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CONTRATO DE TRABALHO
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
PRODUTO DO CRIME
ESTUPEFACIENTE
TRANSPORTE
Sumário
Constitui justa causa de despedimento o comportamento do trabalhador, delegado de informação médica, que, com o seu conhecimento, transportou em viatura da empregadora, que lhe estava afeta para utilização profissional, pessoa que levava consigo produto estupefaciente (heroína) para a entregar a um contacto desta.
Texto Integral
Procº nº 235/16.4T8VLG.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1010)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório
B…, aos 04.02.2016, apresentou requerimento de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento com invocação de justa causa, de que foi alvo (art. 98º-C do CPT, na redação do DL 295/2009, de 13.10), contra C…, Unipessoal, Ldª.[1].
Frustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na audiência de partes, a empregadora apresentou articulado a motivar o despedimento com invocação de justa causa (art. 98º-J do CPT), pugnando pela licitude do mesmo e alegando, em síntese, que:
O A. exercia as funções de Delegado de Informação Médica (DIM), utilizando, para fim exclusivamente profissional, o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula .. – OH - ... e um telemóvel, ambos pertencentes à Ré;
No dia 18.11.2015, o A. faltou ao trabalho sem ter precedido de qualquer comunicação havendo a Ré sido contactada pela Polícia de Segurança Pública, a fim de informar que tinham procedido à detenção do A. na madrugada desse dia 18.11.2015, que os mencionados telemóvel e viatura haviam ficado apreendidos, podendo este ser entregue àquela empresa;
Informaram também que o motivo da detenção e apreensão desses bens deveu-se ao facto do A. estar fortemente indiciado por ligações ao tráfico de estupefacientes, sendo que naquela madrugada tinha sido detido em flagrante delito enquanto conduzia aquele veículo automóvel.
O A. não compareceu ao trabalho quer no dia 18.11.2015, quer no dia 19.11.2015, não enviando nenhuma declaração de justificação das faltas.
Nessa madrugada de 18.11.2015, o A. não se encontrava nem ao serviço da empresa nem a desempenhar as suas funções, antes utilizando o veículo da empresa para transporte/entrega de produtos estupefacientes, tendo sido detido em flagrante delito e sendo o telemóvel utilizado para combinações de entregas de produtos estupefacientes, o qual contém ainda e-mails e informações confidenciais da empresa;
Só admitiu o A. ao seu serviço por este ter um registo criminal limpo, nada constando do mesmo, nem se encontrar associado a qualquer organização criminosa e só nesta condição é que como titular de autorização de introdução ou colocação no mercado de medicamentos se responsabiliza pelos seus trabalhadores junto do INFARMED para obter a sua credenciação, sendo contra os seus princípios e regulamentos ter trabalhadores indiciados, acusados ou condenados por crimes, designadamente, crimes associados a estupefacientes e substâncias psicotrópicas.
O A. apresentou contestação/reconvenção na qual argui a nulidade do processo disciplinar, porquanto a entidade empregadora durante a fase de instrução do processo disciplinar juntou ao mesmo uma listagem com o registo de todas as passagens nos pórticos das auto estradas e estradas semelhantes relativos a tal veículo, sem que tenha feita um aditamento à Nota de Culpa;
Nega a prática dos factos de que é acusado, referindo quantos às ausências por ele dadas nos dias 18 e 19 de novembro, que a entidade empregadora sabia desde o dia 18 que ele se encontrava detido e que ele próprio comunicou a razão de tal ausência no dia 21 desse mês, através de e-mail;
Nega que aquele automóvel e o telemóvel fossem de uso estritamente profissional;
Diz-se inocente das suspeitas que lhe foram dirigidas, mais alegando os danos não patrimoniais que descreve.
Peticiona que seja considerado ilícito o despedimento de que foi alvo, e consequentemente, seja a Ré condenada a reintegrá-lo no seu posto de trabalho ou, em alternativa, a pagar-lhe uma indemnização, as retribuições e subsídios que deixou de auferir até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal acrescida de juros à taxa legal; a indemnização, a título de danos não patrimoniais, no montante de €20.000,00.
Peticiona ainda a condenação da entidade empregadora como litigante de má-fé, dado esta saber qual o motivo da sua ausência ao trabalho nos dias 18 e 19 de novembro de 2015.
A Ré respondeu no sentido: da inexistência quer da invocada nulidade do procedimento disciplinar, quer da litigância de má-fé, referindo, quanto a esta, que não houve qualquer omissão ou intenção de alterar os factos, apenas tendo mencionado que o trabalhador não enviou nenhuma declaração de justificação de falta relativamente a esses dias, conforme solicitado.
Teve lugar audiência preliminar, foi proferido despacho saneador tabelar, fixado o objeto do litígio, mais se consignando a matéria de facto assente e indicados os temas da prova (fls. 197 a 201).
Realizou-se a audiência de julgamento (sessões de 17.01.2017, 03.02.2017, 22.02.2017, conforme atas de fls. 266 a 268, 270/271 e 277), havendo, na sessão de 17.01.2017, sido aditada uma alínea à matéria de facto assente e aditados aos temas da prova cinco pontos. Decidida a matéria de facto, conforme ata de fls. 280 a 282, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
“Pelo exposto, declaro ilícito o despedimento do trabalhador B… efetuado pela sua entidade empregadora “C… Unipessoal, Ldª” e consequentemente condeno - a a pagar-lhe:
I - uma indemnização por antiguidade, graduando-a em 15 dias de retribuição base por cada ano completo ou fração de ano, contada desde o dia 13 de Janeiro de 2003 e até ao trânsito em julgado da sentença condenatória, que a esta data ascende a €14.875 (catorze mil, oitocentos e setenta e cinco euros).
II – as retribuições líquidas que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento e até ao trânsito da sentença condenatória, deduzidas dos vencimentos que tenha auferido de outra entidade empregadora ou das quantias que tenha recebido da segurança social a título de subsídio de desemprego, quantia essa a ser apurada em incidente de liquidação.
No mais, vai a empregadora absolvida.
Tendo em consideração a data da entrada da apresentação do formulário pelo trabalhador e as deduções previstas no nº 1 als. a), b) e c) do Código de Processo do Trabalho não há lugar ao pagamento de qualquer retribuição intercalar por parte do Estado (artigo 98-N “a contrario” do C.P.T.).
Custas pelo trabalhador e empregadora na proporção de 1/3 e 2/3 respetivamente.
Valor da ação : €34.875,00.”.
