INSTRUMENTO DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
CONTRATO DE TRABALHO
DESPEDIMENTO ILÍCITO
MONTANTE DA INDEMNIZAÇÃO
Sumário

I – É vinculativa a aplicabilidade de um instrumento de regulamentação colectiva quando convencionada em sede do contrato individual de trabalho ajustado entre as partes.
II – Simplesmente, sendo convencionada nestes termos a aplicabilidade de um instrumento de regulamentação colectiva, a força vinculativa do mesmo equivale à força do próprio contrato individual, não devendo aplicar-se o que no referido instrumento contraria o expressamente clausulado no contrato individual.
III – Pelo que não pode o trabalhador lançar mão da invocada convenção colectiva de trabalho para lhe ser reconhecida uma categoria profissional distinta da expressamente convencionada no contrato de trabalho.
IV – Se as portarias de extensão restringem a aplicabilidade das CCT a que se reportam aos trabalhadores “das profissões e categorias profissionais nelas previstas” e se ao trabalhador foi atribuída uma categoria profissional distinta do elenco constante da convenção colectiva de trabalho não se lhe aplica a extensão.
V – Ainda que o contrato de trabalho esteja submetido a um determinado instrumento de regulamentação colectiva, a definição da posição funcional do trabalhador na organização empresarial não é matéria excluída da autonomia privada individual, desde que, obviamente, o feixe de direitos e deveres que emergem dessa posição não se traduza num tratamento de menor favor do trabalhador, quando em confronto com o que resultaria da lei ou do instrumento de regulamentação colectiva aplicável.
VI – Para fixar a indemnização no quadro legal do artigo 391.º, n.º 1 do CT, o tribunal deverá atender ao valor de retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação do artigo 381.º, bem como ao grau de culpa do empregador.
VII – É ajustado valor de € 3.000,00 para compensar uma trabalhadora que, em consequência do seu despedimento, ficou afectada psicologicamente, desorientada e muito transtornada, sofrendo ainda instabilidade, ansiedade e desgosto ao ver de novo o seu filho mudar de escola, pela necessidade que teve de alterar a sua residência por estar sem trabalho e sem dinheiro.
(Elaborado pela Relatora)

Texto Parcial

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
                                                                                                                                    П
1. Relatório
1.1. AA veio em 17 de Novembro de 2010 impugnar judicialmente no Tribunal do Trabalho do ... a regularidade e licitude do seu despedimento, efectuado em 23 de Setembro de 2010 por BB, S.A. e CC, Lda.
Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação foi ordenada a notificação do empregador para apresentar o articulado para motivar o despedimento e o processo disciplinar, o que fez.
No seu articulado as RR., alegaram, em síntese: que a A. foi admitida ao serviço de ambas em 1 de Maio de 2007 e foi despedida por carta de 17 de Setembro de 2010 com justa causa e processo disciplinar, cumprindo todas as formalidades legais; que a A. exercia as funções de “Gestor do Contrato” no aeroporto Sá Carneiro, no Porto, onde a cliente ANA apontou falhas na execução dos procedimentos, sem que a A. nada tenha feito, perante a cliente, para defender a posição das RR., nem tão pouco tentou melhor o serviço prestado; que a A. não enviou para a cliente os relatórios de operação, como era seu dever e transmitiu à ANA uma imagem de desorganização e colocou em causa a capacidade das RR de realização do serviço contratado e que o despedimento foi regular e lícito. Juntaram o processo disciplinar.
Na contestação apresentada ao articulado de motivação do despedimento, a A. trabalhadora impugnou parte dos factos alegados pelas RR. e deduziu reconvenção. Alegou, em resumo: que o procedimento disciplinar padece de irregularidades; que o verdadeiro motivo do despedimento foi o facto de ter recusado a sua transferência para Lisboa; que o despedimento é ilícito e lhe causou danos não patrimoniais; que, quer no aeroporto do Porto, quer anteriormente, no aeroporto de Porto Santo, sempre exerceu funções correspondentes à categoria de Chefe de Serviços, prevista no CCT que é aplicável por assim ter sido previsto no contrato de trabalho, não tendo porém sido remunerada em conformidade com tal função; que beneficiava de isenção de horário de trabalho e de subsídio de função, cujas remunerações deixaram de lhe ser pagas pelas RR., sem qualquer explicação; que, apesar de ter sido deslocada de Porto Santo para o Porto, nunca lhe foi pago subsídio de deslocação e que suportou o custo de uma formação, que não lhe foi reembolsado pelas RR..
Requereu, a final, a declaração da ilicitude do despedimento e a condenação das RR. a pagarem-lhe indemnização em substituição da reintegração, em montante não inferior a 45 dias por cada ano de antiguidade ou fracção, e retribuições e subsídios vencidos e vincendos, desde os trinta dias anteriores à propositura da acção até à decisão definitiva, e ainda a pagarem-lhe indemnização por danos não patrimoniais, no montante de € 5.000,00.
Peticionou ainda a condenação das RR. a pagarem-lhe € 16.242,42 de diferenças salariais, € 3.741,00 de Subsídio de Isenção de Horário de Trabalho, € 1.683,40 de Subsídio de Função, € 6.625,00 de Subsídio de Deslocação e € 250,00 do custo da formação, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal.
As RR. apresentaram o articulado de resposta de fls. 137 e ss., nele concluindo pela improcedência da acção e do pedido reconvencional.
No despacho saneador foi julgada improcedente a invocada irregularidade do procedimento disciplinar e elencaram-se os factos assentes, bem como os controvertidos e carecidos de prova. O despacho de condensação processual foi objecto de reclamação por ambas as partes (fls. 193 e ss. e 197 e ss.), oportunamente decidida.
Realizada a audiência de julgamento, e sendo proferido despacho a decidir a matéria de facto em litígio, que não foi objecto de reclamação, a Mma. Juiz a quo proferiu sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
«Nestes termos, julgo parcialmente procedentes, por parcialmente provados, os pedidos formulados pela A. e, em consequência:
A. Declaro a ilicitude do despedimento da A. AA e, em consequência, condeno as RR. BB, S.A. e CC, L.da no pagamento à A. de:
a) Indemnização em substituição da reintegração, no montante de € 2.370,00 (dois mil trezentos e setenta euros);
b) Compensação correspondente à retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento, tendo por referência a remuneração base mensal de € 711,00, o subsídio de isenção de horário de trabalho mensal de € 177,75, o subsídio de função mensal de € 550,00 e o subsídio de deslocação diário de € 53,00, até ao trânsito em julgado da decisão, a apurar em incidente de liquidação de sentença, deduzindo-se as importâncias que a trabalhadora tenha auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento e o subsídio de desemprego atribuído à A. no período referido, devendo a empregadora entregar essa quantia à segurança social;
c) Indemnização por danos não patrimoniais, no montante de € 3.000,00 (três mil euros);
d) Da quantia da € 1.185,00 (mil cento e oitenta e cinco euros) de Subsídio de Isenção de Horário de Trabalho;
e) Da quantia de € 1.683,40 (mil seiscentos e oitenta e três euros e quarenta cêntimos) de Subsídio de Função;
f) Da quantia de € 6.625,00 (seis mil seiscentos e vinte e cinco euros) de Subsídio de Deslocação;
g) E da quantia de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) do custo de uma formação.
B. Absolvo as RR. do demais peticionado.
[…]
1.2. A A., inconformada interpôs recurso desta decisão (a fls. 342 e ss.), tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
(…)
1.3. Responderam as RR. recorridas (a fls. 413 e ss.), pugnando pela improcedência do recurso e concluindo que:
(…)

1.4. As RR. interpuseram ainda recurso subordinado da sentença (a fls. 388 e ss.), rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
(…)

1.5. A A. apresentou contra-alegações ao recurso subordinado (a fls. 428 e ss.). Concluiu as mesmas do seguinte modo:
(…)

1.6. Os recursos foram admitidos por despacho de fls. 453, fixando-se o efeito suspensivo ao recurso interposto pela R. no despacho de fls. 462.
