CONTRATO DE SOCIEDADE
DEVER DE INFORMAR
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
PEDIDO GENÉRICO
DANO REAL
DANO PATRIMONIAL
LUCRO CESSANTE
Sumário

I - No contrato de sociedade há necessariamente um longo e prévio processo de formação susceptível de abranger diferentes realidades jurídicas: negócios instrumentais preparatórios que se inserem na categoria de “negócios de vinculação” e “negócios de organização” que visam já pôr a funcionar a futura sociedade. Trata-se de “situações pré-societárias ou pré-sociedade”, isto é, a realidade em funcionamento, antes de completada, pelo registo, a constituição de uma sociedade.
II -Viola o dever de informação aquele que fornece informações inexactas, que foram essenciais para a celebração do contrato ou omite informações, que se tivessem na esfera de conhecimento da contraparte, este não teria celebrado o contrato ou pelo menos não o teria celebrado nos termos em que o fez.
III - Mas tende-se a restringir o conteúdo do dever pré-contratual de informação ao núcleo de informações que o contratante não esteja em condições de obter por si, e que, por assim ser, revele à contraparte como essenciais para a sua decisão de contratar, pois que, na realidade, sobre cada uma das partes impende um ónus de auto-informação.
IV - Sendo verdade que os R., forneceram deliberadamente informações incorrectas aos investidores que lhes iam surgindo e que depois se iam comprometendo pelas promessa de sociedade, não há elementos nos autos que levem a concluir que era essencial para esses investidores que à data da realização dessas promessas a “Fazenda” se mostrasse praticamente apta à criação de camarões, sendo que se soubessem que tal não sucedia não tinham contratado, ou o haviam feito de modo essencialmente diferente daquele por que o fizeram; ao contrário, os autos fornecem é elementos no sentido de que, dificilmente aqueles investidores poderiam ter acreditado, seriamente, confiadamente, tranquilamente, naquelas informações, não havendo dados objectivos que justificassem a confiança desses investidores nas informações em causa.
V -Pelo que, no que respeita à relação entre os AA e os RR anterior a Janeiro de 2004, não merecem aqueles ser tutelados relativamente às informações acima referidas provindas dos RR., pelo que estes deverão ser já absolvidos do pedido.
VI - Jurisprudência e doutrina têm vindo a coincidir na exigência de que o autor que recorra à formulação de pedido genérico não pode deixar de alegar os factos que revelam a existência e a extensão de danos. O autor há-de fornecer todas as indicações de facto indispensáveis à determinação judicial do dano, abstendo-se apenas de o avaliar em termos pecuniários. Por outras palavras: a utilização pelo autor de pedido genérico não o dispensa de alegar os factos que revelam a existência do “dano real”, estando apenas dispensado de alegar o “dano patrimonial”.
VII -Que o autor não está dispensado de indicar na petição o dano real quando formula pedido genérico, revela-o a circunstância de ser este tipo de dano que importa para a problemática da causalidade, e esta ter que ficar também definida antes de se proferir condenação genérica, nos termos do art 661º/2 CPC.
VIII - Os AA. ao remeterem a fixação de toda a indemnização por lucros cessantes para subsequente liquidação, sem previamente individualizarem de que modo concreto viram o seu património não aumentar em função das concretas condutas dos RR. – das muitas que lhes atribuíram, e das muitas que acabaram por resultar provadas - acabaram por formular pedido genérico processualmente inadmissível, o que corresponde a excepção dilatória (inominada)
IX- Por isso, deverão os RR. serem absolvidos da instância no que respeita aos lucros cessantes não concretizados advenientes para eles do funcionamento da organização societária dominada pelos RR. que funcionou depois de Janeiro de 2004 e até 7/3/2005, altura em que a sociedade já integrada pelos AA, foi registada.
X - No tocante aos lucros cessantes subsequentes a esta data - de 7/3/2005 – a circunstância de a sociedade que fora prometida estar já integrada pelos AA. e registada, e dar origem a uma nova realidade jurídica em que avultam meios próprios de fazer valer a responsabilização entre sócios, implica a absolvição dos RR do pedido.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

          I – “A”, “B”, “C”, “D”, “E”, “F” e “G”, interpuseram acção com processo comum sob a forma ordinária contra “H” e “I”,   pedindo a condenação dos RR. a indemniza-los pelos prejuízos sofridos decorrentes do incumprimento do contrato promessa, resultantes dos lucros cessantes que se vierem a liquidar, acrescidos dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa comercial em vigor e a restituir-lhes a quantia de € 173.392,00 com que injustificadamente se locupletaram acrescidos dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa comercial em vigor.
Alegam que entraram em contacto com os RR. na sequência de anúncio que os mesmos publicaram em jornais a pedir investidores para um projecto de investimento no Brasil, para a compra de uma propriedade para a instalação de viveiros de camarão. Vieram a acordar com os RR em  participar no capital social de uma sociedade, cujo capital social, de € 573.392,00, seria distribuído por 10 quotas de igual valor, em conformidade com um denominado contrato promessa de constituição de sociedade que subscreveram, tendo entregue aos RR., na proporção das suas quotas, as quantias aí previstas. Estes obrigaram-se a diligenciar, em representação da sociedade, pela aquisição e funcionamento das estruturas e equipamentos, pelos estudos necessários à referida produção, bem como a contratar o pessoal para o efeito. Não obstante terem adquirido uma Fazenda no Brasil, os RR. não diligenciaram pelo início da produção de camarão na data prometida e prevista de Setembro de 2003, nem nos meses seguintes, não obstante promessas nesse sentido. Os AA. vieram mesmo a saber que a sociedade tinha diversas dívidas, contabilidade não organizada, além de outros aspectos, e que os RR. gastaram parte do dinheiro recebido, entre o qual a quantia de € 173.392,00, em proveito próprio. As participações sociais também não foram cedidas aos AA. no prazo previsto nos contratos, que era até 30/1/2004. Com a presente acção, os AA. pretendem ser ressarcidos dos prejuízos que sofreram, e que resultam da perda de lucros cessantes ainda não apurados decorrentes do incumprimento dos contratos promessa por parte dos RR., bem como a devolução da quantia entregue, de € 173.392,00.
Os RR. contestaram aceitando que receberam dos AA. a quantia global de € 142.598,40, no âmbito dos contratos promessa juntos com a petição inicial. Mais alegam que os terrenos da Fazenda foram adquiridos por valores superiores aos alegados pelos AA. Negam que tenham prometido o início da produção na data indicada na petição, até porque em Setembro de 2003 alguns AA. ainda estavam a assinar os contratos promessa. Afirmam que a gerência da sociedade ficaria a cargo de todos os sócios e que foram estes quem escolheu a sociedade que ficou responsável pela gestão da Fazenda, tendo recusado a hipótese de ser o R. “H” a ficar com essa responsabilidade. Por outro lado, foram alguns dos AA. que, em deslocação ao Brasil, deram indicação para se aguardar mais alguns dias o início da despesca do camarão, acabando por ter lugar o aumento da salinidade das águas, que provocou perda de peso do camarão e a sua venda a preço inferior, obtendo-se apenas 50.000,00 reais, contra os 163.000,00 previstos, além do apodrecimento de uma parte. Acrescentam que todas as quantias recebidas foram gastas no negócio dos autos, conforme indicam com mais pormenor. Finalmente, entendem que a existir incumprimento, os AA. teriam o direito a rescindir os contratos promessa, o que nunca pediram, mantendo-se, pelo contrário, como sócios da sociedade que foi constituída.
Na réplica os AA. reafirmam as posições iniciais, nomeadamente, que sempre foram os RR. a coordenar a actividade da sociedade no Brasil, e acrescentam que o negócio não se resumiu à mera cessão de quotas e à aquisição de terrenos no Brasil, cabendo antes aos RR., como promotores do investimento, também planear e administrar a cultura do camarão, o que, deliberadamente, não fizeram.

Foi proferido despacho saneador e procedeu-se à selecção da matéria de facto, vindo a ter lugar o julgamento.

Depois de convidados pelo tribunal, os AA. apresentaram alegações escritas sobre matéria de direito, tal como os RR., tendo-se as partes também pronunciado sobre a eventual aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 227º do CC.
De seguida foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente condenando os RR. a indemnizarem os AA, no valor a apurar em liquidação ulterior, pelos prejuízos que os mesmos sofreram em virtude do cumprimento defeituoso e da violação das regras de boa fé (art 227º/1 CC), acrescido de juros à taxa legal a partir da citação até pagamento.

