AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
FALTA DE ADVOGADO
ADIAMENTO
INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA
Sumário

1. Do disposto no n.º 5 do art.º 651 resulta que, fora das circunstâncias em que a falta do advogado motiva o adiamento, previstas nas alíneas c) e d) do n.º 1 do art.º 651, procede-se à audiência de discussão e julgamento na ausência do ilustre advogado.
2. Os depoimentos são obrigatoriamente gravados e o ilustre advogado faltoso tem direito a nova inquirição, se alegar e provar que não compareceu por motivo justificado que o impediu de dar cumprimento ao disposto no n.º 5 do artigo 155.º do CPCivil.
3. Faltando uma segunda vez, mostra-se irrelevante a justificação da sua falta do mandatário ausente, porque a audiência terá sempre lugar, não lhe sendo concedida a prerrogativa da reinquirição de testemunhas.
( Da responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I - RELATÓRIO
A (…,Lda) intentou acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, inicialmente configurada como injunção contra B (…,Lda).
Alega a A., em síntese, que forneceu à R. os materiais identificados nas facturas que junta, tendo também prestado a esta os serviços aí indicados, sendo que a R. não procedeu ao pagamento da quantia de € 11.464,59, correspondente às facturas que identifica, as quais tinham vencimento em quinze dias, peticionando o seu pagamento, assim como o dos respectivos juros de mora.
Deduziu a R. oposição, alegando, em síntese, que comprou à A. uma máquina de cortar pedra em 2004, a qual desde cedo começou a apresentar problemas e a constantemente avariar. Mais alega que os materiais e serviços cujo preço a A. visa cobrar nos presentes autos se encontram abrangidos pela garantia da referida máquina, pelo que nada deve. Invoca ainda a prescrição dos créditos da A.
Conclui pela improcedência da acção.
A A. respondeu à invocada excepção da prescrição, pugnando pela sua improcedência.
Foi proferida sentença que julgou a acção procedente por provada e consequentemente condenou a R. a pagar à A. a quantia peticionada acrescida dos juros de mora à taxa legal desde o respectivo vencimento.
A Ré recorreu da sentença, tendo, no essencial, formulado as seguintes conclusões:
1 - Findos os articulados foi designada data de audiência de julgamento para o dia 24/06/2010, pelas 10:00horas, que acabou por ser alterada, por motivos de organização interna do tribunal, para o dia 29 de Setembro de 2010, posteriormente substituída pelo dia 8 de Novembro de 2010, pelas 14:00horas.
2 - Como o mandatário da Ré se encontrava impedido, apresentou em alternativa 4 datas, entre as quais o dia 13 de Dezembro de 2010, data que ficou considerada para o efeito.
3 - Chegada essa data, o mandatário da Ré, durante a manhã sentiu-se mal, dando entrada nos serviços de urgência do Hospital de ..., onde foi submetido a exames do foro cardio-vascular, pelo que solicitou ao seu escritório o envio de um requerimento a requerer o adiamento da referida audiência de julgamento por motivo de saúde (doença súbita) juntando documento comprovativo da sua entrada naquela unidade de saúde.
4 - A Meritíssima Juíza decidiu proceder à realização do julgamento sem a presença do signatário, gravando a mesma nos termos do art. 651°, n.° 5 do CPC, proferindo sentença condenatória em 20/12/2010.
5 - O mandatário da Ré apresentou requerimento nos autos, com base no disposto no artigo 651°, n.° 5 do C.P.C., para que a testemunha AS... arrolada pela requerente, fosse novamente ouvida para esclarecimento entre o seu depoimento e o conteúdo dos documentos juntos aos autos, nomeadamente, na facturação.
6 -  Ao ser proferida sentença sem que estivesse esgotado o prazo legal, para que o mandatário da Ré pudesse usar o expediente legal previsto no 651°, n.° 5 do C.P.C., violou, a Meritíssima Juíza o referido preceito legal e impediu que o ora signatário pudesse cabalmente exercer o direito do interrogatório a que a referida norma alude.
7 - Pelo que, deverá, a sentença proferida ser anulada, ou caso assim não se entenda, deverá a Ré poder exercer o direito que o art.° 651°, n.°5 do CPC se refere.
