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COMPRA E VENDA
AUTOMÓVEL
ANULAÇÃO DA VENDA
DEFEITO DA COISA
DEVER DE INDEMNIZAR
DANO EMERGENTE
Sumário
Anulado um contrato de compra e venda de viatura automóvel que se veio a constatar padecia de defeitos que impediam a sua utilização, a vendedora deve indemnizar o comprador pelos encargos assumidos por este com um contrato de mútuo celebrado para financiar a aquisição da dita viatura. (Sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO
Em 15.9.2009 “A” intentou no Tribunal Judicial de T... ... ação declarativa de condenação, com processo sumário, contra Auto “B”, Lda.
O A. alegou, em síntese, que em junho de 2008 adquirira à R. um veículo de marca Jeep, Grand Cherokee, do ano de 1999, pelo preço de € 13 000,00. Na data da sua aquisição a dita viatura aparentava estar em bom estado de conservação e utilização e servir para o fim e funções a que se destinava e as quais eram as de circular e fazer conduzir o A. e a sua família e transportá-los onde desejassem. Para pagamento do preço de aquisição da viatura o A. celebrou com o Banco “C” Portugal S.A. um contrato de financiamento para aquisições a crédito, no valor global de € 21 960,00, acrescido do valor de € 152,52 de despesas contratuais, a pagar em 72 prestações mensais no montante de € 305,00 cada, com início em 25.7.2008, valor esse correspondente ao preço de aquisição da viatura acrescido de encargos financeiros de € 8 960,00. O A. e a R. acordaram que o veículo teria uma garantia de 2 anos. Não obstante o A. dar à viatura uma utilização prudente, um mês depois da data da aquisição da mesma o A. detetou problemas vários e defeitos na mesma (que discrimina), cuja reparação reclamou à R.. Porém, apesar da reparação aparentemente feita, o veículo continuou a apresentar defeitos que impediam a sua circulação e que a R. acabou por se recusar a reparar. O A. não tem podido utilizar a viatura e no entanto tem continuado a pagar ao Banco as prestações relativas ao referido contrato de financiamento. Por força da aplicação da Legislação de Defesa do Consumidor e dos artigos 913.º e 908.º e seguintes do Código Civil o A. tem direito à anulação do contrato de compra e venda celebrado com a R., devendo a R. indemnizar o A. do prejuízo que este não sofreria se a compra e venda não tivesse sido celebrada. Designadamente, deve a R. suportar todas as despesas e encargos que o A. teve e tem ao assumir o compromisso financeiro com o Banco “C” relativamente ao crédito que contraiu para aquisição da dita viatura.
O A. terminou pedindo que:
A) O contrato de compra e venda celebrado entre o A. e a R. relativo à viatura automóvel da marca Jeep, modelo Grand Cherokee 4.7L V8 do ano de 1999, matrícula 00-00-NO fosse anulado;
B) A R. fosse condenada a indemnizar o A. do prejuízo que este não sofreria se a compra e venda não tivesse sido celebrada, no montante de 22.112,52 €.
A Ré contestou, arguindo a caducidade dos direitos do A., invocando abuso de direito por parte do A. e negando a invocada existência ou permanência de defeitos. Em reconvenção, para o caso de a ação ser julgada procedente, pediu a condenação do A. no pagamento à R. do valor correspondente à desvalorização do veículo pelo uso e tempo decorrido entre junho de 2008 e a entrega do veículo à Ré, por força da decisão de anulação que vier a ser proferida, a liquidar em execução de sentença.
O A. replicou, pugnando pela improcedência das exceções aduzidas e do pedido reconvencional.
Foi proferido despacho saneador em que se admitiu o pedido reconvencional e se relegou para final a apreciação das exceções de caducidade e de abuso de direito. Procedeu-se à seleção da matéria de facto assente e controvertida.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento que culminou com decisão sobre a matéria de facto.
Em 21.7.2011 foi proferida sentença, na qual se emitiu o seguinte dispositivo, que se transcreve:
“Nestes termos, julga-se: a) A acção totalmente procedente, por provada e, em consequência: - Declara-se anulado, por erro, o contrato de compra e venda celebrado entre o A. e Ré relativo à viatura automóvel da marca Jeep, modelo Grand Cherokee 4.7L V8 do ano de 1999, matrícula, condenando-se o A. a restituir à Ré o referido veículo, nos termos do artigo 289.º n.º 1 do C. Civil; - Decide-se condenar a Ré a pagar ao A. o montante de € 22.112,52 (vinte e dois mil, cento e doze euros e cinquenta e dois cêntimos), a título de indemnização pelo prejuízo que o A. não sofreria se a compra e venda não tivesse sido celebrada; b) As excepções peremptórias deduzidas pela Ré totalmente improcedentes, por não provadas; e c) A reconvenção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência absolve-se o A. do pedido reconvencional contra si formulado pela Ré.”
A Ré apelou da sentença, tendo apresentado motivação em que formulou as seguintes conclusões:
I. Existe uma contradição insanável entre as disposições legais aplicadas.
II. Os artigos 909° e 564° ambos do CC referem-se ambas a formas de cálculo de indemnização mas o conteúdo é divergente entre si.
