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COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL DE COMÉRCIO
SOCIEDADES COMERCIAIS
Sumário
I - O Tribunal do Comércio é o competente para conhecer da ação em que uma sociedade comercial demanda os seus ex-administradores, invocando que estes levaram a cabo ou ordenaram um conjunto de operações no exercício das suas funções e assumiram compromissos perante terceiros, muito para além dos seus normais poderes de administração e em prejuízo claro da sociedade, porquanto, em causa estão, direitos sociais. II - Existe ineptidão da petição inicial por incompatibilidade dos pedidos quando o julgador fica impossibilitado de decidir, confrontado que se mostre com a ininteligibilidade resultante da posição assumida pelo autor, atendendo às razões pelo mesmo aduzidas. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
ACORDAM NA 7ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I - Relatório
1. B, SA. veio propor a presente ação contra J (1.º), F (2.º), A (3.º), L (4.º), O (5.º), M (6.º) e R (7.º) pedindo: a) os 1.º e 7.º RR solidariamente condenados a pagar à A. a quantia que se vier a liquidar no decurso dos autos ou em execução de sentença, correspondente ao montante dos danos emergentes dos factos alegados nos art.ºs 28.º a 237.º da petição inicial, admitindo-se a formulação deste pedido genérico anos termos e ao abrigo do disposto nos art.ºs 471, n,º1, b) do CPC e 569, do CC, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação, até efetivo e integral pagamento. b) o 2.º R. solidariamente condenado a pagar à A. a quantia que se vier a liquidar no decurso dos autos ou em execução de sentença, correspondente ao montante dos danos emergentes dos factos alegados nos art.ºs 28.º a 119.º e 219.º a 237.º da petição inicial, admitindo-se a formulação deste pedido genérico anos termos e ao abrigo do disposto nos art.ºs 471, n,º1, b) do CPC e 569, do CC, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação, até efetivo e integral pagamento c) o 3.º R. solidariamente condenado a pagar à A. a quantia que se vier a liquidar no decurso dos autos ou em execução de sentença, correspondente ao montante dos danos emergentes dos factos alegados nos art.ºs 28.º a 119.º da petição inicial, admitindo-se a formulação deste pedido genérico anos termos e ao abrigo do disposto nos art.ºs 471, n,º1, b) do CPC e 569, do CC, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação, até efetivo e integral pagamento d) o 4.º R solidariamente condenado a pagar à A. a quantia que se vier a liquidar no decurso dos autos ou em execução de sentença, correspondente ao montante dos danos emergentes dos factos alegados nos art.ºs 28.º a 119.º da petição inicial, admitindo-se a formulação deste pedido genérico anos termos e ao abrigo do disposto nos art.ºs 471, n,º1, b) do CPC e 569, do CC, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação, até efetivo e integral pagamento e) o 5.º R. solidariamente condenado a pagar à A. a quantia que se vier a liquidar no decurso dos autos ou em execução de sentença, correspondente ao montante dos danos emergentes dos factos alegados nos art.ºs 120.º a 154.º da petição inicial, admitindo-se a formulação deste pedido genérico anos termos e ao abrigo do disposto nos art.ºs 471, n,º1, b) do CPC e 569, do CC, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação, até efetivo e integral pagamento f) o 6.º R. solidariamente condenados a pagar à A. a quantia que se vier a liquidar no decurso dos autos ou em execução de sentença, correspondente ao montante dos danos emergentes dos factos alegados nos art.ºs 176.º a 218.º da petição inicial, admitindo-se a formulação deste pedido genérico anos termos e ao abrigo do disposto nos art.ºs 471, n,º1, b) do CPC e 569, do CC, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação, até efetivo e integral pagamento g) ser declarada a nulidade, por simulação, da separação de bens e da partilha efetuada entre o 1.º e a 7.ª RR, pelas quais declaram pôr termo à comunhão conjugal patrimonial, sendo novamente integrados na comunhão todos os bens partilhados; ou caso assim não se entenda, h) ser julgada procedente a impugnação pauliana da separação judicial de bens e da partilha efetuada entre o 1.º e a 7.ª Réus, pelas quais declararam pôr termo à comunhão conjugal patrimonial, sendo ambas declaradas ineficazes relativamente à A. e, para esse efeito, novamente integrados na comunhão todos os bens partilhados, reconhecendo-se à A. o direito de se fazer pagar dos seus créditos indemnizatórios à força de todos os bens adjudicados à 7.ª R.
2. Alegam para tanto que os RR, levaram a cabo ou ordenaram um conjunto de operações e assumiram compromissos perante terceiros, muito para além dos seus normais poderes de administração e em prejuízo claro da A, efetuando procedimentos que importaram em perdas e prejuízos para aquela de várias centenas de milhões de euros, não sendo ainda quantificável a sua totalidade.
Quanto à 7.ª R. alega que esta, após o 1.º R. ter renunciado ao cargo de presidente do conselho de administração separam-se de pessoas e bens e procederam à partilha dos bens do casal, sendo adjudicados à 7.ª R, todos os bens imóveis propriedade do casal e registados em nome do 1.º R., inexistindo por parte dos RR visados qualquer vontade efetiva de pôr termo à comunhão conjugal patrimonial, que de facto se mantém, tendo atuado com o intuito de lesar os credores do 1.º R, sendo que muitos dos bens que foram adjudicados à 7.ª R. foram adquiridos pelo 1.º R., durante o tempo que foi presidente do conselho de administração, com os proventos que auferiu enquanto tal.
3. O R. O veio contestar invocando a sua ilegitimidade, bem como impugnar o factualismo aduzido.
4. A R. R veio contestar, excecionando a incompetência absoluta do tribunal, entendendo que o competente para conhecer do pedido de responsabilização dos administradores da A. é o Tribunal do Comércio. Invoca também a falta de deliberação para a acionar pelos atos da administração e a caducidade da deliberação existente, bem como a nulidade do processo por ineptidão da petição inicial, a inadmissibilidade da coligação, impugnando ainda o factualismo alegado.
5. O R. M veio contestar, alegando a falta de viabilidade da ação na medida em que nunca foi administrador da A, nem do B…SGPS, sendo mero administrador não executivo da S.., mais invoca a falta de autorização e caducidade do direito de ação, a prescrição, a coligação ilegal, apresentando defesa por impugnação, pedindo a condenação da A. como litigante de má fé, fixando-se uma indemnização no que respeita ao contestante no valor de 10.000€.