1.7. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se, em parecer que não mereceu resposta das partes, no sentido de ser mantida a sentença.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
                                                                                                                                    *
2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente – artigo 684.º, n.º 3 do Código de Processo Civil aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho – as questões que incumbe enfrentar são, por ordem lógica da sua apreciação, as seguintes:
1.ª – da impugnação da decisão de facto no que diz respeito:
· à resposta aos pontos 27. e 30. da base instrutória (conclusões 23.ª a 55.ª do recurso principal)
· à resposta ao ponto 31. da base instrutória (conclusões 59.ª a 64.ª do recurso principal)
· à resposta ao ponto 47. da base instrutória (conclusões 9.ª a 11.ª do recurso subordinado)
2.ª – da classificação profissional da A. recorrente como Chefe de Serviços (conclusões 23.ª a 55.ª do recurso principal);
3.ª – do direito da A. ao subsídio de férias relativo ao trabalho prestado em 2009 (conclusão 64.ª do recurso principal);
4.ª – do direito da A. ao subsídio de deslocação em razão da sua colocação a título temporário no Porto (conclusões 9.ª a 13.ª do recurso subordinado);
5.ª – da justa causa para o despedimento da A. (conclusões 1.ª a 7.ª do recurso subordinado);
6.ª – da base de cálculo para a indemnização por despedimento ilícito – 30 ou 45 dias – e do lapso temporal a atender para a sua quantificação (conclusões 12.ª a 16.ª do recurso principal);
7.ª – da indemnização por danos não patrimoniais (conclusões 17.ª a 22.ª do recurso principal e 8.ª do recurso subordinado).
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3. Fundamentação de facto
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(…)

4. Fundamentação de direito
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4.1. A primeira questão de direito a enfrentar prende-se com a pretendida reclassificação profissional da A. recorrente como Chefe de Serviços.
4.1.1. E para decidir tal questão cabe antes de mais aferir da aplicabilidade ao caso sub judice do instrumento de regulamentação colectiva invocado.
A recorrente alega ser aplicável o Contrato Colectivo de Trabalho entre a AES — Associação das Empresas de Segurança e outra e o STAD — Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas, por tal ter sido convencionado entre as partes e ter sido o mesmo objecto de portarias de extensão.
Verifica-se que, efectivamente, no contrato de trabalho celebrado por escrito e documentado a fls. 110-111 ficou convencionado entre as partes que o instrumento de regulamentação colectiva aplicável é o CCT entre a AES e outra e o STAD e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 10, de 5 de Março de 2006 (vide a cláusula 11.ª do contrato).
A jurisprudência e a doutrina, têm admitido que, quando convencionada em sede do contrato individual de trabalho ajustado entre as partes, a aplicabilidade de um instrumento de regulamentação colectiva seja vinculativa[1].
Assim como as partes podem convencionar no contrato o que lhes permite o princípio da liberdade contratual (artigo 405.º do Código Civil), desde que não afrontem disposições legais imperativas, e ali podem hipoteticamente registar todas as condições que estão estabelecidas num instrumento de regulamentação colectiva, nada parece obstar a que, por remissão para um convénio deste tipo, se vinculem em conformidade com as condições nele estabelecidas.
Simplesmente, sendo convencionada nestes termos a aplicabilidade de um instrumento de regulamentação colectiva, cremos que a força vinculativa do mesmo equivale à força do próprio contrato individual, não devendo aplicar-se o que no referido instrumento contraria o expressamente convencionado no contrato individual.
Ou seja, sendo a fonte da aplicabilidade do instrumento de regulamentação colectiva o contrato individual – já que não foi alegado nem de algum modo está demonstrado que a A. seja filiada em algum dos sindicatos outorgantes ou que a R. seja associada de alguma das associações patronais subscritoras (cfr. artigos 552.º e 553.º do Código do Trabalho de 2003, em vigor à data da celebração do contrato de trabalho) – entendemos que não pode a recorrente lançar mão da invocada convenção colectiva de trabalho para lhe ser reconhecida uma categoria profissional distinta da expressamente convencionada no contrato de trabalho.
Se no contrato de trabalho a A. convencionou que se obrigava a prestar à R. a actividade relativa à categoria profissional de “Gestor de Contrato” e mediante a remuneração ali convencionada de € 650,00, não pode com base no mesmo contrato e por força da aplicabilidade genérica de um instrumento de regulamentação colectiva nele convencionada, e sem que invoque outras fontes de direito de valor superior [vg. por se verificar uma eventual violação do princípio constitucional de que para trabalho igual salário igual previsto no artigo 59.º, n.º 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa, caso houvesse trabalhadores a prestar trabalho com a mesma natureza, qualidade e quantidade daquele de que a A. foi incumbida e a ser remunerados como Chefes de Serviço] pretender que lhe seja reconhecida uma distinta categoria profissional por estar a mesma prevista no aludido instrumento de regulamentação colectiva.
Assim, não pode a recorrente radicar a sua pretensão na cláusula 11.ª do contrato individual de trabalho, nada indiciando que as recorridas não tenham observado o que no mesmo contrato vem prescrito nas cláusulas 2.ª (categoria profissional) e 5.ª (retribuição.).
4.1.2. Deverá contudo aferir-se se, por força das portarias de extensão entretanto publicadas (que a recorrente não identifica, mas que oficiosamente averiguamos), não deverá lançar-se mão da invocada convenção colectiva de trabalho para sindicar a classificação profissional da recorrente.
O Contrato Colectivo de Trabalho entre a AES e outra e o STAD e outros, foi publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 10, 15 de Março de 2006 (alteração salarial e outras e texto consolidado) e foi objecto de rectificação, bem como de integração em níveis de qualificação das profissões ali indicadas, no BTE 1.ª série, n.º 20, de 29 de Maio de 2006.
Mostra-se publicada no BTE 1.ª série, n.º 32, de 29 de Agosto de 2006 a Portaria que aprova o Regulamento de Extensão deste CCT.
Segundo o artigo 1.º desta Portaria:
1 — As condições de trabalho constantes das alterações do CCT entre a AES — Associação das Empresas de Segurança e outra e o STAD — Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas e outros, publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 10, de 15 de Março de 2006, com rectificação publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.a série, n.o 20, de 29 de Maio de 2006, e do CCT entre as mesmas associações de empregadores e a FETESE — Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços, publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.a série, n.o 10, de 15 de Março de 2006, são estendidas, no território do continente:
a) Às relações de trabalho entre empregadores não filiados nas associações de empregadores outorgantes que exerçam a actividade económica abrangida pelas convenções (actividades de investigação e segurança — CAE 74600) e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais neles previstas;
b) Às relações de trabalho entre empregadores filiados nas associações de empregadores outorgantes que exerçam a actividade económica referida na alínea anterior e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais previstas nas convenções não representados pelas associações sindicais outorgantes.
2 — As retribuições dos níveis XXIV e XXV das tabelas salariais apenas são objecto de extensão nas situações em que sejam superiores à retribuição mínima mensal garantida resultante da redução relacionada com o trabalhador, de acordo com o artigo 209.o da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho.
3 — Não são objecto de extensão as cláusulas que sejam contrárias a normas legais imperativas.»
O mesmo Contrato Colectivo de Trabalho entre a AES e outra e o STAD e outros, foi alterado pelo contrato colectivo publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 6, 15 de Fevereiro de 2008 (alteração salarial e outras e texto consolidado) e foi objecto de Portaria que aprova o Regulamento de Extensão deste convenção colectiva de trabalho publicada no BTE 1.ª série, n.º 27, de 22 de Julho de 2008.
Segundo o artigo 1.º desta Portaria:
«1 — As condições de trabalho constantes das alterações dos contratos colectivos de trabalho entre a AES — Associação das Empresas de Segurança e outra e o STAD — Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas e outros e entre as mesmas associações de empregadores e a FETESE — Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e outros, publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.ºs 6 e 7, de 15 e 22 de Fevereiro de 2008, respectivamente, são estendidas, no território do continente:
a) Às relações de trabalho entre empregadores não filiados nas associações de empregadores outorgantes que exerçam as actividades de investigação e segurança e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais nelas previstas;
b) Às relações de trabalho entre empregadores filiados nas associações de empregadores outorgantes que exerçam as actividades referidas na alínea anterior e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais previstas nas convenções não representados pelas associações sindicais outorgantes.
2 — As retribuições previstas nas tabelas salariais para os níveis XXIII, XXIV e XXV apenas são objecto de extensão em situações em que sejam superiores à retribuição mínima mensal garantida resultante da redução relacionada com o trabalhador, de acordo com o artigo 209.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho.»