Corridos os Vistos legais,
Cumpre apreciar e decidir.
São as conclusões das alegações que delimitam o objecto do recurso e o âmbito do conhecimento deste tribunal (arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC), pelo que fundamentalmente importa decidir se a renovação dos meios de prova produzidos em audiência de julgamento, sem a presença de advogado de parte que justificou a sua falta, só tem lugar na sequência de uma primeira marcação de julgamento ou em qualquer outra marcação de julgamento.

II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. A A. é uma sociedade por quotas que se dedica ao fabrico, reparação e comercialização de máquinas para a indústria do mármore e do granito e à prestação de serviços relativos à assistência e reparação dessas máquinas.
2. A R. dedica-se à transformação e comercialização de mármores e granitos, utilizando, entre outras, máquinas vendidas pela A.
3. No exercício dessa sua actividade mercantil, e sempre a pedido prévio da R., vendeu a esta os materiais discriminados e referenciados nas facturas 84 de 31.01.2004; 540 de 01.06.2004; 556 de 04.06.2004; 577 de 14.06.2004; 617 de 23.06.2004;    618 de 23.06.2004; 630 de 25.06.2004; 632 de 28.06.2004; 699 de 19.07.2004; 715 de 22.07.2004; 979 de 11.10.2004; 1038 de 25.10.2004; 1061 de 30.10.2004; 1089 de 05.11.2004; 1127 de 13.11.2004; 1201 de 10.12.2004; 207 de 21.02.2005; 265 de 09.03.2005; 282 de 14.03.2005; 318 de 24.03.2005; 381 de 11.04.2005; 398 de 15.04.2005; 766 de 15.07.2005.
4 .E também lhe prestou os serviços descritos naquelas referidas facturas, a pedido prévio da R., que consistiram na aplicação dos materiais nas máquinas e/ou na reparação destas.
5. As vendas e a prestação de serviços à R. ocorreram nos cinco dias anteriores à data da correspondente factura, nas quantidades, qualidades, pelo preço e nas demais condições referidas nessas facturas.
6. A R. recebeu todos os materiais entregues pela A., que foram incorporados nas suas máquinas, beneficiou de todos os serviços prestados, nada tendo devolvido nem reclamado.
7. Foram igualmente enviados à R., nas datas constantes das mesmas, os originais das correspondentes facturas, que as recebeu, nenhuma tendo devolvido ou reclamado.
8. Como consta das facturas, o preço de cada uma deveria ser pago no prazo de quinze dias a contar da mesma.
9. Apesar dos pedidos de pagamento, a R. não liquidou as facturas em causa.
10. A R. vem reclamando da A. a redução do seu débito para cerca de metade, o que a A. não aceita.
11. A R. adquiriu à A., no ano de 2004, uma máquina de corte de pedra.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Das causas de adiamento do julgamento: art. 651º do CPCivil
Considera a Recorrente que, atendendo à justificação apresentada para a falta de comparência do seu mandatário, à audiência de discussão e julgamento em 2ª marcação, deveria ter sido dada a possibilidade de, nos termos do art. 651°, n.° 5 do CPC, reinquirir a testemunha A.S., para esclarecimento entre o seu depoimento e o conteúdo dos documentos juntos aos autos, nomeadamente, na facturação.
1.1. As causas de adiamento da audiência são as enumeradas no art. 651º do CPCivil. De entre elas, e no que aos autos interessa, conta-se a prevista na alínea d) do n.º 1, segundo a qual, feita a chamada das pessoas que tenham sido convocadas, a audiência é aberta, só sendo adiada se faltar algum dos advogados que tenha comunicado a impossibilidade da sua comparência nos termos do nº 5 do art. 155º do CPCivil.
Daqui decorre que, tendo o legislador pretendido restringir as hipóteses de adiamento da audiência, não deixou de prever que a audiência possa ser adiada em virtude de falta do respectivo mandatário da parte.