Inconformada, veio a Ré recorrer, tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões: “A. A Recorrente discorda com os fundamentos de facto e de direito aduzidos na sentença recorrida. B. Para o presente recurso têm relevância os pontos 4, 5, 8, 12, 15, 17, 18 dos temas da prova, com as seguintes questões:
- Ponto 4 do Tema da Prova: - Informaram que no âmbito da investigação criminal no Processo n.º 33/12.4PEPRT, a correr termos na 11ª Secção do DIAP do Porto, aquele trabalhador, B…, encontrava-se fortemente indiciado, por ligações ao tráfico de estupefacientes, sendo que naquela madrugada foi detido em flagrante delito enquanto conduzia o veículo com a matrícula .. – OH - .., marca "Audi", modelo …;
- Ponto 5 do Tema da Prova: - Que a viatura em questão estaria a ser utilizada para transporte/entrega de estupefacientes;
- Ponto 8 do Tema da Prova: - Questionado o Agente de Autoridade se mais algum bem da empresa teria sido apreendido, foi-lhe transmitido que ao suspeito B… apenas foram apreendidos o carro e um telefone, por existirem escutas telefónicas no âmbito do presente processo;
- Ponto 12 do Tema da Prova: - A viatura de marca “Audi”, modelo “…”, matricula .. – OH - .., foi colocada à disposição do trabalhador B… para o exercício das suas funções, sendo de utilização exclusivamente profissional;
- Ponto 15 do Tema da Prova: - Nesse dia, utilizava o veículo da empresa para transporte/entrega de produtos estupefacientes, tendo sido detido em flagrante delito;
- Ponto 17 do Tema da Prova: - Esse telemóvel era para uso estritamente profissional e foi utilizado pelo B… para combinações de entregas de produtos de estupefacientes e - Ponto 18 do Tema da Prova: - O telemóvel continua apreendido à ordem do processo crime contém e-mails e informações confidenciais da empresa. C. Entendeu o tribunal a quo que face à prova produzida não foi suficiente para integrar como factos provados os pontos 8, 12, 15, 17, 18 daqueles temas de prova, o que não se aceita. D. Em sede de fundamentação da decisão o Tribunal a quo entendeu que a Recorrente “não logrou provar como alegava que o B… naquela madrugada estava a utilizar o veículo da empresa para transporte / entrega de produtos estupefacientes, tendo sido detido em flagrante delito, nem que utilizava o telemóvel da empresa para combinar entregas de produtos de estupefacientes”; “Relativamente ao uso do veículo automóvel e embora tivesse ficado provado que naquela madrugada o B… não conduzisse ao serviço da empresa, o certo é que também ficou provado que a entidade empregadora consentia na utilização para fins particulares.”; “Deste modo, dos ilícitos disciplinares de que o trabalhador era acusado e que motivaram o seu despedimento disciplinar, apenas resultou provado que faltou injustificadamente nos dias 18 e 19 de Novembro de 2015, o que só por si não é naturalmente suficiente para que seja considerado lícita a sanção de despedimento aplicada. Assim, e face à falta de prova dos factos decisivos que alicerçavam a decisão de despedimento, não resta ao tribunal senão considerar ilícito tal despedimento.” E. Os documentos carreados ao processo conjugados com a prova testemunhal produzida deverão ser suficientes para se considerar provados os factos dos quais o Recorrido vinha acusado no processo disciplinar. F. A Recorrente entende que deveriam constar como factos provados o ponto 5 “Que a viatura em questão estaria a ser utilizada para transporte/entrega de estupefacientes” e o ponto 15 “Nesse dia, utilizava o veículo da empresa para transporte/entrega de produtos estupefacientes, tendo sido detido em flagrante delito.” dos temas da Prova. G. Decorre dos depoimentos das testemunhas Senhores Agentes da P.S.P., os quais foram unânimes, que o trabalhador utilizava daquele veículo de marca AUDI …, pertencente à Recorrente, para o transporte e entrega de produtos estupefacientes. H. O Tribunal a quo apenas deu como provado nas alíneas P) e W) da douta sentença, ao considerar que o trabalhador foi detido quando conduzia aquele veiculo da empresa, o que se aceita.
No entanto, já não se aceita nem se admite que o Tribunal a quo tenha excluído o facto da viatura, pertencente à empresa, estar a ser utilizada para o trafico de estupefacientes. I. O Tribunal a quo não podia desconsiderar toda a prova indiciária que conduziu ao dia da detenção do trabalhador pois, o trabalhador esteve a ser alvo de vigilâncias no âmbito de investigação criminal associada ao tráfico de estupefacientes, bem como a viatura da empresa, utilizada pelo trabalhador, se encontrava associada a essa prática criminosa. J. Conforme referiu a testemunha D…, depoimento gravado no ficheiro áudio 20170117102540_14504654_2871596, que o Trabalhador, ora Recorrido, já andava a ser vigiado no âmbito do processo de trafico de estupefacientes, quer por intermédio de escutas telefónicas quer por intermédio de vigilâncias presenciais e que o dia 18 de Novembro de 2015 teria sido o culminar de toda uma operação, conforme decorre da gravação nas passagens 00:01:13 a 00:01:17; 00:01:44 a 00:01:45, 00:02:10 a 00:02:11. K. Segundo esta testemunha, D…, havia vários elementos no processo crime que demonstravam a ligação do trabalhador ao tráfico de estupefacientes, não se tratando de uma mera casualidade, conforme depoimento gravado no ficheiro áudio 20170117102540_14504654_2871596, nas passagens 00:15:29; 00:02:29; 00:05:33 a 00:05:51. L. Mencionou ainda que se não houvesse as vigilâncias e intercepções telefónicas e se tratasse de uma mera operação normal o trabalhador não teria sido detido naquele dia 18 de Novembro de 2015, conforme gravações áudio, testemunha D…, nas seguintes passagens 00:19:41 a 00:20:31. M. Reforçando este facto a testemunha E…, frisou ao Tribunal que a detenção do Trabalhador, ora Recorrido, deveu-se a várias sessões de vigilância e intercepções telefónicas, conforme depoimento gravado, ficheiro áudio 20170117104817_14504654_2871596, na seguinte passagem 00:02:33 a 00:02:35. N. Foi também referido em sede de julgamento, pelas testemunhas, Agentes da P.S.P., que a viatura da empresa, marca AUDI, foi, por diversas vezes, utilizada para transportar e entregar estupefacientes e que a mesma já era conhecida da investigação no crime de tráfico de estupefacientes. O. Neste sentido, a testemunha E…, depoimento gravado, ficheiro áudio 20170117104817_14504654_2871596, referiu que a viatura do dia da detenção já era do seu conhecimento pois tinha feito vigilâncias em que aquele veiculo era alvo, servindo de transporte para o trafico de estupefacientes, constante das gravações áudio, nas passagens 00:04:34 a 00:04:45. P. Na mesma orientação dos factos, a Testemunha F…, conforme gravação de ficheiro áudio, 20170117140851_14504654_2871596, referiu que o trabalhador era quem auxiliava o trafico, utilizando aquele veículo, vide passagens 00:04:12 e 00:15:27, 00:15:30. Q. O Tribunal a quo omitiu, erradamente, o facto do trabalhador ter sido detido em flagrante delito por estar auxiliar o transporte/entrega de estupefacientes com a viatura da empresa. R. Deverá, pois, ser considerado provado que o trabalhador foi detido em flagrante delito, por se encontrar a utilizar o veiculo da empresa, no transporte/entrega de estupefacientes. S. Neste sentido, a testemunha D… foi confrontada com o teor do email, documento 6, página 13, fls. 60 do processo, o qual resumidamente informa que “ (…) foi o vosso colaborador B… detido nesta madrugada, em flagrante delito, fortemente indiciado por ligações ao tráfico de estupefacientes. Aquando da detenção, o mesmo encontrava-se a conduzir a viatura (…) em virtude da viatura em questão ter sido utilizada para