III. O Tribunal considerou a anulação do negócio com fundamento em erro, pelo que só pode ser condenado a indemnizar a título de danos emergentes.
IV. Os lucros cessantes, apenas são contabilizados em indemnização por dolo, ou outro tipo de indemnização para a qual não exista norma legal específica.
V. Apesar de a douta sentença fazer referência ao art. 909.° do CC., que se refere à forma de indemnização em caso de simples erro, e que é a disposição aplicável ao caso em apreço, acaba por aplicar o art. 564.° do C.C., para condenar a Ré num montante de indemnização superior à exigível.
VI. No nosso ordenamento jurídico, existem normas gerais e normas especiais.
VII. O art. 564.º é uma norma geral.
VIII. Sendo, por isso só aplicável na ausência de uma norma legal específica que determine para um caso em concreto qual o tipo de danos que são indemnizáveis.
IX. O artigo 909.° é uma norma específica para os casos de indemnização em caso de mero erro.
X. Derroga o art. 909.°, o previsto no art. 564.°, quanto a casos de indemnização em caso de simples erro.
XI. Há assim violação do art. 909.°.
XII. Não pode o tribunal condenar em indemnização diversa da que vem prevista no art. 909.° do CC.
XIII. Devendo o recorrente ser condenado a indemnizar o A., apenas pelos danos emergentes do contrato e nunca pelos lucros cessantes.
XIV. Acresce que o valor de indemnização não foi devidamente calculado.
XV. A Recorrente foi condenada no pagamento de € 22.112,52, quando apenas recebeu pela venda do veiculo a quantia de € 13.000,00.
XVI. Foram incluídas quantias dispendidas a título de encargos financeiros com o contrato de mútuo celebrado pelo A. com uma instituição bancária.
XVII. A indemnização por simples erro limita-se aos danos emergentes do contrato, logo a prejuízos sofridos directamente em consequência do erro determinante da anulação do negócio.
XVIII. A quantia restante para além dos € 13.000,00 recebidos pelo preço da venda, no valor de € 8.960,00, refere-se a encargos financeiros com o contrato de mútuo.
XIX. Os encargos financeiros com o contrato de mútuo, não constituem prejuízos sofridos directamente em consequência do erro determinante da anulação do negócio.
XX. O valor de € 8.960,00 não pode ser valorado em termos de indemnização por simples erro, por aquele valor não caber no espírito do art. 909.º do CC.
XXI. A nossa jurisprudência tem vindo a pronunciar-se no mesmo sentido, isto é de que nos casos de indemnização por simples erro, "a indemnização limita-se aos danos emergentes do contrato, o que excluindo, desde logo, os lucros cessastes, não abarca, também, os prejuízos que não sejamos sofridos directamente em consequência do erro determinante da anulação do negócio".
XXII. "Assim, não podendo, de facto, considerar-se como directamente emergentes do contrato anulado, os gastos suportados pelo A por força do contrato de mútuo que, para aquisição do veículo, paralelamente celebrou" — Ac. da Relação de Coimbra de 17/11/2009 (No mesmo sentido Acórdão da Relação do Porto de 30/09/1993).
A apelante terminou pedindo que fosse dado provimento ao recurso e consequentemente a Ré absolvida do pagamento de parte da indemnização a que foi condenada, concretamente no valor de € 8.960,00, quantia essa apurada a título de gastos suportados pelo A. por força do contrato de mútuo que, para aquisição do veículo, por os mesmos não serem resultantes diretamente em consequência do erro determinante da anulação do negócio.
O Autor contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
1 - O presente recurso versa exclusivamente sobre matéria de direito;
2 – Entende a Recorrente que o tribunal a quo não fez uma correcta aplicação do direito, porquanto tendo em conta a prova produzida deveria ter aplicado o disposto no artigo 909.º do C.C. e não, como fez, o disposto no artigo 564.º do C.C.;
3 - Salvo o devido respeito, a tese apresentada pela recorrente carece de qualquer razoabilidade ou fundamento legal, pelo que deverá ser mantida, na íntegra, a Douta Sentença Recorrida;
4 - Ficou provado conforme a douta sentença proferida, que a ré vendeu uma coisa defeituosa ao A. (um veículo em segunda mão), situação integrada nos termos e para os efeitos dos artigos 913.º e ss do C.C., e ainda Decreto-Lei n.º 67/2003 de 08/04;
5 - Resultou igualmente provado, que a viatura em questão foi adquirida pelo A. para uso não profissional, daí que o A. assumiu, naquele contrato de compra e venda celebrado com a Ré, a qualidade de consumidor, nos termos do artigo 2.º n.º 1 da Lei n.º 24/96 de 31/07.
6 – Nessa qualidade de consumidor goza também do direito de ser indemnizado, podendo esta faculdade ser usada isoladamente ou em conjunto com outros direitos, de acordo com as circunstâncias do caso concreto.
7 – E, assim, decidiu o tribunal a quo que o direito a indemnização deve considerar-se aplicável por recurso às regras gerais, nomeadamente, conforme previsão do artigo 12.º n.º 1 da Lei n.º 24/96 de 31/07.