O aludido Contrato Colectivo de Trabalho entre a AES e outra e o STAD e outros, foi depois alterado pelo contrato colectivo publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 10, 16 de Março de 2009 (alteração salarial e outras)[2] e foi objecto de Portaria que aprova o Regulamento de Extensão deste convenção colectiva de trabalho publicada no BTE 1.ª série, n.º 30, de 17 de Agosto de 2009 cujo artigo 1.º reza:
«1 — As condições de trabalho constantes das alterações dos contratos colectivos de trabalho entre a AES — Associação das Empresas de Segurança e outra e a FETESE — Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e outros, e entre as mesmas associações de empregadores e o STAD — Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas e outros, publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, n.os 3 e 10, de 22 de Janeiro de 2009 e de 15 de Março de 2009, respectivamente, são estendidas, no território do continente:
a) Às relações de trabalho entre empregadores não filiados nas associações de empregadores outorgantes que se dediquem à prestação de serviços de segurança privada e prevenção e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais nelas previstas;
b) Às relações de trabalho entre empregadores filiados nas associações de empregadores outorgantes que prossigam a actividade referida na alínea anterior e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais previstas nas convenções, não representados pelas associações sindicais outorgantes.
2 — As retribuições previstas nas tabelas salariais para os níveis XXIII a XXV apenas são objecto de extensão em situações em que sejam superiores à retribuição mínima mensal garantida resultante da redução relacionada com o trabalhador, de acordo com o artigo 275.º do Código do Trabalho.»
Desta transcrição resulta que a extensão do instrumento de regulamentação colectiva em causa não se aplica ao contrato de trabalho que vinculou recorrente e recorridas.
Na verdade, e em primeiro lugar, no que diz respeito ao lapso de tempo em que o mesmo foi executado na ilha de Porto Santo entre 1 de Maio de 2007 e 28 de Fevereiro de 2010, verifica-se que a extensão determinada o foi só para o “território do continente”. Como é dito no preâmbulo dos regulamentos, embora as convenções tenham área nacional, a extensão de convenções colectivas nas Regiões Autónomas compete aos respectivos Governos Regionais, sendo certo que a recorrente não indica que tenha sido determinada a extensão na Região Autónoma da Madeira.
Em segundo lugar, cabe dizer que, mesmo que estivesse demonstrada a extensão para a Região Autónoma da Madeira, o certo é que os preceitos que estabelecem as balizas da extensão administrativamente determinada são claros na restrição da aplicabilidade da convenção às relações de trabalho entre empregadores não filiados nas associações de empregadores outorgantes que se dediquem à prestação de serviços de segurança privada e prevenção e os trabalhadores ao seu serviço “das profissões e categorias profissionais nelas previstas”.
Ora, à recorrente não foi atribuída qualquer das categorias profissionais previstas no elenco constante da convenção colectiva de trabalho celebrada entre a AES e o STAD, mas a categoria profissional de “Gestor de Contrato”, o que desde logo constitui um obstáculo à invocada extensão.
4.1.3. Mas, ainda que se entendesse ser aplicável ao contrato de trabalho sub judice este instrumento de regulamentação colectiva – como o entendeu a 1.ª instância –, cremos que a factualidade apurada não permite a conclusão de que com a atribuição à A. da categoria profissional de ““Gestor do Contrato”” e o pagamento da retribuição individualmente acordada para o exercício das inerentes funções, não se afrontou o clausulado do CCT celebrado entre a AES e o STAD, pelo que nunca poderá proceder a pretensão da recorrente de lhe ser reconhecida tal categoria profissional e a inerente retribuição.
4.1.3.1. Com efeito, e em primeiro lugar, as funções desempenhadas pela A. recorrente, tal como ficaram apuradas, não podem reconduzir-se ao descritivo funcional do Chefe de Serviços, que vem definido no Anexo I ao referido instrumento de regulamentação colectiva do seguinte modo: “É o trabalhador que estuda, organiza, dirige e coordena, sob a orientação do seu superior hierárquico, num ou mais departamentos da empresa, as actividades que lhe são próprias; exerce dentro do departamento funções de chefia e, nos limites da sua competência, funções de direcção, orientação e fiscalização do pessoal sob as suas ordens e de planeamento das actividades do departamento segundo as orientações e fins definidos; propõe a aquisição de equipamentos e materiais e a admissão de pessoal necessário ao bom funcionamento do departamento e executa outras funções semelhantes.”
Ficou na verdade provado que:
3.1.68. A A. foi admitida para exercer funções no aeroporto de Porto Santo, com a categoria profissional de ““Gestor do Contrato””, categoria que, na data, era inexistente no contrato colectivo de trabalho aplicado. (WW)
3.1.69. No aeroporto de Porto Santo, a A. exercia as funções de chefia no referido aeroporto, na área da segurança, dirigia, orientava e fiscalizava o pessoal. (28)
3.1.70. De acordo com as necessidades do serviço, por vezes alterava os mapas de folgas e distribuía o serviço, e que transmitia ordens a todos os trabalhadores. (29)
3.1.71. Planeava os recursos necessários à prestação do serviço, dialogando sempre directamente com o cliente, ficando tal planeamento sujeito a aprovação superior. (30)
3.1.71.-A Na “ficha de descrição da função” de “Gestor de Contrato” junta pelas RR. a fls. 24 do procedimento disciplinar apenso, uma das “actividades a executar” consiste em “comunicar ao Director Geral, qualquer anomalia ou ocorrência crítica verificada no decorrer da prestação de serviços”.
Destes factos, bem como dos demais que ficaram provados a propósito da invocada justa causa de despedimento, resulta que a A. tinha a seu cargo, tão só, funções de direcção e chefia num concreto local em que se desempenhava um contrato de prestação de serviço celebrado entre as sociedades que exploram esta empresa e um cliente (facto 3.1.69.), aí dirigindo os funcionários da CC e fazendo a ponte entre esta e o cliente com quem dialogava directamente in loco (facto 3.1.71.) e a quem devia remeter relatórios das operações (facto 3.1.15.).
Neste contexto se compreende que a A., apesar de não ser responsável pela elaboração das escalas, mapas de folgas e férias, tivesse a possibilidade de os alterar e distribuir o serviço de acordo com as necessidades que em cada dia surgissem (facto 3.1.70.) e que, por ser no terreno conhecedora dos recursos necessários à prestação do serviço, os planeasse com sujeição a aprovação superior (facto 3.1.71.).
O mesmo deve dizer-se da obrigação do “Gestor de Contrato” de comunicar ao Director Geral, qualquer anomalia ou ocorrência crítica verificada no decorrer da prestação de serviços (facto 3.1.71.-A), pois que se compreende essa relação directa, sem necessidade de passar por outros níveis hierárquicos, atenta a relação privilegiada do “Gestor do Contrato”com o cliente e o natural interesse do Director Geral em ficar imediatamente a par de qualquer anomalia ou ocorrência crítica verificada no decorrer da prestação de serviços.
Acresce que, como resulta do exposto quanto à impugnação da matéria de facto, não se apurou que a A. estudasse, organizasse, dirigisse e coordenasse todo o departamento de segurança do aeroporto de Porto Santo, nem que, para além das alterações pontuais supra mencionadas, elaborasse os mapas de folgas e de férias e distribuísse o serviço, nem que decidisse o planeamento os recursos necessários.
Como bem refere a douta sentença recorrida, o chefe de serviços tem uma responsabilidade e uma autonomia de decisão que a A. efectivamente não tinha. Muito longe disso.
4.1.3.2. Além disso, e em segundo lugar, entendemos que, perante a factualidade apurada, o exercício pela recorrente das funções de “Gestora de Contrato” correspondia a um concreto posicionamento funcional na empresa, podendo dizer-se que tal designação correspondia a uma categoria profissional - entendida esta, em termos gerais, como o modo de identificação, por referência a uma fórmula ou a um “nomen”, das funções que um trabalhador pode ser obrigado a realizar - no âmbito da estrutura organizacional das RR.