transporte/entrega de estupefaciente e não ser propriedade do próprio (…)”, tendo sido confirmado conteúdo e teor do mesmo, conforme ficheiro áudio – 20170117102540_14504654_2871596, gravação 00:09:32 a 00:09:45. T. Mais, aludiu a testemunha E…, conforme ficheiro áudio 20170117104817_14504654_2871596, que o trabalhador, ora Recorrido, sabia que transportava estupefacientes e o que ia fazer no dia em que foi detido, isto porque não era a primeira vez que o fazia, vide passagens 00:05:27 a 00:05:33; 00:06:40 a 00:06:45 e ainda 00:08:36 a 00:09:34. U. Atestando o descrito pelas anteriores testemunhas, a Testemunha F… esclareceu que o Recorrido, ora Trabalhador, foi detido em flagrante delito no dia 18 de Novembro de 2015, ao se encontrar a utilizar o veiculo AUDI, da Recorrente, no transporte e entrega de estupefacientes no Bairro …, do Porto, conforme gravação de ficheiro áudio, 20170117140851_14504654_2871596, nas passagens 00:03:29 a 00:04:45, bem como as seguintes a passagem 00:13:19 a 00:13:28 e, ainda 00:15:27 a 00:15:30. V. Afastando qualquer dúvida quanto à utilização do veículo da Recorrente para o transporte/entrega de estupefacientes, bem como no dia da detenção do trabalhador, ora Recorrido, o veiculo estaria a ser utilizado com esse propósito e nesse sequencia de acontecimentos foi detido em flagrante delito. W. Neste sentido, vide gravações do ficheiro áudio da testemunha F… nas passagens 00:16:27 a 00:16:52; 00:17:02 a 00:17:23 e, ainda, 00:18:54 a 00:19:38. X. Mais referiu a testemunha F… que: “Não, não tinha nada a ver com isso. O senhor B… quando ia ter com a Dona G… é ponto assente e temos provas no Processo que era com o objectivo de transportar a droga.”, conforme gravações áudio passagem 00:26:26 e ainda passagem 00:27:11 refere que no processo crime constam “(…) constam 3 ou 4 vigilâncias, que foram precedidas de contactos telefónicos. A Dona G… a proceder à entrega de droga e o senhor B… fez o transporte da mesma.” Y. E que, se naquele dia o trabalhador não tivesse ido abortariam a operação pois o objectivo era apanhar o mesmo em flagrante, vide depoimento da testemunha F…, passagem 00:30:20 a 00:30:25. Z. Estas três testemunhas nos seus depoimentos foram unânimes quanto à utilização do veículo para o transporte de tráfico de estupefacientes, bem como o trabalhador, ora Recorrido, não pode negar tais factos, tendo perfeito conhecimento e consciência que estaria a auxiliar no crime de trafico de estupefacientes pois foram várias as vezes que o fez, incluindo o dia 18 de Novembro de 2015, data em que foi detido em flagrante delito. AA. A corroborar com esta prova testemunhal, encontram-se junto aos autos os seguintes elementos, os quais deveriam ter sido dados como assentes e provados: a) Certidão judicial, com data de entrada nos presentes autos a 06.07.2016, referente aos Autos de Inquérito, onde consta relatórios de vigilância efectuados ao trabalhador, ora Recorrido; Autos de Apreensão e Busca e Apreensão relativos a G…; Autos de Apreensão e de busca e apreensão relativos ao trabalhador, B…, no qual consta a apreensão de arma, munições e uma balança de precisão, de marca Sytech, modelo …, de cor …, com vestígios suspeitos de serem de estupefaciente; Auto de Notícia por detenção em que refere a participação do Recorrido B… neste esquema, essencialmente, para o transporte de estupefacientes mas também mas recolha de estupefaciente junto do fornecedor ( com foco especial para as pags. 32 e ss desse auto, pags. 38 e ss desse auto, pags. 43 a 45 desse auto); b) Certidão judicial, com data de entrada nos presentes autos a 29.09.2016, referente à Acusação nos autos do processo crime em que é arguido o Recorrido, que em fls. 4848 e ss daquela acusação, já consta mencionada a balança de precisão, de marca Sytech, modelo …, de cor …, com resíduos de cocaína.; c) Na mesma certidão constam algumas transcrições das intercepções telefónicas efectuadas para o telemóvel da entidade patronal, ora Recorrente, que conjugadas com o demais não pode deixar duvidas que o Recorrido se dedicava ao trafico e utilizava o veiculo da empresa para transporte do estupefaciente. BB. Ora, face aos depoimentos dos agentes supra explanados, à prova documental junta aos autos e aos factos considerados como provados alíneas “P”, “V” e “W” da douta sentença, que se aceitam, é manifesto que os ponto 5 e 15 dos temas de prova deverão ser dados como provados. CC. Deverá fazer parte da matéria dada como provada que o trabalhador B… “utilizava a viatura da empresa, marca Audi …, melhor identificada nos autos, para transporte/entrega de estupefacientes”, bem como “Nesse dia, dia 18 de Novembro de 2017, o trabalhador utilizava o veículo da empresa para transporte/entrega de produtos estupefacientes, tendo sido detido em flagrante delito”. DD. Deve, ainda, o Tribunal a quo considerar como provado o ponto 8 “Questionado o Agente de Autoridade se mais algum bem da empresa teria sido apreendido, foi-lhe transmitido que ao suspeito B… apenas foram apreendidos o carro e um telefone, por existirem escutas telefónicas no âmbito do presente processo.” e ponto 17 “Esse telemóvel era para uso estritamente profissional e foi utilizado pelo B… para combinações de entregas de produtos de estupefacientes.” Dos temas da prova. EE. Neste sentido, o Tribunal a quo deveria ter-se socorrido da certidão judicial junta aos autos, com data de entrada a 29.09.2016, onde constam algumas transcrições das intercepções telefónicas efectuadas para o telemóvel e cartão de telefone da entidade patronal. FF. Mais, a testemunha D…, no depoimento gravado no ficheiro áudio 20170117102540_14504654_2871596, referiu que o telemóvel IPhone foi apreendido porque serve de prova para o processo crime atendendo que existe escutas telefónicas referentes a combinações para entrega de estupefacientes, vide gravação nas passagens 00:10:37 a 00:10:48 e 00:18:17 a 00:18:23. GG. Sendo que não existem duvidas que o telemóvel da empresa era esse mesmo IPhone. HH. Para além desta testemunha, a testemunha E… reforçou que não obstante não ter ouvido as escutas telefónicas in loco, foi um dos agentes que procedeu à transcrição das mesmas, tendo de as ouvir posteriormente. Nessas escutas “havia intercepções telefónicas que o senhor B… também era alvo nesse inquérito de tráfico de estupefacientes, que era o processo 3313.2 que é outro processo que irá ser julgado depois no Porto, e tinha esse conhecimento em que o senhor B… era que ia várias vezes…”, passagem 00:03:19 e 00:02:35 do depoimento gravado, ficheiro áudio 20170117104817_14504654_2871596. II. Salientou ainda a testemunha F… que o trabalhador, ora Recorrido, foi alvo de diversas interseções telefónicas e que dessas intercepções, não há margem para duvidas, que combinavam as entregas de estupefacientes a outros indivíduos, a saber na passagem, 00:04:12 e, ainda, 00:20:38, conforme gravação de ficheiro áudio, 20170117140851_14504654_2871596. JJ. Face ao exposto, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que foram apreendidos bens da empresa, sendo eles o carro e o telefone, por existirem escutas telefónicas no âmbito do presente processo, correspondente ao ponto 8 do tema da prova. KK. Também deveria ter sido dado como provado o ponto 17 do tema da prova “Esse telemóvel era para uso estritamente profissional e foi utilizado pelo B… para combinações de entregas de produtos de estupefacientes.” LL. Na douta sentença foi considerado como provado que “No exercício das suas funções o Trabalhador utilizava o veículo ligeiro de passageiros da marca Audi modelo … com a matrícula .. – OH - .., Telemóvel de marca IPhone, modelo …, …/.., com o IMEI n.