ARRENDAMENTO RURAL
DOCUMENTO ESCRITO
FORMALIDADES AD PROBATIONEM
Sumário

I - O Dec. Lei nº 201/75, de 15 de Abril, sujeitou os contratos de arrendamento rural à forma escrita e impôs aos senhorios que até 31 de Dezembro de 1975 reduzissem a escrito os contratos existentes, indicando expressamente no respetivo escrito a data do início do arrendamento - seus arts. 2º, nºs 1 e 2 e 39º, nºs 1 e 2.
II - As consequências da não satisfação atempada desta imposição quanto aos contratos existentes não podem ir além das previstas no próprio diploma para a não redução a escrito do contrato, consistindo, nos termos do seu art. 2º, nº 4, na impossibilidade de os contraentes requererem “qualquer procedimento judicial relativo ao contrato, a menos que aleguem, e venham a provar, que a falta é imputável ao outro contratante”.
III – Sendo mera formalidade “ad probationem” – art. 364º, nº 2 do C. Civil -, o retardamento na sua satisfação não põe em causa, por nulidade – nº 1 do citado art. 364º e art. 220º do mesmo diploma -, a existência do acordo.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
7ª SECÇÃO CÍVEL

I – A… intentou contra B… a presente ação declarativa, com processo sumário, pedindo que seja:
- declarada a validade e eficácia da denuncia contratual feita, com condenação do réu a reconhecer essa validade e eficácia;
- condenado o réu a entregar à autora os prédios arrendados em 15 de Agosto de 2012, termo da renovação contratual em curso, livre de pessoas e bens e a pagar à autora as rendas vincendas até lá;
- e, bem assim, a pagar à autora, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia diária de € 50,00 por cada dia de atraso na entrega dos mesmos, a contar de 15 de Agosto de 2012 e até efetiva entrega.
Alegou, em síntese, ter denunciado por carta registada, datada de 12 de Novembro de 2010, e para o termo da renovação em curso – 15 de Agosto de 2012 – o contrato de arrendamento rural reduzido a escrito pelas partes em 20 de Março de 1976, o que o réu lhe comunicou não aceitar.
Contestou o réu por impugnação e exceção, neste âmbito invocando a sua ilegitimidade, e deduziu ainda pedido reconvencional.
Após resposta da autora, foi proferido saneador sentença que teve como não verificada a arguida exceção de ilegitimidade, declarou válida e eficaz a denúncia operada, condenando o réu a entregar o prédio à autora e a apagar-lhe uma indemnização de montante anual equivalente à renda até essa efetiva entrega. E determinou-se que os autos prosseguissem os seus termos com vista ao conhecimento do pedido reconvencional.
Apelou o réu, tendo apresentado alegações onde formula as seguintes conclusões:
a) O contrato de arrendamento entre a autora e o réu, feito em 20 de Março de 1976 iniciou-se em 15 de Agosto de 1976;
b) É nula a cláusula do contrato de arrendamento rural que estabelece o início do contrato de arrendamento em 15 de Agosto de 1972;
c) O referido contrato de arrendamento rural foi celebrado na vigência do Dec. Lei nº 201/75, de 15 de Abril, sendo, por isso, regulado por este Decreto-Lei 201/75;
d) O referido Decreto-Lei 201/75, no seu art. 2º, nº 1 impunha a redução a escrito do contrato de arrendamento, determinando ainda no seu art. 39º que a redução a escrito dos contratos devia ser feita até 31 de Dezembro de 1975 por iniciativa e imposição ao senhorio;
e) Não tendo o senhorio reduzido a escrito o respetivo contrato de arrendamento até 31 de Dezembro de 1975 violou o mesmo imperativo legal, sendo nulo qualquer contrato verbal existente anterior ao contrato escrito, designadamente anterior ao contrato de 20 de Março de 1976;
f) Violou o Tribunal a quo o disposto nos arts. 2º e 39º do Decreto-Lei nº 201/75 e os arts. 286º e 294º do C. C.;
 g) O contrato de arrendamento rural entre a autora e a ré foi-se renovando, como se encontra referido e explicado, sendo a última renovação de 15 de Agosto de 2010 a 15 de Agosto de 2017;
h) O Tribunal a quo, ao considerar oportuna e legal a denúncia do contrato de arrendamento rural, violou o disposto nos arts. 2º, 39º do Decreto-Lei nº 201/75, de 15 de Abril, os arts. 286º e 294º do C. C., o art. 510º do CPC, o disposto nos arts. 18º e 20º do Decreto-Lei nº 385/88, de 25 de Outubro e o art. 19º, nº 3 do Decreto Lei nº 294/2009, de 13 de Outubro;
i) Tendo-se renovado o atual contrato de arrendamento rural já na vigência do Decreto-Lei nº 294/2009, de 13 de Outubro, ou seja, de 15 de Agosto de 2010 até 15 de Agosto de 2017, passou o dito contrato a ser regulado pela nova lei, sendo-lhe aplicáveis todas as disposições legais do mesmo.
j) Deve, assim, ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão do Tribunal a quo sobre a pretendida legalidade e oportunidade da denúncia do contrato de arrendamento rural.
Nas contra-alegações apresentadas, a autora pugnou pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo questões sujeitas à nossa apreciação as enunciadas pelo apelante nas suas conclusões, pois são estas, como é sabido, que delimitam o objeto do recurso.


