DESPEDIMENTO
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
PEDIDO
TRABALHADOR
SILÊNCIO
ENTIDADE PATRONAL
Sumário

I - Da aplicação do regime sobre a natureza da declaração recetícia e em particular as normas referentes à declaração tácita, não basta, para que possa ser considerada eficaz como declaração de despedimento de facto, a falta de resposta da empregadora a um e-mail da trabalhadora em que, estando de baixa médica há mais de um ano, refere que se vai apresentar ao serviço, pedindo que lhe seja indicado o local onde o deve fazer, pois que dessa omissão não se pode deduzir, de acordo com a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário colocado na posição do real declaratário/trabalhador (n.º 1 do artº 236.º CC), que revele um sentido inequívoco de pôr termo ao contrato (n.º 1 do artº 217.º CC).
II - É que, perante a referida omissão de resposta da entidade patronal, outras possibilidades, que não o despedimento, se podem configurar em abstrato, muito mais se a trabalhadora se manteve numa atitude passiva, não mais contatando a entidade patronal ou porventura diligenciando por saber se aquela mantinha ou não atividade desde logo no último local em que havia prestado a sua atividade, não permitindo, neste quadro factual, retirar a conclusão segura e inequívoca de que consubstanciará manifestação da vontade da Ré de fazer cessar a relação laboral e, por consequência, de que, com isso, haja pretendido despedir a trabalhadora.
III - Nessas circunstâncias, entendendo que estavam a ser violados os seus direitos, desde logo o decorrente do dever de ocupação efetiva do trabalhador que impende sobre o empregador - artigo 129.º, n.º 1, al. b), do CT) -, a trabalhadora, pretendendo reagir contra essa situação, se a considerava suficientemente grave, sempre poderia promover ela própria o seu despedimento, invocando justa causa, nos termos previstos no artigo 394.º do CT/2009.

Texto Integral

Apelação 833/14.0T8VNG.P1
Autora: B…
: C…
_______
Relator: Nélson Fernandes
1º Adjunto: Des. Rira Romeira
2º Adjunto: Des. Teresa Sá Lopes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
1. B… intentou ação emergente de contrato de trabalho contra “C…, Lda.
Pede a Autora que seja declara a ilicitude do seu despedimento, com a consequente condenação da Ré a pagar-lhe as seguintes quantias: - 11.539,61€, a título de indemnização pelo despedimento; - 9.031,00€, a título de vencimentos desde 01 de Novembro de 2013; - 1 716,03€, a título de diferenças salariais de 2008 a 2011; - 1.597,36€, a título de diferenças salariais de 2011; - 109,16€, a título de subsídio de Natal de 2013; - 1.642,00€, a título de férias do ano de 2012, vencidas em 01 de Janeiro de 2013 e respetivo subsídio de férias; - 1.642,00€, a título de férias do ano de 2013, vencidas em 01 de Janeiro de 2014 e respetivo subsídio de férias; - 1.760,83€, a título de férias do ano de 2010, vencidas em 01 de Janeiro de 2011 e respetivo subsídio de férias; bem como ao subsídio de Natal de 2011; - 1.624,00€, a título de férias do ano de 2008, vencidas em 01 de Janeiro de 2009 e respetivo subsídio de férias; - 1 520,40€, a título de férias do ano de 2009, vencidas em 01 de Janeiro de 2010 e respetivo subsídio de férias; - 1.500,00€, a título de comissões do ano de 2004; - 2.100,00€, a título de comissões do ano de 2010; - 1.000,00€, a título de comissões sobre o stock do hipermercado D…; - Tudo acrescido de juros de mora vencidos, no valor de 2.691,68€; bem como dos vincendos, devidos a partir de 01 de Outubro de 2014; - 5.000,00€, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Alegou para o efeito, em síntese: ter sido admitida ao serviço da Ré em 12 de Outubro de 1998, para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer as funções inerentes à categoria profissional de promotora/repositora; que em contrapartida, a Ré pagava-lhe uma retribuição base mensal, que a partir de 2006 foi no valor de 621,33€; acrescida de subsídio de alimentação; uma diuturnidade; e uma quantia mensal variável, a título de comissões sobre as vendas; Na prática, desempenhava ela funções típicas da categoria profissional de promotora, mas como coordenadora de um grupo de profissionais, tendo assim sendo, a partir de 01 de Julho de 2008, a auferir a retribuição mínima prevista na Convenção Coletiva de Trabalho aplicável para a categoria de “coordenador/chefe de equipa”, o que não ocorreu, pois que a Ré manteve sempre o pagamento da retribuição prevista para a categoria de promotora comercial; Após um período de baixa médica por doença, pretendia apresentar-se ao serviço no dia 30 de Outubro de 2013, pelo que em 23 de Outubro remeteu à Ré um e-mail, solicitando-lhe que lhe indicasse o local onde o deveria fazer, o que a Ré não fez, nada lhe dizendo, mesmo depois de ter voltado a solicitar a mesma informação; Em consequência, no dia 12 de Novembro de 2013 solicitou à Ré que, no prazo máximo de cinco dias, lhe fixasse tarefas e local de trabalho, sendo que a Ré nada lhe respondeu, conduta essa que consubstancia, diz, um despedimento ilícito; Além disso, a Ré não lhe pagou uma série de créditos salariais, designadamente as férias e respetivo subsídio, relativas ao trabalho prestado nos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, e as comissões relativas às vendas efetuadas em 2004 e em 2010; A conduta da Ré causou-lhe danos não patrimoniais.

1.2. Frustrada a tentativa de conciliação das partes, depois de notificada para o efeito apresentou-se a Ré a contestar, começando por invocar a exceção da prescrição do direito da Autora, ao abrigo do disposto no artigo 337.º n.º 1 do Código do Trabalho – alegou para tal, em síntese, que o contrato de trabalho celebrado entre as partes cessou, por acordo, no dia 29 de Junho de 2012 –, para depois, no mais, impugnar a factualidade alegada na petição inicial, reiterando que o contrato cessou, por acordo mútuo, em Junho de 2012, e que após 01 de Agosto de 2010 a Autora apenas trabalhou durante um período de cinco dias úteis, uma vez que durante todo o tempo remanescente esteve de baixa médica.
Concluiu, pedindo a improcedência integral da Acão.