8 - E foi com base neste entendimento que o tribunal a quo decidiu nos termos do artigo 564.º n.º 1 do C. Civil , e assim, por força do contrato de compra e venda celebrado entre A. e Ré, considerou que o prejuízo causado ao A. reconduz-se assim ao valor de € 22.112,52, valor que a Ré deverá pagar ao A. a título de indemnização.
O A. terminou pugnando pela confirmação da sentença recorrida.
Foram colhidos os vistos legais. FUNDAMENTAÇÃO
A única questão objeto deste recurso é se a R. deve ser responsabilizada pelo pagamento dos encargos financeiros assumidos pelo A. para proceder à ora anulada aquisição de viatura automóvel.
Está provada a seguinte Matéria de facto
1. A Ré é sociedade que exerce a atividade de venda de viaturas usadas no Stand sito em ..., concelho de .... (alínea A) dos Factos Assentes)
2. Em junho de 2008, o A. adquiriu à Ré a viatura automóvel da marca Jeep, modelo Grand Cherokee 4.7L V8 do ano de 1999, matrícula 00-00-NO, no stand referido em 1..(alínea B) dos Factos Assentes)
3. A viatura referida em 2. foi adquirida à Ré em estado de usada e pelo valor de € 13.000,00. (alínea C) dos Factos Assentes)
4. Na data referida em 2., a viatura referida em 2. aparentava servir para circular e fazer conduzir o A. e a sua família e transportá-los onde desejassem. (alínea D) dos Factos Assentes)
5. Para pagamento do valor referido em 3., o A. celebrou com o Banco “C” Portugal, S. A., escrito que denominaram de “CONTRATO DE FINANCIAMENTO PARA AQUISIÇÕES A CRÉDITO”, sendo o valor do financiamento no valor de € 21.960,00, acrescido do valor de € 146,65 de despesas contratuais e I. S. s/comissão no valor de € 5,87, a pagar em 72 mensalidades, no montante de € 305,00 cada (alínea E) dos Factos Assentes)
6. Um mês após a data referida em 2., o A. detetou no veículo que o ar condicionado tinha fuga de gás, o radiador perdia água, tinha fuga de óleo no retentor da cambota e sonda de medição da mistura gasolina/ar, tendo sido obrigado a imobilizá-la, porquanto impediam a sua circulação. (alínea F) dos Factos Assentes)
7. O A. reclamou do referido em 6. junto da Ré, solicitando a sua reparação. (alínea G) dos Factos Assentes)
8. A viatura referida em 2. foi devolvida à Ré para reparação do referido em 6. e permaneceu na Ré cerca de três quatro dias para reparação e, após as reparações, foi devolvida ao A.. (alínea H) dos Factos Assentes)
9. No dia seguinte à devolução referida em 8., constatou o A. que a viatura referida em 2. continuava a dar “estalos” na caixa de velocidades e, que os estalos continuavam cada vez a agravar-se. (alínea I) dos Factos Assentes)
10. O A. procedeu à reclamação junto da Ré sobre a existência dos estalos referidos em 9., solicitando a sua reparação. (alínea J) dos Factos Assentes)
11. Após restituição ao A. da viatura referida em 2., rompeu-se tubo da direcção assistida e a viatura referida em 2. foi mandada reparar na oficina do Stand da Ré, lá ficando dois dias de reparação. (alínea L) dos Factos Assentes)
12. De carta datada de 26/11/2008, remetida pelo A. à Ré e, por esta recebida, consta:
“Assunto: Reclamação ao abrigo da Garantia - Viatura 00-00-NO Exmos. Srs. Adquiri em Junho de 2008 à V/empresa uma viatura da marca Jeep, modelo Grand Cherokee 4.7L V8 do ano de 1999, matricula 00-00-NO. Como sabem, desde essa altura por diversas vezes tive de me dirigir ao vosso stand para solucionar, ou pelo menos tentar, diversos problemas que a viatura apresentava. Logo no primeiro mês de aquisição fui obrigado a deslocar-me mais de uma vez às vossas instalações (com todas as consequências inerentes - 240km ida e volta, portagens, combustível e essencialmente o tempo gasto com todo este incomodo), queixando-me pelo menos de três coisas, a saber: ar condicionado tinha uma fuga de gás, radiador a perder agua e "estalo" na caixa de velocidades. Destas três coisas cumpre informar o seguinte: o ar condicionado apresentava uma fuga no circuito de refrigeração tendo essa fuga sido solucionada numa oficina a que eu próprio acabei por ter de me dirigir e tendo de assumir o custo da reparação visto que V/Exas. apenas se limitaram uma vez a recarregar o sistema. Quanto à perda de água do radiador a reparação do mesmo foi efectuada numa oficina a que V/Exas. recorreram. Relativamente à caixa de velocidades e apesar de todos as insistências feitas pessoalmente e telefonicamente até à data a única coisa que foi feita foi um comentário de que quando tinham adquirido a viatura a mesma já estava assim. Ora, como poderão entender essa não é de forma alguma a solução do problema. No decorrer deste tempo, e após uma visita a uma oficina autorizada para a revisão programada do sistema de GPL (já montado aquando da aquisição da viatura) foi-me por esta oficina informado que a sonda que faz a medição da mistura gasolina/ar para o motor se encontrava danificada. Entretanto, como sabem, a viatura também já teve de ser rebocada para as vossas instalações onde numa primeira vez ai permaneceu cerca de três ou quatro dias por causa de um problema no veio