º ……………, cor …, com o cartão SIM ……… e respetivos acessórios, computador portátil Toshiba e cartão Galp Frota, tudo pertença da Empregadora C… Unipessoal, Lda..” (alínea D) da matéria considerada como provada). MM. E ainda que considerado provado “A viatura de marca “Audi”, modelo “…”, matricula “.. – OH - ..”, foi colocada no dia 7 de fevereiro de 2014, à disposição do trabalhador B… para o exercício das suas funções profissionais, podendo pontualmente ser utilizada pelo trabalhador para seu uso pessoal, custeando o mesmo as despesas de combustível em viagens particulares.” (aliena T) da matéria considerada como provada). NN. Ora, é verdade, por provado a alínea D) e parte da alínea T) da matéria considerada provada na douta sentença no entanto, já não é verdade que a viatura, por si só, possa ser utilizada pelo trabalhador para seu uso pessoal. OO. A viatura é atribuída a cada um dos trabalhadores da empresa para utilização exclusivamente profissional, caso contrario seria considerada como retribuição e constaria no recibo de vencimento dos trabalhadores (vide doc. n.º 3 dos autos), o que não é o caso. PP. Ao Recorrido foi-lhe atribuída uma viatura de serviço, de marca Audi, modelo …, com a matrícula .. – OH - .., como instrumento de trabalho, vide doc. n.º 5 dos autos. QQ. Acresce que, o Recorrido tinha conhecimento das regras da empresa, tendo inclusive assinado a 04 de Janeiro de 2008, declaração de conhecimento do Código de Ética da empresa e Regulamento interno da empresa, devendo respeitar as mesmas, vide doc. n.º 6, fls. 13 a 16 juntas ao processo disciplinar. RR. No Código de Ética refere no ponto 10 e 12 das fls. 15 do doc. 6 (código de ética) que “ Os colaboradores da C… manterão equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, garantindo que o trabalho não prejudica a sua via pessoal nem esta interfere com a capacidade de desempenho profissional”; “Os colaboradores da C…, em caso algum utilizarão os instrumentos da Empresa para fins que, não sejam o normal desenvolvimento do negocio da empresa, passíveis de processo criminal ao abrigo da legislação em vigor”. SS. A corroborando com esta documentação, a testemunha H… quando questionada, se a viatura e o telemóvel, meios de trabalho colocados à disposição dos trabalhadores, eram de utilização exclusiva profissional, respondeu que sim “Estes meios são para uso exclusivamente profissional.”, depoimento gravado no ficheiro áudio 20170117110527_14504654_2871596 - na passagem 00:05:19 e reforçou esse facto ao referir que os meios da empresa não poderiam ser utilizados para outros fins, ainda que pessoais, 00:05:39 a 00:06:33 e 00:11:13 a 00:11:34. TT. E fez referencia às normas da empresa quanto aos meios de utilização dos veículos e telefones, sendo que delas o Recorrido não podia desconhecer por ter lido e assinado declaração como teria conhecimento das mesmas, conforme se verifica depoimento gravado no ficheiro áudio 20170117110527_14504654_2871596, nas seguintes passagens 00:07:05 a 00:07:41. UU. Para prova de que o veículo é utilizado exclusivamente para uso profissional, deverá ter ainda em conta o depoimento da testemunha I…, nas gravações com o ficheiro áudio 20170117115817_14504654_2871596, nas passagens 00:05:26 a 00:06:11, a qual mencionou ser de uso estritamente profissional. VV. Perante a prova documental produzida nos autos e prova testemunhal, depoimentos gravados, dúvidas não poderão existir que a viatura de marca “Audi”, modelo “…”, matricula .. – OH - .., foi colocada à disposição do trabalhador B… para o exercício das suas funções, sendo de utilização exclusivamente profissional, sendo que qualquer utilização fora desse âmbito não teria sido autorizada nem do conhecimento da entidade patronal. WW. Deverá considerar-se como provado o ponto 12 do tema da prova e reformulada a aliena T) da matéria considerada como provada na parte em que refere que o veículo poderia ser utilizado para uso pessoal. XX. Assim, deverá ser considerado como provado o seguinte facto: A viatura de marca “Audi”, modelo “…”, matricula “.. – OH - ..”, foi colocada no dia 7 de fevereiro de 2014, à disposição do trabalhador B… para o exercício, exclusivo, das suas funções profissionais, sendo a entidade patronal não autorizou e desconhece qualquer utilização, pontualmente, da viatura pelo trabalhador para seu uso pessoal, custeando o mesmo as despesas de combustível em viagens particulares. YY. Por último, deve ser considerado como provado o Ponto 18 do Tema da Prova: “O telemóvel continua apreendido à ordem do processo crime contém e-mails e informações confidenciais da empresa” na sua globalidade e não apenas parcialmente como fez o Tribunal a quo. ZZ. A testemunha J…, no depoimento gravado no ficheiro áudio 20170117151058_14504654_2871596, esclareceu ao Tribunal que o telemóvel da empresa tem informações confidenciais da empresa, vide as seguintes passagens 00:04:54 a 00:05:12 e, ainda, 00:05:36. AAA. Perante o exposto, encontra-se provado, na sua globalidade o ponto 18 do tema da prova e não apenas parte daquele ponto, ou seja, “o telemóvel IPhone, pertencente à empresa, continua apreendido à ordem do processo crime, como esse mesmo telemóvel contém e-mails e informações confidenciais da empresa. BBB. Pelo que, deverá concluir-se, no sentido do Recorrido ter desrespeitado diversas ordens e instruções da Recorrente ou deveres a que está sujeito. Referimo-nos a: a) Incumprimento das ordens e instruções relativas ao horário de trabalho; b) Incumprimento das ordens e instruções relativas à comunicação de quilómetros particulares efectuados com a viatura de serviço e utilização de pórticos para reembolso à Ré; c) Incumprimento das ordens e instruções de utilizar o veiculo e telemóvel para fins pessoais de índole criminal; d)Incumprimento do dever de velar pela boa conservação e utilização dos bens relacionados com o seu trabalho que lhe foram confiados pela Ré; e) Incumprimento de realizar o trabalho com zelo e diligência, de cumprir as ordens e instruções do empregador em tudo o que respeite à execução e disciplina do trabalho; f) Incumprimento de comparecer ao serviço; g) Incumprimento das prescrições legais, bem como respeitar e tratar o empregador com urbanidade e probidade e guardar lealdade para com o mesmo. CCC. O Recorrido violou os seus deveres profissionais de realizar o trabalho com zelo e diligência, de cumprir as ordens e instruções do empregador em tudo o que respeite à execução e disciplina do trabalho, de comparecer ao serviço; de velar pela conservação e boa utilização dos bens de trabalho que lhe foram confiados pela entidade patronal, cumprir com as prescrições legais, bem como respeitar e tratar o empregador com urbanidade e probidade e guardar lealdade para com o mesmo, de acordo com as alíneas a), b), c), e), f) g) do n.º1 do art. 128.º do Código do Trabalho. DDD. Acresce que, as condutas adotadas pelo Trabalhador, atenta a sua gravidade e consequências, resultantes não só, mas essencialmente, da quebra irremediável da relação de confiança que deve sempre existir entre o trabalhador e a respetiva empresa, bem como dos prejuízos que a sua conduta causou à entidade patronal, são suscetíveis de integrar o condicionalismo exigido para a verificação de justa causa de despedimento, nos termos do disposto no art. 351º do Código de Trabalho. Neste termos e nos mais de direito V. Exas., revogando a sentença proferida em primeira instância e, mediante reapreciação da prova, deverão ser considerados como provados os pontos: 5, 8, 12, 15, 17 e 18 dos Temas da prova e, consequentemente declarar licito o despedimento, absolvendo a Recorrente dos pedidos, com as demais consequências legais.”
