de rodapé de madeira (10x2 cm), sobre uma demão de tinta de óleo e uma de primário e trabalhos complementares;
u) Afagar, betumar e envernizar, com duas demãos incluindo uma demãos de tapa-poros, o soalho no pavimento;
v) Desmonte, limpeza e assentamento de azulejo com cimento cola; w) Picagem de reboco em paredes interiores e arrumação e transporte a vazadouro;
x) Desmonte de vigamento em madeira de pinho de estrutura de paredes "gaioleiro" e remoção e transporte a vazadouro com posterior fornecimento de vigamento em madeira de pinho imunizado com produto colorido anti-xilófago e fungicida de secção 16x8, em estrutura de paredes "gaioleiro";
y) Execução de esboço e estuque branco em paredes interiores;
z) Fornecimento e assentamento de azulejo branco 15x15 cm com cimento cola, com prévia execução de reboco, acabamentos e limpeza final;
aa) Pintura de paredes a tinta de água com um primário e trabalhos complementares;
bb) Desmonte de caixilhos e arrumação e transporte para vazadouro;
cc) Desmonte de aros e arrumação e transporte para vazadouro;
dd) Desmonte de tábuas de peito e arrumação e transporte para vazadouro;
ee) Decapagem da pintura existente em portadas e execução de nova pintura a tinta de esmalte e trabalhos preparatórios e complementares, bem como substituição das ferragens inoperantes;
ff) Fornecimento e assentamento de caixilharia em madeira de pinho imunizado com produto colorido anti-xilófago e fungicida, incluindo ferragens;
gg) Fornecimento e assentamento de tábuas de peito em madeira de pinho imunizado com produto colorido anti-xilófago e fungicida;
hh) Fornecimento e assentamento de aros em madeira de pinho imunizado com produto colorido anti-xilófago e fungicida;
ii) Pintura a tinta de esmalte sobre duas demãos de tinta de óleo e uma de primária e trabalhos complementares de caixilhos, aros e tábuas de peito;
jj) Decapagem da pintura existente em guarnições interiores e trabalhos preparatórios e complementares e substituição das ferragens inoperantes;
kk) Execução de nova pintura a tinta de esmalte em guarnições interiores e trabalhos preparatórios e complementares e substituição das ferragens inoperantes;
11) Decapagem da pintura existente em vãos interiores, trabalhos preparatórios e complementares e substituição das ferragens inoperantes;
mm) Execução de nova pintura a tinta de esmalte em vãos interiores, trabalhos preparatórios e complementares e substituição das ferragens inoperantes e
nn) substituição das instalações eléctricas, águas, esgotos e gás (resposta ao artigo 15° da Base Instrutória).
18. As obras referidas na resposta ao artigo 15° importam em quantia concretamente não apurada (resposta ao artigo 16° da Base Instrutória).
19. O tecto da casa de banho mais afastada da cozinha abateu parcialmente (resposta ao artigo 17° da Base Instrutória).
20. O tecto de uma das cozinhas abateu parcialmente (resposta ao artigo 21° da Base Instrutória).
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Do julgamento de facto
Insurge-se o recorrente contra o julgamento de facto, no que refere à resposta dada aos quesitos 17.º e 21.º
Nesses quesitos perguntava-se:
Quesito 17.º: O tecto da casa de banho mais afastada da cozinha abateu parcialmente em virtude de obras levadas a cabo pela Autora no piso superior do locado?
Quesito 21.º: O tecto da cozinha abateu parcialmente em virtude de infiltrações provenientes do andar superior?
A estes quesitos o tribunal respondeu:
Quesito 17.º: Provado apenas que o tecto da casa de banho mais afastada da cozinha abateu parcialmente.
Quesito 21.º: Provado apenas que o tecto de uma das cozinhas abateu parcialmente.
Entende a recorrente que a resposta aos referidos quesitos deveria ter sido, em ambos os casos, «provado».
Vejamos.