1.3. A Autora respondeu, impugnando a factualidade alegada pela Ré e pugnando pela improcedência da exceção invocada. Concluiu como na petição inicial.

1.4. - O tribunal proferiu despacho, através do qual convidou a Autora a apresentar articulado complementar, no qual procedesse à concretização de factos relativos ao direito às comissões reclamadas e ao número de dias de férias por ela gozados.

1.5. A Autora, acedendo a tal convite, apresentou o requerimento que consta de fls. 112 e seguintes dos autos, exercendo, no seguimento, a Ré o contraditório, conforme fls. 249 e seguintes.
1.6. Fixado o valor da causa em €44 501,74, foi de seguida proferido despacho saneador, no qual se remeteu para final a decisão relativa à exceção de prescrição invocada pela Ré, para depois de proceder à condensação do processo, com fixação dos Factos Assentes e da Base Instrutória.

1.7. Tendo os autos prosseguido os seus termos, realizada a audiência de discussão e julgamento, depois de proferido despacho sobre a matéria de facto controvertida, veio a ser proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Nestes termos e com tais fundamentos, julgo a presente acção parcialmente procedente, em consequência do que condeno a Ré a pagar à Autora a quantia global de 1.268,26€, a título de subsídios de férias dos anos de 2009 e de 2010; acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde o vencimento de cada um daqueles subsídios e até integral pagamento.
Custas por ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento.”

2. Não se conformando com o assim decidido, a Autora interpôs recurso de apelação, apresentando as respetivas alegações, nas quais formula as conclusões seguidamente transcritas:
“1. O local de trabalho da recorrente é plurilocal, isto é, estende-se por várias superfícies comerciais;
2. Superfícies que eram indicadas pela recorrida à recorrente;
3. A recorrente avisou, previamente, a recorrida que se iria apresentar ao trabalho, após uma longa baixa médica, em 31OUT13;
4. A recorrida não indicou à recorrente o local de trabalho em que se deveria apresentar;
5. Apesar da insistência da recorrente a recorrida manteve-se em silêncio;
6. A recorrente não era obrigada a apresentar-se na sede da recorrida;
7. A atitude da recorrida não pode deixar de ser entendida como a vontade de pôr fim ao contrato de trabalho;
8. Assim deve ser revogada a decisão, ora, posta em crise e ser declarada a ilicitude do despedimento da apelante, com as legais consequências;
9. Violou, assim, a douta sentença, os artigos 381º e 390º do Código do Trabalho e as normas plasmadas nos artºs 53º e 58º da CRP.
TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE A DECISÃO DE 1ª INSTÂNCIA SER REVOGADA NO SENTIDO REQUERIDO, COM O QUE VªS Exªs FARÃO JUSTIÇA.”

2.1. Notificada, a Ré apresentou requerimento em que refere prescindir de apresentar alegações, no entendimento de que a “sentença proferida pelo Tribunal a quo, quer pela criteriosa análise dos factos dados como provados, em sede de Despacho Saneador e em sede de Sentença, quer pela mais do que suficiência da respectiva fundamentação, deve ser integralmente mantida, não merecendo qualquer reparo”.

3. Admitido o recurso como de apelação, com efeito meramente devolutivo – artigos 79º-A nº 1 e 83º nº 1 do Código de Processo do Trabalho –, subidos os autos a esta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer (fls. 580 a 582 dos autos), sustenta que o recurso deve proceder, considerando-se que a Ré despediu a Autora sem justa causa, com as legais consequências.

3.1. Respondeu a Ré ao referido parecer, sustentando que não se verificam os pressupostos no mesmo afirmados.
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Cumpridas as formalidades legais e nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.
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II. Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC) – aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do CPT –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, é a seguinte a única questão a decidir: Saber se ocorreu, diversamente do decidido na sentença recorrida, despedimento de facto da Autora.
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III – Fundamentação
A) De facto
O tribunal a quo deu como provados os factos seguidamente transcritos[1]:
a) A Ré exerce a actividade comercial de agentes de comércio por grosso. (A)
b) No dia 12 de Outubro de 1998 as partes subscreveram um documento, denominado “CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO”, junto a fls. 26 e 27 dos autos e cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido, através do qual, entre outras coisas, declararam que:
“(…)
1ª O primeiro outorgante contrata o segundo para, sob as respectivas ordens, direcção e fiscalização, exercer as funções de Promotora/Repositora;