II – Do assim decidido, apelaram os RR. que concluíram as respectivas alegações nos seguintes termos:
1-O tribunal “a quo” julgou incorrectamente os factos, condenando erradamente os RR., a indemnizar os AA., em valor a apurar em liquidação ulterior, pelos prejuízos sofridos pelos mesmos, em virtude do cumprimento defeituoso e da violação das regras da boa fé, previstas no artº. 227º. nº. 1, do CC.
2- Contudo, em todas as fases dos contratos que estabeleceram com os AA., os RR. sempre observaram as regras de honestidade e lealdade e agiram como pessoas de bem, pautando o seu comportamento pelo princípio da boa fé estabelecido pelo artº. 227º. nº. 1, do Código Civil.
3- De facto, desde o início das suas diligências, os RR. publicitaram que procuravam investidores para uma sociedade a constituir em Fortaleza, Brasil, e destinada à instalação e exploração de viveiros de camarão.
4- Na sequência do interesse manifestado pelos AA. foram encetadas negociações com os RR., no termo das quais os AA., aceitaram participar no capital social da sociedade “J”- Aquicultura do Nordeste Lda,, cujo capital social era de € 573 392,00, distribuído em 10 quotas, cada uma no valor de € 57 339,20.
5- Foi sempre em nome e em representação da “J”- Aquicultura do Nordeste Lda, que os RR. se obrigaram a adquirir as instalações, a criar as infra-estruturas, a promover os estudos necessários, a adquirir os equipamentos e a contratar o pessoal necessário para a produção de camarão.
6 - A totalidade das quantias que os AA. entregaram aos RR., foram por estes utilizadas para a satisfação das obrigações que contraíram em nome da “J”- Aquicultura do Nordeste Lda.
7- Nomeadamente, na aquisição dos imóveis para a instalação e exploração dos viveiros de camarão, os quais foram adquiridos em Janeiro de 2004, e que vieram a ser designados por Fazenda.
8- Bem como na aquisição dos meios e na instrumentalização necessária para a exploração dos viveiros de camarão.
9- Por outro lado, os RR. nunca acordaram com os AA. que a data do início da produção de camarão, seria o mês de Setembro de 2003, data em que ainda não tinham sido assinados os contratos promessa.
10- Contratos promessa, que depois de assinados, nunca os AA. manifestaram a vontade de rescindir, o que certamente teria acontecido se, entretanto, os RR. não tivessem cumprido com a data de início da produção em Setembro de 2003, se tal data tivesse, de facto, sido estabelecida.
11- De resto, os RR. referiram a alguns dos AA., que o início da produção apenas se verificaria nos últimos meses desse ano, dado o atraso em que se encontrava o processo de angariação do número de sócios que tinham previsto.
12-  AA.  e  RR., são sócios da “J”- Aquicultura do Nordeste Lda..
13- E em conjunto com os RR., exerceram, ainda que de maneira informal, a gerência da sociedade de que são sócios.
14- Foi no exercício dessa gerência conjunta com os RR. que os AA., decidiram fazer deslocar dois dos sócios ao Brasil para visitarem a Fazenda, verificarem a despesca, conferir a venda do camarão, conferir a contabilidade da empresa, abrir uma conta bancária, e estabelecer o valor de venda do camarão, cuja primeira produção se verificou em Maio de 2004 e a segunda em Junho de 2004.
15- No início de Outubro de 2004, os sócios “K” e o “L”, deslocaram-se ao Brasil, para entre outros assuntos, assistirem à despesca, prevista para essa data.
16- E verificaram que a Fazenda se encontrava a produzir camarão, e dispunha de acessos, energia eléctrica, água potável, tanques para a cultura de camarão e diversos equipamentos, designadamente aeradores.
17- Nessa mesma ocasião, esteve igualmente presente um representante da empresa potencial compradora do camarão, o qual assistiu à pesagem do camarão e foi informado de que o mesmo pesava cerca de 9,5 gramas.
18- Sendo que o aludido representante informou o “K” e o “L”, de qual a receita que poderia ser obtida com a venda do camarão tal como o mesmo se encontrava.
19- Tendo alguém sugerido que se aguardasse mais uma semana para que o camarão atingisse o peso previsto, ao que nem o “K” nem o “L” se opuseram.
20-Em consequência, a despesca posterior atingiu quantidades de camarão inferiores às previstas, devido a um aumento imprevisto do teor de salinidade.
21- Facto que não pode desligar-se da decisão tomada pelo “K” e o “L” em adiar a despesca inicialmente prevista para o início de Outubro de 2004.
22- Decisão com que os referidos “K” e “L” pensaram vir a obter um resultado superior ao indicado pelo representante do potencial comprador.
23- Mas decisão que, afinal, veio a revelar-se prejudicial para a sociedade e que, salvo melhor opinião, o Mmº. Juiz a quo não valorizou adequadamente.
24- E à qual, os RR. foram totalmente alheios, não podendo, por isso, ser responsabilizados pela mesma e pelos menos bons resultados obtidos.
25-Assim, os RR. não podem aceitar, igualmente, ser acusados de cumprimento defeituoso do contrato.
26- Reconhecendo, apenas, a existência de diversas vicissitudes surgidas durante a fase de constituição da sociedade e várias dificuldades técnicas durante o processo de implementação das condições de exploração da Fazenda.
27- Sempre tendo agido em estrita observação das regras da boa fé, previstas no artº. 227º., do CC., que recusam ter violado.
Nestes termos, deve a decisão recorrida ser revogada e os RR. absolvidos da douta sentença que os condenou a indemnizar os AA., em valor a apurar em liquidação ulterior, pelos prejuízos sofridos pelos mesmos, em virtude do cumprimento defeituoso e da violação das regras da boa fé.