de transmissão (segundo me foi por vós explicado). Passados esses dias e informado que a reparação já se encontrava concluída desloquei-me uma vez mais às vossas instalações uma sexta-feira ao final da tarde para ir buscar a viatura. Verificando que a mesma não teria sido bem reparada no dia seguinte de manhã (sábado) tive uma vez mais de me deslocar às vossas instalações onde foi pelo Sr. “BB” pessoalmente constatado que de facto a reparação não tinha sido bem-feita. Uma vez mais a viatura ficou imobilizada e desta vez durante uma semana inteira (com a explicação de que a peça a substituir teria de vir de Espanha e que seria trazida por uma pessoa que só regressava a portugal no sábado seguinte de manhã). Visto que a viatura iria estar ai imobilizada durante este período uma vez mais solicitei que fosse verificado o dito "estalo" da caixa de velocidades bem como uma vez mais o ar condicionado que apenas deitava ar quente para o lado do condutor. Quando passada essa semana fui novamente buscar a viatura foi-me dito que relativamente ao "estalo" da caixa de velocidades o mesmo já se encontrava muito melhor pois tinha relação directa com a reparação que tinha sido efectuada. Quanto ao ar condicionado - NADA - tudo na mesma. De regresso a T... ... constato que a caixa de velocidades se encontra na mesma. O "estalo" contínua e a meu ver cada vez se está a agravar mais. Acresce o facto de na mesma semana se ter rompido um tubo da direcção assistida e mais dois dias sem carro e mais uns euros para a oficina. Preocupado porque ainda por cima se trata de uma caixa automática chamo mais uma vez o reboque e mais uma vez a viatura é transportada para as vossas instalações. Tendo isto ocorrido sábado passado (22/11/2008) ao final da tarde e pensando que no domingo nada deve ter sido feito, na terça-feira (25/1112008) liguei para fazer um ponto da situação ao que me foi informado que poderia ir buscar a viatura, pois tinham estado a ver e tinham concluído que para se saber ao certo o que poderia ser o "estalo" teriam de abrir a caixa de velocidades e isso não iriam fazer. Além disso foi-me ainda dito que eu só estava a insistir com a questão da caixa de velocidades porque sabia que tinha garantia, caso contrário nem iria ligar. Ora, de facto é verdade que eu sei que tenho garantia e por esse mesmo facto assiste-me de acordo com a lei o direito de a reclamar. O que eu não entendo são os procedimentos que até agora tem ocorrido por parte de V/Exas. no sentido de andar a protelar as situações. Uma vez mais de regresso a T... ... dou-me conta de um cheiro estranho dentro do carro, pelo que me dirigi a uma oficina para que aí me fosse visto de onde poderia provir esse cheiro. Pelos mesmos me foi informado que o carro tinha uma fuga de óleo proveniente do retentor da cambota e que ainda por cima achavam estranho que a mesma não tenha sido detectada antes após eu os ter informado que o carro tinha estado na oficina a reparar o veio da transmissão e supostamente a caixa de velocidades. Tendo em consideração que a minha actividade profissional me faz depender de uma viatura em perfeitas condições de circulação, todos os gastos que até agora tive de suportar não só a nível de reparações por mim já assumidas bem como todos os custos de deslocações que já efectuei para no fundo não resolver nada e todos os demais incómodos causados pela privação de uso que tem ocorrido venho por este meio solicitar que me indiquem no prazo máximo de oito dias após recepção da presente carta e ao abrigo da garantia de dois anos estipulada por lei como pretendem resolver os actuais problemas que passo a indicar: - "estalo" da caixa de velocidades; - Ar condicionado; - Fuga de óleo no retentor da cambota; - Sonda de medição da mistura gasolina/ar. Ficando desde já a aguardar as V/prezadas noticias, apresento os meus melhores cumprimentos. (…)”(alínea M) dos Factos Assentes)
13. Em resposta à carta referida em M), a Ré remeteu ao A., carta datada de 02/12/2008, da qual consta:
“Assunto: Reclamação ao abrigo da Garantia - Viatura 00-00-NO No seguimento da carta enviada por V. Exa., datada de 26 de Novembro, tenho a dizer o seguinte: - Sempre que o veículo foi trazido ao stand com algum defeito, como o circuito de refrigeração e o radiador, foi prontamente reparado ao abrigo da garantia. - Acontece que nem todas as anomalias indicadas constituem defeito. - O "estalo" da caixa de velocidades não constituí defeito na medida em que não afecta o normal funcionamento do veículo, ao contrário das reparações atrás mencionadas. Acresce que, - V. Exa. teve oportunidade de fazer um "Test drive" com a viatura antes de decidir proceder à sua compra. - A viatura foi entregue exactamente nas mesmas condições em que se encontrava aquando do "Test drive". - Condições essas que V. Exa. tomou conhecimento e aceitou, bem sabendo que a viatura fazia um "estalo" quando se ligava o motor do jipe. - A aquisição de V. Exa. foi um veículo do ano de 1999, não podendo esperar que uma viatura já com 9 anos de rodagem, tenha