Na motivação das respostas aos quesitos em causa o tribunal consignou: «Quanto aos artigos 17.º e 21.º face aos elementos probatórios supra referidos, apenas resultou demonstrado o que consta das respectivas respostas, não tendo sido feita qualquer prova directa que o facto do tecto da casa de banho mais afastada da cozinha e desta dependência ter abatido parcialmente se tenha ficado a dever a infiltrações provenientes do piso superior do locado, pois, muito embora o perito coloque tal como uma hipótese, o mesmo declarou que aquilo que observou, por si só, não permite extrair tal conclusão, sendo certo que não foi efectuada qualquer prova directa no que a tal respeita.
O perito referiu que o que o estado actual das paredes e os tectos não permitiu constatar a existência de infiltrações, dado que aquelas apresentam descasque total até ao osso e os tectos abateram parcialmente.
Não foi feita qualquer prova que no andar superior tenham sido deixadas torneiras abertas por vários dias, nem que o facto das paredes da casa de banho se encontrarem sem reboco e com a canalização à vista se tenha ficado a dever a obras ali iniciadas por ordem da autora.
As duas primeiras testemunhas referiram que desconhecem a realização de quaisquer obras no locado por parte da autora e que dos registos existentes junto da mesma não consta qualquer queixa do réu relativamente a deficiências ou infiltrações existentes no imóvel.
Cumpre ainda referir que, considerando a prova – testemunhal, pericial e documental – produzida e ainda de acordo com as regras de experiência comum, uma vez que é o réu que se encontra no gozo do imóvel e não havendo qualquer indicio que tenha sido terceiro ou a própria autora a proceder à abertura dos roços aludidos no artigo 5.º ou a efectuar a rede de abastecimento e drenagens de águas nos termos que constam dos artigos 9.º e 10.º da Base Instrutória, o tribunal formou a sua convicção no sentido de que tais procedimentos foram realizados pelo réu»
Ora, analisada a prova não merece qualquer censura o julgamento efectuado pelo primeiro grau.
É verdade que nos esclarecimentos que prestou por escrito a fls. 150 o perito refere que «a origem daquelas anomalias [entrada de água] situa-se certamente a nível superior ao do andar vistoriado»; e acrescenta que «também se considera que no caso vertente, é licito pensar-se que a responsabilidade dos factos constatados, os abaulamentos referidos, derive de água proveniente de um local cuja cota é superior à do andar em questão».
Porém, não podemos ficar por este esclarecimento, porquanto o mesmo deve ser complementado pelos esclarecimentos orais que o mesmo perito prestou em audiência de discussão e julgamento.
Nesta sede o Sr. Engenheiro AA esclareceu que:
- houve falta de manutenção do locado, mas de maneira nenhuma explica o estado miserável do tardoz – cozinhas e casas de banho;
- esse estado tem de ter uma origem que admite «afora a hipótese de terrorismo» ter sido por infiltrações de água, mas também admite que tenha havido uma certa intencionalidade…
- o normal é ter havido infiltrações, mas não visitou outro sítio para além do locado;
- terá sido uma intencionalidade de forçar uma solução qualquer…
- não consegue justificar o estado do locado de maneira nenhuma;
- as canalizações de água andam por cima e por baixo; dá ideia que arrancaram canalizações;
- não sabe se as infiltrações passaram para baixo;
Interrogado pela Sra. Juiz afirmou: «há ali coisas esquisitíssimas; de explicação dificíl;
- Admite duas hipóteses para a origem das anomalias: ou água e infiltrações sem manutenção durante muito temo, ou alguém que começou a fazer obras e não as acabou.
Quer dizer, o sr. Perito admite a hipótese de infiltrações provindas de andar superior como mera hipótese de trabalho, sem conhecimento cabal e directo do estado daquele piso, e bem assim se dele provieram ou não infiltrações, se foram feitas obras, por quem foram feitas e em que consistiram.