Os AA. apresentaram contra-alegações nelas pugnando pela manutenção do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III- O tribunal da 1ª instância julgou como provados os seguintes factos:
a) Os autores e os réus são actualmente (com outros) sócios da sociedade comercial “J” – Aquicultura do Nordeste, Ldª” (que passa a ser referida como Sociedade), sociedade de responsabilidade limitada constituída e existente ao abrigo da lei brasileira, com sede na Fazenda …, n.º …, Zona …, …, RN, inscrita na CNPJ com o n.º … e arquivada na Junta Comercial do Estado do rio Grande do Norte sob o n.º …, com despacho de 16.10.2003.
b) Os autores entraram em contacto com os réus através de um anúncio por estes publicado num jornal, no qual os réus procuravam investidores para um projecto de investimento em Fortaleza, no Brasil.
c) Esse projecto consistia na compra e venda de propriedades para instalação de viveiros de camarão.
d) Convencidos da seriedade da proposta anunciada, foram encetadas negociações entre os autores e os réus, tendo em vista a participação daqueles no referido investimento.
e) Concluídas as negociações, os autores aceitaram participar no capital social da Sociedade, de acordo com os termos previstos no “contrato promessa de constituição de sociedade” que subscreveram.
f) De acordo com a cláusula primeira desse contrato, os réus prometeram proceder à constituição da Sociedade até ao dia 30 de Janeiro de 2004, nos seguintes termos:
“1. A sociedade terá o capital de € 573.392,00, que será distribuído em 10 quotas sendo cada uma das quotas no valor de € 57.339,20.
“2. O referido capital social será totalmente utilizado na aquisição de meios e instrumentalização da exploração, cuja infra-estrutura contará inicialmente com dois tanques de engorda de camarão.
“3. Para o efeito, a Sociedade adquirirá o lote de terreno localizado na margem esquerda do Rio …, no local denominado Fazenda …, junto da estrada municipal que dá acesso a …/…, na zona rural com a área de 76,50 hectares, sobre o qual foi concedido pelo IDEMA – Instituto do Desenvolvimento Económico e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte, a licença de operação n.º …, actualmente propriedade de “M”.
“4. A sede social será estabelecida na morada referida no ponto n.º 3 .
“5. O objecto social será a criação e comercialização de camarão.
“6. O capital social, de € 573.392,00, será composto da seguinte forma: “a) Terrenos, estudos e projectos: € 419.738,00. “b) Obras civis, estruturas e instalações eléctricas, máquinas, aparelhos, equipamentos, móveis e utensílios: € 74.820,00. “c) Veículos: € 10.000,00 .. “d) Capital de giro: € 68.834,00. “e) 24 aeradores, bomba para extrair água do rio com potência de 220L/s, 3 kayaks e os respectivos materiais para o bom funcionamento da propriedade, galpão, 2 escritórios, 2 suites, cozinha e área para funcionários.
“7. A gerência da sociedade será nomeada pelos sócios assim como todos os funcionários que virão a fazer parte da mesma.
“8. A sociedade se obrigará, em actos e contratos com a assinatura do gerente assim como dos restantes sócios.
“9. A participação dos sócios nos resultados será realizada na proporção das suas participações no capital social.”
 g) Em conformidade com o ponto n.º 1 do artigo 7º supra, os autores entregaram aos réus as quantias acordadas.
 h) Os autores realizaram, na proporção das suas quotas, a obrigação de entrada no capital social da sociedade.
i) As partes estabeleceram que a sociedade teria como  objectivo único a produção e comercialização de camarões marinhos.
j) Para o efeito, os réus adquiriram, em nome da  sociedade, 1) “uma parte de terra, desmembrada do imóvel “…”, com 18,5 hectares, com os seguintes limites e dimensões: ao norte com vendedora, ao sul e oeste com “N”, e ao leste com o Rio …”; 2) “um terreno de criar e plantar, situado no lugar denominado …. com a área de 58,00 hectares..”
l) Ambos os imóveis, doravante designados por Fazenda, foram adquiridos em Janeiro de 2004.
m) No acto de aquisição, os réus representaram também a entidade vendedora, a sociedade “O” – Aquicultura do Nordeste, Ldª.
n) Os réus ficaram também obrigados a i) contratar trabalhadores e ii) a assegurar o funcionamento da Fazenda, designadamente no que diz respeito a instalações eléctricas, aquisição de máquinas, aparelhos, equipamentos e outros utensílios necessários ao início da cultura do camarão.
o) Apesar dos meios financeiros e poderes concedidos aos réus, a produção não teve início em Setembro de 2003.
p) (esta alínea corresponde à anterior q), uma vez que a alínea p) original foi eliminada) – A primeira produção de camarão ocorreu em Maio de 2004 e a segunda em Junho de 2004.
q) Tendo em vista a melhoria das condições da Fazenda, foi acordado entre as partes que os lucros obtidos com as produções de camarão referidas seriam utilizados para a construção de furos e outros melhoramentos.
r) Com vista a terem um conhecimento completo sobre o estado da Fazenda e sobre a produção do camarão, os autores acordaram que dois dos sócios iriam ao Brasil para verificar a despesca, conferir a venda do camarão, conferir a contabilidade da empresa, efectuar o inventário da Fazenda, abrir uma conta bancária e estudar o valor da venda do camarão, entre outros assuntos.
s) A divisão e cessão das participações sociais da Sociedade aos autores não teve lugar até à data referida na alínea f), ou seja, 30 de Janeiro de 2004.
t) Os réus continuam a atrair terceiros para investimentos no Brasil, como aconteceu com o anúncio publicado no jornal Correio da Manhã do dia 5 de Agosto de 2005.
u) O autor “A” entregou aos réus a quantia total de € 13.960,00, referentes ao pagamento de ¼ da quota que prometeu adquirir, no valor de € 57.339,20, juntamente com “P”, “B” e “R”, o que fez através da entrega dos cheques indicados a fls. 546.
v) O autor “B” entregou aos réus a quantia total de € 13.960,00, referentes ao pagamento de ¼ da mesma quota, o que fez através da entrega dos cheques indicados a fls. 547.
x) Os autores “C” e “G”, casados entre si, entregaram aos réus a quantia total de € 57.339,20, referente ao pagamento da quota que prometeram adquirir, o que fizeram através da entrega dos cheques indicados a fls. 548.
y) O autor “D” entregou aos réus a quantia total de € 19.113,00, referentes ao pagamento de 1/3 da quota que prometeu adquirir, no valor de € 57.339,20, juntamente com “E” e “F”, o que fez através da entrega dos cheques indicados a fls. 549.
z) O autor “E” entregou aos réus a quantia total de € 19.113,00, referentes ao pagamento de 1/3 da mesma quota, o que fez através da entrega os cheques indicados a fls. 549/550.
aa) O autor “F” entregou aos réus a quantia total de € 19.113,00, referentes ao pagamento de 1/3 da mesma quota, o que fez através da entrega dos cheques indicados a fls. 550.
Da decisão sobre a matéria de facto:
1º - Os réus informaram os autores que a Fazenda reunia boas condições para a criação de camarão e que depois de pequenas obras de melhoramento, ficaria pronta para esse efeito, usando a propósito a expressão de que bastava "carregar no botão", ao mesmo tempo que, em relação a alguns autores, apontaram, para o início da primeira criação ainda o mês de Setembro de 2003, tendo referido a outros autores os últimos meses desse ano, alegando o atraso em conseguirem o número previsto de sócios.
2º - Na altura da celebração dos contratos dos autos, os réus também diziam que o réu “H”, que tinha mais ligações ao Brasil e à actividade em causa, ficaria directamente responsável pela gestão local da exploração, no que seria remunerado com 20% dos lucros, o que não aconteceu porque mais tarde o mesmo alegou falta de tempo.
3º - Os réus comprometeram-se a assegurar a aquisição do terreno (Fazenda) e dos equipamentos descritos no “plano” então entregue aos autores e que consta a fls. 1064 dos autos, bem como a executar as infra-estruturas, os estudos, projectos e demais que fosse necessário para colocar a Fazenda em condições para dar início à actividade.
4º - Sem incluir a quota de que o “Q” veio a desistir, o último participante no negócio dos autos apenas acordou na aquisição da última quota (de 10% ou de 15%, o que não se apurou) entre Maio a Julho de 2004.
5º - Perante as insistências de alguns autores sobre a concretização do início da criação de camarão, os réus, em Dezembro de 2003, informaram que tal aconteceria em breve e que estaria a cargo de “S”.
6º - Este técnico informou depois o sócio “Q”, na altura no Brasil, que apenas assumiria esse encargo se fossem feitas algumas obras que considerou indispensáveis, nomeadamente poços de profundidade para captação de água doce para responder aos riscos derivados do teor de salinidade da água usada na criação do camarão, algo que exigiria investimentos significativamente superiores àqueles que os réus haviam referido inicialmente aos autores.
7º - Na sequência dessa exigência, os réus apresentaram aos autores a proposta de uma outra sociedade para assegurar a gestão da Fazenda - a “T” -, cuja idoneidade abonaram, e que não exigia os referidos investimentos, que os réus também disseram que não consideravam necessários, proposta que, em alternativa com a anterior, veio a ser aprovada pela maioria das pessoas ligadas ao negócio, por confiaram em tais informações e pelo valor daqueles investimentos.
8º - Nessa altura, no mês de Dezembro de 2003, os réus diziam que a produção teria início em Janeiro de 2004.
9º - O que também não veio a acontecer.
10º - A “T” chegou a informar os autores que a produção se tinha iniciado em 10 de Fevereiro de 2004, acrescentando que isso tinha sido possível apenas em tal data devido ao excesso de chuvas.
11º - Para prova desse facto, a “T” enviou ao Sr. “Q” duas fotografias dos tanques de produção de camarão.
12º - Por se lhe terem suscitado dúvidas, este contactou com a empresa que explora a Fazenda vizinha, tendo obtido informação de que a Fazenda dos autos estava com aspecto de abandonada, com inundações nos tanques e sem aeradores.
13º - Os réus sabiam que as informações referidas nos nºs 10 e 17 não correspondiam à verdade.
14º - Mais lhe foi dito que não havia nenhum sinal da presença de camarão.
15º - Perante tal cenário, “Q”, subscritor de uma participação social da Sociedade, optou por resolver o contrato promessa celebrado com os réus.
16º - Uma vez informados dos factos descritos no n.º 14, os autores interpelaram os réus e a “T” para lhes prestarem esclarecimentos sobre o estado do investimento e a falta de veracidade das informações até então prestadas.
17º - A “T” comunicou que tinha havido umas cheias, o que tinha impedido o início da criação de camarão, prometendo solucionar a situação.
18º - Em meados de 2004, o sócio “U” em contacto com a “T” recebeu desta a informação de que estava a precisar de dinheiro para continuar a actividade, esclarecendo-se que em certa altura, preocupados por não verem iniciada a produção, os sócios decidiram indicar dois deles para contacto mais estreito com a situação da Fazenda e com a “T”.
19º - Confrontado com essa informação, o primeiro réu explicou aos autores que tinha transferido para a conta do segundo réu as verbas necessárias para que este fizesse face às despesas da Fazenda e que iria esclarecer o assunto com este.
20º - Em meados de Agosto de 2005, a “T” dizia-se credora das quantias mencionadas a fls. 772.
21º - Os autores nunca receberam dos réus informação detalhada sobre o destino que deram às quantias entregues, esclarecendo-se que os réus nunca tiveram disponível qualquer relação, com suporte documental, sobre esse destino.
22º - Na sequência da deslocação referida na alínea r), do sócio “K”, ocorrida em Abril de 2005, os autores tiveram conhecimento de que: a) havia trabalhadores da Fazenda que não tinham sido pagos e que tinham intentado acções contra a “J”; b) tinha sido aberta uma conta bancária da sociedade, mas sem que apresentasse qualquer depósito; c) a contabilidade da sociedade não estava organizada; d) havia um empreiteiro que exigia em tribunal o pagamento de obras executadas na Fazenda; e) a “T” considerava que os réus não lhe tinham pago as quantias acordadas e que por isso tinha sido autorizada pelo réu “H” a contrair um empréstimo de 75.000,00 reais cuja amortização estaria a suportar; f) havia quem dissesse que os réus usaram o dinheiro recebido dos autores em negócios pessoais; g) a energia eléctrica estava cortada por falta de pagamento; h) havia a informação de não ter sido renovada a licença emitida pelo IDEMA, necessária para a cultura do camarão; i) a dimensão dos 2 tanques/viveiros rondava os 4,5 ha em vez dos 6 ha referidos pelos réus na altura da celebração dos contratos promessa; j) a exploração da Fazenda implicava riscos derivados do teor de salinidade das águas, algo que os réus não referiram aos autores na ocasião em que celebraram os contratos dos autos; k) havia quem dissesse que o camarão era regularmente furtado da Fazenda, com conhecimento do responsável da “T”.
23º - Quando os réus celebraram a escritura referida nas alíneas J) e L) - o que aconteceu em 29.01.200 4 -, apenas eles eram sócios da “J”, sociedade que constituíram em 16 de Outubro de 2003, conforme contrato de fls. 1076.
24º - Foi o réu “H” quem sempre fez os pagamentos à “T” e era quem permanecia no Brasil com mais frequência, comprometendo-se os réus perante os autores - sem prejuízo do que consta da parte final dos nºs 2 e 18 - a continuar a acompanhar a actividade da Fazenda, em particular através do “H”.
25º - Na altura da celebração dos contratos promessa dos autos, os réus diziam aos autores que eles não tinham de se preocupar com os aspectos práticos relacionados com a preparação da Fazenda e a criação do camarão, e que o negócio previa lucros da ordem dos indicados no "plano" acima referido, a fls. 1063 dos autos.
26º - Os réus remeteram as mensagens que constam dos docs. nºs 20 e 21 da petição inicial, a procurar justificar a sua conduta e a atribuírem-se mutuamente responsabilidades.
27º - A partir de certa altura, os réus passaram a estar dificilmente contactáveis.
28º - Os réus e a sociedade dona da Fazenda subscreveram um escrito, datado de 14 de Julho de 2003, denominado de contrato promessa onde se refere a promessa da aquisição da Fazenda pelo preço de 700.000,00 reais, equivalente a € 257.334,02 considerando a cotação cambial de 1 € = 2.7202 reais.
29º - Entre os dias 17 e 23 de Setembro de 2003, a sociedade dona da Fazenda emitiu o recibo junto com a contestação sob o n.º 3.
30º - No dia 31 de Outubro de 2003, os réus entregaram à sociedade dona da Fazenda o restante preço acordado para a respectiva aquisição.
31º - No dia 31 de Outubro de 2003, essa sociedade outorgou procuração a favor dos réus para celebrarem a escritura em sua representação, esclarecendo-se que nas escrituras celebradas apenas o réu “H” representou a sociedade vendedora, fazendo uso de uma procuração que a mesma lhe outorgou em 29.09.2003.
32º - Os réus subscreveram com a “T” o contrato junto com a contestação como doc. n.º 5, com data de 17.05.2004, cuja cópia não foi dada a conhecer aos autores, esclarecendo-se que, em finais de 2003, os réus já tinham dito aos autores que essa empresa tinha ficado a tratar da gestão da Fazenda.
33º - Na cláusula quarta desse escrito consta que o primeiro ciclo de produção teria início em 17 de Maio de 2004.
34º - Em 20 de Junho de 2005, não existiam quaisquer pendências entre a Sociedade “J” e a “T”, nada devendo a primeira à  segunda.
35º - No início de Outubro de 2004, o sócio “K” e “L”, irmão de outro sócio, deslocaram-se ao Brasil para, entre outros assuntos, assistirem à despesca, que lhes tinha sido dito estar prevista para essa data.
36º - Na altura, a Fazenda, na totalidade ou numa parte, estava a produzir camarão e tinha alguns acessos, energia eléctrica, água potável, tanques para a cultura do camarão, aeradores, entre outros equipamentos.
37º - Na ocasião dessa visita, quando estava também presente um representante de uma empresa potencial compradora, depois de pesagem informou-se que o camarão pesava à volta de 9,5 g.
38º - Esse representante informou da receita que poderia ser obtida com a venda do camarão tal como se encontrava.
39º - Alguém sugeriu que se aguardasse mais uma semana para que o camarão atingisse o peso previsto, ao que aqueles (“K” e “L”) não se opuseram.
40º - Pouco depois, os réus e a “T” informaram os autores que tinha sido feita uma despesca, que teria atingido quantidades inferiores às previstas, esclarecendo-se que os autores não foram previamente informados dessa alegada despesca, não obstante a “T” e os réus saberem que os mesmos estavam nisso interessados, conforme tinham pedido expressamente em escrito dirigido à “T”.
41º - Os réus e a “T” alegaram que isso se ficou a dever a um aumento imprevisto do teor de salinidade da água.
42º - Os réus pagaram o montante de 11.289,10 reais, equivalente a € 4.150,10, relativamente às despesas com o ITBI (Imposto de Transmissão Intervivos – 6.060,00 e 1.940,00 reais), e com emolumentos notariais da procuração e escritura (3.289,10 reais).
43º - No dia da escritura os réus pagaram ainda ao legal representante da vendedora o montante de 1.820,00 reais, correspondente a € 669,09, respeitante a despesas havidas na Fazenda durante o mês de Outubro de 2003, em conformidade com o doc. n.º 13 junto com a contestação.
44º - No dia 15.01.2004, a “T” enviou ao réu “H” o e-mail que constitui o doc. n.º 14 da contestação, tendo como “assunto: início da produção de Mossoró”, onde se enumeram diversas “despesas para início da produção em Mossoró”.
45º - Os réus, em representação da “J”, compraram 24 aeradores para a Fazenda.
46º - E pagaram diversas quantias por obras aí executadas, como aquelas a que se referem os docs. nºs 17 a 22 da contestação.
47º - Para além de quantias não apuradas com a produção de camarão, nomeadamente com rações, transportes, larvas, energia eléctrica, combustíveis, alimentação, compra de peças, e manutenção da Fazenda.
48º - Os réus também entregaram diversas quantias à “T” referentes à administração da Fazenda.
49º - Alguns dos cheques entregues pelos autores com data posterior foram antecipadamente recebidos pelos réus através de um contrato de gestão e cobrança de cheques celebrado com instituição bancária onde foram depositados, em conta bancária do réu “I”, sendo pelo menos parte desse dinheiro despendido com a aquisição da Fazenda e outras despesas ligadas à criação do camarão.
50º - O réu procedeu ao depósito dos cheques mencionados no doc. nº 88 junto com a contestação.
51º - Para tanto, foram suportados juros pelas quantias antecipadamente disponibilizadas pelo banco.
52º - Os réus pagaram ainda a quantia de € 1.323,43 de honorários da contabilista da sociedade, “V”.
53º - Posteriormente, o construtor “X” reclamou um valor complementar, não previsto de início.
54º - A Fazenda está em local onde é autorizada a cultura de camarão e teve a licença para operar emitida pela entidade competente.
55º - A sua localização está voltada para a criação de camarão marinho de cativeiro, existindo, inclusive, fazendas destinadas à mesma actividade em ambos os seus limites.
56º - As quantias entregues pelos autores aos réus para a aquisição das quotas foram depositadas nas contas pessoais dos réus.
57º - Nos últimos meses de 2004, foram realizadas diversas reuniões entre autores e réus com vista a discutir hipóteses de continuar o negócio, que não tiveram resultados positivos.
58º - Em finais de 2003, a Fazenda tinha acessos rudimentares e escassos equipamentos e não dispunha de aeradores, indispensáveis para a cultura em causa.
Através dos documentos juntos a fls. 1076 e segs.:
59º - No dia 16 de Outubro de 2003, em Mossoró, Brasil, os réus celebraram o contrato de sociedade junto a fls. 1076-8, referente à constituição de uma sociedade denominada “J” Aquicultura do Nordeste Ldª, com o capital social de R$ 500.000,00, dividido em partes iguais entre ambos, aí constando que a administração ficaria a pertencer ao réu “I” .
60º - No dia 22 de Outubro de 2003, os mesmos réus, acordaram no instrumento particular de fls. 1079-80 (denominado “1º Aditivo da empresa “J” Aquicultura do Nordeste Ldª”), que a sociedade passaria a partir dessa data “a desenvolver as suas actividades na Fazenda … n.º … – Zona … – …/…– Cep 59600-000.”
61º - No dia 04 de Março de 2004, os mesmos réus, os ora autores e outros, acordaram no instrumento particular de fls. 1081-7 (denominado “2º Aditivo da empresa “J” Aquicultura do Nordeste Ldª”), nos termos do qual os réus acordaram em alterar o contrato social daquela sociedade e, todos, na entrada dos ora autores e outros como novos sócios.
62º - Segundo esse instrumento, a sociedade aumentou o seu capital social para R$ 2.000.000,00, dividido em 2.000 quotas com o valor nominal de R$ 1.000,00, que focaram distribuídas nos termos do mapa aí anexo.
63º - Esse acordo foi inscrito no registo da Junta Comercial do Estado do Rio Grande do Norte no dia 07.03.2005.

