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DIVISÃO DE COISA COMUM
COMPROPRIEDADE
QUOTA
UNIÃO DE FACTO
TÍTULO CONSTITUTIVO
Sumário
I - Na ausência de qualquer indicação em contrário (expressa ou indirecta) no título constitutivo, as quotas dos comproprietários presumem-se iguais. II - Se o título constitutivo não permitir aferir o valor das quotas de cada um dos comproprietários, a lei presume, iuris et iure, que tais quotas são iguais. III - A atribuição da percentagem da quota de cada uma dos comproprietários fixar-se no momento da sua aquisição, sendo irrelevante para alterar tal proporção que, cessada a união de facto entre os comproprietários, apenas um deles tenha vindo a proceder ao pagamento das prestações do empréstimo hipotecário contraído para fazer face à sua aquisição. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa (7ª Secção):
1 – RELATÓRIO. F (…), instaurou a presente acção especial de divisão de coisa comum contra: 1. A (…), 2. H (…),,
Alegando, em síntese:
Autora e Réu são donos e legítimos proprietários, em partes iguais, da fracção autónoma id. no art. 1º da p.i., sobre a qual incide o ónus de inalienabilidade a favor do extinto INH;
como resulta da sua natureza, tal fracção é indivisível;
a A. não pretende continuar na situação de indivisão. A A. e o R viveram em união de facto;
foi a Autora que sempre diligenciou e pugnou pela compra da casa, realizando todos os actos necessários à sua aquisição, nada fazendo o Réu no sentido da aquisição que não fosse assinar os documentos de instrução do processo;
a amortização da fracção sempre foi paga pela Autora, com dinheiro proveniente do trabalho desta, embora por vezes com recurso a pagamento através da conta conjunta entre Autora e Réu, o certo é que era o dinheiro que a Autora depositava nessa conta que servia para o pagamento da habitação.
Entende assim que, face ao exposto, existem fundamentos para que a casa possa ser dividida, atribuindo-se esta à Autora, sem perda de benefícios atribuídos pelo INH e pelo regime especial de aquisição de habitação própria permanente.
Em consequência pede:
a) que se proceda à adjudicação do bem à Autora, uma vez que o Réu em nada contribuiu para a sua aquisição, ou, quando porém assim não se entenda;
b) se designe conferência de interessados com vista a alcançar-se acordo sobre a pedida adjudicação, ou quando ainda assim não se entenda;
c) se designe conferência de interessados, com vista à venda com repartição do respectivo valor, sempre tendo em consideração os factos acima expostos.
d) a condenação do segundo Réu a reconhecer a situação jurídica que vier a ser definida, de acordo com as alíneas anteriores, sem a perda de quaisquer benefícios.
Contesta a 2ª Ré, IHRU (ex-Instituto Nacional de Habitação), alegando em síntese que, incidindo sobre a fracção ónus de alienabilidade, esta só pode ser levantada nos termos previstos no nº1 do art. 25º do DL nº 271/2003, de 28 de Outubro, não podendo a Ré cancelar tal ónus sem que se mostre a condição aí prevista.
Conclui pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.
Contesta o 1º Réu alegando, em síntese:
em meados de 1998, porque a barraca em que vivia não reunia as condições mínimas para o seu agregado familiar (nessa data o requerido ainda não vivia em união de facto com a requerente), o requerido recebeu uma comparticipação da Câmara Municipal da…, no valor de 6.000.000$00, para que conseguisse proceder à compra de uma habitação, tendo a requerente vindo a ser parte no contrato de compra e venda unicamente porque nessa altura já vivia com o requerente;
era o requerido que pagava as prestações mensais do crédito para a aquisição da fracção;
nunca o requerido teve acesso à caderneta e ao cartão de multibanco da CGD em que era paga a prestação da casa de morada de família;
nunca a fracção pode ser atribuída à requerente com prejuízo para o requerido.
Conclui pela improcedência da acção.