Na verdade, quando esteja em causa a falta de mandatário de qualquer das partes, o art. 651º/1 do CPCivil, prevê as seguintes situações:
- a audiência não foi marcada mediante prévio acordo dos mandatários das partes, caso em que a audiência é adiada se faltar algum dos advogados (alínea c));
- a audiência foi designada com o prévio acordo dos mandatários das partes, caso em que se faltar algum advogado, o mesmo deve comunicar a impossibilidade da sua comparência, nos termos do art. 155º/ 5 (alínea d)).
- falta algum dos advogados, fora das situações das alíneas c) e d), do nº 1, supra referidas, hipótese em que se procede à gravação dos depoimentos das testemunhas presentes, podendo o advogado faltoso requerer, após a audição do registo do depoimento, nova inquirição, excepto se a falta for julgada injustificada, ou se tendo havido marcação da audiência por acordo, não tiver sido dado cumprimento ao disposto no n.º 5 do artº 155º do CPCivil.
O legislador, a partir da reforma processual introduzida pelo DL 392-A/95, tem procurado afunilar as causas de adiamento das audiências, sabido, como é, que aí reside um dos principais entraves e motivo de descrédito na administração da justiça.
Ainda assim, não olvidando a importância do exercício do patrocínio judiciário, como meio de salvaguarda dos direitos dos cidadãos, da igualdade de acesso aos tribunais, e não ignorando o art. 20º, nº 2 da CRP que determina que todos têm direito ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade, o legislador pretendeu que, como princípio, o julgamento tenha lugar com a presença dos respectivos mandatários das partes.
Contudo, não é admissível o acordo das partes, nem pode adiar-se a audiência por mais do que uma vez, excepto no caso previsto na alínea a) do n.º 1, isto é, se não for possível constituir o tribunal colectivo e nenhuma das partes prescindir do julgamento pelo mesmo. É o que determina o nº 3 do art. 651º do CPCivil.
1.2. No caso dos autos, já anteriormente tinha sido designada data para a realização da audiência de discussão e julgamento que veio a ficar sem feito, por impedimento do mandatário da Ré, tendo então sido designado o dia 13/12, de acordo com uma das datas propostas pelo referido mandatário. Nesse dia o mandatário da Ré não compareceu à audiência de discussão e julgamento.
Sucede que, estando o julgamento agendado para as 14h30m, o mandatário da Ré fez chegar ao tribunal, pelas 13h desse mesmo dia, requerimento, pedindo o adiamento da audiência de julgamento, informando que não podia comparecer à audiência de discussão e julgamento, por motivo de doença súbita, adiantando que tinha contactado o colega da parte contrária. Com o mesmo requerimento juntou declaração do Hospital de ... do qual consta que o referido mandatário da Ré deu entrada nas urgências nesse dia às 10h54m e teve alta às 12h07m desse mesmo dia.
O tribunal tomou posição no sentido de proceder à realização da audiência de julgamento, dada a impossibilidade de segundo adiamento dos mesmos autos, determinando, todavia, a gravação da audiência de acordo com o art. 651º, nº 5 do CPCivil.
De facto, como decorre do citado nº 5 do art. 651º do CPC, quando se não verifique qualquer das hipóteses a que aludem as alíneas c) e d) do nº 1 do art. 651º, em caso de falta de advogado, o julgamento não é adiado, mas os depoimentos, informações e esclarecimentos são gravados, podendo o advogado faltoso requerer, após a audição do respectivo registo a renovação de alguma prova, desde que alegue e prove que não compareceu por motivo justificado que o impediu de observar a comunicação ao tribunal das circunstâncias impeditivas da sua presença a que alude o preceituado no art. 155º n.º 5 do CPCivil.
2. Da audiência de discussão e julgamento em 2ª marcação
A Recorrente, alegando que se encontra justificada a impossibilidade de comparência à audiência de 13/12, pretende a reinquirição da testemunha AS..., para, como diz, “esclarecimento de contradições entre o seu depoimento e o conteúdo dos documentos juntos aos autos, nomeadamente, na facturação”.
Não podemos, contudo olvidar que o ilustre mandatário já anteriormente tinha dado causa a um adiamento, pois já faltara justificadamente em 8 de Novembro de 2010, motivando adiamento.
Daí que, salvo melhor entendimento, não tem o direito de renovar a prova já produzida em audiência, mesmo que também agora a sua falta de comparência esteja justificada.