                                        

IV – A questão colocada pelos apelantes no recurso é apenas, e globalmente, uma: a de saber se os factos que se provaram admitiam a sua condenação em indemnização aos AA., em valor a apurar em liquidação ulterior, pelos prejuízos que os mesmos sofreram em virtude do cumprimento defeituoso e da violação das regras de boa fé previstas no art 227º/1 CC.

O raciocínio expendido na sentença recorrida que conduziu à condenação que os apelantes questionam foi, basicamente, o seguinte:
Partiu o Exmo Juiz a quo do princípio de que o contrato promessa de constituição de sociedade celebrado entre os RR. e os AA. não se esgotava com a promessa pelo lado dos RR. de constituírem tal sociedade, e a recíproca promessa pelo lado dos AA. de adquirirem nessa sociedade uma quota, antes implicava uma série de compromissos por parte daqueles que se destinavam a  preparar ou a assegurar a prestação principal referente à constituição daquela sociedade, e que, por isso, se configuravam como deveres secundários dessa prestação e/ou como deveres acessórios de conduta, situando o Exmo Juiz, tanto quanto se entendeu, o cumprimento defeituoso do contrato relativamente a estes deveres.
E parece incluir na violação desses deveres as seguintes situações: Para além de terem numa primeira fase constituído a sociedade apenas entre eles e só subsequentemente terem nela integrado os AA. através do aumento de capital da mesma, a divisão e cessão das participações da sociedade acabou por não ter lugar até 30/1/2004; em finais de 2003 a Fazenda tinha acessos rudimentares e escassos equipamentos e não dispunha de aeradores indispensáveis para a cultura em causa; a primeira produção de camarão ocorreu em Maio de 2004 e a segunda em Junho de 2004, quando tinham prometido a uns AA. que a primeira produção ocorreria em Setembro de 2003, e a outros, que a mesma ocorreria em fins de Dezembro desse ano; os tanques que vieram a ser instalados na fazenda tinham dimensão inferior àquela que os RR. haviam comunicado aos AA.; apesar de se terem comprometido a continuarem a acompanhar a actividade da “Fazenda”, especialmente através do R. “H”, tal acabou por não suceder; não prestaram contas aos AA. das quantias deles recebidas.
 Mas o Exmo Juiz a quo somou à responsabilidade decorrente desse cumprimento defeituoso, para obter os mesmos efeitos, uma responsabilidade pré-contratual dos RR. em virtude destes, «pelo menos com grave negligência», terem prestado informações incorrectas aos AA. em relação a diversos aspectos que foram relevantes para a sua decisão de entrarem no negócio, em particular quanto à situação concreta da fazenda a adquirir, em relação à data em que a actividade iria ter início,  em relação à dimensão dos viveiros, aspecto relevante para o cálculo dos lucros que prometeram, informação de que o R. “H”, que tinha mais ligações ao Brasil e à actividade em causa, ficaria directamente responsável pela gestão local da exploração, e prestaram informações, «de forma imprevidente», na medida em que o técnico inicialmente contratado para ficar à frente da exploração informou que eram precisos investimentos significativamente superiores àqueles que os RR. haviam referido inicialmente, bem como relativamente à abonação da ““T””.
 E conclui que os RR. incorreram na obrigação de indemnizar os AA. pelos prejuízos que lhes causaram, sendo que a «determinação completa dos prejuízos sofridos pelos AA. apenas poderá ser feita com a “liquidação” do negócio, seja por via do incumprimento definitivo, seja com recurso a outro meio legalmente admissível».

O pedido formulado pelos AA. na acção – que a propõem em óbvia coligação – não tem, no entanto, pelo menos aparentemente, nada a ver com o teor da decisão recorrida, pois que o que aqueles pedem é  a condenação dos RR. a indemniza-los pelos prejuízos sofridos decorrentes do incumprimento do contrato promessa, resultantes dos lucros cessantes que se vierem a liquidar – uma vez, que à data, os mesmos não se conseguem estimar - acrescidos dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos, e na restituição da quantia de € 173.392,00 com que injustificadamente se locupletaram, também esta acrescida dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos.

Diga-se de passagem que pese embora o art 467º /1 al d) CPC atribua ao autor o dever de na petição indicar as razões de direito que servem de fundamento à acção, os AA. omitiram por completo essa indicação. Omissão que, conjugada com a circunstância de não terem apresentado alegações sobre a matéria de direito, terá conduzido o Exmo Juiz a convidá-los, ao abrigo do princípio da cooperação (art 266º/1 e 2 CPC), a pronunciarem-se sobre «o enquadramento legal em que fundamentam os pedidos formulados».
Foi, porém, mais longe o Exmo Juiz a quo, pois que, nesse mesmo despacho, convidou ambas as partes a pronunciarem-se «sobre a questão de saber se o disposto no nº 1 do art 227º do CC pode ter alguma aplicação na situação dos autos e em que termos».