A A. apresentou articulado de resposta às contestações apresentadas por cada um dos réus, alegando que a o INH não pode obrigar que A. e Réu permaneçam na indivisão, e que ambos residiam na referida barraca quando lhes foi proposta a aquisição de habitação através do regime especial comparticipado da CM da … e pelo INH.
Conclui pela “ampliação do pedido” no sentido de o Instituto Nacional da Habitação ser condenado, caso a casa seja adjudicada à autora, a autorizar sem perda de benefícios que o financiamento passe a ser pago através de conta a criar pela autora e da qual esta será a única titular.
A Ré, H…, veio responder ao requerimento de ampliação do pedido contra si formulado, alegando, em síntese que, resultando o ónus da inalienabilidade pelo prazo de 25 anos a contar da data da aquisição da casa, ipso facto, da lei, caso a A. venha a ficar com a casa, o ónus da alienabilidade será imperativamente mantido, sendo que, caso pretendam alienar o fogo, terão de devolver os montantes concedidos a título de comparticipação, acrescidos de 10%, como resulta da lei.
Conclui pela improcedência da ampliação do pedido.
Foi proferido decisão que “julgando procedente por provada a presente acção e, em consequência, declarou a indivisibilidade da fracção autónoma objecto dos presentes autos, fixando-se na proporção de ½ a quota-parte de cada um dos comproprietários, Autora e Réu.
Inconformada com tal decisão, a Autora dela interpôs recurso de apelação, concluindo a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:
1. A presente acção de divisão de coisa comum assenta na cessação da união de facto ocorrida em Julho de 2008, e prende-se com a divisão de uma fracção habitacional, adquirida ao abrigo de programas sociais de habitação, com comparticipação estatal, cujo montante da comparticipação do INH e a tipologia foram atribuídas tendo em atenção o número de membros do agregado familiar – 4 pessoas, dois adultos e dois menores;
2. Mostra-se alegado nos autos e provado por documentos, a complementar por prova testemunhal em sede de julgamento, que:
a. Autora e Réu viveram em união de facto;
b. Enquanto viviam em união de facto decidiram adquirir habitação em regime de compropriedade, ao abrigo de programa social de aquisição de habitação;
c. O valor da comparticipação do Estado e a tipologia da fracção foram atribuídas em função do número de membros do agregado familiar
d. Essa união cessou em data anterior a Julho de 2008
e. Deste então é a Autora sozinha que tem contribuído para essa aquisição, com o produto do seu trabalho despendido na amortização do financiamento, não contribuindo o Réu com qualquer importância para a aquisição da mesma;
f. Aliás, não só o Réu não contribui com qualquer quantia para amortização da fracção, como não paga qualquer quantia a título de alimentos (onde eventualmente poderia considerar-se habitação) para os filhos menores de ambos, donde não pode considerar-se que o réu é proprietário na proporção de metade.
3. Mostram-se juntos aos autos documentos que demonstram que é a Autora que desde 2008 tem suportado sozinha a amortização da habitação e pagamento dos encargos com a mesma;
4. Assim, a sentença não poderia ter considerado que A e R são comproprietários na proporção de metade, porquanto não o são, mas tão somente são comproprietários na proporção do que contribuíram para a sua aquisição, na pendência da união;
e) E, se durante a pendência da união de facto pode entender-se que ambos contribuíram em igual proporção para a sua aquisição, o que não se concede, já após a cessação da união de facto, não pode ter-se tal entendimento.
f) Aos comproprietários só pode ser reconhecida a propriedade da quota que adquiriram.
g) Ora, está alegado e provado por documentos que o Réu não adquiriu a quota parte correspondente a metade da propriedade, pelo que não pode ser-lhe reconhecida essa proporção.
h) Ao réu apenas pode ser reconhecida, quando muito e sem conceder, a proporção correspondente à sua aquisição, ou seja, a proporção da propriedade correspondente a metade da quota parte da amortização do financiamento realizado na pendência da união de facto, sem prejuízo de considerar-se ainda que o valor da contribuição do estado para a aquisição da propriedade teve em atenção o numero de elementos do agregado familiar ou seja, de 4 pessoas: dois adultos e duas crianças.