O A. não contra-alegou.
A Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, sobre o qual as partes, notificadas, não se pronunciaram.
Colheram-se os vistos legais.
*** II. Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância
É a seguinte a decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância:
A)
A Empregadora C… Unipessoal, Lda. é uma empresa da indústria farmacêutica que se dedica ao fabrico, comercialização, importação, exportação, distribuição, promoção e publicidade de produtos farmacêuticos e hospitalares.
B)
No dia 13 de Janeiro de 2003, o Trabalhador, B…, foi admitido ao serviço, mediante contrato de trabalho, para, sob autoridade e direção da empresa, exercer as funções de Delegado de Informação Médica (DIM).
C)
O Trabalhador em Janeiro de 2016 auferia a retribuição ilíquida mensal de €2.125,00.
D)
No exercício das suas funções o Trabalhador utilizava o veículo ligeiro de passageiros da marca Audi modelo A3 com a matrícula .. – OH - .., Telemóvel de marca Iphone, modelo …, ……/., com o IMEI n.º ……………., cor …, com o cartão SIM ……… e respetivos acessórios, computador portátil Toshiba e cartão Galp Frota, tudo pertença da Empregadora C… Unipessoal, Lda..
E)
Enquanto DIM, o Trabalhador integrava a Direcção de Vendas da Ré, surgindo hierarquicamente abaixo de J…, seu superior hierárquico direto e Chefe Regional de Vendas, e de H…, Chefe Nacional de Vendas.
F)
No dia 18 de Novembro de 2015 a Empregadora instaurou um procedimento disciplinar ao B… tendo decidido suspende-lo preventivamente no decurso de tal procedimento disciplinar.
G)
No dia 02 de Dezembro de 2015 foi elaborada Nota de Culpa pelo representante legal da Empregadora, C…, e remetida ao trabalhador suspenso, advertindo o Trabalhador da intenção de se proceder ao seu despedimento.
H)
O Trabalhador respondeu à Nota de Culpa, arrolando cinco testemunhas que foi recebida no dia 23 de Dezembro de 2015.
I)
No culminar do procedimento disciplinar, no dia 14 de Janeiro de 2016 a Empregadora comunicou ao Trabalhador o seu despedimento com invocação de justa causa.
J)
A Empregadora C… Unipessoal, Lda. procedeu ao levantamento junto da PSP do referido automóvel às 19 horas do dia 18 de Novembro de 2015 após o mesmo ter sido apreendido.
K)
O B… não compareceu ao trabalho quer no dia 18 de Novembro de 2015, quer no dia 19 de Novembro de 2015.
L)
No decurso do 1º interrogatório judicial foi-lhe aplicada a medida de coação de apresentação diária no posto policial da área da sua residência cumulada com a proibição de contacto com os restantes arguidos.
M)
Dá-se por integralmente reproduzido o teor do Auto de Apreensão junto aos autos a fls. 173.
N)
Nada consta do registo disciplinar do trabalhador enquanto esteve ao serviço da empregadora.
O)
No dia 18 de Novembro de 2015 o trabalhador B… faltou ao trabalho sem ter precedido de qualquer comunicação ao seu superior hierárquico, J… ou a qualquer outra pessoa da “C…”.
P)
Da parte da tarde daquele dia, a “C…” foi contactada telefonicamente e, posteriormente por e-mail, pela Polícia de Segurança Pública, 1ª Esquadra de Investigação Criminal, através do Sr. Agente D…, que informou que tinham procedido à detenção do B…, durante a madrugada do dia 18 de Novembro de 2015, que tinha sido apreendido o automóvel de matrícula “.. – OH - ..”, marca "Audi", modelo …, no âmbito do processo crime n.º 33/12.4PEPRT, que aquele trabalhador encontrava-se fortemente indiciado, por ligações ao tráfico de estupefacientes, tendo que naquela madrugada detido em flagrante delito enquanto estava a conduzir aquele veículo automóvel, que estava a ser utilizada para transporte/entrega de estupefacientes.
Q)
O Sr. Agente D… informou que estava a contactar aquela empresa, dado ter sido verificado que essa viatura não ser propriedade do B…, pertencendo a uma empresa de leasing com contrato celebrado com a “C…”, importando diligenciar pela entrega da viatura a esta empresa.
R)
No dia 19 de Novembro de 2015, à noite, o trabalhador B… telefonou à sua chefia direta, Sr. J…, confirmando que tinha estado detido nos dias 18 e 19, tendo então combinado encontrarem-se na manhã do dia seguinte.
S)
O B… não enviou para a “C…” nenhuma declaração de justificação da falta ao trabalho relativa e esses dias 18 e 19 de Novembro de 2015.
T)
A viatura de marca “Audi”, modelo “…”, matricula “.. – OH - ..”, foi colocada no dia 7 de fevereiro de 2014, à disposição do trabalhador B… para o exercício das suas funções profissionais, podendo pontualmente ser utilizada pelo trabalhador para seu uso pessoal, custeando o mesmo as despesas de combustível em viagens particulares.