o mesmo arranque e colocação em marcha ao ligar a ignição, do que uma viatura nova. - Além do que, estamos a falar de um jipe, que é uma viatura todo-o-terreno com tracção às 4 rodas, habituada a rodar sobre qualquer tipo de superficie terrena, quer seja asfalto, caminhos de terra ou mesmo sobre areia. - Ora se V. Exa. tinha conhecimento do "estalo" e aceitou comprar a viatura sabendo dessa situação, somos da convicção de que realmente V. Exa. estará de má fé ao requerer a reparação de algo que nem sequer constituí defeito, fazendo-se valer do instituto legal que é a garantia. - Pelo que se o dito "estalo" não afecta o funcionamento normal do veículo, não se pode considerar defeito e por conseguinte a garantia não abrangerá esta situação, assim como não abrangerá situações hipotéticas de mau uso do veículo. - Se V. Exa. tem uma actividade profissional que o faz depender de uma viatura em perfeitas condições de circulação, salvo o devido respeito, deveria ter adquirido uma viatura nova ou com pouca antiguidade. - Quanto aos custos de deslocação que V. Exa. efectuou, consideramos que não nos cabe a nós suportá-los, uma vez que é da sua responsabilidade o local para onde V. Exa. transporta a sua viatura. Cabe ao comprador suportar as despesas de deslocação para reparação. Não é por factos imputáveis ao Stand que a viatura avaria em T... ..., é porque V. Exa. reside nessa localidade. - Deveria pois V. Exa. ter tido todos estes factores em consideração quando decidiu optar pela compra de um veículo que se encontrava à venda a 120 km da sua residência. Pelo que apenas estaremos à disposição de V. Exa. para proceder à reparação de defeitos, não de meras anomalias nem de reparações que envolvam o mau uso da viatura. Com os melhores cumprimentos, (…)” (alínea N) dos Factos Assentes)
14. De carta datada de 12/01/2009, remetida pelo A. à Ré e, por esta recebida, consta:
“Assunto: Garantia viatura 00-00-NO Exmos. Srs. Na sequência da minha carta de 26 de Novembro de 2008 e V/resposta de 2 de Dezembro de 2008, cumpre esclarecer o seguinte: - Afirmam V/Exas. que o "estalo" da caixa de velocidades acontece quando se liga o motor da viatura. Como V/Exas. sabem perfeitamente (até porque andaram com a viatura) o "estalo" não é quando se liga a viatura! O "estalo" é em andamento ou quando nos encontramos a imobilizar a mesma; - De qualquer maneira afirmam V/Exas. que essa deficiência não é defeito, pois não afecta o normal funcionamento do veículo. Uma coisa é certa, não é de origem!!! O que me leva a perguntar - Estarão V /Exas. a aguardar que findo o período de garantia, se de facto se verificar qualquer coisa mais grave, eu não possa recorrer à mesma? Fizeram já algum diagnóstico comprovado onde seja possível certificar o bom funcionamento da caixa? ; - Afirmam ainda V/Exas. que, sempre que a viatura foi levada às vossas instalações as reparações foram prontamente efectuadas. Apesar de isto não ser totalmente verdade levanto no entanto a seguinte questão: - E nos casos em que aconteceram substituição de peças estas eram novas ou usadas? Pensando não ser necessário efectuar mais qualquer tipo de consideração sobre a V/resposta, pois considero que seria descabido, aproveito para informar que entretanto, e por aconselhamento da DECO - Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor, me dirigi a uma oficina credenciada e aceite por esta associação como tal, para que fosse efectuado um diagnóstico credível à viatura. Nesse mesmo relatório, do qual junto cópia, poderão V /Exas. constatar diversas anomalias das quais gostaria de salientar as seguintes: - Várias fugas de fluidos (ao nível do motor); - Ruído e folga ao nível da transmissão; - Ruído e folga ao nível da suspensão; - Folga dos terminais ou caixa; - Folga na direcção; - Ar condicionado; Poderão ainda V/Exas. verificar um apontamento no final do relatório referente à desengrenagem tardia da caixa de velocidades (que provoca um estalo) bem como a um estalo no diferencial traseiro. Cumpre informar que relativamente a estes dois defeitos os mesmos também já tinham sido detectados por um concessionário oficial da marca. Face ao exposto, e tendo em consideração os defeitos comprovados por entidades credenciadas para o efeito, venho assim questionar a disponibilidade de V/Exas. para a reparação dos mesmos e, verificando-se essa disponibilidade desde já agradeço que me seja indicado qual o nome e morada da oficina a que me devo dirigir. (…)”(alínea O) dos Factos Assentes)
15. Em 15/04/2009 o A. recebeu comunicação do Centro de Arbitragem do Sector Automóvel a informar que iriam arquivar o processo por não ser possível a resolução do litígio na fase de mediação, pois a Ré não aceitou a jurisdição do Tribunal Arbitral. (alínea P) dos Factos Assentes)
16. A Ré recusou proceder à reparação referida em 14.. (alínea Q) dos Factos Assentes)
17. A presente ação deu entrada em Tribunal em 15 de setembro de 2009. (alínea R) dos Factos Assentes)
18. O pagamento referido em 5. teve inicio em julho de 2008. (parte do artigo 1.º da base instrutória)