i) Não fosse o número de elementos do agregado familiar, de 4 pessoas, Autora e Réu e os dois filhos menores e não só o valor do “subsidio “ para a aquisição não teria sido aquele montante como não teria sido concedido para aquisição de uma tipologia destas.
j) É a Autora em conjunto com os seus dois filhos menores (e também filhos do Réu) que reside na fracção e é ela que sozinha, com o produto do seu trabalho, suporta a amortização do financiamento.
k) Pelo que, por aplicação do regime da sub-rogação prevista no artigo 1723 e do regime de que os comproprietários beneficiam das vantagens e suportam os encargos na proporção das suas quotas, deve entender-se que as quotas na propriedade da fracção são distintas para Autora e Réu.
l) Se a Autora não pagasse a amortização mensal do financiamento, a fracção já teria sido executada e vendida e o Réu não receberia mais do que a proporção daquilo que investiu na sua aquisição e quiçá não receberia nada, como é do conhecimento geral e portanto facto que não carece de prova.
m) Donde não pode ser atribuído ao Réu um direito superior aquele que ele detém.
n) A sentença recorrida violou o artigo 1403º n.º 2, 1405º e 1723º alínea c) por analogia do CC, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que determine que quantitativamente são distintas as quotas na propriedade, a determinar após julgamento e produção de prova.
Termos em que deverá considerar-se que o réu é comproprietário da quota a determinar após produção de prova nesse sentido, de acordo com a quota parte que cada um dos comproprietários adquiriu e que deverá ser apurada após produção de prova e corresponder, no máximo a metade do valor da amortização realizada na pendência da união de facto.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do art. 707º, do CPC, há que decidir.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
Considerando que as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, as questões a decidir são unicamente as seguintes:
1. Fixação da quota-parte de cada um dos comproprietários, em ½ para cada um dos comproprietários:
a. Se o tribunal dispunha desde já de elementos para fixar tal quota-parte.
b. Em caso afirmativo, bondade da proporção fixada pelo tribunal.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
A. Matéria de Facto.
São os seguintes os factos dados como provados na decisão recorrida:
1. Encontra-se inscrita a favor da Autora e do Réu a aquisição, em comum e partes iguais, por compra, mediante Ap. …, da fracção autónoma designada pela letra .”, correspondente ao primeiro andar, letra “.” descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …, da freguesia de …, e inscrito na matriz predial sob o artigo …, da respectiva freguesia.
2. Mediante a Ap. …, encontra-se inscrito um ónus de inalienabilidade a favor do INH.
3. Mediante a Ap. …, encontra-se inscrita uma hipoteca voluntária, a favor da …, pelo montante máximo de Esc. 6.313.704$00.
B. O Direito.
1. Fixação da quota-parte de cada um dos comproprietários, em ½ para cada um dos comproprietários.
Todo o consorte tem o direito de pôr termo à compropriedade, pedindo a divisão da coisa comum (art. 1412º CC).
Como refere Manuel Rodrigues[1], a divisão de coisa comum tem por fim localizar, concretizar a parte de cada consorte na propriedade comum, e por isso, em princípio, cada consorte tem direito a uma porção da coisa comum, divisão que pode ser in natura ou divisão do preço.
Para designar a medida da comparticipação dos comproprietários no direito comum a lei fala em quotas.
Dispõe o art. 1043º do CC:
1. Existe propriedade em comum ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa.
2. Os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes; as quotas presumem-se, todavia, quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo.
Quando o título constitutivo da compropriedade for omisso relativamente à medida das quotas, a lei presume que as quotas dos comproprietários são iguais.
No caso em apreço, tendo as partes adquirido a fracção em causa por compra e venda, o título constitutivo da compropriedade será a escritura que titula tal negócio jurídico.
E, da respectiva escritura, pela qual o INH declarou vender aos RR. a fracção em causa (doc. 3 junto com a p.i.), consta que o primeiro outorgante “vende aos segundos outorgantes, em comum[2], a fracção autónoma designada pela letra “C (…)”.