U)
O horário de trabalho do B… era das 9h às 19h, com 2 horas para almoço, de segunda a sexta-feira.
V)
Na madrugada de 18 de Novembro de 2015 o B… não se encontrava nem ao serviço da empresa nem a desempenhar as suas funções.
W)
Na noite de 17 para 18 de Novembro de 2015 o B… foi detido, quando se encontrava estacionado ao volante do veículo “Audi …”, de matricula “.. – OH - ..”, pelos agentes da Polícia de Segurança Pública, 1ª Esquadra de Investigação Criminal.
X)
O telemóvel da “C…” modelo Apple I Phone … e IMEI ………….., com o número de telefone ………, entregue ao B… para desempenho das suas funções foi apreendido nessa ocasião.
Y)
Esse telemóvel era para uso estritamente profissional.
Z)
Tal telemóvel continua apreendido à ordem do referido processo-crime.
AA)
Só é permitido o exercício da atividade profissional dos Delegados de Informação Médica se devidamente identificados e credenciados, sendo que essa credenciação é obtida mediante registo junto do INFARMED, promovida pela entidade patronal.
AB)
A “C…” só admite ao seu serviço trabalhadores para desempenharem as funções de Delegado de Informação Médica, que não estejam indiciados pela prática de crimes, designadamente de tráfico de substâncias estupefacientes, por ser contra os seus princípios e só nessa condição se responsabiliza pelos seus trabalhadores junto do INFARMED para obter a sua credenciação.
AC)
O B… era um trabalhador zeloso e diligente no exercício da sua atividade profissional, sendo um trabalhador dedicado à sua entidade empregadora, obtendo boas qualificações nas avaliações efetuadas por esta, mantendo um bom relacionamento profissional tanto com clientes como com colegas.
AD)
O B… ficou muito abatido pelo facto de ter sido despedido.”
*
Altera-se a al. G) dos factos provados, que passará a ter a seguinte redação:
G) No dia 02 de Dezembro de 2015 foi elaborada Nota de Culpa pelo representante legal da Empregadora, C…, e remetida ao trabalhador suspenso, advertindo o Trabalhador da intenção de se proceder ao seu despedimento, nota de culpa essa da qual consta o seguinte:
“(…)
6.
Sucede, porém, que no dia 18 de Novembro de 2015, o trabalhador faltou ao trabalho sem ter percedido de qualquer comunicação ao seu superior hierárquico, J… ou Direção da empresa.
7.
Pelas 16 horas daquele dia, a entidade empregadora, na pessoa do seu Diretor Geral, Dr. U…, foi contactada telefonicamente e, posteriormente por email, pela Policia de Segurança Pública, 1ª Esquadra de Investigação Criminal, Agente D…, a fim de informar que tinham procedido à detenção do trabalhador B…, durante a madrugada do dia 18.11.2015.
8.
A razão do contacto telefónico prendia-se com a apreensão do automóvel de matrícula .. – OH - .., marca “Audi”, modelo ….
9.
Informaram que no âmbito da investigação criminal no Processo n.º 33/12.4PEPRT, a correr termos na 11ª Secção do DIAP do Porto, aquele trabalhador, B…, encontrava-se fortemente indiciado, por ligações ao tráfico de estupefacientes, sendo que naquela madrugada foi detido em flagrante delito enquanto conduzia o veículo com a matrícula ... - OH - .., marca “Audi”, modelo “…”.
10.
Que a viatura em questão estaria a ser utilizada para transporte/entrega de estupefacientes.
11.
Informaram ainda que, após análise toda a documentação do veículo, verificaram que o mesmo não era propriedade do B…, pertencendo a uma empresa de leasing com contrato celebrado com a entidade patronal.
12.
Apenas por este motivo entraram em contacto com a entidade patronal com vista a disponibilizarem a entrega do veículo a esta entidade, caso contrário, o veículo não seria entregue mantendo-se apreendido à ordem daquele processo.
(…)
14.
Questionado o Agente de Autoridade se mais algum bem da empresa teria sido apreendido, foi-lhe transmitido que ao suspeito B… apenas foram apreendidos o carro e um telefone, por existirem escutas telefónicas no âmbito do presente processo.
(…)
16.
No dia 19 de Novembro de 2015, o trabalhador continuou a faltar ao trabalho.
17.
No dia 20 de Novembro de 2015, o trabalhador informou o seu Chefe, J…, da sua impossibilidade de comparência ao trabalho nos dias 18 e 19 por ter sido detido.
18.
Informou ainda que foi constituído arguido no âmbito daquele processo e que lhe foi determinada a medida de coacção de apresentações diárias a uma entidade judicial.
19.
O Trabalhador não enviou para entidade patronal nenhuma declaração de justificação da falta ao trabalho daqueles dois dias.
(…)
25.
Conforme consta da Declaração de Recepção dos veículos colocados à disposição pela entidade patronal aos seus trabalhadores, a viatura de marca “Audi”, modelo “…”, matricula .. - OH - .., foi colocada à disposição do trabalhador B… para o exercício das suas funções, sendo de utilização exclusivamente profissional.
27.
Na madrugada de 18 de Novembro de 2015 o trabalhador não se encontrava nem ao serviço da empresa nem a desempenhar as suas funções.
28.
Nesse dia, o trabalhador utilizava o veículo da empresa para transporte/entrega de produtos estupefacientes.
29.
O trabalhador foi apanhado em flagrante delito no cometimento de um crime de tráfico de estupefacientes.
(…)
31.
O telefone da empresa, modelo Apple IPhone 4s e IMEI ……………., com o número de telefone ………, entregue ao trabalhador para desempenho das suas funções também foi apreendido.
32.
Foi com base em escutas telefónicas, efectuadas por aquele telefone da empresa, que o trabalhador foi indicado pelo crime de tráfico de estupefacientes.
33.
Ou seja, o telefone de uso estritamente profissional era utilizado pelo Trabalhador para combinações de entregas de produtos de estupefacientes.
(…)
35.
O telefone continua apreendido à ordem do processo-crime.
36.
O telefone contém emails e informações confidenciais da empresa, sendo que a sua apreensão e análise causa sérios danos para a mesma na medida em que ficam expostas todas as comunicações internas, informações e planos estratégicos da empresa.
37.
Por fim, a actividade comercial da entidade patronal è a comercialização de medicamentos, sendo que tem licenças e alvarás concedidos pela Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (INFARMED) para o efeito.
38.
Só é permitido o exercício da actividade profissional dos Delegados de Informação Médica se devidamente identificados e credenciados, sendo que essa credenciação é obtida mediante registo junto do INFARMED, promovida pela entidade patronal.
39.
A entidade patronal só admitiu ao serviço o trabalhador B… para desempenhar funções de Delegado de Informação Médica, tal como os demais colegas de empresa, por ter um registo criminal limpo, nada constando do mesmo, nem se encontrar associado a qualquer organização criminosa.
40.
Só nesta condição é que a entidade patronal como titular de autorização de introdução ou colocação no mercado de medicamentos se responsabiliza pelos trabalhadores junto do INFARMED para obter a sua credenciação.