Ora, ainda que o contrato de trabalho esteja submetido a um determinado instrumento de regulamentação colectiva, a definição da posição funcional do trabalhador na organização empresarial não é matéria excluída da autonomia privada individual, desde que, obviamente, o feixe de direitos e deveres que emergem dessa posição não se traduza num tratamento de menor favor do trabalhador, quando em confronto com o que resultaria da lei ou do instrumento de regulamentação colectiva aplicável. Cabe naturalmente às partes, em primeira mão, definir o objecto do contrato de trabalho, e elas poderão fazê-lo de modo tão preciso e excludente que nenhuma margem fique para determinações heterónomas[3].
Quando as funções de que o trabalhador é incumbido (e que se obriga a realizar) no desenvolvimento das relações contratuais, correspondem a uma designação profissional com carácter normativo conferida pelo empregador e aceite (ainda que tacitamente) pelo trabalhador, será esta designação a que identifica a categoria profissional do trabalhador.
Como escreve Monteiro Fernandes[4], a essencial função jurídico-prática da categoria profissional é “classificar o trabalhador, inserindo-o num conjunto a que é aplicável um particular regime” (remuneratório, apenas, ou também respeitante a outros aspectos da relação de trabalho). Este regime, que é “padrão vinculativo” para o empregador, pode não resultar de uma norma jurídica em sentido técnico (estabelecida em instrumento de regulamentação colectiva), “mas de uma regulamentação interna que estabeleça os parâmetros da organização do trabalho e da gestão de pessoal, incorporando uma hierarquia categorial e os respectivos conteúdos funcionais[5] .
E, continua, não se exclui, naturalmente, a hipótese de existir na empresa um critério interno de classificação de funções e postos de trabalho, com eventual projecção no plano remuneratório e noutros aspectos do estatuto profissional, através de um quadro normativo internamente estabelecido que é vinculativo para o empregador e para o trabalhador.
O “agregado funcional” que a designação (ou rótulo categorial) adoptada pelas partes – in casu a designação “Gestor de Contrato” - há-de querer sinalizar, pode assim ser evidenciado pelo recurso aos concretos modos de organização e divisão do trabalho praticados na empresa e o seu significado contratual emergirá da própria execução do trabalho, isto é, do exercício efectivo de funções que, em última análise, é o único suporte seguro da classificação profissional[6].
Em suma, por força do princípio da efectividade da categoria profissional, e desde que não sejam postas em causa garantias legal ou convencionalmente estabelecidas, não pode sustentar-se a tese defendida pela recorrente, de que o exercício de funções a que corresponde um determinado posicionamento hierárquico e funcional no contexto de uma organização empresarial não pode corresponder a uma categoria profissional validamente atribuída, só porque o instrumento de regulamentação colectiva aplicável não prevê expressamente o quadro funcional a que o empregador faz corresponder, na prática, um específico tratamento hierárquico e remuneratório.
Pelo que, também por esta via, nunca poderia proceder o recurso no que diz respeito à pretendida reclassificação profissional e ao pagamento das inerentes diferenças salariais.
                                                                                                                                               *
4.2. No que diz respeito à questão de saber se devem as RR. ser condenadas a pagar à A. o subsídio de férias relativo ao trabalho prestado em 2009 – a segunda questão de direito a analisar, suscitada no recurso principal – a matéria de facto provada, tal como resultou da intervenção desta 2.ª instância, torna cristalina a sua resolução.
Ficou na verdade provado que as RR. pagaram à A. o valor de € 1.216,00 a título de subsídio de férias pelo trabalho prestado em 2009 (facto 3.1.88).
Assim, se o contrato de trabalho esteve em vigor durante todo o ano de 2009 e a A. prestou o seu trabalho e as RR. tinham a seu cargo a obrigação de satisfazer esta prestação, por força do disposto no 264.º do Código do Trabalho, demonstrando tê-la cumprido, extinguiu-se pelo cumprimento tal obrigação (artigo 762.º do Código Civil).
Improcede, nesta parte, o recurso principal.
                                                                                                                                               *
4.3. A terceira questão de direito a enfrentar prende-se com o direito da A. ao subsídio de deslocação em razão da sua colocação a título temporário no Porto, direito que a sentença recorrida reconheceu e que as recorrentes vêm negar no recurso subordinado (conclusões 9.ª a 13.ª do recurso subordinado).
A A. fez radicar este direito ao subsídio de deslocação na circunstância de ter sido deslocada da sua área de residência do Porto Santo para o Porto e no facto de a convenção colectiva de trabalho aplicável prever o seu pagamento, no valor de € 53,00/dia. Com tais fundamentos, requereu a condenação das RR. a pagarem-lhe € 6.625,00 de subsídio de deslocação.
Nos termos da cláusula 129.ª do CCT:
«1 — Entende -se por deslocação em serviço a prestação de trabalho fora da localidade habitual de trabalho.
2 — Os trabalhadores, quando deslocados em serviço, têm direito:
a) Ao pagamento do agravamento do custo dos transportes;
b) À concessão dos abonos indicados no anexo II desde que, ultrapassando um raio superior a 50 km, a deslocação obrigue o trabalhador a tomar as suas refeições ou a pernoitar fora da localidade habitual conforme o anexo II.
3 — As deslocações do continente para as Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores ou para o estrangeiro, sem prejuízo da retribuição devida pelo trabalho como se fosse prestado no local habitual de trabalho, conferem direito a:
a) Ajuda de custo igual a 25 % dessa retribuição;
b) Pagamento de despesas de transporte, alojamento e alimentação, devidamente comprovadas.
4 — As deslocações efectuadas em veículos dos trabalhadores serão pagas de acordo com os valores aplicados na Administração Pública, a não ser que outro regime mais favorável resulte das práticas existentes na empresa.»
E no seu anexo II (BTE n.º 10/2009) está previsto o seguinte quanto a subsídios de deslocação: almoço ou jantar - € 10,40; dormida e pequeno-almoço - € 31,75 e diária completa - € 52,56.
A sentença da 1.ª instância julgou procedente este pedido por não terem as RR. provado que a transferência de Porto Santo para o Porto tenha sido feita a título definitivo e não a título de deslocação temporária, pressuposto factual este que, depois da intervenção deste tribunal de recurso se não verifica.
Com efeito, mostra-se agora provado que a transferência de Porto Santo para o Porto foi feita a título definitivo e não a título de deslocação temporária (vide o facto 3.1.84.-A).
Assim, embora a este título se nos afigure que poderia lançar-se mão da previsão da cláusula 29.ª do instrumento de regulamentação colectiva por força da cláusula 11.ª do contrato individual de trabalho – pois que o direito a esta prestação retributiva nada tem a ver com a categoria profissional convencionada de “Gestor do Contrato” – a verdade é que se alteraram os pressupostos factuais de que partiu a sentença da 1.ª instância, não podendo afirmar-se que, a partir de 1 de Março de 2010 a A. ora recorrida se encontrava deslocada em serviço, tal como se exige na cláusula 29.ª da convenção colectiva de trabalho para que se reconheça o direito às prestações pecuniárias ali previstas.
Procede, nesta parte, o recurso subordinado.
                                                                                                                                               *
4.4. A quarta questão de direito a enfrentar resulta do recurso subordinado e consiste em aferir se o despedimento da A., ora recorrida, se fundou em justa causa como defendem as RR. recorrentes, questão que deverá ser analisada à luz do regime jurídico constante do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro [cfr. os artigos 12º, nº 1, a) e 7.º, n.º 1 daquela Lei].
                                                                                                                                               *
4.4.1. Em conformidade com o imperativo constitucional contido no artigo 53º da Lei Fundamental, o artigo 351.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2009 define o conceito de justa causa de despedimento como “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”, estabelecendo-se depois um quadro exemplificativo de comportamentos justificativos desse despedimento.