19. Encontram-se pagas, até 15/09/2009, as mensalidades no valor de € 4.270,00 referidas em 5.. (artigo 2.º da base instrutória)
20. O veículo referido em 2. tinha a garantia de 2 anos. (parte do artigo 3.º da base instrutória)
21. O A. detetou que quando posta em funcionamento, a viatura referida em 2. faz “estalo” na caixa de velocidades. (parte do artigo 4.º da base instrutória)
22. Devido ao referido em 21., a viatura referida em 2. foi devolvida à Ré para reparação. (parte do artigo 5.º da base instrutória)
23. O A., por sua conta, levou a viatura referida em 2. a oficina autorizada para a revisão do programa do sistema de GPL e aí foi detetado que a sonda que faz a medição de mistura gasolina/ar para o motor se encontrava com danos. (artigo 6.º da base instrutória)
24. Em 22/11/2008, o A. detetou que persistiam problemas na viatura referida em 2., tendo devolvido a viatura à Ré, solicitando reparação. (artigo 7.º da base instrutória)
25. No caminho de regresso da Ré, o A. deu conta de cheiro estranho, tendo ficado aflito e a pensar que a viatura referida em 2. poderia explodir, incendiar-se, pelo que se dirigiu a oficina. (parte do artigo 9.º da base instrutória)
26. Na oficina referida em 25., após análise da viatura referida em 2., o A. foi informado que a viatura tinha fuga de óleo do retentor da cambota. (artigo 10.º da base instrutória)
27. Após a terceira reparação efectuada pela Ré, persistia na viatura referida em 2. estalo da caixa de velocidades, o ar condicionado só fazia quente, fuga de óleo no retentor da cambota e na sonda de medição da mistura gasolina/ar. (artigo 11.º da base instrutória)
28. Devido ao referido em 27., o A. procedeu a reclamação junto da Ré, insistindo pela sua reparação e, a Ré não procedeu a reparação, nem substituiu o veículo referido em 2., recusando-se a fazê-lo. (artigo 12.º da base instrutória)
29. Perante o referido em 13., o A. procedeu a reclamação junto do Centro de Arbitragem do Sector Automóvel, onde foi iniciado o processo n.º 2610/08. (parte do artigo 13.º da base instrutória)
30. O A., por aconselhamento da Deco, em 08/01/2009 dirigiu-se à oficina “...”, para que fosse efetuado diagnóstico à viatura referida em 2.. (artigo 14.º da base instrutória)
31. No relatório da oficina referida em 30. foram detetados na viatura do A., fugas de fluidos ao nível do motor, ruído e folga ao nível da transmissão, ruído e folga ao nível da suspensão, folga dos terminais ou caixa, folga na direcção, ar condicionado não faz frio, nem faz quente e desengrenagem tardia da caixa de velocidades e estalo no diferencial traseiro. (artigo 15.º da base instrutória).
32. A Ré vendeu a viatura referida em 2. com o referido em 31. e, os mesmos não são resultado do desgaste da viatura pelo A.. (artigo 16.º da base instrutória).
33. Até ao presente, a viatura referida em 2. encontra-se imobilizada. (parte do artigo 17.º da base instrutória). O Direito
Provou-se que o A. comprou, para uso pessoal, uma viatura automóvel que, sem que o soubesse, apresentava defeitos que impediam a sua utilização. Detetados os defeitos, o A. tentou, em vão, que a Ré, vendedora do veículo, os reparasse. Veio então o A. a juízo pedir que fosse decretada a anulação do negócio e a R. condenada a pagar-lhe os prejuízos sofridos em consequência da celebração do contrato, correspondentes ao preço pago pelo veículo e os encargos assumidos com o financiamento obtido para a aquisição da viatura.
O tribunal a quo deu provimento ao peticionado, decretando a anulação do contrato de compra e venda ao abrigo do disposto nos artigos 913.º e 905.º do Código Civil. Na sequência da anulação do contrato, o tribunal a quo ordenou, ao abrigo do disposto no art.º 289.º n.º 1 do Código Civil, que o A. restituísse à R. a viatura vendida. E mais condenou a R., invocando para o efeito o disposto nos artigos 909.º e 564.º n.º 1 do Código Civil, a pagar ao A. uma indemnização correspondente ao prejuízo sofrido pela celebração do contrato, aí contabilizando os encargos decorrentes para o A. do empréstimo que contraíra junto de uma instituição financeira para pagar a viatura.
O único aspeto da decisão que foi impugnado pela apelante é a inclusão na obrigação de indemnização dos encargos contraídos pelo A. com o aludido empréstimo. Segundo a R., sendo aplicável ao caso sub judice o disposto no art.º 909.º do Código Civil, a indemnização, contrariamente à regra geral contida no art.º 564.º do Código Civil, não abrangerá os lucros cessantes, mas tão só os danos emergentes, e nestes não se incluem os gastos com o contrato de mútuo celebrado paralelamente à aquisição do carro.
Vejamos.
Considera-se que ocorre venda de coisa defeituosa quando “a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim” (n.º 1 do art.º 913.º do Código Civil).
Constatada a existência do defeito, o comprador pode exigir do vendedor a reparação da coisa, a sua substituição, a redução do preço ou a anulação do contrato (artigos 913.º, 914.º, 905.º e 911.º do Código Civil).