41.
O trabalhador B… exerce funções de delegado de informação médica, encontra-se inscrito junto do INFARMED como trabalhador da empresa C…
42.
É contra os princípios e regulamentos da entidade patronal ter trabalhadores indiciados, acusados ou condenados por crimes, designadamente, crimes associados a estupefacientes e substâncias psicotrópicas.
(…)
*** II. Fundamentação
1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, são as seguintes as questões suscitadas:
- Da impugnação da decisão da matéria de facto;
- Da justa causa de despedimento.
2. Impugnação da decisão da matéria de facto
A Recorrente impugna decisão da matéria de facto relativamente aos pontos 4, 5, 8, 12, 15 e 17 dos temas da prova, tendo dado cumprimento aos requisitos previstos no art. 640º, nºs 1 e 2, al. a), do CPC/2013.
Para o efeito, procedeu-se à audição integral de todos os depoimentos prestados:
- pelas testemunhas D… (agente da PSP), E… (agente da PSP), H… (Chefe Nacional de Vendas da Ré, para quem trabalha desde final de 2007), I… (Assistente do Diretor Geral e do Departamento de Assuntos Regulamentares, trabalhadora da Ré desde dezembro de 2006), K… (agente da PSP), F… (agente da PSP), J… (trabalhador da Ré desde novembro de 2000, Chefe Regional de Vendas e superior hierárquico imediato do A.), estas arroladas pela Ré;
- pelas testemunhas L… (conhecido do A. há mais de 10 anos, sendo por este visitado no Centro de Saúde M…) e N… (trabalhou na Ré de 2008 a 2003, tendo sido colega de trabalho do A.);
- Pelo A., em declarações de parte.
2.1. Foi a seguinte a motivação da decisão da matéria de facto aduzida pelo Mmº Juiz, na parte que poderá relevar:
“Foi determinante para o apuramento dos factos provados a :
1) – (…)
2) a 7) - O depoimento prestado pelo Sr. Agente da P.S.P. D… que foi quem no dia 28 de novembro de 2015 contactou primeiramente por telefone e depois enviando em e-mail à “C… Unipessoal, Lda”, para que a viatura apreendida pudesse ser entregue, conjugado com o teor do e-mail junto aos autos a fls. 60.
(…)
12) - As declarações de parte efetuadas pelo trabalhador B…, conjugadas com o depoimento da própria testemunha da Ré, J…, que fazia parte dos usos da empresa a utilização por vezes da viatura automóvel atribuída aos Delegados de informação Médica, (DIM) como era o caso do B…, havendo uma prática de tolerância da empresa nesse sentido, esclarecendo ainda que aquele trabalhador não possuía viatura própria, tendo tido ainda em consideração o depoimento da testemunha O…, que foi colega de trabalho do B…, esclarecendo que a chefia direta apelava ao bom senso na utilização da viatura para uso pessoal, tendo também em consideração o documento cuja cópia está junta a fls. 56, datado de 7 de fevereiro de 2014, no qual foi posto à disposição do B… a viatura “Audi …” de matrícula “... – OH - ..”, subscrita por este, constando da sua cláusula 3ª que o signatário reembolsará a Empresa do custo do combustível gosto em kms particulares de acordo com a sua média de consumo anual”.
(…)
15) – O depoimento prestado pelas Srs. Agentes da P.S.P. D… e E… que faziam parte da equipa que procedeu à detenção do B…, tendo sido o D… que efetuou pessoalmente aquela detenção, explicando que o mesmo se encontrava estacionado ao volante do Audi, quando foi por ele detido.
16) – O auto de apreensão cuja cópia está junta a fls.173.
17) – O depoimento prestado pela testemunha J…, conjugado com o depoimento da testemunha I…, Assistente da Direção da “C…”, conjugado com o teor do documento junto a fls. 68 e 69 – documento de entrega daquele aparelho e documento de fls. 69 a 77 - Política de Utilização de Meios Informáticos e aceitação dessas normas pelo trabalhador, datada de 4 de novembro de 2014.
18) – O que resulta do despacho junto a fls. 125 o qual nega a pretensão da “C…” em reaver o mesmo.
(…)
Motivação dos factos não provados.
Relativamente ao facto do Sr. Agente da P.S.P. D… ter sido questionado pela “C…” se mais algum bem da empresa tinha sido apreendido e este lhe tenha transmitido que foram também apreendido um telefone, por existirem escutas telefónicas no âmbito do referido processo-crime, nenhuma prova foi feita.
Quanto ao facto do B… no dia 18 de novembro de 2015 estar a utilizar o veículo da empresa “Audi …” para transporte/entrega de produtos estupefacientes, tendo sido detido em flagrante delito, considero que a única prova produzida, o depoimentos dos senhores agentes da P.S.P. é manifestamente insuficiente sem mais, para poder se poder dar como assente tal matéria.
Efetivamente o B… não se encontrava na posse de qualquer substancia estupefaciente, não existem no processo registos de chamadas telefónicas ou outros contactos que o possam ligar à prática de tal crime, nem imagens de vigilância que possam concluir tal atuação, sendo certo que o facto da G…, com quem este teria um relacionamento amoroso, ter sido detida naquela noite após ter saído da viatura conduzido pelo B…, na posse de heroína, não leva à conclusão, com um necessário grau de certeza, que o B… era sabedor de tal situação, pactuasse com a situação e que utilizasse a referida viatura ou estivesse de algum modo ligado à prática de tal crime.
Relativamente à utilização do telemóvel Apple I Phone …, fornecido pela “C…” não existe qualquer prova de que o mesmo fosse utilizado pelo B… para combinar entregas de produtos de estupefacientes.
Também nenhuma prova credível foi efetuada no sentido de apurar se no caso concreto tal telemóvel contivesse e-mails e informações confidenciais da “C…”.
(…) ”.
2.2. Procedendo à reapreciação da decisão da matéria de facto impugnada:
2.2.1. Relativamente aos nºs 4º, 5º e 15º dos temas da prova, era o seguinte o teor dos mesmos:
“4º - Informaram que no âmbito da investigação criminal no Processo n.º 33/12.4PEPRT, a correr termos na 11ª Secção do DIAP do Porto, aquele trabalhador, B…, encontrava-se fortemente indiciado, por ligações ao tráfico de estupefacientes, sendo que naquela madrugada foi detido em flagrante delito enquanto conduzia o veículo com a matrícula .. – OH - .., marca "Audi", modelo ….
5º - Que a viatura em questão estaria a ser utilizada para transporte/entrega de estupefacientes.
“15º - Nesse dia, utilizava o veículo da empresa para transporte/entrega de produtos estupefacientes, tendo sido detido em flagrante delito.”.