6. O R. J apresentou a sua contestação, invocando a ineptidão da petição inicial, a incompetência absoluta do Tribunal, sendo o competente o de comércio, a falta de deliberação que a A. deveria obter, a ilegitimidade ativa, a coligação passiva ilegal, mais impugnando os factos trazidos aos autos.
7. O R. L veio apresentar a sua contestação na qual excecionou a ineptidão da petição inicial, a ilegitimidade ativa, a ilegitimidade passiva em virtude de coligação ilegal, impugnando também o factualismo invocado.
8. O R. A contestou invocando a incompetência material do tribunal, a ilegalidade da coligação passiva e de pedidos, a caducidade do direito de propor a ação contra o 3.º R, mais impugnando os factos alegados.
9. O R. F veio também contestar, excecionando a incompetência absoluta do Tribunal, sendo o competente o do comércio, a inexistência de deliberação de sócios e da caducidade do direito de ação, a ilegalidade da cumulação de pedidos e da coligação, a inexistência de relações intersocietárias de domínio, e defender-se impugnando o factualismo aduzido.
10. A A. veio responder, concluindo que deveriam todas as exceções, dilatórias e perentórias, nominadas ou inominadas julgadas improcedentes, mais alterando a causa de pedir relativamente aos 1.º e 4.º RR, nos termos constantes dos art.º 192.º a 224.º do respetivo articulado.
11. O R. J veio, para além do mais, pedir o desentranhamento da réplica, a condenação da replicante como litigante de má fé.
12. O R. L também respondeu, pedindo para improcedência do pedido deduzido, suportado nos factos que integram a causa de pedir ampliada, bem como a suspensão da instância, com fundamento em prejudicialidade e/ou contingência de incompatibilidade entre casos julgados, por potencial contradição ou colisão entre decisões a proferir nos presentes autos e nos que correm termos no foro criminal quanto à sua ilicitude e culpabilidade.
13. A R. R veio invocar a exceção da sua ilegitimidade passiva, relativamente ao pedido contra si formulado pela A.
14. A A. veio responder, pedindo a condenação da R. como litigante de má fé.
15. Em sede de audiência preliminar a R. R veio requerer a suspensão da instância, porquanto se encontra arguida a ilegitimidade passiva da mesma R. com fundamento na não transmissibilidade da responsabilidade emergente da prática de ilícitos criminais.
16. Foi proferida decisão que considerou que a A. alterou a causa de pedir nos artigos 192.º a 224.º da réplica, indeferindo o requerido desentranhamento da mesma, considerando não escrito os artigos 126.º a 130.º, 132.º a 168.º, 170.º a 179.º, 182 a 181.º e 225 a 252.º da réplica, entendo que a A. ao incluir tais artigos na réplica não tinha litigado de má fé. Mais foi indeferida a suspensão da instância requerida.
17. No âmbito do despacho saneador, foi julgado o tribunal competente em razão da nacionalidade, julgada procedente a exceção da incompetência das Varas Cíveis em razão da matéria quanto aos pedidos de condenação dos RR a pagar à A. indemnização e, consequentemente, absolvidos da instância os RR, F, A, L, O e M, e absolvendo os RR J e R da instância quanto ao pedido de indemnização contra estes deduzido, nos termos dos art.º 105, n.º1 e 288, n.º1, a) do CPC. Mais foi julgada a petição inepta, e consequentemente, absolvidos os RR. J e R da instância, nos termos do art.º 288, n.º1, b), do CPC.
18. Inconformada, veio a A. interpor recurso, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões:
ü A ação ut singuli prevista no art.º 77.º do Código das Sociedades Comerciais parte da iniciativa de um sócio que, no exercício de uma faculdade legal, se substitui à sociedade, para efeitos de legitimação na ação.
ü A presente ação não foi intentada por um sócio, mas pela própria sociedade contra os seus ex-administradores;
ü Na ação ação ut universi o direito é apenas um e de um só titular – a sociedade -, admitindo-se apenas a substituição processual do sócio na sua interposição caso a sociedade a não faça, sendo o resultado dessa ação sempre em favor da sociedade e nunca do sócio que interpôs a ação em benefício desta, prova evidente de que nenhum direito assiste ao sócio a este respeito e de que o mesmo não é titular de qualquer “direito social”;
ü Não são os sócios quem originariamente e em primeira linha são titulares de um direito de ação contra os administradores da sociedade em cujo capital participam pelos danos que aqueles causaram à sociedade; é a sociedade a única titular desse direito de natureza indemnizatória, é ela a lesada e é seu o respetivo crédito que reverterá sempre a seu favor;
ü A decisão recorrida, porém, inverte toda a lógica do regime jurídico acima exposto e coloca como um a priori a ação ut singuli, considerando que se esta consubstancia o exercício de um direito social, então, também a ação ut universi será um exercício de um direito social.
ü Os direitos sociais são direitos próprios e originários dos sócios, que lhes são conferidos em virtude dessa qualidade e que são exercidos no seu âmbito — trata-se de uma relação subjetivada e que nada tem a ver com a “vida da sociedade”, tendo antes um âmbito muito mais restrito da posição de cada sócio em face da sociedade e em face dos demais sócios.
ü Assim, nem mesmo a ação ut singuli consubstancia o exercício de um direito social, pois que o direito que se exerce por via da ação e que se pretende seja por ela efetivado não é um direito do sócio ou para o sócio, mas um direito da sociedade, que ela tem de prosseguir, intervindo a título principal na ação, e cujo cumprimento aproveita exclusivamente à sociedade.
ü A dimensão social da faculdade atribuída ao sócio esgota-se com a apresentação da ação e é apenas de natureza processual – confere legitimidade para o seu exercício a quem originariamente não a tinha por não ser dele titular.
ü Se uma ação ut singuli não consubstancia o exercício de um direito social e a sua apreciação não estará submetida à competência dos tribunais de comércio, por maioria de razão, uma ação intentada pela própria sociedade contra os seus ex-administradores, no exercício de um direito originariamente seu, sendo uma “ação social”, por respeitar à vida da sociedade, não é o exercício de um direito social (dos sócios).