            Na sequência desse convite, os AA. vieram referir – articulado de fls 1114 - que «não lhes foi dado o devido esclarecimento sobre as condições reais que existiam e que norteavam o investimento/negócio dos autos» - art 31º -, que «os RR. forneceram, ao invés, de forma consciente e intencional, informações erradas, omitindo factos relevantes sobre o referido investimento», art 32º- que «aos AA. foi-lhes “vendido” um negócio de criação de camarão muito rentável (de fácil e rápido retorno do capital investido)» - art 36º- que «cabia aos RR. como promotores do investimento , não apenas constituir uma sociedade e adquirir os terrenos no Brasil, mas antes planear e administrar, com fundos dos investidores, uma cultura de camarão que correspondesse às expectativas de rentabilidade destes últimos», «o que não aconteceu, não por causas estruturais ou conjunturais que os RR. não pudessem antecipar ou controlar, mas antes devido à sua deliberada intenção, desde o início em não cumprir os contratos dos autos nos termos negociados com os AA», concluindo  no art 45º que, «a omissão consciente e deliberada de informação quanto às reais condições da fazenda aquando das negociações do contrato dos autos faz incorrer os RR. em responsabilidade pré-contratual».

            Os RR pronunciaram-se de forma lacónica a fls 1171, referindo «reiterarem a sua posição de que as relações que estabeleceram com os AA. tiveram sempre unicamente por base uma cedência de quotas. Nessa medida, concluídas as negociações, os AA. aceitaram participar no capital social da sociedade “J”- Aquicultura do Nordeste Lda, de acordo com o previsto no respectivo contrato Promessa de Constituição de Sociedade», concluindo que, «os problemas entretanto verificados deveriam ter sido resolvidos no âmbito de uma normal prestação de contas e não no âmbito da presente acção».

O ponto de partida para a subsunção dos factos no sistema jurídico que, em última análise, respeitados que sejam os factos articulados e o pedido, se oferece como livre para o juiz - pois que o mesmo não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr art 664ºCPC) - há-de encontrar-se numa análise ponderada e conjunta dos factos provados.

 A este nível importa, em primeiro lugar, determo-nos no texto do(s) contrato(s) promessa constante(s) dos autos (que são vários, respeitando a AA. diferentes e correspondendo a momentos temporais diversos na sua realização).
Vê-se dele(s) que o que estava textualmente previsto, era que a sociedade “J”-Aquicultura do Nordeste Lda fosse legalmente constituída, englobando os RR. e mais oito sócios, até 30 de  Janeiro de 2004, e que apenas depois de constituída tivesse lugar a criação das infra-estruturas necessárias para a produção e comercialização de camarão que constituiria o seu único objecto. Assim, impor-se-ia  numa 1ª fase a aquisição – já em nome da sociedade - do lote de terreno localizado na margem esquerda do Rio …, no local denominado Fazenda do Tabuleiro Alto, junto da estrada municipal que dá acesso a …/…,  com a área de 76,50 hectares, e sobre o qual fora já concedida licença de operação n.º 879/02. Previa-se que o capital social fosse totalmente utilizado na aquisição de meios e instrumentalização da exploração, utilizando-se, em terrenos, estudos e projectos, € 419.738,00, em obras civis, estruturas e instalações eléctricas, máquinas, aparelhos, equipamentos, móveis e utensílios, € 74.820,00, em veículos, € 10.000,00, constituindo capital de giro, € 68.834,00. E estava previsto integraram a referida exploração dois tanques de engorda de camarão, 24 aeradores, bomba para extrair água do rio com potência de 220L/s, 3 kayaks e os respectivos materiais para o bom funcionamento da propriedade, galpão, 2 escritórios, 2 suites, cozinha e área para funcionários. Previa-se para a sociedade em causa uma gestão altamente “democrática” - e, decerto, à partida, impraticável - pois que a mesma se obrigaria  com a assinatura do gerente, assim como dos restantes sócios, sendo que a  gerência e (todos) os seus funcionários seriam nomeados pelos sócios.

Ora, o que na prática se passou, não foi nada disto, como resulta da demais matéria de facto que se tentará aqui relembrar e organizar cronologicamente..
 A sociedade não foi regularmente constituída, desde logo porque os RR. não dispuseram até Janeiro de 2004 do número previsto de  sócios, do que os mesmos informaram os promitentes de que até aí dispunham. Com efeito, o último participante no negócio dos autos, apenas acordou na aquisição da última quota (de 10% ou de 15%, o que não se apurou) entre Maio a Julho de 2004.
 E por isso, com pleno conhecimento e aquiescência dos promitentes de que iam dispondo, os RR. iniciaram a aquisição de meios e instrumentos necessários para a exploração utilizando o dinheiro correspondente às entradas de capital daqueles enquanto futuros sócios da sociedade.
Na verdade, na al O) refere-se que os RR. dispunham de poderes para agir, e na N), que ficaram obrigados a contratar trabalhadores e assegurar o funcionamento da “Fazenda”, resultando da resposta ao art 3º que os mesmos se comprometeram a assegurar a aquisição do terreno e a executar as infra-estruturas, os estudos, projectos e demais que fosse necessário para colocar a “Fazenda” em condições de dar início à actividade.
Matéria fáctica esta que torna menos compreensível que os RR. tivessem  informado os promitentes, na altura da realização dos contratos promessa, que a “Fazenda”  reunia boas condições para a criação de camarão e que depois de pequenas obras de melhoramento ficaria pronta para esse efeito, usando a propósito a expressão de que bastava "carregar no botão", e que eles não tinham de se preocupar com os aspectos práticos relacionados com a preparação da Fazenda e a criação do camarão. Informando-os que o negócio previa lucros da ordem dos indicados no "plano" constante de fls. 1063 dos autos. Chegando a apontar em relação a alguns autores, a primeira criação ainda no mês de Setembro de 2003, tendo referido a outros, os últimos meses desse ano, justificando o atraso com a circunstância de não terem conseguido o número previsto de sócios.
Em 16/10/2003 os RR. constituíram apenas entre eles, com  o capital social dividido em partes iguais, a sociedade “J” Aquicultura do Nordeste Lda”, e apenas em 4/3/2004, com a alteração do capital social dessa sociedade, vieram a nela dar entrada aos AA. (e a outros), como novos sócios (59º e 61º). A sociedade assim constituída foi registada apenas no dia 7/3/2005.
Os RR. apenas adquiriram a “Fazenda” em  29/1/2004 (L e art 23º), mas como resulta, entre o mais, da factualidade constante dos pontos da matéria de facto elencada em  28º a 30º,  ter-se-á tratado meramente da formalização dessa aquisição, pois que os RR., na sequência de contrato promessa de 14/7/2003 havido com a sociedade dona dessa da “Fazenda”, já estariam na detenção do terreno.
Parece que nos primeiros tempos subsequentes a Setembro de 2003 quem esteve  directamente responsável pela gestão local da exploração foi o R. “H” - que tinha mais ligações ao Brasil e à actividade em causa -  e que  seria remunerado com 20% dos lucros para esse efeito, mas, bem cedo aquele se descartou dessa responsabilidade, alegando falta de tempo.
E quem o iria substituir nesse encargo seria “S”, o que terá sucedido em Dezembro de 2003. Porém este, informou que apenas assumiria esse encargo se fossem feitas algumas obras que considerou indispensáveis, nomeadamente poços de profundidade para captação de água doce para responder aos riscos derivados do teor de salinidade da água usada na criação do camarão, algo que exigiria investimentos significativamente superiores àqueles que os RR. haviam referido inicialmente aos AA. Na sequência dessa exigência, estes apresentaram aos AA. a proposta de uma outra sociedade para assegurar a gestão da Fazenda - a “T” -, cuja idoneidade abonaram, e que não exigia os referidos investimentos, que os RR. também não consideravam necessários, proposta que, em alternativa com a anterior, veio a ser aprovada pela maioria das pessoas ligadas ao negócio – pelo menos alguns dos AA-  por confiaram em tais informações e pelo valor daqueles investimentos.
Terá sido, assim, cometida a gestão da exploração a esta sociedade “T” com o acordo dos “sócios” de então, mas com base na “abonação” dos RR.
Disseram então os RR. que a produção teria início em Janeiro de 2004, mas tal não veio a acontecer.
Na verdade, em finais de 2003 a “Fazenda” tinha acessos rudimentares e escassos equipamentos e não dispunha de aeradores indispensáveis para a cultura em causa (58º).
No dia 15/1/2004. a “T” enviou ao réu “H” o e-mail que constitui o doc. n.º 14 da contestação, tendo como “assunto: início da produção de Mossoró”, onde se enumeram diversas “despesas para início da produção em Mossoró”.
Não obstante, a “T” chegou a informar os AA. que a produção se tinha iniciado em 10/2/2004, justificando o atraso de não se ter iniciado em Janeiro, devido ao excesso de chuvas, e chegou a enviar a “Q” – “sócio” que veio a rescindir o contrato promessa, 15º- duas fotografias dos tanques de produção de camarão; este desconfiou dessa informação e tendo pedido à empresa que explorava a fazenda vizinha que a confirmasse, esta veio a desmenti-la, antes referindo que a “Fazenda” estava com aspecto de abandonada, com inundações nos tanques e sem aeradores, não havendo nenhum sinal da presença de camarão, conhecendo os RR. esta realidade..
Os AA. interpelaram os RR. e a “T” para lhes prestarem esclarecimentos sobre o estado do investimento e a falta de veracidade das informações até então prestadas, tendo a “T” comunicado que tinha havido umas cheias, o que tinha impedido o início da criação de camarão, prometendo solucionar a situação.
Os RR. subscreveram com a “T” o contrato junto com a contestação como doc. n.º 5, com data de 17/5/2004, cuja cópia não deram a conhecer aos AA., constando da cláusula 4ª desse escrito que o primeiro ciclo de produção teria início em 17 de Maio de 2004.
A primeira produção de camarão ocorreu efectivamente em Maio de 2004 e a segunda em Junho de 2004, tendo sido acordado entre as partes que os lucros obtidos com essas produções de camarão seriam utilizados para a construção de furos e outros melhoramentos – P e Q.
Sucede que em meados de 2004, o sócio “U” que havia sido indicado pelos demais para juntamente com outro manterem contacto mais estreito com a situação da “Fazenda” e com a “T”, recebeu desta a informação de que estava a precisar de dinheiro para continuar a actividade, e, confrontado com essa informação, o 1ª R. explicou aos AA. que tinha transferido para a conta do 2º as verbas necessárias para que este fizesse face às despesas da “Fazenda” e que iria esclarecer o assunto com este. Acabando os RR a atribuírem-se mutuamente responsabilidades, sendo que os AA. nunca receberam deles informação detalhada sobre o destino que deram às quantias entregues, acrescendo que os RR. nunca tiveram disponível qualquer relação, com suporte documental, sobre esse destino.
 No início de Outubro de 2004, o sócio “K” e “L” (irmão de outro sócio), deslocaram-se ao Brasil para, entre outros assuntos, assistirem à despesca, que lhes tinha sido dito estar prevista para essa data. Na ocasião dessa visita, quando estava também presente um representante de uma empresa potencial compradora, depois da pesagem, informou-se que o camarão pesava à volta de 9,5 g. Alguém sugeriu que se aguardasse mais uma semana para que o camarão atingisse o peso previsto, ao que aqueles (“K” e “L”) não se opuseram. Pouco tempo depois, os RR. e a “T” informaram os AA. que tinha sido feita uma despesca, que teria atingido quantidades inferiores às previstas, (esclarecendo-se que os AA. não foram previamente informados dessa alegada despesca, não obstante a “T” e os RR. saberem que os mesmos estavam nisso interessados, conforme tinham pedido expressamente em escrito dirigido à “T”), tendo os RR e a “T” alegado que isso se ficou a dever a um aumento imprevisto do teor de salinidade da água.
Em meados de Agosto de 2005, a “T” dizia-se credora das quantias mencionadas a fls. 772.
 Com vista a terem um conhecimento completo sobre o estado da Fazenda e sobre a produção do camarão, os AA. acordaram que dois dos sócios iriam ao Brasil para verificar a despesca, conferir a venda do camarão, conferir a contabilidade da empresa, efectuar o inventário da Fazenda, abrir uma conta bancária e estudar o valor da venda do camarão, entre outros assuntos.
 Na sequência da deslocação do sócio “K”, ocorrida em Abril de 2005, os AA. tiveram conhecimento de que: a) havia trabalhadores da Fazenda que não tinham sido pagos e que tinham intentado acções contra a “J”; b) tinha sido aberta uma conta bancária da sociedade, mas sem que apresentasse qualquer depósito; c) a contabilidade da sociedade não estava organizada; d) havia um empreiteiro que exigia em tribunal o pagamento de obras executadas na Fazenda; e) a “T” considerava que os RR. não lhe tinham pago as quantias acordadas e que por isso tinha sido autorizada pelo réu “H” a contrair um empréstimo de 75.000,00 reais cuja amortização estaria a suportar; f) havia quem dissesse que os RR. usaram o dinheiro recebido dos AA. em negócios pessoais; g) a energia eléctrica estava cortada por falta de pagamento; h) havia a informação de não ter sido renovada a licença emitida pelo IDEMA, necessária para a cultura do camarão; i) a dimensão dos 2 tanques/viveiros rondava os 4,5 ha em vez dos 6 ha referidos pelos RR na altura da celebração dos contratos promessa; j) a exploração da Fazenda implicava riscos derivados do teor de salinidade das águas, algo que os RR. não referiram aos AA. na ocasião em que celebraram os contratos dos autos; k) havia quem dissesse que o camarão era regularmente furtado da Fazenda, com conhecimento do responsável da “T”.
Não obstante, em 20 de Junho de 2005, não existiam quaisquer pendências entre a Sociedade “J” e a “T”, nada devendo a primeira à segunda.