Em contrapartida do desempenho de tais funções pela segunda outorgante, o primeiro pagar-lhe-á a retribuição mensal de 108.000$00.
3ª Tais funções serão, ainda, exercidas pelo segundo outorgante nos espaços comerciais onde se realizem as promoções levadas a efeito pela 1ª outorgante, espaços que podem ser próprios ou outras entidades ou empresas e no horário de trabalho flexível, mas dentro das horas de abertura e fecho desses espaços comerciais;
4ª O presente contrato de trabalho a prazo certo tem início no dia 12 de Outubro e é celebrado pelo prazo de 1 Ano; (…).
Em Elvas, 12 de Outubro de 2000” (B)
c) No ano de 2010 a retribuição mensal paga pela Ré à Autora era de 621,33€.(C)
d) Além do mencionado em c), a Ré pagava ainda mensalmente à Autora um subsídio de alimentação, no valor diário de 4,66€; e uma diuturnidade, no valor mensal de 12,80€. (D e E)
e) Para além do mencionado em c) a em d), as partes acordaram ainda que a Autora teria direito a receber comissões sobre as vendas. (1º)
f) Entre os anos de 2004 e 2010 a Autora exerceu as suas funções em diversos estabelecimentos, designadamente nas lojas E… de E1…, E2…, E3…, E4…, E5…, E6… e E7…; nas lojas “F…” de F1…, F2…, F3…, F4…, F5…, F6…, F7… e F8…; nas lojas G…, de G1…, G2… e G3…; e na loja “H… de H1….(3º)
g) A partir de determinada altura, a Ré atribuiu à Autora uma viatura para o exercício das suas funções. (5º)
h) No dia 01 de Agosto de 2010 a Autora entrou de baixa médica por doença. (F)
i) A Autora manteve-se na situação de baixa médica mencionada em h) até ao dia 30 de Janeiro de 2012. (16º)
j) A Autora apresentou-se ao trabalho no dia 31 de Janeiro de 2012. (17º)
k) A Autora voltou a entrar de baixa médica no dia 08 de Fevereiro de 2012. (18º)
l) Após o mencionado em k), a Autora esteve de novo de baixa médica até ao dia 30 de Outubro de 2013. (8º)
m) No dia 27 de Abril de 2012 a Autora fez chegar à Ré um documento, denominado “Declaração, proveniente da Administração Regional de Saúde do Norte, Sub-Região de Saúde do Porto, do Ministério da Saúde e subscrito por I…, Clínico Geral; datado de 02 de Maio de 2012, no qual, entre outras coisas, aquele médico declarou que a Autora “(…) vai ter alta, a seu pedido, a partir de 11/5/2012, pois, embora continue doente, vai tentar sob o efeito de forte medicação, reiniciar o seu trabalho dado que a sua baixa deixou de ser remunerada. (…)”. (19º)
n) A Autora não se apresentou ao trabalho no dia 11 de Maio de 2012, nem em qualquer dia posterior. (20º)
o) No ano de 2012 a Autora estabeleceu negociações com a Ré, no sentido de ser celebrado um acordo para cessação do contrato de trabalho. (G)
p) Nesse âmbito, a Autora enviou à Ré um e-mail, datado de 29 de Junho de 2012, junto a fls. 94 dos autos e cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido, através do qual comunicou àquela, entre outras coisas, que:
“(…) Aceito o acordo de extinção do posto de trabalho, recebendo como contrapartida:
- subsídios de natal e de férias, e,
- pagamento das últimas comissões no valor de 1.500€. (…)”. (I)
q) No dia 23 de Outubro de 2013 a Autora remeteu um e-mail a um funcionário da Ré, de nome J…, através do qual, entre outras coisas, lhe comunicou que:
“(…) Após afastamento prolongado devido a doença (…) sinto-me bem e com forças e gostaria de regressar ao trabalho.
Venho (…) apresentar-me ao serviço a partir do dia 30-10-2013.
(…) Aguardo directrizes para local de apresentação e documentação devida necessária. (…)”. (9º)
r) No dia 30 de Outubro de 2013 a Autora remeteu um novo e-mail a J…, através do qual, entre outras coisas, lhe comunicou que:
“(…) Dado que não recebi qualquer resposta ao 1º mail enviado a 23-10-2013 e visto o prazo da minha baixa terminar hoje dia 30-10-2013, continuo sem saber qual o local de apresentação.
Aguardo a vossa decisão. Se facilitar, estou na disposição de me deslocar até Lisboa (Posso lá estar a partir de segunda-feira dia 04-11-2013), para assim podermos conversar e resolver qualquer assunto que precise esclarecimento. (…)”. (10º)
s) No dia 12 de Novembro de 2013[2] o Mandatário da Autora remeteu à Ré uma carta, através da qual, entre outras coisas, lhe comunicou que:
(…) Procurou-me a Senhora K… manifestando a sua preocupação porque, após uma prolongada baixa médica, se ter apresentado ao trabalho em 31OUT2013, mediante prévia comunicação e até ao momento não lhe ter sido distribuída qualquer tarefa nem lhe ter sido indicado o local onde deverá exercer as suas funções profissionais.
Assim, venho solicitar informação sobre esta situação, no prazo máximo de 5 dias.
Como V. Exªs sabem a não atribuição de tarefas a um trabalhador trata-se de ilícito laboral sancionado por lei. (…)”. (11º)
t) A Ré nunca respondeu às missivas mencionadas de q) a s). (12º)
u) O mencionado em t) causou à Autora ansiedade e preocupação. (13º)
v) Em Junho de 2008 a Ré pagou à Autora a quantia de 12,80€, a título de diuturnidades. (22º)
w) Após o mencionado em h), a Autora apenas gozou cinco dias úteis de férias, no decurso do período temporal referido em j) e k). (14º e 15º)”
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B) Discussão
Em sede de recurso, não impugna a Apelante a decisão proferida sobre a matéria de facto pelo tribunal de 1ª instância, sendo assim a base factual a atender em sede de recurso, para o dizer do Direito, a mesma que serviu de base àquele Tribunal.
1. O Direito do caso
Objeto de apreciação, face às conclusões do recurso, que esse delimitam, é a questão de saber se, diversamente do que foi afirmado na sentença recorrida, os factos provados consubstanciam uma situação que possa ser configurado como de despedimento ilícito da Apelante, como esta sustenta, no que é acompanhada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto.