III – Não vindo impugnada a decisão que teve como assentes os factos descritos na sentença, nem sendo caso de lhe introduzir oficiosamente qualquer alteração, para ela remetemos, conforme o permite o art. 713º, nº 6 do CPC – diploma a que respeitam as normas de ora em diante referidas sem menção de diferente proveniência.
Pelo seu especial interesse para a decisão do recurso, de entre eles, destacamos os seguintes:
1. Por escrito particular, denominado “contrato de arrendamento rural”, datado de 20 de Março de 1976, a autora declarou que dava em arrendamento ao réu, agricultor, o prédio rústico, de que é dona e legítima possuidora, denominado “Lezíria do ...”, composto de terras de semeadura, com a área de 20 hectares (…) mediante o pagamento de renda no valor de 60.000$00 anuais (…), tudo conforme consta do documento junto aos autos a fls. 16-17 (…), de onde consta, além do mais, “O contrato teve início em 15 de Agosto de 1972, é celebrado pelo prazo de 6 anos e renovável por períodos de 3 anos.
2. A autora remeteu ao réu a carta registada com aviso de receção, datada de 12 de Novembro de 2010, que este recebeu no dia 23 seguinte, cuja cópia consta de fls. 22 e segs. (…) na qual, além do mais, se pode ler o seguinte: “Reporto-me ao contrato de arrendamento rural que celebrámos em 20 de Março de 1976, eu, como senhoria, o senhor, como arrendatário, tendo por objeto 20 hectares do prédio rústico denominado “Lezíria do ...” ou “Lezíria do ...”, sito na freguesia e concelho de … (…).
Pela presente carta venho informá-lo que não pretendo a continuação do contrato no fim da renovação em curso, em 15 de Agosto de 2012, pelo que venho denunciá-lo para essa data, nos termos do artigo 18º, nº 1, alínea b) do Decreto-Lei nº 358/88, de 25 de Outubro (Lei do Arrendamento Rural).
Faço a denúncia nos termos do art. 20º, nº 1 do mesmo diploma, ou seja, para eu própria ou para os meus filhos, ou só um ou alguns deles, que satisfaçam as condições de jovem agricultor, fazer a exploração direta dos prédios arrendados. (…)”
3. O réu respondeu a tal carta, por missiva datada de 30 de Novembro de 2010, na qual, além do mais, se pode ler o seguinte: “tal comunicação é ineficaz e inoportuna em virtude de não ter sido feita com o pré-aviso de dezoito meses em relação ao termos da renovação do contrato (…) O contrato de arrendamento feito pelo prazo de seis anos, e sucessivas renovações de três anos, iniciou-se em 15 de Agosto de 1972, sendo a renovação presente de 15/08/2008 a 15/08/2011.

III – Debrucemo-nos, pois, sobre as questões suscitadas.

Da nulidade do contrato entre 15 de Agosto de 1972 e 20 de Março de 1976:
É a tese do apelante exposta ao longo das conclusões a) a f).
Mas sem razão.
Regulado nos então vigentes arts. 1064º a 1082º do Código Civil, o arrendamento rural não estava sujeito a forma especial, não se encontrando entre as espécies de arrendamento para cuja celebração o art. 1029º exigia escritura pública.
Instituindo um novo regime do arrendamento rural, o Dec. Lei nº 201/75, de 15 de Abril revogou, no seu art. 46º, nº 1, os ditos arts. 1064º a 1082º, sujeitou tais contratos à forma escrita – art. 2º, nº 1 – e impôs aos senhorios que até 31 de Dezembro de 1975 dessem cumprimento ao disposto no seu art. 2º, nºs 1 e 2, ou seja, que reduzissem a escrito os contratos existentes e ainda que no respetivo escrito indicassem expressamente a data do início do arrendamento - cfr. o seu art. 39º, nºs 1 e 2.
No caso, esta formalização não ocorreu dentro do prazo imposto, tendo tido lugar apenas em 20 de Março do ano subsequente.
É neste atraso que o apelante se funda para afirmar a nulidade do arrendamento no período em que não esteve reduzido a escrito[1] e a nulidade da cláusula em que as partes declararam como data de início do contrato o dia 15 de Agosto de 1972 – conclusões b) e e).
Tudo está em saber que efeito terá a não satisfação atempada daquela imposição legal quanto a contratos verbais até aí existentes.
Entendeu-se na sentença, e bem, que as consequências não podem ir além das previstas no próprio diploma para a não redução a escrito do contrato que regula e que, nos termos do seu art. 2º, nº 4, se traduzem na impossibilidade de os contraentes requererem “qualquer procedimento judicial relativo ao contrato, a menos que aleguem, e venham a provar, que a falta é imputável ao outro contratante”.
Ou seja, a exigência de forma destina-se apenas à demonstração da existência do contrato, não sendo condição indispensável para essa mesma existência.
Sendo mera formalidade “ad probationem” – art. 364º, nº 2 do C. Civil -, o retardamento na sua satisfação tem como único efeito o referido, não pondo em causa, por nulidade – nº 1 do citado art. 364º e art. 220º do mesmo diploma -, a existência do acordo.
Como se evidencia na sentença impugnada, o próprio legislador, ao criar no art. 3º da ulterior Lei nº 67/77, de 29 de Setembro, regra idêntica à daquele art. 39º, e ao estabelecer, não obstante isso, no seu art. 7º, que os contratos não reduzidos a escrito se presumiam celebrados com a duração mínima estabelecida em anteriores disposições, revela aceitar como existentes e válidos os contratos ainda não reduzidos a escrito e os que viessem a ser celebrados sem cumprimento dessa mesma formalidade.
 Em suma, o contrato dos autos tem existência válida desde a sua outorga pelas partes em 15 de Agosto de 1972, carecendo de fundamento, salvo o devido respeito, a tese do apelante a este propósito.