Ora, constando unicamente de tal escritura que a fracção é vendida em “comum”, teremos de concluir que a mesma é omissa relativamente à medida das suas quotas.
É certo que, segundo Pires de Lima e Antunes Varela referem que a indicação em contrário, a que alude a parte final do art. 1403, nº2, não tem de se expressa:
“Assim, se a participação dos consortes nas vantagens e encargos da coisa for estabelecida em proporção diversa, isto bastará, na ausência de outros elementos sobre a vontade do autor ou autores da declaração, para afastar a presunção legal.
Deve considerar-se igualmente afastada a presunção legal, na falta de elementos em sentido contrário, quando do título constitutivo resulte ter sido desigual o montante desembolsado por cada comproprietário para a aquisição da coisa comum[3]”.
Contudo, no caso em apreço, da escritura de compra e venda não se retira qualquer elemento que possa afastar a aplicação de tal presunção:
Com efeito da mesma consta apenas: “Que o preço desta venda é de dez milhões novecentos e cinquenta mil escudos, que já recebeu. Que parte do referido preço foi pago com o montante de quatro milhões trezentos e cinquenta e cinco mil e seiscentos escudos, que a título de comparticipação foi concedido pelo Instituto Nacional de Habitação, nos termos do Decreto Lei nº 79/96, de 20 de Junho (Programa Especial de Realojamento nas áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, designado por PER). Que o fogo ora adquirido destina-se exclusivamente a habitação própria e permanente dos adquirentes e seu agregado familiar, não podendo ser alienado antes de decorrido o prazo de vinte e cinco anos sobre a data da presente aquisição, estando esta intransmissibilidade sujeita a registo. A alienação ou a utilização do fogo para outro fim antes de decorrido o prazo referido no número anterior implica o reembolso do montante da referida comparticipação ora concedida pelo HNH, acrescida de 10%”.
Ora, se algo se pode retirar dos demais elementos constantes do título constitutivo, será precisamente no sentido da igualdade das quotas (refere a aquisição mediante comparticipação do INH, com a obrigatoriedade de destinação exclusiva a habitação própria e permanente da A. e do R. e do seus agregado familiar).
Podemos, assim, dar por assente a ausência de qualquer menção em contrário no título e que, como tal, a compropriedade daí resultante se encontra sujeita à presunção prevista no nº2 do art. 1403º, de igualdade das quotas.
Chegamos então à questão sobre qual a natureza de tal presunção, ou seja, se a mesma é, ou não ilidível.
Segundo José Alberto C. Vieira, “se o título constitutivo não permitir aferir o valor das quotas de cada um dos comunheiros, a lei presume, iuris et iure, que a quota dos comunheiros é igual[4]”.
Contudo, haverá que ter em atenção que esse (presunção inilidível) não é o regime regra das presunções.
Dispõe o art. 350º do CC:
1. Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz.
2. As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir.
Por outro lado, Jacinto Rodrigues Bastos faz um enquadramento um pouco diferente de tal norma:
“A 2ª parte do nº2 não representa um favor da lei para a igualização das quotas mas um critério usado para suprir a lacuna nos casos em que a fonte da comunhão não indique a medida da quota; mais do que uma presunção, trata-se de um preceito supletivo; é claro que a dita presunção (iuris tantum) não opera quando a norma legal de que resulte a relação de comunhão fixar, directa ou indirectamente, a extensão da quota, ou quando a pessoa ou pessoas que tiverem constituído a comunhão se tiverem abstido de determinar as partes[5]”.
O elemento literal do nº2 do art. 1403º (ao fazer depender a aplicação da presunção de igualdade da inexistência de indicação em contrário no título constitutivo) levar-nos-á a seguir a tese defendida por José Alberto C. Vieira, de que presunção da igualdade das quotas só pode ser afastada se algum elemento constar do título constitutivo em sentido contrário, e que no caso do título constitutivo ser omisso quanto à medida da comparticipação, as quotas dos comproprietários se presumem iguais, sem possibilidade de prova em contrário.