ü A mera atribuição da legitimidade aos sócios para se substituírem à sociedade na interposição de uma ação contra os administradores não é sequer um direito subjetivo, mas, se como tal for considerado, é forçoso concluir que tal qualificação se restringe à própria substituição da sociedade pelo sócio no exercício do verdadeiro direito subjetivo – o direito à indemnização – e não contamina este que não se desvirtua, não se altera e não ganha novo titular;
ü E sendo “social” a possibilidade de um sócio se substituir à sociedade na demanda contra um administrador, já não constitui exercício de direito social a própria demanda em si, nem o direito cujo reconhecimento e efetivação ali se pretende, pois a ação exprime um direito próprio da sociedade, esperando-se, ope legis, a intervenção da sociedade, que assim faz terminar a substituição, passando a assumir a posição na ação diretamente, sem que alguma vez os efeitos dela emergentes se pudessem fazer sentir na esfera de outro que não ela própria.
ü A própria interposição da ação mecaniza-se por via de uma substituição processual ou, como o qualifica a doutrina e a jurisprudência, como uma verdadeira subrogação do sócio na posição de legitimidade da sociedade.
ü Admitindo a impropriedade desta sub-rogação legal, temos de admitir que o sócio que instaure uma tal ação social o faz na estrita medida do caráter e da natureza daquela que seria a demanda caso houvesse sido a sociedade ela mesma a intentar o procedimento, pelo que é da caracterização da ação ut universi que há que partir, e não o contrário;
ü Ao contrário do critério que outrora adotou para determinar a competência dos tribunais de comércio (competentes para julgar, em geral, as ações provenientes da prática de atos comerciais), a lei aqui aplicável não atribui ao tribunal de comércio competência para julgar todas as questões relacionadas com a atividade (nem sequer com o funcionamento) das sociedades comerciais.
ü Pelo que o direito de indemnização da sociedade contra o gerente ou administrador não cabe no enunciado do art. 89º., nº. 1, da LOFTJ.
ü .É, assim, de concluir que a competência para conhecer da ação de responsabilidade contra administradores e gerentes, quer seja movida ut universi, quer seja movida ut singuli, não é do tribunal de comércio, mas sim do tribunal de competência genérica, por via do artº. 77º., nº. 1, da LOFTJ.
ü No que diz respeito à decisão de julgar inepta a petição inicial por cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis, dir-se-á que a contradição substancial que impede a cumulação não é uma contradição apenas lógica ou materialmente jurídica, mas sim uma contradição que impeça, de todo, o conhecimento simultâneo dos pedidos cumulados.
ü Não basta que um seja desnecessário ou careça de sentido perante o outro – porque tal importa apenas na improcedência -, mas sim que seja absolutamente impossível conhecer de ambos os pedidos cumulados, exceto de numa relação de subsidiariedade ou de alternância.
ü No caso em apreço, os pedidos de condenação solidária dos 1º. e 7ª. Réus no pagamento da indemnização e de declaração de nulidade da separação e da subsequente partilha e entre ambos os pedidos não são de conhecimento simultâneo impossível, desde logo porque o pedido de condenação solidária dos Réus, por ser solidária, não poderia deixar de ser formulado de forma unitária relativamente a ambos; e
ü Relativamente àquele, o pedido de declaração de nulidade da partilha nunca poderia ser subsidiário, sob pena de apenas ser conhecido no caso de aquele improceder e, nesse caso – no caso de absolvição dos Réus -, nenhum interesse ter o pedido de declaração de nulidade da partilha;
ü Assim, porque o pedido de condenação pode, em tese, vir a obter procedência total ou apenas parcial, neste caso o pedido de declaração de nulidade tem cabimento e faz todo o sentido, quer lógico, quer jurídico – como, aliás, consta do despacho recorrido -, sem que entre os pedidos devesse ser estabelecia uma relação de subsidiariedade conforme a estabelece o artº. 469º. do Código de Processo Civil, por, nesse caso, o pedido subsidiário carecer totalmente de sentido: se houvesse procedência total no pedido de condenação, a declaração de nulidade não seria conhecida; se houvesse improcedência total do pedido de condenação, não haveria crédito em cujo interesse radicaria a declaração de nulidade.
ü Do exposto resulta que os pedidos de condenação solidária no pagamento da indemnização e de declaração de nulidade da separação e da partilha podiam e deviam ser deduzidos cumulativamente; e
ü Mesmo que se considere que o segundo só tem interesse no caso de absolvição da Ré do primeiro, nem por isso existe entre os pedidos uma contradição substancial que impeça o conhecimento simultâneo de ambos.
ü Acresce que, mesmo na circunstância de o primeiro pedido ser julgado totalmente procedente, o segundo seria apenas desnecessário ou redundante, na perspetiva que a Meritíssima Juíza a quo adotou, devendo o pedido de declaração de nulidade ser apenas – e quando muito – julgado improcedente por o Autor não ter perante os Réus o interesse de que o artº. 605º., nº. 1, faz depender a legitimidade dos credores para invocarem a nulidade dos negócios celebrados pelo seu devedor, o que não o torna substancialmente contraditório com o primeiro;
ü Acresce que, mesmo no caso de procedência total do primeiro pedido, o Autor mantém o interesse na declaração de nulidade da separação e da partilha, pois a declaração de nulidade ou, subsidiariamente, a impugnação pauliana do negócio da partilha, torna os negócios que a 7ª. Ré possa ter feito ou vir a fazer sobre os bens partilhados inválidos ou ineficazes relativamente ao Autor, no que este tem interesse mesmo no caso de ambos os Réus serem condenados no pagamento da indemnização e em regime de solidariedade.
ü O acórdão recorrido viola, assim, os artºs. 77º., nº.1, e 89º., nº. 1, alínea c), da LOFTJ, e 193º.e 470º. do Código de Processo Civil, e 605º. do Código Civil; e,
ü No segmento relativo à incompetência material, encontra-se em contradição com os acórdãos da Relação do Porto, Proc. n.º 0756246, de 19.12.2007, in www.dgsi.pt, da Relação do Porto, Proc. nº. 0721243, de 13.05.2008, www.dgsi.pt, da Relação de Évora, Proc. n.º 2777/07, de 28.02.2008, in Coletânea de Jurisprudência, e da Relação de Lisboa, Proc. 132/09, de 20.10.2009, in Coletânea de Jurisprudência,
ü O presente recurso deve, pois, merecer provimento e, em consequência, ser revogado o acórdão recorrido, ordenando-se o prosseguimento dos autos
ü Assim decidindo V. Exas., farão, como sempre inteira JUSTIÇA.
19. O R. M nas contra-alegações apresentadas, formulou as seguintes conclusões:
· O cerne da apreciação do Recurso apresentado pela ora Recorrente consiste na resposta á seguinte questão: o direito do qual emerge a legitimidade para a propositura da ação nos termos do art.º 75, n.º1, do CSC configura um direito social para efeitos de determinação da competência dos Tribunais Comerciais?