1.1. Previamente à apreciação da questão, impõem-se algumas notas sobre o que deve ser entendido por despedimento, tanto mais que o Código do Trabalho (CT/2009) não contém uma sua definição.
Com tal objetivo, de modo breve, poderemos dizer, acompanhados pelo que tem sido afirmado pela doutrina e jurisprudência, que o despedimento se configura como uma manifestação /declaração de vontade do empregador, que tem como destinatário o trabalhador, com o objetivo de fazer cessar o contrato de trabalho.
O mesmo resulta afirmado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Outubro de 2009, citado no Acórdão do mesmo Tribunal de 17 de março de 2016[3], ao afirmar-se que a definição de despedimento, segundo a doutrina e a jurisprudência, “(...) se traduz na rutura da relação laboral, por ato unilateral da entidade patronal, consubstanciado em manifestação da vontade de fazer cessar o contrato de trabalho – cfr. Bernardo da Gama Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, 2.ª Edição (Reimpressão), Verbo, Lisboa, 1996, p. 478 –, ato esse de caráter recetício, o que significa que, para ser eficaz, nos termos do artigo 227.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código Civil, implica que o atinente desígnio deve ser levado ao conhecimento do trabalhador, mediante uma declaração feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio de manifestação de vontade – declaração negocial expressa, tal como prevê a 1.ª parte do artigo 217.º do Código Civil –, ou que possa ser deduzida de atos equivalentes, que, com toda a probabilidade a revelem – declaração negocial tácita, nos termos da 2.ª parte do mesmo artigo 217.º –, declaração dotada, em qualquer caso, do sentido inequívoco de pôr termo ao contrato, que deve ser apurado segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário – sentido normal da declaração, conforme o disposto no n.º 1, do artigo 236.º do Código Civil – e que, como tal, seja entendida pelo trabalhador (cfr., entre outros, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 27 de janeiro de 2005 (Processo n.º 924/04), de 10 de março de 2005 (Processo n.º 3153/04), de 19 de maio de 2005 (Processo n.º 3678/04), e de 13 de julho de 2005 (Processo n.º 916/05) e de 13 de setembro de 2007 (Processo n.º 4191/06) — todos sumariados em www.stj.pt, Jurisprudência/ Sumários de Acórdãos/Secção Social). A referida inequivocidade visa, como se observou no Acórdão deste Supremo de 7 de março de 1986 (Documento n.º SJ198603070012554, em www.dgsi.pt), “tanto evitar o abuso de despedimentos efetuados com dificuldade de prova pelo trabalhador, como obstar ao desencadear das suas consequências legais, quando não se mostre claramente ter havido rutura indevida do vínculo laboral por parte da entidade patronal”.»
Tendo por referência as regras de repartição do ónus de prova, é sobre o trabalhador recai o ónus de alegar e provar o ato de despedimento promovido pela entidade patronal – artigo 342.º n.º 1 do Código Civil (CC).
Como se referiu no Acórdão desta Relação e Secção de 16 de Janeiro de 2017[4]:
“(…) O CT/2009, assim no seu artigo 340.º, prevê as modalidades que pode revestir a cessação do contrato de trabalho, concretizando depois, no que ao caso importa, nos seus artigos 351.º a 358.º, o despedimento (da iniciativa do empregador) por facto imputável ao trabalhador (art.º 351.º), regulando o procedimento a observar.
Exige-se sempre, tratando-se de despedimento lícito, para além da observância do procedimento legal previsto, que a declaração de vontade da entidade empregadora de pôr termo ao contrato de trabalho seja expressa, obedecendo ainda ao formalismo exigido legalmente para a decisão de despedimento, sendo que, tendo ela um destinatário, ou seja o trabalhador, assume a natureza de declaração negocial receptícia, na terminologia da doutrina, sujeita assim à disciplina que resulta do n.º 1 do artigo 224.º do CC, em que se dispõe que “A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida”. Aplicando tal regime ao que aqui importa, do mesmo resulta, pois, que a declaração de vontade do empregador em fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro só se torna eficaz depois de ter sido recebida pelo trabalhador/destinatário, pelo que até então os efeitos do contrato de trabalho se mantêm plenamente em vigor.
Do mesmo modo, por ter tal natureza, importa ter presente o que se dispõe no n.º 1 do artigo 217.º do CC: “A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.”
Da aplicação do citado regime resulta que, como se refere no recente acórdão deste Tribunal da Relação de 10 outubro de 2016[5], citando, “(...) como é entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, para que exista um despedimento, embora ilícito, porque não precedido do procedimento legalmente previsto, basta que ocorra uma declaração de vontade tácita, isto é, um comportamento concludente do empregador de onde se deduza, com toda a probabilidade, a sua vontade de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro [Cfr, Pedro Furtado Martins,Cessação do Contrato de Trabalho,2.ª Edição revista e actualizada, Principia, 2002, pp. 74; e, na jurisprudência publicada e mais recente do STJ, os acórdãos de 05.4.2006, proc.º 05S3822, Vasques Dinis; de 14.03.2007, prc.º 06S2844, Mário Pereira; de 12.09.2009, proc.º 08S3617, Sousa Grandão; de 16.01.2008, proc.º 07S535, Mário Pereira; de 27.02.2008, proc.º 07S4479, Pinto Hespanhol; de 23.04.2008, proc.º 07S4101, Bravo Serra; de 16.06.2008, proc.º 08S1249, Bravo Serra; de 3.06.2009, proc.º 08S3696, Sousa Grandão; de 17.06.2009, proc.º 08S3717, Sousa Grandão; e, 21.10.2009, proc.º 272/09.5YFLSB,Vasques Dinis, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj].
Pelas razões que se referiram, isto é, por se tratar de uma declaração recipienda (ou receptícia), a declaração de vontade tácita torna-se eficaz quando chega ao seu destinatário, o trabalhador (art.º 224.º 1 do CC). E, conforme é igualmente entendimento pacífico, tratando-se de declaração tácita, para que possa ser deduzida de actos que com toda a probabilidade a revelam (2.º parte do n.º1 do art.º 217.º do CC), deve ser dotada de sentido inequívoco de pôr termo ao contrato, o qual deve ser apurado segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário, isto é, o sentido normal da declaração, conforme o disposto no n.º1 do art.º 236.º do CC, e como tal ser entendida pelo trabalhador [cfr. jurisprudência citada]. Essa inequivocidade visa “(..) tanto evitar o abuso de despedimentos efectuados com dificuldade de prova pelo trabalhador, como obstar ao desencadear das suas consequências legais, quando não se mostre claramente ter havido ruptura indevida do vínculo laboral por parte da entidade empregadora” [Ac. STJ de 7 de Março de 1986, proc.º 001255, Miguel Caeiro; e, Ac. STJ de 05-04-2006, proc.º n.º 05S3822, Vasques Dinis; disponíveis em www.dgsi.pt/jstj].”»