Também em igual sentido apontará o facto de, a possibilidade de, por “virtude de lei, do título constitutivo da comunhão ou de acto ulterior, ser diversa a extensão atribuída ao conteúdo dos poderes de cada um dos participantes”, prevista nos trabalhos preparatórios de revisão do CC[6], não ter passado para o Anteprojecto, quer para a versão final, prevendo esta, tão só, “a falta de indicação em contrário prevista no título executivo”.
É certo que tal presunção valerá unicamente para o momento da constituição de tal direito.
Com efeito, quer Pires de Lima e Antunes Varela, quer José Alberto Vieira, concordam em que a quota do comunheiro não tem de permanecer sempre a mesma.
“O título constitutivo fixa o seu valor no momento da constituição da comunhão, sem que, porém, esse valor seja imutável.
Com feito, o valor da quota do comunheiro pode variar por força da eficácia de factos supervenientes que tenham justamente o efeito de alterar o valor da quota. Cada comunheiro pode dispor (vender, doar, trocar, etc.) de toda ou parte da sua quota (art. 1401º, nº1, 1ª parte) e, naturalmente, o adquirente pode ser outro comunheiro. Do mesmo modo, o comunheiro pode falecer e o seu sucessor ser outro comunheiro[7]”.
Ou, nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela:
“A medida inicial das quotas pode ser modificada por acordo ulterior dos contitulares. O acordo de modificação está sujeito às regras de forma e publicidade a que tem de obedecer o acto constitutivo da comunhão[8]”.
A questão é que se tratem de actos que sejam susceptíveis de alterar o valor da respectiva quota (será o caso da usucapião, da renúncia de um dos consortes, ou da reunião de quotas num único titular por efeito da aquisição de quotas de outro consorte).
No caso em apreço, é a própria autora que, no art. 1º da petição inicial, alega que A. e R. são donos e legítimos proprietários, “em partes iguais”, da fracção em causa.
Alega ainda que, apesar de então viverem em união de facto, foi a requerente que sempre diligenciou pela compra da casa e que procedeu ao pagamento da amortização da fracção, e que tendo cessado a união de facto, existem dois filhos do casal que consigo residem.
De tal alegação, a autora retira as seguintes pretensões:
a) que se proceda à adjudicação do bem à autora, uma vez que o réu em nada contribuiu para a sua aquisição, ou, caso assim se não entenda,
b) designar-se acordo de interessados com vista à a alcançar-se acordo sobre a pedida adjudicação, ou caso assim se não entenda,
c) designar conferência de interessados, com vista à venda do respectivo valor, tendo em consideração os factos acima expostos.
Contesta o réu opondo-se à adjudicação do bem à autora, com a alegação de que o requerido recebeu uma comparticipação da CM para a aquisição da casa e que a autora só fez parte do contrato de compra e venda, porque nessa altura vivia já em união de facto, alegando, ainda, que era o requerido que sustentava o agregado familiar e que pagava as prestações da casa.
E na sua resposta à contestação, a Autora alega que tendo o preço da fracção sido no valor 10.950.000$00, 4.355.000$00 foram pagos pelo HMH e cerca de 2.000.000 pela Câmara Municipal da ..., tendo a A. e o R. ficado devedores da quantia de 4.5095.000$00, encontrando-se a Autora a proceder ao pagamento do financiamento bancário.
Ora, de tal alegação resulta que, nem na P.I., nem na resposta à contestação, a autora expressa qualquer pretensão a que as quotas sejam fixadas em medida diferente do critério supletivo previsto no art. 1403º.
Com efeito, e só face à decisão do tribunal a quo a fixou na proporção de ½ a quota parte de cada um dos proprietários, vem agora a requerente, unicamente e pela primeira vez, em sede de recurso, exercer a sua pretensão de que “A. e R. não serão comproprietários na proporção de metade, mas tão somente na proporção do que contribuíram para a sua aquisição, na pendência da união”.
De qualquer modo, tal pretensão não encontra apoio legal.
A compropriedade pode ter origem num acto negocial, num acto jurídico não judicial, em disposição de lei ou numa decisão judicial.