· Considerando que: a Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça é constante e uniforme a classificar o direito em causa como verdadeiro direito social, cujo exercício reclama a atribuição de competência do Tribunal do Comércio.
· O conceito de direito social avançado pela Doutrina proveniente do ramo do Direito das Sociedades Comerciais – ao qual pertence a matéria em causa – parece admitir a classificação deste direito como social.
· Para a propositura da presente ação, o art.º 75, n.º1, do CSC exige uma deliberação dos sócios, atestando que se trata de ação “relativa ao exercício de um direito social”.
· O cariz mediato do interesse dos sócios protegido pela preposição da ação em nada prejudica, antes confirma que os direitos, cujo exercício aquela ação emerge, sejam considerados verdadeiros direitos sociais;
· A natureza do suposto ilícito in casu – pressuposto da alegada responsabilidade dos administradores sociais – revela a origem social do direito em causa;
· O principal critério positivo da atribuição da competência em razão da matéria respeita ao resultado da interpretação conjunta do pedido e da causa de pedir que o individualiza, evidenciando que in casu, estamos perante uma responsabilidade específica do direito das sociedades comerciais, cuja efetivação resulta do exercício de dum direito social.
· Todas as normas aplicáveis, quer para efeitos de legitimação da propositura da ação, quer para identificação do objeto da mesma, encontram-se previstos no CSC, denotando a especialidade que envolve a ação in casu;
· Podemos concluir, apoiados pela Jurisprudência do STJ, que o direito do qual emerge a legitimidade para a propositura da ação nos termos do art.º 75, n.º1, do CSC, configura um verdadeiro direito social.
· Assim deverão os Tribunais do Comércio ser considerados competentes em razão da matéria para efeitos da apreciação da ação.
20. O R. L formulou nas suas contra-alegações as seguintes conclusões:
Ø Em ação intentada, ao abrigo do disposto nos art.º 72.º e 75.º do CSC, a Recorrente peticionou a condenação dos ex-administradores no ressarcimento de danos ilícitos resultantes de operações societárias praticadas em violação dos deveres específicos de administração – cuidado, diligência e lealdade – a que se encontravam adstritos.
Ø Nos termos do n.º1, do art.º 72 do CSC, os administradores respondem para com a sociedade pelos danos a ela causados derivados dos atos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo procedendo sem culpa.
Ø Esta norma legal dá origem às designadas ações pró societate, ou seja àquelas ações em que o efeito reconstrutivo ou compensatório tem por sujeito beneficiário a própria sociedade (e reflexamente, os seus sócios)
Ø As ações sociais ut universi são as propostas pela própria sociedade contra os seus administradores, pedindo o ressarcimento dos danos por eles causados.
Ø Nestas ações exercem-se os designados direitos sociais – permissões normativas específicas dirigidas à sociedade, mediante a intermediação dos órgãos de que depende a formação da sua vontade (os sócios), com a finalidade de proteção do interesse social e reflexamente, das posições sociais dos sócios.
Ø Nos termos da alínea c) do número 1, do art.º 89, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, compete aos tribunais de comércio preparar e julgar as ações relativas ao exercício de direitos sociais.
Ø A presente ação declarativa de condenação dos ex-administradores da Recorrente (ou de sociedade em relação de grupo), consubstancia-se em ação social (pro societate) ut universi.
Ø A presente ação social com génese no exercício de direito social, cabe pois na competência material do Tribunal do Comércio
21. Cumpre apreciar e decidir.
* II – Enquadramento facto-jurídico
Presente que o objeto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formulado, importando em conformidade decidir as questões[1] nas mesmas colocadas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, artigos 684.º, nº 3, e, 660.º, nº 2, e 713.º, todos do CPC, surgem para apreciação:
- a declarada incompetência das Varas Cíveis em razão da matéria para o conhecimento dos pedidos formulados.
- a julgada ineptidão da petição inicial. 1. da incompetência material
Na decisão sob recurso atendeu-se aos pedidos deduzidos contra os RR J e A, administradores que foram da A., ora Recorrente, os RR F, L e M, administradores da S., SA. e da B..–SGPS, SA, O, administrador da S, que a sociedade S foi titular de todas as ações representativas do capital social da B – SGPS, sendo esta titular de todas as ações representativas do capital social da A., no sentido que os RR J, A, F, L, J e M, no exercício das funções de administradores da A. ou de administradores de sociedade com direito de dar instruções vinculantes à A., praticaram atos em prejuízo desta última, considerando que face ao disposto nos artigos 75 e 77, do CSC, a ação de responsabilidade de membros da administração para com a sociedade podia ser proposta pela sociedade ou pelos sócios.
Tendo em conta que nos termos do art.º 89, n.º1, c) da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ) compete aos tribunais de comércio preparar as ações relativas aos exercício de direitos sociais, entendeu-se que a ação de responsabilidade de membros da administração para com a sociedade é uma ação relativa a tais direitos, sendo que é pedida uma indemnização a favor da sociedade, e nessa medida competente aquele tribunal para o seu conhecimento, abrangendo tal competência a ação de responsabilidade de membros da administração da sociedade dominante para a sociedade subordinada.
Na alegação que a R. R contraiu casamento com o R. J, e que os proveitos e receitas que este último auferiu enquanto administrador da A. foram destinados ao proveito comum, deduzido foi também pela A. o pedido de declaração de nulidade, por simulação, da separação de bens e da partilha, ou o pedido de ineficácia em relação à A. da separação judicial de bens e da partilha efetuada, com reconhecimento a e esta última do direito de se fazer pagar dos seus créditos indemnizatórios à força de todos os bens adjudicados à R. R.
Considerou-se no decidido que não era admissível a cumulação de pedidos que ofende as regras da competência em razão da matéria, determinando, também a incompetência do tribunal para os pedidos que não são da sua competência.