1.2. Importando agora aplicar ao caso que se decide o mencionado regime, constata-se que o Tribunal a quo fez constar o seguinte:
“(…) 3.1 - O primeiro e principal pedido formulado pela Autora nesta acção é o da declaração judicial da ilicitude do despedimento de que a mesma foi alvo em Outubro de 2013.
Efectivamente, e de acordo com a tese alegada pela Autora, após um período em que esteve em situação de baixa médica por doença, ela remeteu à Ré um e-mail, comunicando-lhe a sua disponibilidade para se apresentar de novo ao serviço e solicitando-lhe instruções relativas ao local onde se deveria apresentar.
Contudo, a Ré não respondeu a tal e-mail, nem às duas posteriores comunicações que a Autora lhe remeteu para o mesmo fim.
É este silêncio da Ré que a Autora interpreta como consubstanciando um despedimento ilícito.
Cumpre então apreciar se lhe assiste ou não razão.
3.2 - Como refere Bernardo da Gama Lobo Xavier, in “Curso de Direito do Trabalho”, Verbo, página 478, o despedimento - que se define como ruptura da relação de trabalho por acto de qualquer dos seus sujeitos - constitui a mais importante forma de cessação do contrato de trabalho. É estruturalmente um acto unilateral do tipo do negócio jurídico, de carácter receptício (deve ser obrigatoriamente levado ao conhecimento da outra parte), tendente à extinção “ex nunc” (isto é, para o futuro) do contrato de trabalho.
Assim, e como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/04/2006, in www.dgsi.pt, o despedimento - enquanto ruptura da relação laboral por acto unilateral da entidade patronal - consubstancia-se na manifestação de vontade de fazer cessar o contrato de trabalho, que só produz efeitos jurídicos se for levada ao conhecimento do trabalhador, quer através de palavras escritas ou transmitidas por qualquer outro meio de manifestação de vontade; quer através de actos equivalentes, que revelem, clara e inequivocamente, a vontade de despedir, e, como tal sejam interpretadas pelo destinatário - neste sentido, vide ainda, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27/01/2005; 13/07/2007; 27/02/2008 e de 17/03/2016, todos também publicado no mesmo sítio da internet.
Tanto a doutrina como a jurisprudência têm salientado que a vontade de pôr termo ao contrato de trabalho há-de ser inequívoca; e que é ao trabalhador que compete alegar as circunstâncias tendentes a revelar a convicção da vontade do seu despedimento – vide, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14/04/1999, in Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, 2º, página 254; de 27/02/2008, in www.dgsi.pt; e de 14/01/2009, proferido no âmbito do Processo nº 2274/08, da 4ª Secção.
Contudo, mesmo naqueles casos em que inexiste uma declaração de vontade resolutiva expressa por parte do empregador, é ainda possível ao trabalhador demonstrar judicialmente o seu despedimento.
Com efeito, e como se escreveu no Acórdão de 18/06/2008, in www.dgsi,pt, à mingua da clareza e explicitação resultante de uma declaração de vontade expressa dirigida ao trabalhador pelo empregador, a decisão de despedimento pode ainda vir a ser deduzida de factos por este praticados dos quais, com acentuada plausibilidade, resulta inequívoca a vontade de cessação da relação da trabalho.
Neste sentido, e entre vários outros, vejam-se ainda os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14/03/2007; de 16/01/2008; de 23/04/2008; de 16/06/2008; de 03/06/2009; de 17/06/2009; de 12/09/2009 e de 21/10/2009, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Assim sendo, é com base nestes pressupostos que a questão que agora se nos coloca tem de ser equacionada.
3.3 - Aqui chegados, há que relembrar que a Autora fundamenta a sua tese (de ter sido despedida em finais de Outubro de 2013) no facto de a Ré não lhe ter dado qualquer resposta às comunicações por ela enviadas no sentido de lhe ser informado qual o local onde se deveria apresentar ao serviço fino o período de baixa médica em que se encontrou.
Daqui resulta desde logo uma conclusão evidente: é que a própria Autora admite que em nenhum momento a Ré por qualquer meio lhe comunicou, expressa e directamente, que a mesma estava despedida.
Assim sendo, neste caso concreto o despedimento apenas poderia ser demonstrado por força do segundo expediente que supra enunciei.
Ou seja, para que possamos efectivamente concluir que estamos perante um despedimento, impunha-se que a Autora demonstrasse a prática pela Ré de factos dos quais fosse possível concluir a sua vontade inequívoca de fazer unilateralmente cessar a relação de trabalho.
Ora, com relevo para esta questão, os factos que foram dados como provados nos autos são os seguintes:
- A Autora esteve de baixa médica desde o dia 01 de Agosto de 2010 até 30 de Janeiro de 2012;
- A Autora apresentou-se ao trabalho no dia 31 de Janeiro de 2012, tendo então gozado cinco dias úteis de férias;
- A Autora voltou a entrar de baixa médica no dia 08 de Fevereiro de 2012, situação em que se manteve até ao dia 30 de Outubro de 2013;
- No dia 23 de Outubro de 2013 a Autora remeteu um e-mail a um funcionário da Ré, através do qual, entre outras coisas, lhe comunicou que se pretendia apresentar ao serviço a partir do dia 30/10/2013; e que aguardava directrizes para local de apresentação e documentação devida necessária;
- A Ré não respondeu ao referido e-mail;
- No dia 30 de Outubro de 2013 a Autora remeteu novo e-mail ao mesmo funcionário da Ré, através do qual, entre outras coisas, lhe comunicou que continuava a aguardar as instruções solicitadas; e que estaria na disposição de se deslocar a Lisboa para conversar e resolver qualquer assunto que precise esclarecimento;
- A Ré voltou a não responder ao citado e-mail;
- No dia 12 de Novembro de 2011 o Mandatário da Autora remeteu à gerência da Ré uma carta, através da qual, entre outras coisas, lhe concedeu um prazo de cinco dias para prestar as informações solicitadas;
- A Ré não respondeu à mencionada missiva.
Serão então estes factos suficientes para podermos concluir que a Ré pretendeu colocar termo ao contrato de trabalho com a Autora?
Desde já adianto que a minha resposta a esta questão tem de ser negativa.
Com efeito, o artigo 296º nº 1 do Código do Trabalho dispõe expressamente que o impedimento do trabalhador, por doença, de prestar o seu serviço por um período superior a um mês, implica a suspensão do contrato de trabalho.
Por seu turno, o artigo 297º do mesmo diploma prescreve que no dia imediato à cessação do impedimento, o trabalhador deve apresentar-se ao empregador para retomar a actividade.
Ora, e desde logo, não existe qualquer facto nos autos que permita aferir que a Autora cumpriu a sua obrigação de se apresentar à Ré para prestar o seu trabalho, findo que foi o período de incapacidade para o trabalho.
Ora, como é sabido, o contrato de trabalho tem uma natureza sinalagmática, instituindo direitos e obrigações para ambas as partes contratantes.