O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação ou que por causa que lhe seja imputável se atrasa na sua prestação (art.º 804.º n.º 2 do Código Civil) torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor (artigos 798.º e 804.º n.º 1 do Código Civil).
O dever de indemnizar existe independentemente do cumprimento das obrigações de reparação ou substituição da coisa vendida com defeito, ou da anulação do contrato ou da redução do preço (artigos 915.º, 909.º e 911.º n.º 1 do Código Civil).
Em regra a responsabilidade civil contratual, tal como a responsabilidade civil extracontratual, tem como pressupostos ou elementos a ocorrência do facto ilícito, o dano, o nexo de causalidade entre o facto e o dano, a culpa do agente (artigos 483.º, 798.º, 799.º n.º 2, 487.º n.º 2, 488.º, 562.º, 563.º do Código Civil).
O facto ilícito consiste, na responsabilidade contratual, no não cumprimento ou no cumprimento deficiente dos deveres emergentes do contrato, ou na violação das regras da boa fé na sua formação e/ou nos seus preliminares (art.º 227.º do Código Civil). No que concerne à culpa, que consiste num juízo de censura ético-normativo que incide sobre o devedor, por se entender que podia e devia ter agido de forma diferente, o art.º 799.º n.º 1 estipula a presunção da sua existência, fazendo recair sobre o devedor o ónus de ilidir essa presunção. Quanto ao nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, o ónus da prova dos factos que o demonstram recai sobre o credor, na medida em que são factos constitutivos do direito que este se arroga (art.º 342.º n.º 1 do Código Civil).
Nos termos do disposto no art.º 563.º do Código Civil, “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. Quis consagrar-se aqui a teoria da causalidade adequada, segundo a qual, para impor a alguém a obrigação de reparar o dano sofrido por outrem, não basta que o facto praticado pelo agente tenha sido, no caso concreto, condição (sine qua non) do dano; é necessário ainda que, em abstrato e em geral, o facto seja uma causa adequada do dano (Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. I, Almedina, 8ª edição, páginas 905 e 915). Na formulação que se reputa mais criteriosa (formulação negativa, de Enneccerus-Lehmann) quando a lesão proceda de facto ilícito, o facto não deve considerar-se causa (adequada) apenas daqueles danos que constituem uma consequência normal, típica, provável, dele. Deve considerar-se causa adequada mesmo daqueles danos para cuja ocorrência também concorreu caso fortuito ou conduta de terceiro. Só não será assim quando para a verificação do prejuízo tenham concorrido decisivamente circunstâncias extraordinárias, fortuitas ou excecionais, que tanto poderiam sobrevir ao facto ilícito como a um outro facto lícito (A. Varela, obra citada, páginas 909 e 910, 917).
A obrigação de indemnização cumpre-se através da reconstituição da situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art.º 562.º do Código Civil).
Nos termos do art.º 564.º n.º 1, do Código Civil, o dever de indemnizar compreende o prejuízo causado e bem assim os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. Ou seja, integra os danos emergentes (perda ou diminuição de valores já existentes no património do lesado – cfr., v.g., Almeida e Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 9.ª edição, pág. 546) e os lucros cessantes (benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, acréscimo patrimonial frustrado - Almeida e Costa, citado, pág. 546).
Quando a reconstituição natural não for possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, a indemnização é fixada em dinheiro (n.º 1 do art.º 566.º do Código Civil).
Em princípio a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (n.º 2 do art.º 566.º do Código Civil).
O art.º 908.º do Código Civil, atinente ao conjunto de regras especificamente reguladoras da venda de bens onerados, que subsidiariamente se aplicam à venda de coisas defeituosas (art.º 913.º n.º 1), estabelece que, em caso de dolo, o vendedor, anulado o contrato, deve indemnizar o comprador do prejuízo que este não sofreria se a compra e venda não tivesse sido celebrada. Está em causa aqui o chamado interesse contratual negativo, a situação em que o comprador se encontraria se não tivesse celebrado o contrato, em contraposição ao interesse contratual positivo, ou seja, a situação em que o comprador se encontraria se a compra fosse válida (Antunes Varela, Código Civil anotado, volume II, Coimbra Editora, 2. edição, pág. 182). Sob a égide do art.º 908.º, apenas o interesse contratual negativo será tido em conta na atribuição de indemnização.
O interesse contratual negativo comporta tanto o ressarcimento por danos emergentes como por lucros cessantes (atinentes, por exemplo, a negócio que o comprador não efetuou para atender à compra e venda afinal viciada).
Especificamente no que concerne aos danos emergentes, entre eles avultam as despesas que o lesado realizou por ter confiado na celebração de um negócio válido ou eficaz, ou no seu cumprimento. A ideia de que os danos emergentes integrantes do interesse contratual negativo podem resultar de despesas resulta do próprio Código Civil quando, no art.º 899.º, parte final, em relação ao prejuízo pela celebração do contrato de venda de bens alheios, afirma que se exclui do seu âmbito (recorrendo à classificação das benfeitorias, prevista no art.º 216.º) as despesas voluptuárias, pressupondo-se a inclusão em tal dano de outro tipo de despesas, necessárias ou simplesmente úteis (Paulo Mota Pinto, “Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo”, volume II, Coimbra Editora, 2008, pág. 1071).