Acresce que TG…, responsável pelo departamento de gestão de imóveis da autora, desde Março de 2007 referiu que:
- o réu nunca se queixou do estado da fracção;
- tem registos relativos a queixas dos inquilinos e no histórico nada consta quanto a queixas do réu;
- houve em 2005/2006 uma queixa do inquilino do 4.º andar direito por ter havido rotura na canalização na casa de banho que foi na altura reparada não tendo havido mais queixas;
- as únicas queixas de torneiras abertas foram feitas pelo inquilino do 2.º andar direito;
- em 2008 não havia qualquer infiltração no 3.º andar nem indícios de que as infiltrações no 2.º andar pudessem ser provenientes do 4.º andar.
Por sua vez NE…, funcionário da autora e que se deslocou ao prédio e fez visitas aos andares, afirmou que:
- não tem conhecimento de qualquer infiltração do 4.º para o 3.º andar;
- houve uma queixa, em 2008, de que passava água do 3.º andar para o 2.º;
- no 3.º andar não havia queda de água;
- em 2006, houve uma queixa de uma rotura na casa de banho do inquilino do 4.º andar que foi logo resolvida;
- houve também uma infiltração no 1.º andar;
- a autora, para além de ter reparado a rotura no 4.º andar direito ainda procedeu no 4.º esquerdo a obras de conservação geral;
- a fracção do 4.º direito tem correspondência com a cozinha do 3.º andar, mas é o 4.º esquerdo que corresponde com a casa de banho do 3.º;
- não consegue estabelecer nexo causal entre infiltrações e abaulamento (não queda) do tecto até porque esse abaulamento pode resultar da própria utilização da casa de banho;
- no 4.º andar as casas de banho estão rebocadas e em funcionamento.
Acresce ainda que o recurso às regras de experiência faz aqui todo o sentido.
Como é sabido, a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal (artigo 389.º CC). Vale aqui o princípio da prova livre genericamente consagrado no artigo 655.º CPC.
Prova livre não quer dizer prova arbitrária, «mas prova apreciada pelo juiz segundo a sua experiência, a sua prudência, o seu bom senso, com inteira liberdade, sem estar vinculado ou adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais» (ac. STJ, de 30 de Dezembro de 1977, BMJ, 271:185, citado por Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil, anotado, Vol I, 4.ª ed., Coimbra, 1987:340).
Ao decidir como decidiu, de resto de forma amplamente fundamentada o tribunal a quo não infringiu qualquer um dos cânones de apreciação e valoração da prova, designadamente pericial.
Do mérito do recurso
A sentença recorrida considerou estarem reunidos os pressupostos de resolução do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, nos termos do artigo 1083.º, n.º 1 e 2 do CC.
Diga-se antes de mais que o recorrente não logrou ilidir a presunção de culpa que sobre si impendia por aplicação do artigo 1044.º CC, relativamente à responsabilidade das deteriorações verificadas no locado, na medida em que não demonstrou que as deteriorações em questão não eram imputáveis.
O tribunal a quo considerou que «o R. obrigou-se, assim, a efectuar estas obras de conservação ordinária, o que não cumpriu, atento o estado em que o imóvel se encontra – em avançado estado de degradação, com reboco e canalizações à vista, com o pavimento solto, apresentando as paredes descasque integral até ao "osso"
Deste modo, o R. violou manifestamente as obrigações que para si decorrem da celebração do contrato».
O recorrente insurge-se contra esta conclusão.
Por um lado porque, no seu entender, é patente que as obras que o recorrente foi condenado a realizar e que correspondem às que supostamente deveria ter efectuado, e que fundamentaram a resolução do contrato de arrendamento, são obras de carácter estrutural, puramente extraordinárias, e que excedem em muito as meras reparações ordinárias a que o réu estava comprometido por força do contrato.
Por outro lado, mesmo que o recorrente estivesse obrigado a alguma reparação de carácter ordinário nunca a execução destas obras revestiria um carácter de tal forma gravoso ou de consequências gravosas que determinasse o preenchimento da norma que permite resolver o contrato de arrendamento com justa causa.
Por fim, não havendo violação de qualquer norma legal ou contratual, não existe fundamento para o pagamento de qualquer indemnização à autora, porquanto não há facto ilícito.