Sobre as renovações operadas e seus limites temporais
Partindo de um termo inicial do contrato distinto, o apelante encontra períodos de renovação também diferentes, e pugna pela aplicação de regime legal diverso do aplicado na sentença à denúncia contratual declarada pela autora ao réu, concluindo pela sua inoportunidade e ilegalidade.
Vejamos.
O contrato, iniciado em 15 de Agosto de 1972, começou por ter um tempo de duração de 6 anos, de acordo com o então vigente art. 1065º do Código Civil e nos termos convencionados pelas partes, pelo que a primeira renovação se operou em 15 de Agosto de 1978 e, então, já de acordo com o disposto no art. 5º, nº 2 da Lei nº 76/77, de 29 de Setembro, pelo período de três anos.
A segunda renovação operou-se, assim, em 15 de Agosto de 1981, seguindo-se mais três, na vigência da mesma lei, ocorridas, respetivamente, em 15 de Agosto de 1984, 15 de Agosto de 1987 e 15 de Agosto de 1990.
Já na vigência do Dec. Lei nº 358/88, de 25 de Outubro, aplicável aos contratos existentes – art. 36º, nº 1 -, e segundo o seu art. 5º, nº 3, o contrato continuou a renovar-se por períodos de três anos, pelo que sucessivas renovações ocorreram em 15 de Agosto de 1993, 15 Agosto de 1996 e 15 de Agosto de 1999.
A renovação iniciada nesta última data manteve-se pelo período de três anos, portanto, até 15 de Agosto de 2002, não obstante este ter sido alargado para 5 anos, por força da alteração introduzida no art. 5º, nº 3 do Dec. Lei nº 358/88 pelo Dec. Lei nº 524/99 de 10 de Dezembro, já que o art. 2º deste último excluiu a aplicação desta alteração aos períodos de renovação em curso.
Prosseguiram então as renovações, agora por períodos sucessivos de 5 anos, operando-se uma em 15 de Agosto de 2007 e estando em curso aquela que terminará em 15 de Agosto de 2012.
Por isso, a carta dirigida pela autora ao réu em 12 de Novembro de 2010, e por este recebida no dia 23 seguinte, onde lhe comunicava a denúncia do contrato para o fim da renovação em curso, consubstancia denúncia tempestiva, já que foi feita com observância da antecedência mínima de dezoito meses, estabelecida no art. 18º, nº 1, al. b) do citado Dec. Lei nº 385/88, de 15 de Outubro.
E é este o diploma aplicável ao caso dos autos, e não o Dec. Lei nº 294/09, de 13 de Outubro, já que, estando-se perante contrato existente à data da entrada em vigor deste último, o regime nele instituído, nos termos do seu art. 39º, nº 2, al. a), apenas se aplicaria “a partir do fim do prazo do contrato, ou da sua renovação em curso”, o que acabou por não acontecer em face da operada denúncia.
Improcedem, pois, as razões invocadas pelo apelante ao longo das conclusões g) a j), não merecendo qualquer censura a bem elaborada sentença aqui em crise.

IV – Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente, mantendo-se a sentença impugnada.
Custas a cargo do apelante.

Lisboa, 12 de Junho de 2012

Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho
Maria Amélia Ribeiro
Graça Amaral
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[1]  Não põe em causa que tenha havido acordo verbal desde 15.08.1972, o que corresponde, aliás, à declaração por si emitida no contrato escrito.