Desta matéria fáctica, que se tentou organizar cronologicamente, haverá que extrair uma primeira conclusão: a de que, quando os AA. na petição referem o incumprimento do contrato promessa e se pretendem ver ressarcidos pelos RR. relativamente aos lucros cessantes resultantes desse incumprimento, estão, obviamente, a referir-se à relação de facto que, partindo do compromisso recíproco de constituírem entre eles uma sociedade num determinado local e com um determinado objectivo e que cristalizaram no dito contrato promessa de constituição da sociedade, se veio subsequentemente a estabelecer entre eles. É esta relação de facto correspondente à existência e vivência de uma sociedade irregular, dominada pela “gerência” dos RR., que na expressão menos precisa dos AA. terá gerado os tais “lucros cessantes” de que  pretendem ser ressarcidos.
Mas há que introduzir uma ressalva: a relação de facto havida entre as partes, correspondente, como adiante melhor se verá, a uma sociedade irregular, termina em 7/3/2005 quando é registada a sociedade – a “J”, Aquicultura do Nordeste, Lda -  já constituída pelos AA.. Nessa altura, segundo a lei portuguesa, que as partes pretenderam aplicável ao contrato promessa – clausula 8ª - a sociedade em causa adquiriu personalidade jurídica  - art 5º do C das Soc Com. Por isso, a responsabilidade civil que os AA. pretendem efectivar na acção– e que referem como referente ao “incumprimento do contrato promessa” – não poderá ir mais longe que a referida situação de facto.

Portanto, o que estará em causa na acção não é a mora no cumprimento do contrato promessa, ou sequer o seu cumprimento mais ou menos perfeito, pois que, na realidade, ambas as partes abstraíram da existência desse contrato na relação comercial que mantiveram – e que pretendem manter, ao que parece – agindo à margem dele, apenas tendo retido a obrigação recíproca de constituírem a referida sociedade, objectivo que foi alcançado em 4/3/2004.

 O que está em causa na acção, do ponto de vista dos AA., são, afinal, os sucessivos e prolongados “enganos” em que os RR. os mantiveram, e que, do seu ponto de vista, os mesmos potenciaram com as informações que lhes foram dando, ou que consentiram que a “T” lhes fosse fornecendo, não os esclarecendo relativamente às condições reais da exploração, omitindo factos relevantes relativamente à mesma, chegando mesmo a fornecer informações erradas, tudo isto utilizando os dinheiros dos AA. e sem lhes prestarem contas.
“Enganos”, que têm como ponto de partida a circunstância de lhes terem dito, na altura da celebração dos contratos promessa, que eles não tinham de se preocupar com os aspectos práticos relacionados com a preparação da Fazenda e a criação do camarão,  que o negócio previa lucros da ordem dos indicados no "plano" constante  de fls. 1063 dos autos, e que a “Fazenda” reunia boas condições para a criação de camarão, sendo que, depois de pequenas obras de melhoramento, ficaria pronta para esse efeito, usando a propósito a expressão de que bastava "carregar no botão", quando, ao invés, a dita “Fazenda” em finais de 2003 tinha acessos rudimentares e escassos equipamentos e não dispunha de aeradores indispensáveis para a cultura em causa e assim se terá mantido em Janeiro (no dia 15/1/2004,  a “T” em e-mail que enviou ao R. “H” falava  das “despesas para início da produção em Mossoró”) e ainda em Fevereiro, como foi constatado pela empresa vizinha, a pedido de “Q”, apenas estando preparada para produzir em Maio de 2004.

Vejamos a que correspondem as realidades a que atrás se fez referência.

Se é certo que qualquer contrato pode ser antecedido por um processo de formação mais ou menos alongado, no contrato de sociedade há sempre, e necessariamente, um longo e prévio processo de formação susceptível de abranger diferentes realidades jurídicas.

Pode suceder, como sucedeu no caso dos autos, que o lançamento de uma nova sociedade «exija prévios acordos financeiros, angariações de meios materiais e humanos e convénios vários». [1]
Trata-se de negócios instrumentais preparatórios que se inserem na categoria de “negócios de vinculação”.
Estes acordos funcionam à margem da promessa de sociedade, quando esta exista (como existiu na situação dos autos - em que as partes se obrigaram, mutuamente, a celebrar o competente contrato ) e destinam-se a tornar  a sua realização possível.
Sucede ainda, com frequência, que à demora que estes negócios de vinculação implicam, se soma ainda a da obtenção do registo definitivo, o que conduz a que «os sócios iniciem de imediato uma actividade produtiva, actividade essa que só posteriormente poderá ser imputada em termos plenos e absolutos à própria sociedade».
Quando assim seja, àqueles “negócios de vinculação”, juntam-se os “negócios de organização” que visam já pôr a funcionar a futura sociedade.
«Usa-se, por vezes, para nominar este fenómeno, a locução, “situações pré-societárias ou pré-sociedade”, isto é, a realidade em funcionamento, antes de completada, pelo registo, a constituição de uma sociedade».

Há ainda que acentuar que a expressão sociedades irregulares, ou de facto, abrange ocorrências diversas, entre as quais, e para o que releva nos autos, importa considerar a situação das sociedade materiais: «situações que no campo da materialidade, correspondam a contribuições de bens ou serviços, feitas por duas ou mais pessoas, para o exercício em comum de certa actividade económica, que transcenda  a mera fruição, com o fim de repartição de lucros daí resultantes».
 Se a essa realidade faltar qualquer contrato ou outro titulo legitimador, como o é uma promessa de sociedade, fala-se de sociedade aparente, que  não é assim o caso  dos autos, pois que a organização de tipo societário em efectivo funcionamento verificada na situação destes nasceu de uma promessa de sociedade.