Não podemos acompanhar o recorrente.
Segundo o artigo 1074.º, n.º 1, do CC, cabe ao senhorio executar todas as obras de conservação, ordinária ou extraordinária, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário.
A propósito do novo regime diz-nos Menezes Leitão: «Anteriormente, no âmbito do arrendamento urbano, os artigos 11.º e ss do RAU estabeleciam uma distinção relativamente a obras de conservação ordinária, obras de conservação extraordinárias e obras de beneficiação, sujeitando-as a regime diversos.
Eram consideradas obras de conservação ordinária, nos termos do artigo 11.º, n.º 2, do RAU: a) a reparação e limpeza geral do prédio e suas dependências; b) as obras impostas pela Administração Pública, nos termos da lei geral e local aplicável, e que visem conferir ao prédio as características apresentadas aquando da concessão da licença de utilização; c) e, em geral, as obras destinadas a manter o prédio nas condições requeridas e pelo fim do contrato e existentes à data da celebração. Nos termos do artigo 12.º estas obras ficavam a cargo do senhorio, ressalvado o dever de o locatário manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, salvo pequenas deteriorações em conformidade com o fim do contrato (artigo 1043.º e 4.º do RAU). Nos arrendamentos não habitacionais era possível que esta obrigação ficasse a cargo do arrendatário (artigo 120.º, 121.º e 123.º do RAU) (…).
Eram consideradas obras de conservação extraordinária, nos termos do artigo 11.º, n.º 3 do RAU, «as ocasionadas por defeito de construção do prédio ou por caso fortuito ou de força maior, e, em geral, as que não sendo imputáveis a acções ou omissões ilícitas perpetradas pelo senhorio, ultrapassassem, no anos em que se tornem necessárias, dois terços do rendimento liquido desse ano». Já eram consideradas obras de beneficiação as que não se pudessem considerar obras de conservação, ordinária ou extraordinária (artigo 11.º, n.º 4). As obras de conservação extraordinária e de beneficiação ficavam a cargo do senhorio quando, nos termos das leis administrativas em vigor, a sua execução lhe fosse ordenada pela câmara municipal competente ou quando houvesse acordo escrito das partes no sentido da sua realização, com discriminação das obras a efectuar (artigo 13.º, n.º 1, do RAU), parecendo, portanto, a contrario, que ficariam a cargo do arrendatário quando nenhuma destas situações se verificasse. (…).
Consequentemente, no regime do RAU apenas ficavam a cargo do senhorio as obras de conservação ordinária (artigo 12.º, n.º 1, do RAU), sendo que relativamente às obras de conservação extraordinária ou de beneficiação a sua realização pelo senhorio dependia de tal lhe ser ordenado pela Câmara Municipal, ou haver acordo escrito das partes nesse sentido (artigo 13.º, n.º 1, do RAU) (…)
O regime consagrado no novo artigo 1074.º do Código Civil é bastante diferente em relação ao regime das obras. Efectivamente, em coerência com a obrigação que incumbe ao senhorio de proporcionar o gozo da coisa ao locatário para os fins a que esta se destina (artigo 1031.º, n.º b)), o novo artigo 1074.º, n.º 1, vem estabelecer que lhe incumbe efectuar obras de conservação ordinária ou extraordinária, sempre que elas sejam requeridas pelas leis ordinárias ou resultem do fim do contrato, salvo estipulação em contrário.
Assim, embora se preveja supletivamente que é sobre o senhorio que recai o dever de realizar obras, admite-se estipulação em contrário, o que justifica, pois é natural que por contratocertas obras possam ficar a cargo do arrendatário, uma vez que o valor da renda pode ser convencionado em função dessa obrigação, como acontece nos casos da cláusula de «arrendamento do imóvel no estado em que se encontra» (Arrendamento Urbano, 3,ª ed., Almedina, Coimbra, 2007:43-45).
Relativamente ao que sejamobras de conservação, ordinária ou extraordinária, França Pitão prognostica que a jurisprudência se continuará a orientar pela distinção feita no âmbito do RAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano, anotado, Almedina, Coimbra, 2006:523).