Esta noção decompõe-se em dois elementos: a) um comportamento culposo do trabalhador - violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral - grave em si mesmo e nas suas consequências; b) que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Com algumas diferenças de forma (que não de conteúdo) a jurisprudência tem definido nestes termos o conceito de justa causa, considerando ainda:
 – que a ilicitude consiste na violação dos deveres a que o trabalhador está contratualmente vinculado, seja por acção, seja por omissão, relativamente a deveres contratuais principais ou secundários, ou ainda a deveres acessórios de conduta, derivados da boa fé no cumprimento do contrato, o que afasta os factos sobre os quais não se pode fazer juízo de censura e aqueles que não constituam violação de deveres do trabalhador enquanto tal;
– que na apreciação da gravidade da culpa e das suas consequências deve recorrer-se ao entendimento de um "bonus pater familias", de um "empregador razoável", segundo critérios de objectividade e razoabilidade (artigo 487.º n.º 2 do Código Civil) em face do condicionalismo de cada caso concreto; e
– que a impossibilidade prática e imediata da relação de trabalho é o elemento que constitui o critério básico de "justa causa", sendo necessário um prognóstico sobre a viabilidade das relações contratuais para se concluir pela idoneidade ou inidoneidade da relação para prosseguir a sua função típica (vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2007.04.18, Processo n.º 2842/06 e de 2006.03.08, Processo n.º 3222/05, ambos da 4.ª Secção e sumariados em www.stj.pt).
A metodologia utilizada pelo legislador da LCCT (Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo aprovado pelo DL n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro) para regular o despedimento por motivo imputável ao trabalhador foi retomada nos Códigos do Trabalho de 2003 e de 2009. Com a referência este último, a lei começa por apresentar uma cláusula geral de justa causa que integra com recurso a diversos critérios (art. 351.º, n.º 1); depois enumera um conjunto de situações típicas de justa causa para despedimento (art. 351.º, n.º 2); e por fim apresenta alguns critérios de apreciação das situações de justa causa no quadro da empresa (art. 351.º, n.º 3) – vide M. do Rosário Palma Ramalho in Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, Coimbra, 2006, p. 806, no que diz respeito ao Código do Trabalho de 2003.

4.4.2. Invocam as RR. no recurso que a A. foi despedida com justa causa, provada em processo disciplinar por não cumprir nem fazer cumprir as normas de segurança no acesso à sala de embarque de passageiros no aeroporto Sá Carneiro, no Porto, constantes do contrato de prestação de serviços de Segurança Aeroportuária celebrado entre a ANA e as recorrentes, conforme actas juntas aos autos das reuniões de 7, 9 e 15 de Junho de 2010, contrato de que a A. era gestora.
Sublinham que, nomeadamente, foram deixados passar artigos, potencialmente, perigosos em si mesmos ou por disfarce para a segurança aérea que foram detectados mais tarde, dando-se o exemplo de um par de sticks de caminhada e que a A. também não apresentava aos responsáveis da ANA os relatórios diários que estava obrigada a fazer, em princípio, por e-mail, mas que também podiam ser entregues em mão e quando os entregou fê-lo com atraso, quando podia utilizar toda a logística e informática da Filial do Porto para o fazer, tendo distribuída viatura própria que lhe permitia uma fácil deslocação.
Concluem que a recorrida actuou com negligência grosseira e repetida no desempenho das suas funções e ainda com desobediência e falta de lealdade à sua entidade patronal, que determinaram imediata e praticamente impossível a subsistência da sua relação de trabalho por perda de confiança nela em matéria de especial sensibilidade e responsabilidade como são as medidas de segurança aérea e contra o terrorismo internacional.
A sentença recorrida, a este propósito, depois de tecer doutas considerações a propósito da justa causa de despedimento, discorreu nos seguintes termos:
“No caso sub judice, apurou-se que, no dia 7 de Junho de 2010, o Cliente das RR., ANA, devido a falhas na execução do Serviço no Aeroporto Sá Carneiro, solicitou ao Gestor do Contrato, a A., uma reunião com o objectivo de Comunicar falhas verificadas na execução dos procedimentos de facilitação e segurança security. Nesta reunião, foram apontadas várias situações na execução do serviço, segundo o cliente ANA, graves.
Era dever da A. enviar os relatórios de operação diário ou semanal da performance dos equipamentos, a ANA afirmava não ter recebido.
Os relatórios foram enviados, só não o foram no dia correcto. Até ao dia 18 de Junho, o escritório da CC no Aeroporto Sá Carneiro no Porto, não tinha ligações à internet, nem impressoras. A A. tinha distribuída uma PEN USB, que lhe permitia a ligação à Internet, mas não tinha computador no aeroporto. Os relatórios deviam ser enviados, preferencialmente, por correio electrónico, mas podiam também ser entregues em papel, sendo que a A. não tinha fotocopiadora no aeroporto. A A. tinha distribuída viatura de serviço e autorização para se deslocar à sede da filial da Ré CC, no Porto, podendo utilizar toda a logística de que precisasse ou quisesse, nomeadamente, informática.
Nessa reunião de 7 de Junho de 2010, a A. não ditou para a acta da reunião, o que iria fazer para resolver os problemas evidenciados pelo cliente, nem afirmou nada em defesa da CC, nem esboçou qualquer reacção aos comentários do cliente, nem transmitiu ao cliente o que iria fazer para resolver os problemas evidenciados pelo cliente.
No dia 9 de Junho de 2010, o cliente ANA, solicitou uma nova reunião, com a presença, para além da A. e “Gestor do Contrato”, do Sub-Intendente, da PSP, Sr. DD, do Sr. EE, Gestor de Segurança da ANA e o Sr. FF, do Gabinete de Segurança da ANA. Esta reunião serviu para verificação da execução dos procedimentos de facilitação e segurança security. Segundo o cliente ANA, foram constatados desde o dia 01 até ao dia 09 de Junho de 2010, as situações que careciam de correcção.
A “Gestora do Contrato”, ora A., conhecia a execução de todos os procedimentos constantes da acta da reunião com o cliente Ana.
No dia 15 de Junho de 2010, a A foi chamada de novo a reunião com cliente ANA.
Nessa reunião compareceram ainda, representante da Policia de Segurança Publica, Sub-Intendente, Sr. DD, por parte da Ana, o Gestor de Segurança, Sr. EE e o Sr. FF, do Gabinete de Segurança da Ana. Esta reunião teve como objectivo apresentação pelo cliente Ana de comunicação de falhas verificadas na execução dos procedimentos de facilitação e segurança security.
Nas reuniões, as falhas eram apresentadas, e logo a A. reunia com os supervisores e chefes de grupo, para esclarecer e resolver todas as falhas apontadas nas mesmas, reunia com os trabalhadores que eventualmente tinham sido menos profissionais e impunha regras e procedimentos.
Nunca foi instaurado qualquer outro processo disciplinar à A..
Assim, entendemos não se ter apurado que a A. tenha praticado qualquer infracção disciplinar, uma vez que, por um lado, as RR. não provaram ou sequer imputaram à A. a responsabilidade pelas falhas apontadas pela ANA. Apenas lhe apontaram, como falhas disciplinares, o facto de não ter reagido à críticas da cliente e defendido a posição das RR. e o facto de nada ter feito para melhorar o serviço prestado.
Porém, não se provou que a A. pudesse ter feito mais do que efectivamente fez, ouvindo as reclamações da cliente e, após, reunindo com os seus subordinados hierarquicamente, para tentar melhorar os procedimentos.
Veja-se, para além do mais, que os superiores hierárquicos da A., GG e HH, também estiveram presentes na reunião de 7 de Junho, não resultando igualmente do teor da acta, que tenham esboçado qualquer reacção às críticas apresentadas.
Acresce que A. esteve muito pouco tempo em exercício de funções no aeroporto do Porto, estando certamente ainda numa fase de implementação de procedimentos.
Por outro lado, no que toca ao envio dos relatórios, resulta evidente que a A. carecia de meios materiais adequados ao exercício das suas funções.
Assim, não resta senão concluir pela ilicitude do despedimento.»
E cremos que, perante a factualidade apurada, não lhe era lícito concluir de outro modo.
Na verdade, desde logo perante a nota de culpa e a decisão de despedimento era muito discutível que o aí imputado à recorrida consubstanciasse a prática de infracções disciplinares justificativas do despedimento. Aquelas peças pouco mais faziam do que descrever o que se passou nas reuniões de 7, 9 e 15 de Junho, incluindo as falhas e anomalias detectadas no serviço, e descrever os procedimentos de segurança que devem ser adoptados num aeroporto, sendo que, quanto à A. ora recorrida, apenas ali lhe foi imputado:
- que não enviou à ANA os relatórios operacionais como era seu dever;
- que nada disse em defesa das RR. nas referidas reuniões, nem ditou para a acta o que iria fazer para resolver os problemas detectados e melhorar o serviço.