As assim designadas por sociedades irregulares ou de facto, «não devem ser tidas como nulas ou completamente inexistentes, antes pelo contrário, elas têm existência jurídica, como contratos validamente celebrados entre os sócios», e o seu regime jurídico deve tanto quanto possível, moldar-se pelo das sociedades.
Este entendimento é acolhido pelo nosso C. Soc Com. como resulta do disposto nos seus arts 36º a 41º.

Na situação dos autos, como é evidente, sendo desnecessário evidencia-lo em concreto, ocorreu promessa de sociedade, negócios de vinculação e negócios de organização, estes destinados a pôr em funcionamento a futura sociedade.
 
A respeito destes múltiplos negócios diz Menezes Cordeiro [2] : «Eles devem ser cumpridos sob pena de responsabilidade civil (…) Estamos perante negócios patrimoniais que devem ser honrados. Tenha-se presente que a preparação de uma sociedade pode ser muito dispendiosa, quer em estudos preparatórios, quer em investimentos preliminares, quer no abandono de outros negócios».
E acrescenta o mesmo autor: «Em todo o processo conducente à definitiva constituição de uma sociedade, as partes devem observar as regras da boa fé, previstas no art 227º/1 CC (…) A preparação de uma sociedade pode pôr em campo as mais diversas actuações materiais preparatórias, possibilitando ainda a antecipação da própria actividade societária. Durante todo este caminho as partes interessadas ficam nas mãos umas das outras. A observância das regras da boa fé in contrahendo é primordial».

Ora, é sabido que se mostra ultrapassada na jurisprudência e doutrina, quando não nas legislações, a ideia nascida de Jhering, de que a responsabilidade pré-contratual se colocaria apenas a respeito da celebração de contratos nulos ou anuláveis, passando aquele conceito a abranger, para além dessas situações, aquelas em que nenhum negócio chega a ser celebrado em virtude de ruptura na fase negociatória ou decisória, e ainda as situações de contratos válidos e eficazes, mas em cujo processo formativo surgem danos a indemnizar [3].
O nosso art 227º CC reflectirá já este conceito mais alargado, na medida em que referindo que «quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar á outra parte», se mostra susceptível de abranger as situações em que pode ocorrer responsabilidade civil pré-contratual por violação das regras da boa fé na formação dos contratos válidos e eficazes.
Ferreira de Almeida [4], a respeito destas últimas situações, refere: «Têm-se agora em vista, desde logo, contratos convalidados, isto é, contratos anuláveis (por dolo, erro simples, coacção moral ou usura) que, por inacção da parte prejudicada (cfr art 287º) não tenham sido efectivamente anulados». »A responsabilidade civil pressupõe o desiquilibrio das prestações, causado por omissão ou deturpação da informação, ou pelo aproveitamento da limitada capacidade de decisão do lesado» [5].

A responsabilidade civil pré-contratual em qualquer das suas modalidades e também na que se vem a analisar, pressupõe «os requisitos comuns da responsabilidade civil subjectiva: dano, norma de imputação, imputabilidade ao agente, ilicitude, nexo de causalidade (entre o facto ilícito e o dano) e culpa. Na responsabilidade civil pré-contratual a norma de imputação é o preceito aberto do art 227º (ou outro mais específico), a ilicitude consiste na violação de algum dos deveres da boa fé contratual», [6], sendo o mais comum, a este nível, o da informação.
E observa Ferreira de Almeida a respeito deste dever: «Os limites do dever de informação tendem a coincidir com os fundamentos da anulabilidade. Na hipótese mais provável, a violação desse dever dirá respeito a informação sobre o objecto do contrato, que foi determinante para a decisão de contratar ou de contratar naqueles termos, podendo o contrato ser anulado nos termos do art 247º, aplicável por força do art 251º».

«Viola o dever de informação aquele que fornece informações inexactas, que foram essenciais para a celebração do contrato ou omite informações, que se tivessem na esfera de conhecimento da contraparte, este não teria celebrado o contrato ou pelo menos não o teria celebrado nos termos em que o fez» [7], pelo que «a ilicitude nesta modalidade de responsabilidade pré-contratual se pode analisar em dois níveis: omissão de informação ou informação inexacta e essencialidade dessa informação para a  celebração do contrato».

Mas tende-se a restringir o conteúdo do dever pré-contratual de informação ao núcleo de informações que o contratante não esteja em condições de obter por si, e que por assim ser, revele à contraparte como essenciais para a sua decisão de contratar, pois que, na realidade, sobre cada uma das partes impende um ónus de auto-informação.
Como o refere Eva Moreira da Silva [8], «a regra geral, será a que cada parte cuide dos seus interesses, procurando as informações precisas sobre o negócio que vai realizar. Excepcionalmente, é que o principio da boa fé poderá, de acordo com as circunstâncias, exigir que uma das partes informe a outra», acrescentando, «só poderá nascer um dever de informação na esfera jurídica da contraparte nas negociações quando a parte que poderia ser credora da informação cumpriu o seu ónus de auto-informação, ou seja, fez tudo o que se encontrava razoavelmente ao seu alcance para se auto-informar».

Acresce ainda, como o acentua Ferreira de Almeida [9] que «doutrina e jurisprudência portuguesa vêm erigindo a tutela da confiança como critério comum para verificar se, em concreto, quem invoca a violação dos ditames da boa fé merece a protecção do direito», referindo que, «em geral e em esquema, a tutela da confiança depende da coexistência dos seguinte elementos: uma situação de confiança efectiva e imputável a determinada pessoa (imputação da confiança); justificação da confiança suportada por dados objectivos e credíveis; investimento de confiança, causado por esta e traduzido em actos concretos e externos; boa fé de quem confiou». Assim, «para merecer a protecção do regime do art 227º deve pois o lesado ter confiado e investido na confiança justificadamente criada», o que implicará nas situações de contrato anuláveis, mas convalidados, que «haja confiado no equilíbrio de um contrato que é afinal desiquilibrado», e que «a sua confiança tenha incidido na informação prestada, que não era afinal correcta».

Aplicando estes conceitos à situação dos autos, o que se observa, salvo melhor apreciação, é o seguinte: sem dúvida que os RR., fornecerem deliberadamente informações incorrectas aos investidores que lhes iam surgindo e que depois se comprometiam pelas promessa de sociedade, ao dizer-lhes que não tinham de se preocupar com os aspectos práticos relacionados com a preparação da “Fazenda” e a criação do camarão, e que esta, depois de pequenas obras de melhoramento, ficaria pronta para esse efeito, referindo que bastava "carregar no botão", e dizendo-lhes que a primeira produção aconteceria logo em Setembro, ou nos finais do ano de 2003, quando, na verdade, as infra-estruturas necessárias à criação do camarão se achavam, todas ou praticamente todas, por alcançar, já que provado ficou que em finais de 2003 a “Fazenda” tinha acessos rudimentares e escassos equipamentos e não dispunha de aeradores indispensáveis para a cultura.

 Sucede que – e sem que se deixe de admitir que essas informações tenham predisposto os investidores a formalizar a promessa de sociedade - não há elementos nos autos - porque os AA., a quem o competia, não alegaram os factos que o permitissem - que levem a concluir que era essencial para esses investidores que, à data da realização dessas  promessas, a “Fazenda” se mostrasse  praticamente apta à criação de camarões, de tal modo que a primeira criação destes ocorresse até ao fim de 2003, sendo que se soubessem que tal não sucedia, não tinham contratado, ou o haviam feito de modo essencialmente diferente daquele por que o fizeram.
Ao contrário, os autos fornecem é elementos no sentido de que, dificilmente aqueles investidores poderiam ter acreditado, seriamente, confiadamente, tranquilamente, naquelas informações. Bastava ler o contrato promessa para perceber que as infra-estruturas essenciais estavam por adquirir, e que essa aquisição se faria em função do valor do capital entregue pelos promitentes, e à medida que estes fossem aparecendo, possivelmente, angariados, como eles próprios, por anúncios nos jornais …    
Não havia dados objectivos que justificassem a confiança desses investidores nas informações em causa.
  
Fosse essencial para cada um desses investidores que a “Fazenda” estivesse (quase) apta à produção de camarões que, certamente, qualquer deles não teria aceite subscrever o contrato promessa sem que – pese embora a distância – se tivesse deslocado ao Brasil para ver com os seus olhos o estado daquela, ou tivesse confiado essa missão a alguém conhecido. Não se tratava, pois, de informação que qualquer deles não tivesse (em) condições de aceder.

Porém, a relação contratual entre as partes prosseguiu, já se viu, que em termos de facto até à data do registo da sociedade ocorrido em 7/3/2005, e, sem margem para dúvidas que os resultados obtidos foram estando, em muito, aquém do que os RR. iam prometendo, não podendo senão concluir-se que estes, no cumprimento das obrigações “societárias” a que se achavam vinculados perante os AA. - pois que se tinham comprometido  a assegurar a aquisição do terreno e a executar as infra-estruturas, os estudos, projectos e demais que fosse necessário para colocar a “Fazenda” em condições de dar início à actividade -  não procederam de boa fé, como a tanto estavam obrigados – art 762º CC – o que implicaria a sua responsabilização pelos danos que os concretos comportamentos violares dessa boa fé tivessem causado aos AA.

Os AA. optaram por formular na acção um pedido genérico, entendendo-se por pedido genérico aquele que é indeterminado no seu quantitativo [10].
Não é livre para o A. a formulação de pedido genérico, constando as situações  em que o autor o pode formular no art  471º/1 CPC. Refere a al b) desta norma  tal admissibilidade quando não seja possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o art 569º do CC.
Dispõe o art 569º CC a respeito da indicação do montante dos danos, que quem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exacta em que os avalia (nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos).
Encontra-se, pois, fundamento legal para o pedido genérico, por um lado, através da referida al b) do nº 1 do art 471º, exigindo-se aí, para que o mesmo seja admitido, que haja indeterminação da extensão das consequências danosas do facto gerador da responsabilidade, por outro, através do art 569º CC, em que se admite ao autor não avaliar pecuniariamente as consequências danosas já verificadas.