Por sua vez, Margarida Grave, citada por este autor, expõe este ponto de vista: «Entende-se por obras de conservação ordinária aquelas que estão relacionadas com o envelhecimento exterior e interior do prédio e com o seu uso normal; são aquelas que a lei refere como de reparação e limpeza geral, as destinadas a assegurar o gozo do prédio, de acordo com o fim a que se destina e foi acordado com o arrendatário e, bem assim, as impostas pela Administração Pública de modo a conferir aos imóveis as características existentes ao tempo da concessão da licença de utilização.
Entende-se por obras de conservação extraordinária as ocasionadas por defeito de construção do prédio ou por caso fortuito ou de força maior, e, em geral, as que, não sendo imputáveis a acções ou omissões lícitas perpetradas pelo senhorio, ultrapassem, no ano em que forem necessárias, dois terços do rendimento liquido desse mesmo ano» (Novo Regime do Arrendamento Urbano, 3.ª ed., 2006:50 ss).
Como se viu, nos termos da cláusula terceira do contrato, o R. obrigou-se "...a executar de sua conta e risco as seguintes obras no local arrendado: rebocos, pinturas, beneficiação da instalação eléctrica e montagem de uma casa de banho, não tendo a senhoria que pagar qualquer indemnização... ", constando ainda do mesmo que o locatário se obriga "... a conservar sempre em bom estado o andar arrendado, bem como as canalizações de água, esgotos e quaisquer outras instalações que existiam no mesmo, a fazer todas as reparações que sejam de simples conservação, respondendo por todas as deteriorações (..).
Obrigou-se assim o recorrente a realizar as referidas obras de conservação ordinária, obras essas que ficariam , em princípio, de acordo com o regime supletivo legal, a cargo do senhorio.
Entende a recorrente que pelo menos algumas das obras que foi condenada a realizar têm carácter estrutural. Sendo de conservação extraordinária, ficariam a cargo da senhoria.
Não lhe assiste, porém razão. As obras a que se refere não se podem considerar extraordinárias, de acordo com a classificação feita. Quanto ao seu suposto carácter estrutural é o próprio perito que o desmente ao dizer peremptoriamente nos esclarecimentos que prestou em tribunal :«Estrural não vejo nenhuma obra».
Oartigo 1083° do Código Civil, preceitua que: "1 - Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte. 2 - É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente, quanto à resolução pelo senhorio: a) A violação reiterada e grave de regras de higiene, de sossego, de boa vizinhança ou de normas constantes do regulamento do condomínio».
Como é posto em destaque por toda a doutrina, desapareceu a taxatividade das causas de resolução do contrato por parte do senhorio, como resulta claramente do advérbio de modo «designadamente». Assim, qualquer comportamento por parte do inquilino pode constituir causa resolutiva, desde que pela sua gravidade ou consequência torne inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento.
Como diz Maria Olinda Garcia «merece particular atenção o alcance da cláusula geral constante do n.º 2 do artigo 1083.º (que parece inspirada em normas de Direito do Trabalho). Assim, se, por um lado, qualquer tipo de incumprimento (não expressamente referido nas suas alíneas) pode fundamentar a resolução, desde que pela sua gravidade ou consequência torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento; por outro lado, todos os fundamentos tipificados nessas alíneas terão de preencher essa cláusula, ou seja terão de atingir um nível de gravidade e gerar consequências tais que não seja razoavelmente exigível ao senhorio (de um ponto de vista objectivo) a manutenção do contrato com aquele arrendatário» (A Nova Disciplina do Arrendamento Urbano, Coimbra Editora, Coimbra, 2006:23).
A sentença recorrida considerou que estavam reunidos os pressupostos de que a lei faz depender a resolução do contrato.