Concluíam as RR. que esta actuação é grave, negligente e prejudicial para o contrato de prestação de serviço com a ANA, mostrando um desinteresse repetido, omissão de acção e falta de acompanhamento de colaboradores, pelo que não confiam na diligência e capacidade da A. para “Gestora do Contrato” e assim entendem justificado o despedimento.
Mas nem naquelas peças, nem no articulado motivador do despedimento apresentado na presente acção as ora recorrentes imputaram à A. ora recorrida qualquer responsabilidade nas falhas apontadas pela ANA no decurso das reuniões, como agora vêm fazer no recurso, o que não lhes é lícito fazer.
Com efeito, e em primeiro lugar, os recursos não têm como escopo o conhecimento de questões novas não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas, sim, apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso.
Em segundo lugar, o tribunal só sobre os factos constantes da nota de culpa e vertidos na decisão de despedimento se pode pronunciar ao apreciar a justeza do despedimento[7].
O que tem como repercussão, a irrelevância da alegação que ex novo as recorrentes vêm fazer no sentido de a A. não cumprir nem fazer cumprir as normas de segurança no acesso à sala de embarque de passageiros, deixando passar artigos, potencialmente, perigosos em si mesmos ou por disfarce para a segurança aérea que foram detectados mais tarde.
No que diz respeito à alegação de que recorrida também não apresentava aos responsáveis da ANA os relatórios diários como estava obrigada a fazer, em princípio, por e-mail, mas que também podiam ser entregues em mão, e de que quando os entregou fê-lo com atraso, quando podia utilizar toda a logística e informática da filial do Porto para o fazer, tendo distribuída viatura própria que lhe permitia uma fácil deslocação do aeroporto àquela filial, cremos que o condicionalismo factual apurado é eloquente permitindo a conclusão de que à A. não foram, desde o início da operação de segurança a cargo da CC no Porto, conferidos os meios materiais necessários para cumprir com eficiência, e atempadamente, essa sua incumbência de enviar à ANA os relatórios de operação acordados com o Cliente (vide os factos 3.1.17. a 3.1.19.).
Além disso, ficou provado que os relatórios foram enviados, só não o foram no dia correcto. (facto 3.1.16.) e o certo é que a ANA tomou efectivo conhecimento das anomalias que expôs nas três reuniões referidas na matéria de facto.
Finalmente no que diz respeito à atitude da recorrida de, nas reuniões de 7, 9 e 15 de Junho realizadas com os representantes da ANA, não ter tomado qualquer posição de defesa da CC quanto às falhas apontadas, nem dado indicações de que as falhas estavam a ser detectadas pelos serviços da CC e a ser corrigidas, não vemos que tivesse obrigação estrita de o fazer ou que o facto de o não ter feito a faça incorrer na violação de um qualquer dever laboral. Cabe aqui lembrar, como fez a sentença recorrida, que os superiores hierárquicos da A., GG e HH, também estiveram presentes na reunião de 7 de Junho, não resultando igualmente do teor da acta documentada nos autos, que tenham esboçado qualquer reacção às críticas apresentadas. E é muito relevante atentar em que as falhas eram apresentadas nas reuniões e, como ficou provado, logo a A. reunia com os supervisores e chefes de grupo, para esclarecer e resolver todas as falhas apontadas nas mesmas e que após as reuniões, a A. reunia com os trabalhadores que eventualmente tinham sido menos profissionais e impunha regras e procedimentos (vide os factos 3.1.52. e 3.1.53.).
Acresce que A. esteve muito pouco tempo em exercício de funções no aeroporto do Porto (entre 1 e 18 de Junho de 2010), certamente ainda numa fase de implementação de procedimentos, como bem ponderou a Mma. Juiz a quo, o que não pode deixar de ser ponderado nesta sede.
Em suma, porque da factualidade apurada não resulta que a A. tenha prosseguido um comportamento disciplinarmente censurável que tornasse imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, não se têm por preenchidas, quer a cláusula geral do artigo 351.º, n.º 1, do Código do Trabalho, quer alguma das hipóteses exemplificativamente descritas no seu nº 2.
O que nos conduz à afirmação de que a R. procedeu a um despedimento ilícito, nos termos do artigo 381.º, alínea b) do Código do Trabalho.
                                                                                                                                               *
4.5. No que diz respeito à indemnização fixada pela sentença da 1.ª instância em substituição da reintegração, a A. recorrente mostrou-se inconformada com a base de cálculo fixada pelo tribunal a quo – 30 dias – e com o lapso temporal por este atendido para a quantificação do seu valor, que foi fixado na 1.ª instância em € 2.370,00 (€ 711,00 x 3 + € 711,00 / 3).
Segundo alega, a indemnização legal pelos danos sofridos em virtude do despedimento ilícito, deve ser fixada em 45 dias de retribuição por cada ano completo de serviço ou fracção, por ser o grau de culpa das recorridas grave e a retribuição da recorrente baixa pois, pela análise crítica dos factos, é de depreender que a trabalhadora só foi despedida por não ter aceitado uma nova transferência de local de trabalho, facto que agrava a culpabilidade das Recorridas e deveria o tribunal, com base na experiência e no senso comum assim ter entendido, pois se a trabalhadora tivesses aceite a transferência, não tinha sido despedida.
Conclui que a indemnização por despedimento ilícito deve ser fixada em 45 dias de retribuição base por cada ano completo de serviço ou fracção e o tempo contabilizado até ao trânsito em julgado da decisão.
Nos termos do disposto no artigo 389º, nº 1 do Código do Trabalho de 2009, sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado:
“a) A indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais;
b) A reintegrá-lo no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.”
Por seu turno o artigo 391º do Código do Trabalho de 2009 estabelece que “[e]m substituição da reintegração o trabalhador pode optar por uma indemnização, (…) cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381º” (n.º1) e que para tais efeitos o tribunal deve “atender a todo o tempo decorrido desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial” (n.º 2), sendo que tal indemnização “não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades” (n.º 3).
O Professor Júlio Gomes defende, a propósito desta problemática, e ainda à face do Código do Trabalho de 2003 que, neste aspecto estabelece regime similar, o seguinte:  
«O artigo 439.º prevê que, em substituição da reintegração, pode o trabalhador optar por uma indemnização. O valor da indemnização não está agora rigidamente tabelado na lei, a qual se limita a fixar os parâmetros a que o tribunal atenderá na determinação do seu montante: cabe, assim, ao Tribunal fixar a indemnização entre o mínimo de 15 dias e o máximo de 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade ou fracção. Para fixar a indemnização neste quadro legal, o tribunal deverá atender ao valor de retribuição e ao grau de ilicitude decorrente do disposto no artigo 429.° Quanto a nós estes são os únicos critérios a que o juiz poderá atender, e não a outros, como a idade do próprio trabalhador (que, aliás seria provavelmente um critério discriminatório.
(…)
Ainda quanto aos critérios a que a lei manda atender, parece-nos que por ilicitude se refere também a culpa do empregador - recorde-se que, aliás, alguns autores, na esteira da doutrina francesa, tendem a não distinguir ilicitude e culpa em sede de responsabilidade contratual - e que o grau de ilicitude não decorre apenas do disposto no amigo 429.°, já que este é completado pelos artigos 430.° a 433.°.
Dissemos já, noutro estudo, que a indemnização por despedimento ou indemnização por antiguidade parece ter um sentido parcialmente punitivo: a indemnização será devida em substituição da reintegração, mesmo que o trabalhador tenha no dia seguinte conseguido um emprego melhor. Quem nega uma componente punitiva na indemnização por despedimento ilícito, sustenta frequentemente que existe sempre um dano quando ocorre um despedimento ilícito. Ta1 dano consistiria na própria perda do posto de trabalho, ou na violação do direito do trabalhador à estabilidade do seu contrato de trabalho, constitucional e legalmente consagrada e, portanto, no seu direito a continuidade da sua relação laboral até que esta cesse por uma causa de cessação lícita. E daí que a jurisprudência francesa já tenha afirmado que a inexistência de um motivo real e sério para o despedimento acarreta, por si própria, a existência de um dano.