Insurge-se a Recorrente contra o decidido, aduzindo a sua argumentação nos seguintes termos:
a ação ut singuli prevista no art.º 77 do CSC parte da iniciativa de um sócio, que no exercício de uma faculdade legal se substitui à sociedade para efeitos de legitimação da ação;
na ação ut universi o direito é apenas um e de um só titular, a sociedade, admitindo-se a substituição processual do sócio na sua interposição caso a sociedade não o faça, sendo o resultado dessa ação sempre a favor da sociedade, nenhum direito assistindo ao sócio que não é titular de qualquer “direito social”;
não são os sócios que são titulares de um direito de ação contra os administradores da sociedade, mas sim esta, a lesada e é a seu favor o respetivo crédito.
os direitos sociais são direitos próprios e originários dos sócios, conferidos em virtude dessa qualidade, e nada tem a ver com a “vida da sociedade”.
a ação ut singuli não consubstancia o exercício de um direito social, pois o direito que se exerce por via de ação, não é um direito do sócio ou para o sócio, mas um direito da sociedade, que ela tem de prosseguir, intervindo a título principal na ação, e cujo cumprimento aproveita exclusivamente à sociedade.
a dimensão social da faculdade atribuída ao sócio esgota-se com a presentação da ação e é apenas de natureza processual.
por maioria de razão uma ação intentada pela própria sociedade contra os seus administradores, no exercício de um direito originariamente seu, sendo uma “ação social”, por respeitar à vida da sociedade, não é o exercício de um direito social, isto é, dos sócios.
sendo social a possibilidade de um sócio se substituir à sociedade na demanda contra um administrador, já não constitui exercício de direito social a própria demanda em si, nem o direito cujo reconhecimento e efetivação se pretende, pois a ação exprime um direito próprio da sociedade.
a lei aplicável não atribui ao tribunal de comércio competência para julgar todas as questões relacionadas com a atividade, nem sequer com o funcionamento das sociedades comerciais.
a competência para conhecer da ação de responsabilidade contra administradores e gerentes, quer seja movida ut universi, quer seja movida ut singuli, não é do tribunal do comércio, mas sim do tribunal de competência genérica.
Conhecendo.
Tem-se como bom o entendimento, que a competência em razão da matéria é fixada em função dos termos em que a ação é proposta, considerando o pedido do autor, isto é, o direito a que se arroga e que quer ver reconhecido ou declarado judicialmente.
Assim, da estruturação da causa, tal como é estabelecida pelo autor ou requerente, nomeadamente do pedido formulado, e dos factos donde derivam o direito para o qual se pretende a tutela, resulta não só o tema a decidir, mas também a definição do âmbito da competência material, não estando, esta dependente de outros pressupostos processuais, dos termos da contestação ou oposição deduzida, e, maxime da procedência da pretensão[2].
Importa também reter a consagração da competência residual do tribunal comum, isto é, no sentido que a causa deverá ser apreciada em tal sede, se não couber na competência de outro tribunal, conforme o art.º 211, n.º 1, da CRP, art.º 18, n.º 1, da LOFTJ[3], e art.º 66 do CPC, dizendo-nos o art.º 67, igualmente do CPC, que as leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, ou da forma do processo, são da competência dos tribunais judiciais dotados de competência especializada.
Assim, na secção III, da LOFTJ – Tribunais e Juízes de Competência Especializada, subsecção VI, encontramos os Tribunais de Comércio, competindo-lhe preparar e julgar, – art.º 89[4], conhecer, na parte que aqui releva, c) As ações relativas ao exercício de direitos sociais, abrangendo os respetivos incidentes e apensos, n.º3 da mesma disposição legal.
Retenha-se, desde logo, que como resulta da própria lei, o seu sentido e alcance não pode apenas ser encontrado no seu teor literal, importando assim no exercício hermenêutico a realizar, ter em conta o elemento teleológico, na justificação social da norma, mas também o sistemático, com a necessária consideração da unidade do sistema jurídico, para além dos precedentes históricos, sabendo-se contudo que na procura do pensamento legislativo, deverá sempre haver um mínimo de correspondência com o texto legal, ainda que imperfeitamente expresso, presumindo-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas, exprimindo o seu pensamento em termos adequados, art.º 9, do CC.
Nesta perspetiva, entende-se que a competência atribuída aos tribunais de comércio se configure como associada à ideia de criação de tribunais de competência especializada, em questões que exijam especial sensibilidade e até preparação, nomeadamente pela sua complexidade, entre as quais não se afigura difícil encontrar as reportadas ao contencioso das sociedade comercias, na multiplicidade de contornos que pode assumir no âmbito do complexo tecido social nos tempos atuais.
Deste modo, e na procura do que deverá entender-se por “ações relativas ao exercício de direitos sociais” mostra-se compreensivelmente redutor, restringir a competência enunciada aos processos de jurisdição voluntária previstos nos artigos 1479 a 1501 do CPC, necessário se mostrando a busca de uma mais abrangente, no atendimento do que deva considerar-se como “direitos sociais”.
Inexistindo uma definição legal, o respetivo significado tem vindo a ser formulado no sentido que se acolhe de constituírem os direitos perante a sociedade, que resultam da posição que os sócios ocupam na sociedade, na sua qualidade de sócios ou que caracterizam as participações sociais, que se forem pertença de todos os sócios, correspondem ao interesse comum, designando-se de gerais, mas se consubstanciarem num interesse pessoal ou numa situação de vantagem, são classificados de especiais[5].
Na verdade, não se questiona que o relacionamento dos sócios com a sociedade em que participam, origina uma multiplicidade de direitos de natureza diversa, naquilo que há muito se vem denominando de direitos extracorporativos ou extrassociais, e de corporativos ou sociais[6], tidos os primeiros como os direitos dos sócios que os posicionam como estranhos relativamente à sociedade, como terceiros à relação jurídica social, isto é, que os sócios podem exercer como qualquer outra pessoa, numa posição semelhante à de terceiros[7], já os segundos pertencendo aos sócios enquanto membros da pessoa jurídica societária, que se traduzem, igualmente num conjunto de direitos de conteúdo e natureza distinta.
Dentro desta última categoria temos, pois, os já referenciados direitos gerais, ou comuns, na medida que assistem a todos os sócios pela única circunstância de o serem, entre os quais se apontam como essenciais, ou principais, os enunciados no art.º 21, do CSC, a saber, o direito aos lucros, a participar nas deliberações sociais, o direito à informação e o direito a ser nomeado para os órgãos sociais[8].
Aqui chegados, no exercício a que nos propusemos não se pode deixar de ter em vista que estando nós no âmbito do universo societário, a finalidade última da reunião dos sócios, com as respetivas contribuições, para a realização de uma atividade comum, visa a obtenção de um lucro, no sentido de enriquecimento patrimonial.
Não se podendo escamotear que o fim lucrativo constitui um elemento essencial do conceito de sociedade, diremos mais, o seu elemento teleológico, a sua concretização em termos efetivos, com a respetiva repartição poderá não ser uma constante, mas deverá ser o fio condutor da existência da entidade social, devendo a mesma desenvolver as condições necessárias a que esteja apta a produzir tal intuito.