Assim, sobre o empregador impendem uma série de deveres, designadamente os de não obstar à prestação do trabalho e de pagar pontualmente a retribuição acordada.
Porém, não pode nunca olvidar-se que tais obrigações do empregador constituem a contrapartida da obrigação do trabalhador de comparecer ao serviço e de realizar o seu trabalho, isto é, de colocar a sua força de trabalho à disponibilidade do empregador, no local e dentro do horário previamente fixados (artigo 128º nº 1 b) e c) do Código do Trabalho).
No caso presente, a Autora esteve de baixa médica desde 01 de Agosto de 2010 até 30 de Janeiro de 2012; e desde 08 de Fevereiro de 2012 até 30 de Outubro de 2013.
Ou seja, num período superior a três anos, a Autora apenas compareceu ao serviço entre 31 de Janeiro e 07 de Fevereiro de 2012 (e, mesmo assim, aproveitando tal período para gozar férias).
Logo, cessado que foi definitivamente o período de incapacidade por baixa médica, então competia à Autora ter-se apresentado pessoalmente ao serviço nas instalações da Ré onde sempre, até ao ano de 2010, exercera as suas funções.
Porém, a Autora assim não fez, optando por “ficar em casa” e dirigir cartas à Ré, no sentido de lhe serem dadas indicações sobre o local onde se deveria apresentar para exercer funções.
Saliente-se que em nenhum momento dos autos a Autora justificou minimamente esta conduta, designadamente alegando algum facto que permitisse concluir que, por qualquer motivo, lhe era impossível ou era inútil deslocar-se às instalações da Ré.
Assim sendo, o tribunal fica sem dispor de nenhum elemento que lhe permita compreender a razão pela qual ela não o fez.
É certo que a conduta da Ré - de não responder a nenhuma das três comunicações que lhe foram remetidas pela Autora - não pode deixar de ser censurável e reprovável, desde logo porque violadora do dever de tratar a mesma com urbanidade e probidade, consagrado no artigo 127º nº alínea a) do Código do Trabalho.
Assim, e no limite, a mesma seria apta a permitir à Autora resolver o contrato de trabalho com justa causa, de acordo com o previsto no artigo 394º nº 2) do Código do Trabalho, com a subsequente instauração da acção judicial na qual peticionasse a indemnização e os créditos salariais que entendesse serem devidos.
Porém, essa mesma conduta, só por si, não tem a virtualidade de permitir concluir inelutavelmente que a Ré pretendia fazer cessar o contrato de trabalho.
Competia à Autora, por isso, ter-se efectivamente apresentado pessoalmente no seu local de trabalho normal ou na sede da Ré (de preferência acompanhada por testemunhas presenciais) e aguardar a reacção desta. Só nesse caso, e na eventualidade de a Ré lhe recusar a entrada nas instalações ou demonstrar qualquer outro comportamento de exclusão, é que se poderia, com segurança, concluir pela vontade de colocar termo ao contrato de trabalho.
Em qualquer um desses casos, o tribunal deveria apreciar a licitude da conduta da Ré e, caso entendesse que a mesma era ilícita, condená-la a ressarcir o Autor nos termos legais.
Em consequência de todo este enquadramento, e sem necessidade de quaisquer outras considerações, tem naturalmente de improceder o pedido de declaração da ilicitude do despedimento, nos termos formulados pela Autora; bem como todos os pedidos conexos com o mesmo, designadamente os de condenação da Ré a pagar-lhe uma indemnização em substituição da reintegração; a pagar-lhe a compensação prevista no artigo 390º nº1 do Código do Trabalho (ou seja, a pagar-lhe todas as retribuições vencidas desde a data do despedimento, designadamente a título de vencimento - no valor de 9.031,00€; a título de subsídio de natal de 2013, no valor de 136,83€; e a título de férias vencidas em 01 de Janeiro de 2014 e respectivo subsídio de férias, no valor de 1.642,00€); e a pagar-lhe uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência do despedimento. (…)”
Vista tal fundamentação, não obstante não acompanharmos integralmente todos os argumentos que a integram, consideramos ajustada a solução afirmada pelo Tribunal a quo, pelas razões seguintes:
Ora, não se provando que tenha existido qualquer declaração expressa de despedimento por parte da Ré dirigida à Autora – afirmação que ninguém contesta nos autos –, da aplicação do regime supra enunciado sobre a natureza da declaração recetícia, só poderia chamar-se à discussão, no caso, a figura da declaração tácita, que, como se explicitou anteriormente, para que possa ser considerada eficaz terá de poder ser deduzida de atos que com toda a probabilidade a revelam (2.ª parte do n.º 1 do citado artigo 217.º do CC), estando assim dotada do sentido inequívoco de pôr termo ao contrato, sem esquecermos, necessariamente, que esse sentido deve ser apurado de acordo com a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário, ou seja, o sentido normal da declaração, conforme disposto no n.º 1 do artigo 236.º do CC, e como tal ser entendida pelo trabalhador.
Não é este a nosso ver o caso, tendo por base os factos provados, como tentaremos demonstrar.
E, esclareça-se, não o será apesar de não acompanharmos o Tribunal a quo quando sustenta que, nas circunstâncias do caso, competiria à Autora apresentar-se efetivamente “pessoalmente no seu local de trabalho normal ou na sede da Ré (de preferência acompanhada por testemunhas presenciais) e aguardar a reação desta”, sendo que “só nesse caso, e na eventualidade de a Ré lhe recusar a entrada nas instalações ou demonstrar qualquer outro comportamento de exclusão, é que se poderia, com segurança, concluir pela vontade de colocar termo ao contrato de trabalho.”
De facto, será caso para perguntar qual era afinal o local de trabalho normal da Autora, tendo presente que, face à factualidade provada, apenas consta, nesse âmbito, do contrato celebrado (cláusula 3.ª) que as suas funções “serão, ainda, exercidas pelo segundo outorgante nos espaços comerciais onde se realizem as promoções levadas a efeito pela 1ª outorgante, espaços que podem ser próprios ou outras entidades ou empresas e no horário de trabalho flexível, mas dentro das horas de abertura e fecho desses espaços comerciais” e, quanto ao exercício efetivo ao longo da relação laboral (alínea f) da factualidade provada), que “entre os anos de 2004 e 2010 a Autora exerceu as suas funções em diversos estabelecimentos, designadamente nas lojas E…” de E1…, E2…, E3…, E4…, E5…, E6… e E7…; nas lojas “F…” de F1…, F2…, F3…, F4…, F5…, F6…, F7… e F8…; nas lojas G…, de G1…, G2… e G3…; e na loja H… de H1…. Ou seja, não podendo esquecer-se precisamente que, face ao contrato, a Autora foi contratada para, sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, exercer as funções de Promotora/Repositora, sendo que, no cumprimento da relação laboral, a catividade daquela foi afinal desenvolvida não em estabelecimentos da Ré e sim de outras entidades ou empresas (como de resto previsto também no mesmo contrato), não pode exigir-se que a Autora – tendo presente ainda que