Por outro lado, deve reconhecer-se que qualquer despedimento, mesmo que lícito e fundado é, só per si, "um evento assaz desestabilizante para a pessoa, quando consideradas as múltiplas consequências que comporta, como sejam a perda de salários, a lesão na profissionalidade, lesões nas relações interpessoais e nos papéis sociais (mesmo no interior do âmbito familiar mais circunscrito) e de projecções para o futuro. O evento comporta ainda efeitos mais devastadores sempre que ocorra com modalidades e motivações violentas ou ridicularizantes"».[8]
No caso sub judice, a recorrente optou pela indemnização logo na contestação apresentada ao articulado motivador.
A Mma. Juiz a quo ponderou para estes efeitos que:
«No caso da indemnização por danos patrimoniais, entende o Tribunal que a indemnização a fixar se deve situar, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do comportamento da R., em 30 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade ou fracção, quantia esta que certamente seria superior se a A. tivesse provado que verdadeiro motivo do despedimento tivesse sido o facto de ter recusado a sua transferência para Lisboa.
[…]»
É razoável este raciocínio, perante a factualidade que ficou apurada.
Na verdade, não ficou provado que a recorrente só foi despedida por não ter aceitado uma nova transferência de local de trabalho, o que obviamente agravaria a culpabilidade das recorridas e tal culpabilidade deveria ser atendida para estes efeitos.
A matéria de facto alegada a este propósito pela recorrente na sua contestação foi vertida na base instrutória e o tribunal a quo decidiu que tal matéria ficou “não provada” – vide os pontos 12) a 15) da base instrutória e o despacho que decidiu a matéria de facto a fls. 311.
 Assim, ao invés do que pretende a recorrente, não é agora possível a este tribunal de recurso, valendo-se das regras da experiência e do senso comum, e com recurso às presunções judiciais, naturais ou de facto admitidas nos arts. 349.º e 351.º do Código Civil – que permitem ao juiz, partindo de um facto provado ou conhecido, chegar a um facto desconhecido –, depreender que a trabalhadora só foi despedida por não ter aceite uma nova transferência de local de trabalho.
Se o tribunal a quo considerou expressamente “não provado” que foi por não concordar com a transferência que lhe foi proposta no dia 28 de Junho para Lisboa que a A. foi no dia 19 de Julho suspensa das suas funções com a sequente instauração do procedimento disciplinar, e se a recorrente não impugnou a pertinente decisão de facto, mostra-se vedado nesta instância chegar a esta mesma conclusão fáctica por via de presunções judiciais.
Conforme constitui jurisprudência pacífica, não é possível extrair dos factos provados ilações que contrariam ou entram em colisão com um facto que foi submetido a concreta discussão probatória e que o tribunal houve como não provado, caso em que se patenteia uma contradição factual susceptível de inviabilizar a decisão jurídica do pleito[9].
Não podendo, assim, atender-se àquele factor que determinaria obviamente um grau de culpabilidade acrescido para as RR., não se justifica a fixação da indemnização com aquele mais elevado parâmetro.
Como se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.12.16 (Recurso n.º 314/08.1TTVFX.L1.S1 - 4.ª Secção, in www.stj.pt), a fixação de uma indemnização de antiguidade próxima do limite máximo previsto no art. 439.º, n.º 1, do Código do Trabalho, deve ficar reservada para situações de grosseira violação/omissão procedimental e, bem assim, para aquelas em que a sanção deva considerar-se ostensivamente violadora de princípios fundamentais e estruturantes, maxime, o da igualdade.
Não é o que sucede no caso sub judice, em que se verifica um grau de ilicitude médio, a demandar uma fixação da indemnização também em termos médios.
Em suma, atendendo a que, à data da cessação do contrato de trabalho, a recorrente auferia a retribuição base mensal de € 711,00 (facto 3.1.75.), e que, por outro lado, o despedimento foi declarado ilícito por se considerar improcedente o seu motivo justificativo, considera-se equitativa, razoável e adequada a fixação de indemnização em substituição da reintegração no ponto médio dos limites indicados no n.º 1 do artigo 391.º do Código do Trabalho, acolhendo-se o juízo efectuado pelo tribunal a quo.
Já no que diz respeito ao lapso temporal a atender para a quantificação da indemnização é manifesta a razão da recorrente.
Na verdade, a contagem da antiguidade do trabalhador, para efeitos do cálculo desta indemnização, inclui o tempo total de execução do contrato e, ainda, o tempo que decorreu entre o despedimento e o trânsito em julgado da decisão judicial – artigo 391.º n.º 2 do Código do Trabalho.
A antiguidade da recorrente reporta-se a 1 de Maio de 2007, pelo que na presente data já se completaram mais de 5 anos sobre tal data, não podendo o cálculo da indemnização, atendendo à retribuição base de € 711,00, limitar-se à condenação proferida na 1.ª instância de € 2.370,00.
Uma vez que para a fixação da indemnização o tribunal deve atender a todo o tempo decorrido “até ao trânsito em julgado da decisão judicial” e, neste momento, o presente acórdão ainda se não mostra transitado, o cálculo do montante indemnizatório tendo por referência a prescrição inserta no n.º 2 do mesmo preceito deve ser relegado para incidente de liquidação, limitando-se à parametrização a que alude o n.º 1 do referido art. 439.º e a que já se procedeu - vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2009.06.25, Recurso n.º 376/09 - 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt.
Procede parcialmente, neste aspecto, o recurso principal.
                                                                                                                                               *
4.6. Resta, finalmente, a questão da indemnização para ressarcimento dos danos não patrimoniais.
Alega a A. recorrente que, pela gravidade dos factos dados como provados quanto aos danos morais sofridos, segundo um critério de equidade, deve ser fixada uma indemnização no valor de € 5.000,00, sendo diminuto o montante fixado de € 3.000,00, pois as recorridas, são grandes empresas, com grande capacidade económica, para quem o pagamento de tal quantia não implica qualquer esforço e a A. é pobre, viu-se sozinha, sem dinheiro e sem casa, tendo de se humilhar e pedir ajuda a amigos, o lhe tem provocado ansiedade e desgosto, estando psicologicamente afectada (conclusões 17.ª a 22.ª).
As RR.– neste ponto também recorrentes –, invocam, por seu turno, que a A. recorrida não sofreu danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, sendo iguais aos de todos os trabalhadores que perdem o seu emprego, além de que o despedimento feito pelas recorrentes constitui um acto lícito.
A sentença recorrida, sobre este aspecto, concluiu ser adequada e equitativa uma indemnização no montante de € 3.000,00 (três mil euros).
Vejamos.
A cessação ilícita da relação laboral impõe ao empregador a obrigação de pagar ao trabalhador uma indemnização por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, causados – artigo 389º, nº 1, alínea a) do Código do Trabalho.
In casu as RR. puseram termo ao contrato de trabalho através de um despedimento que se considerou ilícito, pelo que não colhe o argumento primeiro das RR. de que praticaram um acto lícito e não gerador de responsabilidade.
Ponto é que, no que concerne aos danos patrimoniais, estes mereçam, pela gravidade que assumem, a tutela do direito – cfr. artigo 496.º do Código Civil – gravidade esta que as RR. também questionam.
Nos presentes autos ficou provado que:
3.1.58. A A. ficou psicologicamente muito afectada por ter perdido o seu posto de trabalho.
3.1.59. É mãe solteira, tem a seu cargo um menor de 7 anos.
3.1.60. Saiu de Porto Santo, convicta que a sua vida iria melhorar, uma vez que o seu salário iria aumentar, nomeadamente com o subsídio de função e de deslocação.
3.1.61. E só por isso se sujeitou a essa alteração na sua vida.
3.1.62. Quando foi despedida, ficou sozinha, desorienta[da] e muito transtornada, pois viu de novo a sua vida, após 5 meses, completamente alterada, sem trabalho e sem dinheiro.
3.1.63. Tendo que ir viver para o Montijo, para casa de uma amiga, onde não paga renda de casa.
3.1.64. Nesta data, não pode regressar ao Porto Santo, sem ter lá o seu posto de trabalho, como tinha, e não existe trabalho em Porto Santo.
3.1.65. Viu de novo o seu filho mudar de escola, o que lhe provocou muita instabilidade.
3.1.66. Situação que tem provocado ansiedade e desgosto à A..
3.1.67. A A. está afectada psicologicamente.
É patente que a cessação ilícita de uma relação laboral causa, naturalmente, um abalo na personalidade moral do trabalhador.