Tendo sempre presente a devida harmonização dos elementos relevantes para o conhecimento do sentido da norma, verifica-se que no art.º 64, do CSC, no âmbito da administração e fiscalização das sociedades comerciais, se faz constar nos deveres fundamentais, que os gerentes ou administradores devem observar, deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da atividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a sua diligência de um gestor criterioso e ordenado, n.º1, alínea a), e deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores, (n.º 1, alínea b).
Configurando-se que no desenvolvimento da atividade de gestão, é exigível ao administrador, enquanto devedor um esforço acrescido na medida que gerem bens alheios, a lealdade, por sua vez, e para além do mais, obriga a seguir as regras do bom governo das sociedades, remetida para os deveres de cuidado, que tomadas como normas de condutas, se consubstanciam nos deveres gerais de gestão[9].
Assim, dispõe o art.º 72, n.º1, do CSC, que os gerentes ou administradores respondem para com a sociedade pelos danos a esta causados por atos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa, dispondo o art.º 75, n.º1, do mesmo diploma legal o direito de ação da sociedade, contra os responsáveis, sendo a ação precedida de deliberação dos sócios por simples maioria, com vista à reparação do prejuízo que tenha sofrido, a designada ação ut universi.
No caso de ação não ser proposta pela sociedade, também os sócios[10] podem propor ação social de responsabilidade contra gerentes ou administradores, com vista à reparação, a favor da sociedade, do prejuízo que esta tenha sofrido, quando a mesma a não haja solicitado, a designada ação ut singuli, art.º 77, do CSC, podendo os sócios no interesse comum, encarregar, à sua custa, ou algum deles de os representar para o efeito do exercício do direito social previsto no número anterior, devendo a sociedade ser chamada à causa por intermédio dos seus representantes. Tratando-se de uma ação subsidiária, não perde contudo a sua natureza social, fundando-se em prejuízos causados à sociedade, afetando estes, naturalmente, ainda que de forma indireta, todos os sócios[11].
Refira-se, ainda em nota, à admissibilidade da ação sub-rogatória, prevista no art.º 78, n.º2 do CSC, a que podem recorrer os credores sociais, por inércia da sociedade ou dos sócios, exercendo o direito de indemnização que sociedade seja titular, nos termos do art.º 606 a 609, do CC.
Avulta, assim um quadro delineado de responsabilização dos administradores e gerentes assente em pressupostos específicos concernentes aos respetivos deveres no âmbito da realização das inerentes funções, e cujo exercício do correspondente direito social é instrumental, dessa forma enquadrando-se no âmbito das ações respeitantes aos “direitos sociais” em causa[12].
Com efeito, e voltando à noção de direitos sociais, acolhendo agora a vertida na Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, como todas aquelas prorrogativas dirigidas à proteção de cada sócio de uma particularizada sociedade, mercê, exclusivamente, da qualidade de sócio que lhe está conferida; são direitos que advêm ao sócio por força do pacto de sociedade conscientemente aceite e neste ambiente contratual exercidos[13],diremos, conforme se faz no Aresto agora mencionado, que quando a sociedade se apresenta ela própria a demandar os seus ex-administradores, responsabilizando-os pela falta de respeito para com os deveres de cuidado e ou lealdade a que estavam adstritos, não é só em nome próprio que age, mas também está a acautelar, mesmo que reflexamente o interesse comum dos sócios, e dessa forma o fim último do exercício da respetiva atividade comercial.
Deste modo, demandando a sociedade os seus ex-administradores, e nessa medida, podendo beneficiar patrimonialmente, com efeitos reflexos nos seus sócios, em causa estão direitos sociais, sendo competente para o conhecimento da ação, o Tribunal do Comércio[14].
Presente, como já se referiu, que a competência do tribunal se afere em função dos termos em que a ação é proposta, vejamos como a Apelante, B, SA, formulou a sua pretensão em juízo, analisando a petição inicial apresentada, identificando o 1.º R. como Presidente do Conselho de Administração da A., bem como Presidente do Conselho de Administração da S, SGPS, e igualmente Presidente do Conselho de Administração da sociedade B SGPS, SA, referindo que a S, SA, foi sempre titular de todas as ações representativas do capital social da B – SGPS, SA, enquanto esta última, foi desde meados de 2000, titular de todas as ações representativas do capital social da A.
Referencia a A. que o 2.º R. para além de procurador da A., com extensos poderes, foi administrador da S, SGPS, SA, bem como da B– SGPS, por sua vez o 3.º R. foi membro do Conselho de Administração, o 4.º R administrador da S, SGPS, SA e da B, SGPS, o 5.º R. administrador da S, SGPS, e o 6.º R. administrador também da S, SGPS e também da B – SGPS.
Alega a A., que os RR levaram a cabo ou ordenaram um conjunto de operações no exercício das suas funções e assumiram compromissos perante terceiros, muito para além dos seus normais poderes de administração e em prejuízo claro da A., sendo que na sequência de auditorias mandadas realizadas por entidades competentes, à data de 30 de junho de 2008, tinha imparidades, que até aí se desconheciam, superiores a novecentos milhões de euros, todas elas assentes em atos e práticas levadas a efeito por membros da administração da A.
Mais alegou que, por deliberação unânime, foi deliberado intentar os procedimentos judiciais necessários ao ressarcimento dos danos emergentes de atos considerados ilícitos praticados no exercício das respetivas funções.
Seguidamente a Apelante descreve as operações e práticas que entende consubstanciar os atos lesivos, e justificativos do dever de indemnizar, levados a cabo pelos RR, pedindo, em função da respetiva participação a condenação solidária destes a pagar-lhe a quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença correspondente aos danos apontados.
Ora, manifesto se torna, de acordo com o já exposto que, independentemente da sorte da ação, não relevante para o que neste momento se discute, apresentando-se a A., a demandar quem identifica como seus ex-administradores, e enunciada estando uma situação de sociedades em relação de grupo, em domínio total, art.º 488 e seguintes, aplicando-se, por força do art.º 491, o disposto nos artigos 501 a 504, todos do CSC[15], e assim estando em causa direitos sociais, a ação delineada, com tais contornos, deve ser preparada e julgada no Tribunal do Comércio, como foi entendido na decisão sob recurso.