Os AA. justificaram a dedução do pedido genérico, referindo  - e já, e apenas,  em sede da própria formulação do pedido - por não conseguirem, à data – a da propositura da acção ocorrida em  27/4/2006  - estimar a perda dos lucros cessantes.
Fica-se, na dúvida relativamente a qual das situações, das referidas no art 471º/1 al b) CC, se pretendem os AA. referir, podendo admitir-se que pretenderiam usar essa modalidade de pedido pelas duas razões justificantes da utilização de tal tipo de pedido.

Jurisprudência e doutrina têm vindo a coincidir na exigência de que o autor que recorra à formulação de pedido genérico não pode deixar de alegar os factos que revelam a existência e a extensão de danos. Ou por outras palavras: o autor há-de fornecer todas as indicações de facto indispensáveis à determinação judicial do dano, abstendo-se apenas de o avaliar em termos pecuniários.
Escreve Vaz Serra [11]: «Quem exige uma indemnização não tem de indicar na petição a importância exacta em que avalia os danos (art 569º 1ª regra), pois pode ignora-la, dependendo como depende de várias circunstâncias. Bastará, pois, que exponha os factos precisos para a determinação judicial. Com fundamento neles, e valendo-se dos demais meios que a lei de processo lhe faculta, poderá o tribunal avaliar o dano e fixar a indemnização».
Estas considerações significam, como não podem deixar de significar, que o autor tem de ser preciso na indicação dos danos – o que a lei lhe dispensa é de indicar a importância exacta em que os avalia, não, obviamente, que não indique os danos que sofreu.

Se se quiser, e fazendo-se aqui apelo a uma das distinções em matéria de danos, poder-se-á dizer que a utilização pelo autor de pedido genérico, não o dispensa de alegar os factos que revelam a existência do “dano real”, estando apenas dispensado de alegar o “dano patrimonial” [12]
Dano real é a perda in natura que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais, ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar. O dano patrimonial é o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado.
Que o autor não está dispensado de indicar na petição o dano real quando formula pedido genérico, revela-o a circunstância de ser este tipo de dano que importa para a problemática da causalidade, e esta ter que ficar também definida antes de se proferir condenação genérica, nos termos do art 661º/2 CPC. Só pode diferir-se para a liquidação subsequente «o objecto ou a quantidade» do dano, não podendo deixar de se ter aferido antes dessa condenação, enquanto requisitos da efectivação da responsabilidade civil, a ilicitude, a culpa e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, o que pressupõe necessariamente, a indicação concreta deste.  

Ora, salvo melhor apreciação dos factos, os AA. ao longo da petição não procedem à indicação dos danos reais. A única indicação a que procedem resulta da sua caracterização como lucros cessantes, que não é, obviamente, suficiente.

Não pode considerar-se como indicação dos danos, a elencagem de situações constante do art 42º da petição – de que se veio a provar o que consta do facto 22º da enunciação dos factos provados - porque, ainda que possam constituir situações desfavoráveis aos AA. -  ou, mais propriamente, à “J”, Aquicultura do Nordeste, Lda, então já registada - quase todas elas se movem no campo dos danos emergentes e não dos lucros cessantes, e, de todo o modo, os AA. não extraem qualquer consequência da enunciação dessas situações.

A dificuldade da caracterização destes “lucros cessantes” cuja ressarcibilidade estava em causa na acção, tê-la-á sentido o Exmo Juiz a quo quando, sem mais considerações, julgou a acção parcialmente procedente, «condenando os RR. a indemnizarem os AA, no valor a apurar em liquidação ulterior, pelos prejuízos que os mesmos sofreram em virtude do cumprimento defeituoso e da violação das regras de boa fé (art 227º/1 CC), acrescido de juros à taxa legal a partir da citação até pagamento».

Quer dizer, os factos provados permitem um juízo de ilicitude, um juízo de culpa e a convicção de que daquela ilicitude e culpa terão decorrido lucros cessantes para os AA., mas estes surgem sem qualquer concretização na muita factualidade a que deu origem a sociedade irregular havida entre as partes.

Quer crer-se que os AA., ao remeterem a fixação de toda a indemnização por lucros cessantes para subsequente liquidação, sem previamente individualizarem de que modo concreto viram o seu património não aumentar em função das concretas condutas dos RR. – das muitas que lhes atribuíram, e das muitas que acabaram por resultar provadas - acabaram por formular pedido genérico processualmente inadmissível.
 
 A formulação indevida de pedido genérico, corresponde a excepção dilatória (inominada) [13], pois não poderá o tribunal legalmente conceder o que o autor pede (a isso obsta, por definição, o art 471º), nem conceder coisa diversa (art 668º/1 al e)” [14].

E por isso deverão os RR. serem absolvidos da instância no que respeita ao primeiro dos pedidos formulados – indemnização dos AA. pelos prejuízos decorrentes do incumprimento do “contrato” resultantes da perda dos lucros cessantes que se vierem o liquidar – embora tendo apenas em referência os lucros cessantes não concretizados advenientes para eles do funcionamento da organização societária dominada pelos RR. que funcionou depois de Janeiro de 2004 e até 7/3/2005, altura em que a sociedade já integrada pelos AA, foi registada.

No tocante aos lucros cessantes subsequentes a essa data - de 7/3/2005 – a circunstância de a sociedade que fora prometida estar já integrada pelos AA. e registada, e dar origem a uma nova realidade jurídica em que avultam meios próprios de fazer valer a responsabilização entre sócios, implica a absolvição dos RR do pedido.

No tocante à relação anterior a Janeiro de 2004, configurando-se a mesma, nos termos acima explanados, como pré-contratual, mesmo relativamente à realidade societária, ainda que irregular, que ocorreu subsequentemente até à referida data de 7/3/95, e tendo-se visto como os AA. não merecem ser tutelados relativamente às informações acima referidas provindas dos RR., deverão estes, igualmente, ser já absolvidos do pedido.

Nem se diga que também relativamente a este tipo de responsabilidade – que se autonomizou no primeiro pedido – comungaria ele da falta de especificação dos lucros cessantes que a mesma teria especificamente gerado, o que deveria implicar a absolvição dos RR. da correspondente instância por formulação também aqui indevida de pedido genérico.
È que, mesmo assim sendo, a verdade é que do art 288º/3 do CPC resulta que à absolvição da instância em função da falta de um pressuposto processual, se deverá fazer prevalecer a imediata absolvição do pedido, quando esta seja desde logo possível, e constitua o melhor resultado possível para a parte para cuja protecção é estabelecido o pressuposto processual em falta.
As razões dessa norma procedem aqui, já que podendo os RR. serem já absolvidos da  parte do pedido em causa, não faria sentido a sua absolvição da instância para poder vir a ser formulado pedido com maior precisão, quando já se sabe de antemão que improcederia.

Uma última palavra para o segundo dos pedidos formulados na acção e que até agora não se fez referência: a restituição da quantia de € 173.392,00 com que os RR.  injustificadamente se locupletaram acrescida dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa comercial em vigor.
Os factos provados não permitem obviamente concluir se se justificou ou não a entrega pelos AA., das importâncias parcelares que cada qual entregou aos RR, e que no seu conjunto implicaram a referida quantia. A indevida justificação a que os AA. aludem pressupõe o apuramento de contas entre as partes que os autos não facultam. E por isso devem os RR. ser absolvidos deste pedido.


V- Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando correlativamente a sentença recorrida, e decidindo:
- Absolver os RR. do pedido no tocante à sua responsabilização pelos lucros cessantes sofridos pelos AA. na relação que com eles mantiveram anterior a Janeiro de 2004;
- Absolver os RR. do pedido no tocante à sua responsabilização pelos lucros cessantes sofridos pelos AA. na relação que com eles mantiveram subsequente a 7/3/2005,
- Absolver os RR. do pedido no tocante à restituição da quantia de € 173.392,00 que receberam dos AA. para o funcionamento da sociedade.
- Absolver os RR. da instância relativamente à sua responsabilização pelos lucros cessantes sofridos pelos AA. na relação que com eles mantiveram entre  Janeiro de 2004 e 7/3/2005, por não resultarem especificados os danos cuja indemnização estaria em causa e se entender consubstanciar tal falta de especificação formulação indevida de pedido genérico.

Custas na 1ª instância pelos AA.
Custas da apelação pelos AA. e pelos RR. na proporção de 2/3 para os AA. e 1/3 para os RR.

Lisboa, 1 de Fevereiro de 2012                     

Maria Teresa Albuquerque
Isabel Canadas
José Maria Sousa Pinto
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[1]- Menezes Cordeiro, «Manual de Direito das Sociedades», I,, 2ª ed, p 476 e ss, obra que se acompanhará nas referências subsequentes.  
[2]- Cfr nota antecedente, p 470
[3] - Almeida Costa, «Direito das Obrigações»,  4ª ed, 203; Ac STJ 13/5/2003 (Moreira Alves)
[4]- «Contratos»,  p
[5]-  E acrescenta: «Em contratos desprovidos ab initio de qualquer vício também é possível em abstracto, mas mais difícil em concreto, a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil pré-contratual».
[6]- Autor e obra referidos, p 221
[7] - Ac R L 8/7/2008 (Torres Vouga) acessível em www. dgsi. pt
[8]- «Da responsabilidade pré-contratual por violação dos deveres de informação», p 113
[9]- Obra citada, p 219
[10] - Alberto dos reis, «Comentário…», III, 170
[11] - Anotação ao Ac STJ 6/7/1971, RLJ n º 105, 153 e ss
[12] - Antunes Varela, «Das Obrigações em Geral», 10ª ed, I,  598 e ss, referindo em concretos a respeito destas variantes do dano:
[13]- No sentido de a formulação ilegal de pedido genérico constituir excepção dilatória cfr Ac STJ 8/2/94, CJSTJ, I, 95 e Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”,II, p 75.
[14] - Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, 1982, II, p 250