A compropriedade constitui-se por negócio jurídico, sempre que seja atribuída, por contrato ou testamento o direito de propriedade sobre uma coisa relativamente a vários titulares[9].
Tendo por base um negócio jurídico (no caso em apreço, um contrato de compra venda), o título constitutivo é o título negocial, ou seja, a escritura de compra e venda.
A transferência da propriedade do imóvel opera-se no momento da celebração do contrato de compra e venda (independentemente do pagamento (ou não) do preço, que apenas consiste numa das obrigações decorrentes do contrato nos termos do art. 879º, al. c) do CC).
E, como tal, a atribuição da percentagem da quota que cada um dos comproprietários na coisa comum fixa-se no momento da sua aquisição.
E, a presunção de igualdade das quotas, prevista no nº2 do art. 1304º, só poderá ser afastada por elementos constantes do próprio título de aquisição e já não por elementos exteriores ao mesmo[10] (sendo, assim, inadmissível a produção de prova testemunhal para prova de que a comparticipação de um dos comproprietários na aquisição do imóvel foi superior à dos demais, porque, por ex. suportou uma parte superior do preço do mesmo).
Ora, como tem vindo a ser defendido pela nossa jurisprudência e doutrina, o alegado facto, de a Requerente ter vindo a suportar a amortização mensal do empréstimo contraído para pagamento de parte do preço da fracção, apenas relevará para efeitos da relação obrigacional existente entra as partes, concedendo-lhe um eventual direito de crédito sobre o requerido.
A união de facto entre duas pessoas não, é por si, só susceptível de gerar direitos patrimoniais relativamente a bens contraídos na constância de tal união, não podendo falar-se de património comum[11], muito embora a maior parte das vezes os bens tenham sido adquiridos com dinheiro de ambos ou, pelo menos, com o esforço de ambos.
A doutrina tem vindo a defender que, sendo o casamento e a união de facto situações materialmente diferentes, não há qualquer base legal para estender à união de facto as disposições que ao casamento se referem[12].
Assim, e na ausência de regulamentação específica, as relações patrimoniais geradas na constância da união de facto serão regidas com recurso às regras gerais[13], tendo-se a doutrina vindo a pronunciar no sentido de que, a entender-se haver lacuna susceptível de preenchimento por analogia, sempre deveria ser por recurso ao regime da separação de bens[14].
Com efeito, neste regime também não há bens comuns, mas tão só bens próprios ou bens em compropriedade, pelo que, em matéria de titularidade e partilha de bens a solução não diferirá da encontrada para o casamento celebrado sob o regime da separação.
Assim, e quanto aos bens imóveis, na união de facto, tal como no regime da separação, “cada um deles será daquele que aparecer como seu titular e se o outro contribui para a sua aquisição tê-lo-á de provar invocando um crédito face ao outro cônjuge a exercer nos termos gerais do direito das obrigações[15]”.
Quer a doutrina, quer a jurisprudência, têm entendido que a prova da compropriedade está exclusivamente dependente do título, pelo que, se os bens são adquiridos apenas em nome de um deles e ambos contribuíram para a sua aquisição, através de participação directa no pagamento do preço ou pelo menos com contribuição prestada ao casal através do seu trabalho doméstico, o companheiro que não consta no título como proprietário poderá reaver a sua comparticipação financeira na aquisição do bem na medida do “enriquecimento sem causa”[16].
Assim, o alegado facto – de que tem sido a autora que têm vindo a proceder à amortização do financiamento obtido para aquisição da fracção em causa tem feitos meramente obrigacionais – (concedendo-lhe um eventual direito de crédito sobre o requerido, na proporção da sua contribuição para a liquidação do empréstimo[17]), sendo, além do mais, de ocorrência posterior ao título, é irrelevante para alterar a situação jurídica real do imóvel[18].
Concluindo, tendo a Requerente e o requerido adquirido em comum o direito de propriedade sobre a fracção em causa, ou seja, em compropriedade, e não resultando o contrário do título constitutivo – escritura de compra e venda – presumir-se-ão iguais as respectivas quotas.