a catividade para que havia sido contratada tinha inerente uma normal alteração do local/entidade em que era prestada –, face o período considerável em que esteve de baixa médica, assim desde 08 de Fevereiro de 2012 até ao dia 30 de Outubro de 2013 - sendo que, mesmo anteriormente, havia estado também de baixa médica desde 1 de Agosto de 2010 até ao dia 30 de Janeiro de 2012 -, soubesse qual era, no momento em que se estava a apresentar ao serviço, o local exato onde iria desenvolver a sua catividade. Como ainda, agora quanto à afirmação de que, em alternativa, poderia apresentar-se ao serviço na sede da Ré, permitimo-nos perguntar se a Autora conhecia sequer - ou mesmo se esse existiria de facto – qual era o local físico dessa sede, pois que, não resultando mais do que isso da factualidade provada, o que consta do contrato é apenas a referência a que a empregadora terá sede na Estrada …, Apartado …, …. - …, …, sendo que, acrescente-se, a carta para citação foi remetida precisamente para a mesma morada/apartado, que aliás consta da procuração em que se atribuem poderes forenses ao Ilustre advogado da Ré.
Tudo o que se referiu permite pois, salvo o devido respeito, infirmar a conclusão a que se chegou de que a Autora poderia ter-se apresentado pessoalmente ao serviço. É que, verdadeiramente, face aos elementos de que dispomos, pode até concluir-se não o podia de facto, apresentando-se neste quadro como justificada a sua atuação, assim de, por outro meio, primeiramente através de correio eletrónico - facto q) provado -, comunicar à Ré, como o fez, que iria apresentar-se ao serviço, assim a partir do dia 30-10-2013, pedindo que lhe dessem diretrizes sobre o local de apresentação e documentação devida necessária. Do mesmo modo, na falta de resposta, que no dia 30 de Outubro de 2013 - facto r) provado -, tivesse remetido um novo e-mail, no qual, para além de dar nota do facto de não ter recebido qualquer resposta ao 1.º email (enviado a 23-10-2013), bem como de que o prazo para a sua baixa terminar no dia 30-10-2013, continuando sem saber qual o local de apresentação, reafirma estar a aguardar a decisão da Ré, prontificando-se mesmo, se assim fosse entendido, a deslocar-se a Lisboa para que pudesse assim ser resolvido qualquer assunto que precisasse de esclarecimento. Ou mais tarde, no dia 12 de Novembro de 2013, dada mais uma vez a ausência de resposta da Ré, que tivesse remetido, então já através de Mandatário (facto s) provado uma carta, através da qual, entre outras coisas, lhe deu nota de que, não obstante após uma prolongada baixa médica se ter apresentado ao trabalho em 31OUT2013, mediante prévia comunicação, até a esse momento não lhe ter sido distribuída qualquer tarefa nem lhe ter sido indicado o local onde deverá exercer as suas funções profissionais, solicitando informação sobre esta situação, no prazo máximo de 5 dias – deixando expresso: “Como V. Exªs sabem a não atribuição de tarefas a um trabalhador trata-se de ilícito laboral sancionado por lei. (…)”.
Porém, apesar do que se referiu, a questão que se impõe resolver é a de saber se o referido facto objetivo, assim o mero silêncio da Ré - pois que só desse poderemos falar no caso -, se configura, como é exigido nos termos supra afirmados, como uma declaração de vontade tácita relevante, isto é, um comportamento concludente do empregador de onde se deduza, com toda a probabilidade, a sua vontade de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro. É que, como também o afirmámos, por estar em causa uma declaração a mesma terá de ser deduzida de atos que com toda a probabilidade a revelam (2.º parte do n.º1 do art.º 217.º do CC), devendo pois ser dotada de sentido inequívoco de pôr termo ao contrato, sentido esse a apurar segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário - isto é, o sentido normal da declaração, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 236.º do CC, e como tal ser entendida pelo trabalhador[6].
Ora, a resposta a essa questão não poderá deixar de ser negativa.
Efetivamente, podendo até considerar-se que o ato (o único que se provou) omissivo da Ré de não responder às missivas da Autora, não lhe indicando como aquela pretendia o local onde se deveria apresentar ao serviço, se possa configurar até – para além, como se refere na sentença recorrida, de poder ser censurável e reprovável, desde logo porque violadora do dever de tratar a mesma com urbanidade e probidade, consagrado no artigo 127º nº al. a), do CT – como violador do dever de ocupação efetiva do trabalhador que impende sobre o empregador – artigo 129.º, n.º 1, al. b), do CT) –, já não pode porém, nos termos que o regime analisado o impõe, sem esquecermos ainda o que se dispõe no artigo 218.º do CC – “O silêncio vale como declaração negocial, quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção” –, ser configurado como um comportamento da Ré, concludente e inequívoco, no sentido de se poder concluir que ela haja feito cessar, e pretendido fazer cessar, o contrato de trabalho. Aliás, demonstrativo de que esse silêncio não teve para a Autora esse significado é o facto de a mesma, na carta que enviou através de Advogado à Ré em 12 de Novembro de 2013, o não ter sequer referido, limitando-se a solicitar informação sobre esta situação, no prazo máximo de 5 dias, e a referir que “a não atribuição de tarefas a um trabalhador trata-se de ilícito laboral sancionado por lei. Ou seja, nem sequer a Autora retirou, do silêncio da Ré, o significado de que tinha sido despedida de facto.
Serve o exposto para dizer que, perante a referida omissão de resposta pela Ré que se provou, outras situações, que não o despedimento, se poderiam ou poderão configurar em abstrato, tanto mais que a própria Autora se manteve, apesar daquela falta de resposta, numa atitude passiva, não mais contatando a Ré ou porventura diligenciar por saber se aquela mantinha ou não atividade desde logo no último local em que havia prestado a sua atividade, não permitindo, neste quadro factual, retirar a conclusão segura e inequívoca de que consubstanciará manifestação da vontade da Ré de fazer cessar a relação laboral e, por consequência, de que, com isso, haja pretendido despedir a Autora – relembre-se, ainda, que à Autora cabia o ónus da prova do despedimento, pelo que, perante a dúvida, contra ela deverá a questão ser decidida – artigo 414 do CPC.
Deste modo, ainda a propósito da analisada atuação omissiva da Ré, ao não poder ser configurada como se disse como um despedimento de facto – corporizado numa atitude inequívoca da entidade patronal, de onde decorre necessariamente a manifestação de uma vontade de fazer cessar a relação laboral[7] -, o caminho que a Autora poderia ter seguido para reagir contra essa situação seria porventura, se a considerava suficientemente grave, o de promover ela própria declaração de despedimento, invocando justa causa, nos termos previstos no artigo 394.º do CT/2009, o que não fez.