Com efeito, só a primeira falta do ilustre advogado motiva o adiamento da audiência (n.º 3 do art.º 651). Por outro lado, da conjugação das disposições legais do n.º 5 do art.º 651º e n.º 5 do art.º 155º resulta que a falta em causa (aquela que pode justificar a reinquirição de alguma prova) só pode ser a primeira falta do advogado que, em princípio, determinaria o adiamento da audiência, desde que justifique a impossibilidade de comparência, nos termos do n.º 5 do art.º 155º do CPC. Faltando pela 2.ª vez, com ou sem justificação do mandatário ausente, sempre a audiência de julgamento se iniciaria, como iniciou, com gravação dos depoimentos, como determina a primeira parte do n.º 5 do art. 655º do CPCivil.
Portanto, o direito à renovação posterior e parcial da prova já produzida, pelo advogado faltoso à audiência que se realizou sem a sua presença, fica condicionado pela alegação e justificação, posterior, mas em tempo, pelo advogado, não só do motivo dessa sua ausência como pela conclusão probatória de que esse motivo, imprevisto, o impediu de comunicar atempadamente nos termos do n.º 5 do art.º 155º do CPCivil, essa sua ausência e desde que se trate da primeira marcação.
Assim é de concluir que a justificação da falta pelo ilustre advogado apenas releva para efeitos de adiamento da audiência de discussão e julgamento, circunstância que só pode ocorrer uma única vez. Também o cumprimento do n.º 5 do art. 155º apenas releva para efeitos do adiamento da audiência, que, repete-se, apenas poderá ocorrer uma vez.[1]
No caso dos autos e porque se trata de um segundo adiamento, não pode a Ré beneficiar do mecanismo previsto no nº 5 do art. 651º do CPCivil que foi concebido quando se trata de uma primeira marcação e o advogado faltoso não tem condições de cumprir o disposto no art. 155º, nº 5 do CPC, isto é de avisar antes da data designada a sua impossibilidade de comparência.
E nem se diga que o mecanismo da gravação de prova produzida em audiência de discussão e julgamento sem a presença do advogado, só faz sentido desde que o advogado possa a renovar alguma das provas produzidas. Com efeito, este mecanismo da gravação dos depoimentos constitui a salvaguarda legal e constitucional do princípio do contraditório, permitindo, em sede de recurso, a impugnação eventual da decisão de facto.
A intenção do legislador foi evitar as demoras dos processos com os sucessivos adiamentos das audiências Por isso, o art.º 651, n.º 5, tal como está redigido, tem de reportar-se à realização da audiência em primeira marcação.
A interpretar-se de uma forma mais ampla, permitindo sucessivas renovações da prova, o andamento dos autos acabaria por ficar mais prejudicado com o não adiamento das audiências do que com o seu adiamento, desvirtuando o objectivo e intenção do legislador.
Assim sendo, improcede o presente recurso, sendo de manter a decisão que indeferiu a requerida renovação de prova.
Concluindo:
1. Do disposto no n.º 5 do art.º 651 resulta que, fora das circunstâncias em que a falta do advogado motiva o adiamento, previstas nas alíneas c) e d) do n.º 1 do art.º 651, procede-se à audiência de discussão e julgamento na ausência do ilustre advogado.
2. Os depoimentos são obrigatoriamente gravados e o ilustre advogado faltoso tem direito a nova inquirição, se alegar e provar que não compareceu por motivo justificado que o impediu de dar cumprimento ao disposto no n.º 5 do artigo 155.º do CPCivil.
3. Faltando uma segunda vez, mostra-se irrelevante a justificação da sua falta do mandatário ausente, porque a audiência terá sempre lugar, não lhe sendo concedida a prerrogativa da reinquirição de testemunhas.

III – DECISÃO
Termos em que se julga improcedente o presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela Apelante.

Lisboa, 19 de Janeiro de 2012.

Fátima Galante
Manuel Aguiar Pereira
Gilberto Santos Jorge
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[1] Também neste sentido vide Acórdão desta Relação de 7 de Maio de 2009, João Miguel Mourão Vaz Gomes – Relator, in www.dgsi.pt/jtrl.