Entre as despesas ressarcíveis, que constituem danos emergentes, contam-se aquelas que, em virtude da anulação do contrato, se tornaram inúteis ou desaproveitadas. Entre elas contam-se os custos com a obtenção de financiamento que o credor teve de obter, despesas de transporte, registos, seguro (cfr. Mota Pinto, “Interesse contratual…”, volume II, citado, páginas 1075, 1079 e 1080).
No caso dos autos, o Autor, para poder pagar o preço de aquisição da viatura, contraiu um empréstimo, nos termos supra indicados no n.º 5 da matéria de facto. Trata-se de uma situação de financiamento para o consumo, cuja frequência justificou de há muito a intervenção do legislador (primeiramente, Dec.-Lei n.º 359/91, de 21.9; atualmente, Dec.-Lei n.º 133/2009, de 2 de Junho). A interligação entre as aquisições de bens de consumo e os contratos de mútuo que os financiam justifica que, atualmente, o comprador possa fazer repercutir no contrato de crédito a invalidade ou a resolução do contrato de compra e venda (art.º 18.º do Dec.-Lei n.º 133/2009). Tal regime não é aplicável ao caso dos autos, por os contratos sub judice terem sido celebrados antes da publicação do Dec.-Lei n.º 133/2009 (art.º 34.º do Dec.-Lei n.º 133/2009). Quanto ao regime em vigor à data da celebração dos ditos contratos, decorrente do Dec.-Lei n.º 359/91, de 21.9, a repercussão no contrato de mútuo das vicissitudes do contrato de compra e venda só seria possível no quadro estreito traçado no art.º 12.º, que pressupunha que o crédito tivesse sido obtido no âmbito de um acordo prévio existente entre o credor e o vendedor, por força do qual o crédito seria concedido exclusivamente pelo mesmo credor aos clientes do vendedor para a aquisição de bens fornecidos por este último – quadro circunstancial esse que não se mostra ter ocorrido no caso dos autos.
A frequência da conjugação de financiamento com a aquisição de bens de consumo, maxime de automóveis, que beneficia em simultâneo a entidade financiadora, o comprador e o vendedor, torna previsível e socialmente típico (Mota Pinto, Interesse contratual…”, volume II, citado, página 1067) o dano consubstanciado na assunção de um encargo financeiro para uma aquisição que depois se frustra, seja por resolução, seja por anulação do negócio de compra e venda. In casu, o A. assumiu um encargo financeiro que não teria contraído se não fosse a celebração do contrato de compra e venda da viatura supra referida. Suportou uma diminuição no seu património, que se veio a revelar inútil.
Está em causa, pois, um dano emergente, resultante da invalidade do negócio celebrado entre o A. e a R.. Dano indireto, mas ressarcível, por ligado por um nexo de causalidade adequada com o facto ilícito praticado pela apelante (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em geral, citado, páginas 612 e 613; Almeida Costa, citado, página 710).
Discorda-se, assim, da jurisprudência contida no acórdão da Relação de Coimbra citado pela apelante (conclusão XXII), acórdão esse que, de resto, se reporta a situação diversa da destes autos (veja-se a seguinte passagem do acórdão: “Acresce que, prejuízo, na realidade, não se vislumbra ter decorrido para os AA., com a realização dos mencionados contratos de mútuo e de seguro automóvel e pagamento das respectivas prestações e prémios, já que dos elementos existentes nos autos não resulta que daí não tenham, os AA., retirado contrapartidas, antes se depreendendo o contrário, pois que ainda utilizaram o veículo e, segundo o que da acta de 12/02/2008 consta, terão procedido à respectiva venda”). Quanto ao acórdão da Relação do Porto também mencionado pela apelante (conclusão XXII), nada se encontra no sumário publicado que permita retirar extrapolações úteis para este litígio.
O supra exposto torna irrelevante a destrinça feita pela apelante quanto ao âmbito do art.º 909.º do Código Civil, segundo a qual o vendedor, no caso de anulação fundada em simples erro, apenas será responsabilizado pelos danos emergentes (questão essa que não é líquida, havendo quem defenda que a formulação dada à norma visa acentuar que aqui está em causa responsabilidade meramente objetiva, que existirá ainda que o vendedor não tenha culpa na celebração do negócio, mas não se afasta a aplicação das regras gerais da responsabilidade pelo interesse contratual negativo, incluindo lucros cessantes, quando haja culpa do vendedor – vide, por todos, Mota Pinto, “Interesse contratual…”, volume II, citado, páginas 1202 a 1208).
Assim, além do valor correspondente ao preço do veículo (€ 13 000,00), cuja restituição sempre seria imposta nos termos do art.º 289.º n.º 1 do Código Civil, a Ré deve pagar o custo suportado pelo A. com o empréstimo contraído para comprar a viatura, no valor de € 9 112,52. Ou seja, no total a R. tem a pagar ao A. a quantia de € 22 112,52, montante em que foi condenada.
Improcede, pois, a apelação.
DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e consequentemente mantém-se a sentença recorrida.
As custas da apelação são a cargo da apelante.
Lisboa, 03.5.2012
Jorge Manuel Leitão Leal Pedro Martins Sérgio Almeida