Diga-se ex abudantis, que em sede de corpo de alegações, referencia a Recorrente que a decisão proferida no âmbito do procedimento cautelar de arresto quanto à competência em razão da matéria não permitia que nos presentes autos fosse decidido diversamente, tendo em conta a inalterabilidade do acórdão proferido pela Relação de Lisboa.
Sobre tal questão pronunciou-se, desde logo, a decisão sob recurso, reportando uma apreciação em termos genéricos da competência em razão da matéria em sede de primeira instância, bem como a não pronúncia no Acórdão que veio a ser proferido e que recaiu sobre tal decisão.
Com efeito, sem prejuízo das considerações doutrinais que possam ali ter sido tecidas, resulta do mesmo, a fls. 2145, que expressamente se fez consignar que não se conhecia da exceção por extemporânea, pelo que sem mais considerandos, por despiciendos, inexiste qualquer óbice a que tivesse sido, como foi, conhecida, nos autos bem como no presente recurso. 2. da ineptidão da petição inicial
No conhecimento da invocada exceção da ineptidão da petição inicial, nos termos do art.º 193, n.º2, c) do CPC, e no atendimento do n.º 4 da mesma disposição legal, presente os pedidos formulados de condenação solidária dos RR J e R a pagar a indemnização, bem como a declaração da nulidade, por simulação, da separação de bens e partilha, entendeu-se que com tal separação de bens e com a partilha deixou de haver bens comuns do casal, passando tais bens a ser próprios.
Procedendo o pedido de condenação dos RR J e R por se considerar que o primeiro é obrigado a indemnizar a A. e tal dívida é comunicável à R. R respondem pela dívida os bens dos RR J e R, pelo que só no caso de dívida da responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges, ou seja, só no caso de condenação do R. J a pagar indemnização e de absolvição a R. R é que a A. teria interesse em que os bens que passaram a ser próprios da R. R voltassem a ser comuns, sendo que só os interessados podiam invocar a nulidade.
Em conformidade foi julgada inepta da petição, e absolvidos os RR J e R da instância.
Contra tal entendimento insurge-se a Recorrente, com a seguinte ordem de argumentos:
A contradição substancial que impede a cumulação não é uma contradição apenas lógica ou materialmente jurídica, mas sim uma contradição que impeça de todo o conhecimento simultâneo dos pedidos cumulados;
Os pedidos de condenação solidária dos 1º e 7.ª RR no pagamento a indemnização e declaração de nulidade da separação e da subsequente partilha e entre ambos os pedidos não são de conhecimento simultâneo impossível;
O pedido de declaração de nulidade da partilha nunca poderia ser subsidiário ao pedido de condenação solidária dos RR, sob pena de ser conhecido no caso de este improceder e, nesse caso, com a absolvição dos RR, nenhum interesse ter o pedido de declaração de nulidade da partilha, e no caso de procedência total do pedido de condenação, a declaração da nulidade não ser conhecida.
Os pedidos de condenação solidária no pagamento da indemnização e de declaração de nulidade de separação e da partilha podiam e deviam ser deduzidos cumulativamente;
Se o segundo só tiver interesse no caso de absolvição da R. do primeiro, não existe entre os pedidos uma contradição substancial que impeça o conhecimento simultâneo dos mesmos.
Se o primeiro pedido for julgado totalmente procedente, o segundo seria desnecessário ou redundante, na perspetiva do decidido deveria o pedido de declaração de nulidade ser quanto muito julgado improcedente por a A. não ter perante os RR o interesse de que o art.º 605, n.º1, faz depender legitimidade dos credores para invocarem a nulidade dos negócios celebrados pelos seu devedor, o que não o torna contraditório com o primeiro.
No caso da procedência total do primeiro pedido, a A. mantém o interesse na nulidade da separação e da partilha, pois a declaração de nulidade, ou subsidiariamente, a impugnação pauliana do negócio da partilha, torna os negócios que a 7.ª R. possa ter feito ou vir a fazer sobre os bens partilhados inválidos ou ineficazes relativamente à A., no que esta tem interesse mesmo no caso de ambos os RR serem condenados no pagamento da indemnização em regime de solidariedade.
Apreciando.
Resulta do disposto no art.º 193, n.º 2, c) do CPC, que a petição é inepta quando se cumulem pedidos substancialmente incompatíveis, reconduzindo-se tal incompatibilidade à existente entre as providências que o autor solicita ao Tribunal, ou à incompatibilidade de efeitos jurídicos que o mesmo se propunha obter com os vários pedidos formulados[16].
Na verdade a incompatibilidade de pedidos, como vício com relevância para gerar a nulidade de todo o processo, só deverá colocar-se se o julgador ficar impossibilitado de decidir, confrontado que está com a ininteligibilidade resultante da posição assumida pelo autor, no concerne às razões aduzidas, mas já não no estrito enquadramento legal, que gerará, tão só, a improcedência do pedido cujo direito não puder ser reconhecido, e o reconhecimento do que obtiver mérito[17].
A situação não se confunde com a cumulação ilegal de pedidos, na aplicabilidade do disposto no art.º 470, n.º1, 31, n.º1, do CPC, sendo que a ineptidão não cessa se um dos pedidos ficar sem efeito, nomeadamente, por incompetência absoluta do tribunal, dando lugar à absolvição da instância, pois o objeto do processo não pode ter-se de forma automática fixado no outro pedido, já que tal se consubstanciaria numa ofensa do princípio do dispositivo[18].
Reportando-nos aos autos, em causa estão os pedidos formulados contra os 1.º e 7.ª RR, a saber, para além de serem solidariamente condenados a pagar a quantia a liquidar que se vier a liquidar em execução de sentença quanto às condutas imputadas ao 1.º, a ser declarada a nulidade, por simulação, da separação de bens e da partilha efetuada entre ambos, pelas quais declararam pôr termo à comunhão conjugal patrimonial, sendo novamente integrados na comunhão todos os bens partilhados, ou caso assim não se entenda, seja julgada procedente a impugnação pauliana da separação judicial de bens e da partilha efetuada entre os mesmos RR, sendo ambas declaradas ineficazes relativamente à A. e, para esse efeito, novamente integrados na comunhão todos os bens partilhados, reconhecendo-se à A. o direito de se fazer pagar dos seus créditos indemnizatórios à força de todos os bens adjudicados à 7.ª R.