No caso específico da A., ficou provado que a mesma ficou por tal afectada psicologicamente, desorientada e muito transtornada, sofrendo ainda instabilidade, ansiedade e desgosto ao ver de novo o seu filho mudar de escola, pela necessidade que teve de alterar a sua residência por estar sem trabalho e sem dinheiro, o que se traduz em consequências no seu estado psicológico e anímico de evidente gravidade e, por isso, merecedoras da tutela do direito, ao invés do que sustentam as RR. recorrentes.
Pelo que deverão ser ressarcidos estes danos causados pelo acto ilícito das RR., colocando-se agora a questão do quantum indemnizatório.
É sabido que, não sendo os incómodos morais mensuráveis a nível patrimonial, dada até a sua heterogeneidade e não reflexo patrimonial, a indemnização pela sua ocorrência visa atenuar, pela atribuição pecuniária indemnizatória, as «dores morais» sofridas, minimizando o estado de abalo sofrido em consequência de tais danos.
Como refere Antunes Varela, não “há, de facto, a intenção de pagar ou indemnizar o dano, muito menos o intuito de facultar o comércio com valores de ordem moral; há apenas o intuito de atenuar um mal consumado, sabendo-se que a composição pecuniária pode servir para satisfação das mais variadas necessidades, desde as mais grosseiras e elementares às de mais elevada espiritualidade, tudo dependendo, nesse aspecto, da utilização que dela se faça[10].
O montante dessa reparação, de acordo com a primeira parte do nº 3 do artigo 496.º do Código Civil, é relegado para um juízo equitativo a formular pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º do Código Civil, a saber, “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.
Segundo Galvão Telles, mesmo “que o agente tenha procedido com dolo (ou culpa grave) ou as restantes particularidades não sejam de molde a fazer minorar a responsabilidade, a fixação da indemnização dos danos morais far-se-á sempre em termos equitativos, tendo em conta, não só naturalmente os danos em si (a sua maior ou menor extensão e gravidade), mas também o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso[11].
No caso vertente cabe ponderar, além da extensão e gravidade dos danos apurados, a condição económica geral da A. que se extrai do salário à data auferido ao serviço das RR., a dimensão organizatória e económica das RR. que se extrai da factualidade apurada e a própria quantificação da indemnização feita pela A. recorrente (em € 5.000,00), que pressupunha a improvada instauração retaliadora do procedimento disciplinar.
Neste circunstancialismo, o quantum indemnizatório conferido à A. – € 3.000,00 – que equivale a cerca de quatro vezes o montante da remuneração base que auferia, prefigura-se, como uma quantia equitativa e adequada a compensar aqueles danos não patrimoniais sofridos em consequência do despedimento ilícito de que foi alvo.
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4.7. As custas dos recursos principal e subordinado interpostos da sentença final deverão ser suportadas pela A. e RR., na proporção do decaimento (artigo 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), atendendo-se a que a A. beneficia de apoio judiciário.
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5. Decisão
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Em face do exposto, decide-se:
5.1. julgar improcedente a impugnação da matéria de facto deduzida no recurso principal e procedente a deduzida no recurso subordinado e, em consequência, adita-se à matéria de facto o ponto 3.1.84.-A, com o seguinte teor:
3.1.84.-A “A transferência de Porto Santo para o Porto foi feita a título definitivo e não a título de deslocação temporária”.
5.2. aditar oficiosamente à matéria de facto os pontos 3.1.71.-A e 3.1.88., com o seguinte teor:
3.1.71.-A Na “ficha de descrição da função” de “Gestor de Contrato” junta pelas RR. a fls. 24 do procedimento disciplinar apenso, uma das “actividades a executar” consiste em “comunicar ao Director Geral, qualquer anomalia ou ocorrência crítica verificada no decorrer da prestação de serviços”.
3.1.88. A R. pagou à A. o valor de € 1.216,00 a título de subsídio de férias pelo trabalho prestado em 2009.
5.3. julgar parcialmente procedentes o recurso principal e o recurso subordinado e, em consequência:
5.3.1. condenam-se as RR. a pagar à A. uma indemnização em substituição da reintegração correspondente à quantia de € 711,00 por cada ano completo ou fracção de antiguidade, contada desde 1 de Maio de 2007 e até ao trânsito em julgado do presente acórdão;
5.3.2. condenam-se as RR. a pagar à A. a compensação correspondente à retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento, tendo por referência a remuneração base mensal de € 711,00, o subsídio de isenção de horário de trabalho mensal de € 177,75 e o subsídio de função mensal de € 550,00, até ao trânsito em julgado da decisão, a apurar em incidente de liquidação de sentença, deduzindo-se as importâncias que a trabalhadora tenha auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento e o subsídio de desemprego atribuído à A. no período referido, devendo a empregadora entregar essa quantia à Segurança Social;
5.3.3. revoga-se a sentença recorrida no que diz respeito à condenação constante da alínea f) do seu segmento decisório;
5.3.4. mantêm-se as condenações constantes das alíneas c), d), e) e g) do segmento decisório da douta sentença recorrida, a primeira por improcedência de ambos os recursos e as demais por não questionadas perante este Tribunal da Relação.
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Custas do recurso principal pela recorrente e pelas recorridas na proporção de 86% e 14%, respectivamente.
Custas do recurso subordinado pelas recorrentes e pela recorrida na proporção de 82% e 18%, respectivamente.
Atender-se á a que a A. beneficia de apoio judiciário.
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Lisboa, 20 de Junho de 2012

Maria José Costa Pinto
Ferreira Marques
Maria João Romba
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[1] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2005-05-25, Recurso n.º 259/05 e de 2005-11-02, Recurso n.º 1454/05 ambos da 4.ª Secção e sumariados in www.stj.pt e Luís Gonçalves da Silva, in Estudos de Direito do Trabalho (Código do Trabalho), vol. I, 2.ª edição, Coimbra, 2008, p. 196, nota 46.
[2] Esta mesma convenção colectiva de trabalho foi alterada pela convenção publicada no BTE n.º 10/2009 com PE publicada no BTE n.º 30/2009. No BTE n.º 17/2011 mostra-se publicado o texto consolidado desta mesma convenção colectiva de trabalho.
[3] Vide Monteiro Fernandes, no seu estudo"A categoria profissional e o objecto do contrato de trabalho", in Questões Laborais, 1998, nº12, p. 136 e nota 33.
[4] No seu estudo citado, p. 136 e nota 33.
[5] No mesmo estudo, o autor sublinha que os esquemas classificativos convencionais estão condenados à progressiva irrelevância porque, por um lado, os quadros e descritivos categoriais das CCT estão desadequados, não tendo sequer correspondência na realidade em alguns casos e, por outro, exprimem critérios de divisão do trabalho em contracorrente com a evolução das formas de organização dominantes. Defende, também, ser duvidosamente adequado (e tendencialmente não efectivo) um sistema de pré-determinação da actividade do trabalhador que se baseie na mera “aplicação” de designações profissionais e descrições funcionais estabelecidas por via da contratação colectiva (a pp. 137-139).
[6] Vide Monteiro Fernandes, no seu estudo citado, pp. 133-134 e notas 28 e 30.
[7] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2001.05.31, Revista n.º 1814/00, de 2002.12.11, Revista n.º 2239/02, de 2005.01.12, Recurso n.º 2602/04, de 2005.12.14, Processo n.º 2333/05, de 2006.09.20, Recurso n.º 899/06, de 2008.06.18, Recurso n.º 933/08, de 2010.02.24, Proc n.º 1936/03.2TTLSB.S1, de 2010.07.07, Proc. n.º 123/07.5TTBGC.L1.S1, todos da 4.ª Secção e sumariados in www.stj.pt.
[8] In “Direito do Trabalho - Relações Individuais de Trabalho”, Volume I, Coimbra, 2007, pp. 1033 e 1034.
[9] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2001.12.18, Revista n.º 1815/01, de 2009.03.19, Processo n.º 3049/08, de 2009.06.17, Processo n.º 3845/08 e de 2009.07.07, Processo n.º 228/09, todos sumariados in www.stj.pt.
[10] In Das Obrigações em Geral, Volume I, 2ª edição, p. 485.
[11] In Direito das Obrigações, 3ª edição, p. 338.