Argumentou para tanto que «Atento o que se apurou, a própria estrutura do andar encontra-se afectada e, por outro, o estado de deterioração irreversível resultou directamente ou foi fortemente acelerado e acentuado pela forma insensata como o R. descuidou o andar de que é arrendatário, obrigando a uma intervenção radical e aprofundada em todo esse espaço, inclusive, o mesmo procedeu à abertura de roços nas paredes que não fechou e efectuou a rede de abastecimento e drenagem de águas, com uniões disformes e secções, não realizando qualquer estudo dos causais associados.
Tais deteriorações não podem deixar de ser imputáveis ao R., sendo que em virtude do estado em que o locado se apresenta verificam-se infiltrações nas fracções do 2° piso, apresentando os 2° andares frente e direito abatimento parcial do tecto.
O senhorio pode resolver o contrato de arrendamento se o arrendatário praticar actos no prédio arrendado que nele causem deteriorações consideráveis, que não possam justificar-se nos termos dos artigos 1043° do Código.
Presume-se que a casa foi entregue ao locatário em bom estado de manutenção quanto não exista documento onde as partes tenham descrito o estado dela ao tempo da entrega (artigo 1043°, n° 2, do Código Civil).
Em consequência da referida presunção, não tendo sido descrito o estado do locado ao tempo da celebração do contrato de arrendamento, o ónus de prova de que o locado foi entregue em mau estado de conservação incumbe ao locatário (artigo 350° do Código Civil).
Como o R. não provou o contrário, importa assentar em que o andar foi entregue em bom estado de conservação, sendo certo que aquele se obrigou a realizar por sua conta e risco as obras respeitantes a rebocos, pinturas, beneficiação de instalação eléctrica e montagem de uma casa de banho.
É lícito ao arrendatário realizar pequenas deteriorações no prédio arrendado quando elas se tornem necessárias para assegurar o seu conforto e comodidade, e, na falta de convenção em contrário, é o locatário obrigado a manter e a restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato, como já se referiu.
A prudente utilização do locado é a que é envolvida de zelo e cuidado normais na espécie de coisas em causa, considerando-se como tal, os pequenos estragos.
Considerando o que ficou dito, estamos em face de uma utilização duradoura gravemente imprudente do locado pelo R., por via do qual infringiu as suas obrigações decorrentes do contrato e da lei.
Deste modo, importa concluir no sentido de ocorrerem no caso vertente os pressupostos de resolução do contrato de arrendamento previstos no artigo 1083°, n°s 1 e 2. do C. Civil, impendendo sobre o R. a obrigação de restituir o locado à A».
Esta argumentação afigura-se-nos perfeitamente adequada, não merecendo qualquer censura.
Por fim, a decisão impugnada condenou o R. a pagar à A. a quantia necessária à realização das obras que elencou, quantia essa a liquidar no respectivo incidente, mas não superior a € 35.000,00.
Mais uma vez aqui o julgado não merece censura.
«Ficou provado que em virtude das deteriorações que o imóvel apresenta, para que o mesmo possa ser utilizado para o exercício do comércio, terão que ser levadas a cabo as obras referidas na resposta ao artigo 15° da Base Instrutória, as quais importam em quantia não concretamente apurada.
O R. praticou ilícito contratual, visto que com a sua acção e omissão infringiu o disposto nos artigos 406°, n° 1, 1043°, n° 1, e 1038°, alínea d) do Código Civil e afectou negativamente o direito de propriedade da A.
Como se está no domínio da responsabilidade civil contratual, porque o R. não ilidiu a presunção de culpa a que se reporta o artigo 799°, n° 1, do Código Civil, impõe-se a conclusão no sentido de que o referido facto ilícito da sua autoria está envolvido de culpa, ou seja, que tal acção e omissão lhe é censurável do ponto de vista ético jurídico. Tal acto ilícito e culposo originou para a A., em termos de causalidade adequada, prejuízos reparáveis, pelo que se constituiu na obrigação de os indemnizar no quadro da responsabilidade civil contratual (artigos 562°, 563° e 798° do Código Civil)»
***
Pelo exposto, acordamos em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que beneficia.
***
Lisboa, 12 de Janeiro de 2012
Luís Correia de Mendonça
Maria Amélia Ameixoeira
Caetano Duarte