Quanto aos dois últimos pedidos deduzidos a Recorrente formulou a sua pretensão alegando que a separação de pessoas e bens e o subsequente negócio de partilha mais não foram que expedientes de que os RR em causa se serviram para tentar acautelar o património imobiliário de ambos, das investidas daqueles a quem o 1.º R. causou elevadíssimos danos, tendo sido realizadas apenas com o intuito de enganar os credores deste último R., com destaque para a A., sem qualquer vontade efetiva de pôr termo à comunhão conjugal patrimonial, que de facto se mantém.
A divergência entre a vontade real e a vontade declarada foi acordada entre ambos, tendo como única intenção enganar os credores, a quem assiste o direito a serem indemnizados, por factos praticados em data anterior à separação e à partilha, sendo que todos bens imóveis do casal foram adjudicados à 7.ª R.
Ora, para além do pedido condenatório, para o qual já vimos ser o tribunal incompetente em razão da matéria, os dois outros pedidos formulados surgem estribados em factualidade alegada de forma inteligível, e que poderá ser consequente em termos do efeito jurídico produzido, e que em si são apreensíveis pelo tribunal, independentemente da respetiva bondade.
Poderá questionar-se a sua articulação, na medida em que não obstando a nulidade dos atos à ação pauliana, art.º 615, do CC, à qual assim, estão sujeitos os atos válidos e os nulos, já os efeitos são diversos, porquanto a ação de nulidade aproveita a todos os credores, art.º 605, n.º1, também do CC, enquanto que os da ação pauliana, são diversos, revertendo em benefício exclusivo do credor demandante, art.º 616, n.º4, ainda do CC.
Deste modo, se o ato for nulo, e veja-se que no caso sob análise é invocada a existência de simulação, configura-se que ao credor assiste a possibilidade de cumular na mesma ação as duas pretensões, desde que as compatibilize, bastando para tanto que deduza os pedidos de forma subsidiária, conforme decorre do art.º 469, n.º2, do CPC.
Avulta do exposto que a Recorrente configurou o pedido de declaração de nulidade e o de impugnação pauliana de forma que se pode considerar subsidiária, não obstando assim à respetiva cumulação, não se divisando a existência de uma real incompatibilidade substancial conforme o acima delineado, tendo-se o juízo realizado na decisão sob recurso, em termos de oportunidade da formulação efetuada, aquém do legalmente exigido.
Em conformidade mostra-se inverificada a exceção da ineptidão da petição inicial.
Aqui chegados, importa reter, que declarada que foi a incompetência absoluta do tribunal, resulta da mesma, necessariamente a ilegalidade da coligação de pedidos que, nos termos dos já mencionados artigos 470 e 31 do CPC, mas também 494, f), 495, e 288, n.º 2, e), do mesmo diploma legal, o que significa, que os 1.º e a 7.ª RR, devem ser absolvidos da instância, mantendo-se assim o decidido, embora com fundamento diferente.
* III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação:
- revogar a decisão na parte que julgou inepta a petição inicial.
- confirmar, no mais o decidido, com a absolvição dos RR da instância.
Custas pela Autora.
Lisboa, 17 de julho de 2012
Ana Resende
Dina Monteiro
Luís Espírito Santo
---------------------------------------------------------------------------------------- [1] O Tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos ou fundamentos que as partes indiquem para fazer valer o seu ponto de vista, sendo que, quanto ao enquadramento legal, não está o mesmo sujeito às razões jurídicas invocadas também pelas partes, pois o julgador é livre na interpretação e aplicação do direito, art.º 664, do CPC. [2] Cfr. Acórdão do STJ de 4.3.1997, in CJSTJ, tomo 1, pag. 125 e seguintes. [3] Lei 3/99, de 13 de janeiro, ex vi art.º 187, da Lei 52/2008, de 28 de agosto, (nova LOFTJ) bem como disposto no art.º 22 do primeiro diploma – A competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto, mas também de direito, exceto se for suprimido o órgão a que a causa estava afeta, ou lhe for atribuída competência que inicialmente carecesse, preceito coincidente com o disposto no art.º 24, do segundo diploma referenciado. [4] Na Lei 52/2008 encontramos preceito idêntico, no art.º 121, relativo aos Juízos de comércio. [5] Cfr. Paulo Olavo Cunha, Direito das Sociedades Comerciais, 3.ª edição, pag. 246 e segs. [6] Conforme ensinava Ferrer Correia, in Lições de Direito de Comercial, citado por Pupo Correia, in Direito Comercial – Direito de Empresa, setembro de 2007, a fls. 224 e seguintes. [7] Cfr. Ac. STJ de 7.6.2011, in www.dgsi, referenciando na Doutrina, Paulo Olavo Cunha, in Breve notícia Sobre os Direitos dos Sócios, em Novas Perspetivas do Direito Comercial, pag. 232, Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades, I, pag. 509, e Brito Correia, 2.º vol, pag. 305 e segs. [8] Para além de outros direitos gerais consagrados no contrato de sociedade, podem ainda divisar-se na lei outros, desde logo o de impugnação de deliberações sociais e de convocar as assembleias gerais. [9] Cfr. Menezes Cordeiro, in Código das Sociedades Comerciais, comentário ao artigo em referência. [10] Que possuam pelo menos 5% do capital social, ou 2%, no caso de sociedade emitente de ações admitidas à negociação em mercado regulamentado. [11] Cfr. António Pereira de Almeida, Sociedade Comerciais e Valores Mobiliários, 5ª edição, pag. 268 e segs. [12] Cfr. Ac. STJ de 18 de dezembro de 2008, in www.dgsi.pt. [13] Cfr. Ac. STJ de 15 de setembro de 2011, in www.dgsi.pt. [14] cfr., a título de exemplo, Acórdãos do STJ, de 15 de setembro 2011, de 11 de janeiro de 2011, de 17 de setembro de 2009, 18 de dezembro de 2008, Acórdãos da RL, de 26 de março de 2009, de 24 de junho de 2010, de 26 de outubro de 2010, de 9 de dezembro de 2010, todos in www.dgsi.pt. [15] Relevantemente, o direito de dar instruções vinculantes afeta, de modo significativo a posição dos administradores, e nessa medida os administradores da sociedade diretora devem adotar, quanto ao grupo, a diligência exigida por lei quanto à administração da sua própria sociedade, nos termos do art.º 64, do CSC, sendo responsáveis para com a sociedade subordinada, conforme o art.º 72, e segs, também do CSC. [16] Cfr. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2, pag. 390. [17] Cfr. Ac. STJ de 6 de maio de 2008, in www.dsi.pt, referindo Anselmo de Castro, in Lições de Processo Civil, II. [18] Cfr. Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pag. 328.