O estado dos autos permitia, assim, a resolução da questão da quota-parte de cada um dos comproprietários na fracção objecto da presente acção, nenhuma censura nos merecendo a proporção fixada pelo tribunal a quo.
Improcederá, assim, a apelação.
IV – DECISÃO.
Pelo exposto, os juízes deste tribunal da Relação acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a suportar pela Apelante.
Lisboa, 8 de Maio de 2012
Maria João Areias
Luís Lameiras
Roque Nogueira
---------------------------------------------------------------------------------------- [1] “A Compropriedade no direito civil português”, estudo publicado na RLJ Ano 58, pag. 98. [2] Embora o juiz a quo tenha dado como provado que se encontra “inscrita a favor da Autora e do Réu a aquisição, em comum e partes iguais, por compra (…)” (talvez porque no art. 1º da p.i., a própria autora alega que A. e R. são proprietários “em partes iguais”), tal referência não se encontra correcta, uma vez que, o que do registo predial consta é, tão só, a sua “aquisição a favor de Arlindo Martins Almeida e Fátima Fortes Gonçalves”. [3] Cfr., Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed., Coimbra Editora, pag. 349. [4] “Direitos Reais”, Coimbra Editora 2008, pag. 367. [5] Cfr., “Direito das Coisas”, II Vol., pag. 141, nota 2, anotação ao art. 1403º CC. [6] Cfr., art. 4º, nº1 do projecto elaborado por Luís Pinto Coelho, “Da Comunhão de Propriedade e da Comunhão de outros direitos reais”, disponível no BMJ nº 102 (pag. 182 e 183) e continuado no BMJ nº 103 (pag. 155 e ss.). [7]José Alberto Vieira, obra citada, pag. 367. [8] Obra citada, pag. 359, nota 9 ao art. 1403º CC. [9] Cfr., Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, “Direitos Reais”, Almedina 2009, pag. 216. [10] A tal respeito, afirma-se no Acórdão deste tribunal, de 30-06-2009, disponível in http://www.dgsi.pt.: “Em face do nº2 do art. 1403º CC, o que desde logo haverá de extrair é que o aspecto quantitativo das quotas é fixado no título executivo; e só na falta dessa fixação (directa ou indirecta) se estabelece uma presunção de igualdade. Presunção essa que só é elidível por elementos constantes do título constitutivo, sendo irrelevantes circunstâncias exteriores a esse título.” [11] Cfr., entre outros, José António França Pitão, “Uniões de Facto e Economia Comum”, 3ª ed., Almedina 2011, pag. 156, e Ac. TRP de 19-02-2004, disponível in http://www.dgsi.pt. [12] Cfr., entre outros, Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, “Curso de Direito da Família”, Vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora 2008, pag. 57. [13] Cfr., entre outros, Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, obra citada, pag. 74. [14] Cfr., neste sentido, José A. França Pitão, obra citada, pag. 158. [15] Cfr., Cristina M. Araújo Dias, “Dissolução da União de Facto”, estudo publicado in Cadernos de Direito Privado, nº 11, Julho Setembro de 2005, em anotação ao Acórdão do TRG, de 29.09.2004, pag. 76. [16] Cfr., entre outros, Ac. TRL de 27.01.2011, relatado por António Valente, Ac. TRL de 26.10.2010, relatado por Rosa Ribeiro Coelho, e França Pitão, obra citada, pag. 158 a 162, Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, obra citada, pag. 80. [17] O pagamento da quantia mutuada ou os créditos de que a requerente se julgue detentora, por via da eventual liquidação do mútuo, dizem respeito à relação contratual estabelecida entre ambos e a entidade bancária que concedeu o título e que dispõe de hipoteca sobre a fracção objecto da presente acção. [18] Cfr., neste sentido, Acórdão do TRL de 04.03.2010, quanto a uma acção de divisão de coisa comum em que se discutia igualmente a relevância da eventual desigualdade no pagamento dos encargos assumidos com o empréstimo bancário para aquisição do imóvel.