1.3. Uma última nota se deixa a propósito de se fazer referência, na conclusão 9, à violação das normas plasmadas nos artigos 53.º e 58.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Não obstante a Recorrente não explicitar em que consistem as invocadas violações, o que se exigia para a sua apreciação, sempre diremos que não se vê, de modo manifesto, em que possa configurar-se, por um lado, que o decidido colida com o princípio constitucional plasmado no artigo 53.º - “É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos” –, ou, por outro, com o que se estabelece no artigo 58.º, em particular o seu n.º 1 – “Todos têm direito ao trabalho” –, ambos da CRP, tanto mais que, afinal, não foi considerado, sequer, que tivesse ocorrido qualquer despedimento ilícito.
Daí que, sem necessidade de outras considerações, careça de qualquer fundamento – aliás não indicado – esta invocada violação de normas Constitucionais.
*
Porque assim é, concluindo, sendo a analisada questão do despedimento a única expressamente levantada nas conclusões, não sendo provido quanto à mesma, terá de improceder totalmente o recurso.
*
Decaindo no recurso que interpôs, a Autora responde pelas custas (artigo 527.º do CPC).
***
IV - DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que integram esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em declarar improcedente o recurso.
Custas pela Autora/recorrente.
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Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 663º, nº 7, do CPC.
*
Porto, 20 de novembro de 2017
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
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[1] Procedendo-se neste acórdão, quanto ao facto indicado em a), à inclusão de elementos constantes do documento, dado por reproduzido pelo Tribunal a quo.
[2] Retificada oficiosamente a data, assim “2011” por “2013”, por ser manifesto, face à alegação e documentos, que se trata de lapso do Exmo. Julgador.
[3] In www.dgsi.pt.
[4] Relatado pelo aqui Relator, disponível em www.dgsi.pt.
[5] Relatado por Jerónimo Freitas, em que interveio como adjunto o aqui relator.
[6] Cf. Jurisprudência supra citada.
[7] Ac. STJ de 12 de Setembro de 2007, Relator Sousa Grandão, in www.dgsi.pt.
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Sumário – a que alude o artigo 663º, nº 7 do CPC:
I - Da aplicação do regime sobre a natureza da declaração recetícia e em particular as normas referentes à declaração tácita, não basta, para que possa ser considerada eficaz como declaração de despedimento de facto, a falta de resposta da empregadora a um e-mail da trabalhadora em que, estando de baixa médica há mais de um ano, refere que se vai apresentar ao serviço, pedindo que lhe seja indicado o local onde o deve fazer, pois que dessa omissão não se pode deduzir, de acordo com a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário colocado na posição do real declaratário/trabalhador (n.º 1 do artº 236.º CC), que revele um sentido inequívoco de pôr termo ao contrato (n.º 1 do artº 217.º CC).
II - É que, perante a referida omissão de resposta da entidade patronal, outras possibilidades, que não o despedimento, se podem configurar em abstrato, muito mais se a trabalhadora se manteve numa atitude passiva, não mais contatando a entidade patronal ou porventura diligenciando por saber se aquela mantinha ou não atividade desde logo no último local em que havia prestado a sua atividade, não permitindo, neste quadro factual, retirar a conclusão segura e inequívoca de que consubstanciará manifestação da vontade da Ré de fazer cessar a relação laboral e, por consequência, de que, com isso, haja pretendido despedir a trabalhadora.
III - Nessas circunstâncias, entendendo que estavam a ser violados os seus direitos, desde logo o decorrente do dever de ocupação efetiva do trabalhador que impende sobre o empregador - artigo 129.º, n.º 1, al. b), do CT) -, a trabalhadora, pretendendo reagir contra essa situação, se a considerava suficientemente grave, sempre poderia promover ela própria o seu despedimento, invocando justa causa, nos termos previstos no artigo 394.º do CT/2009.

Nelson Fernandes