Os pontos 4 e 5 dos temas da prova (bem como os 2 e 3), mereceram a resposta conjunta que consta da al. P) da matéria de facto provada na sentença, com o seguinte teor: “P) Da parte da tarde daquele dia, a “C…” foi contactada telefonicamente e, posteriormente por e-mail, pela Polícia de Segurança Pública, 1ª Esquadra de Investigação Criminal, através do Sr. Agente D…, que informou que tinham procedido à detenção do B…, durante a madrugada do dia 18 de Novembro de 2015, que tinha sido apreendido o automóvel de matrícula “.. – OH - ..”, marca "Audi", modelo …, no âmbito do processo crime n.º 33/12.4PEPRT, que aquele trabalhador encontrava-se fortemente indiciado, por ligações ao tráfico de estupefacientes, tendo que naquela madrugada detido em flagrante delito enquanto estava a conduzir aquele veículo automóvel, que estava a ser utilizada para transporte/entrega de estupefacientes.”
Pretende a Recorrente, quanto ao ponto 5, que seja dado como provado “Que a viatura em questão estaria a ser utilizada para transporte/entrega de estupefacientes”.
Quanto ao nº 15 dos temas da prova, foi ele foi objeto da resposta vertida na al. W) dos factos dados como provados na sentença, com o seguinte teor: “ W) Na noite de 17 para 18 de Novembro de 2015 o B… foi detido, quando se encontrava estacionado ao volante do veículo “Audi …”, de matricula “.. – OH - ..”, pelos agentes da Polícia de Segurança Pública, 1ª Esquadra de Investigação Criminal.”.
Pretende a Recorrente que seja dado como provado que o A. “utilizava a viatura da empresa, marca Audi …, melhor identificada nos autos, para transporte/entrega de estupefacientes” e que “Nesse dia, dia 18 de Novembro de 2017, o trabalhador utilizava o veículo da empresa para transporte/entrega de produtos estupefacientes, tendo sido detido em flagrante delito”.
Sustenta as alterações nos depoimentos das testemunhas D…, E…, F… e P…, bem como nos seguintes documentos: fls. 60, relatório de vigilância, autos de apreensão e busca relativos a G… e ao A., auto de notícia por detenção do A., acusação deduzida no Processo crime e transcrição de interceções telefónicas levadas a cabo neste.
Quanto ao ponto 4º dos temas da prova, não se vê razão para a impugnação da resposta, uma vez que o que dele consta ficou vertido na al. P) dos fatos provados. Aliás, a Recorrente, em bom rigor, não alega resposta diferente para esse ponto.
Quanto ao nº 5 dos temas da prova, o mesmo está relacionado com o nº 4, ou seja, com o que foi transmitido pela PSP, o que também já consta da al. P) dos factos provados [ou seja, foi transmitido pela PSP que “aquele veículo estava a ser utilizado para transporte/entrega de estupefacientes”].
Assim, quanto à impugnação aduzida aos nºs 4 e 5 dos temas da prova, cujas respostas constam da al. P) dos factos provados na sentença, nada há a alterar.
Questão diferente é se o veículo, efetivamente, era utilizado para transporte/entrega de estupefacientes, o que se prende com o nº 15 dos temas da prova e pretendendo a Recorrente duas coisas: que seja dado como provado que o A. “utilizava a viatura da empresa, marca Audi …, melhor identificada nos autos, para transporte/entrega de estupefacientes”, e, bem assim, que seja dado como provado que “Nesse dia, dia 18 de Novembro de 2017, o trabalhador utilizava o veículo da empresa para transporte/entrega de produtos estupefacientes, tendo sido detido em flagrante delito”.
Importa referir que o nº 15 está relacionado com o nº 14 dos temas da prova, cuja resposta veio a ficar vertida na alínea V) dos factos provados, reportando-se ele ao ocorrido na madrugada de 18 de novembro de 2015.
Quanto à pretensão de ser dado como provado que o A. “utilizava a viatura da empresa, marca Audi …, melhor identificada nos autos, para transporte/entrega de estupefacientes”, esta não se encontra suficientemente concretizada no tempo e no espaço, sendo que, nos termos do art. 353º, nº 1, do CT/2009, a nota de culpa deve conter a descrição circunstanciada dos factos imputados, sob pena, como é jurisprudência pacífica, de não poder ser atendida a imputação.
Aliás, tal “facto”, ainda que genérico, não foi sequer levado à nota de culpa, pelo que nunca poderia ser atendido atento o princípio da vinculação temática decorrente do citado art. 353º, nº 1. Com efeito, da nota de culpa, para além da factualidade levada aos temas da prova relativa ao ocorrido na madrugada do dia 18 de novembro de 2015, que se encontra vertida no ponto 15 dos temas da prova, e à factualidade posterior, apenas consta, no art. 30º da nota de culpa, que “a viatura em questão, meio de trabalho colocado à disposição pela entidade patronal, foi utilizada para fins ilícitos e de índole criminal”, a qual tem natureza manifestamente conclusiva, para além de que ela surge na sequência dos acontecimentos da madrugada do dia 18, relatados no ponto 15 dos temas da prova, e reporta-se ao que consta desse ponto 15.
Ou seja, não consta da nota de culpa a imputação de concretos factos ilícitos, mormente no que se reporta à utilização da viatura para o tráfico de estupefacientes, ocorridos em data anterior à madrugada do dia 17 para 18 de novembro de 2015, pelo que não poderão eles integrar a justa causa invocada para o despedimento (sem prejuízo, porém, do que adiante se dirá quanto à avaliação da prova com vista à formação da convicção relativamente ao demais impugnado quanto ao nº 15 dos temas da prova).
Assim, indefere-se a pretensão de dar como provado que o A. “utilizava a viatura da empresa, marca Audi …, melhor identificada nos autos, para transporte/entrega de estupefacientes”.
Quanto ao nº 15 dos temas da prova [“15º - Nesse dia, utilizava o veículo da empresa para transporte/entrega de produtos estupefacientes, tendo sido detido em flagrante delito.”.], que foi objeto da resposta constante da al. W) dos factos provados [W) Na noite de 17 para 18 de Novembro de 2015 o B… foi detido, quando se encontrava estacionado ao volante do veículo “Audi …”, de matricula “.. – OH - ..”, pelos agentes da Polícia de Segurança Pública, 1ª Esquadra de Investigação Criminal.”] e que a Recorrente pretende que seja dado como provado [resposta pretendida: “Nesse dia, dia 18 de Novembro de 2017, o trabalhador utilizava o veículo da empresa para transporte/entrega de produtos estupefacientes, tendo sido detido em flagrante delito”.].
No que se reporta à prova testemunhal:
F…, agente da PSP, referiu, em síntese, que: existia, há bastante tempo, uma operação de investigação ao tráfico de estupefacientes, em que, para além de outros, eram suspeitos G… e, desde há cerca de 5, 6 meses, também o ora A. e a viatura Audi, investigação essa no âmbito da qual se efetuaram interceções telefónicas e de vigilância a ambos (três ou quatro) e que permitiram concluir no sentido de que a G… procedia ao escoamento de estupefacientes (heroína e/ou cocaína) aos seus contactos, designadamente no Bairro …, no Porto, e que o A. a transportava na referida viatura Audi, sendo que, para o efeito e quando pretendia esse transporte, a G… comunicava por telemóvel com o A., este ia buscá-la a casa, transportava-a no mencionado veículo, esta saía do carro indo ter com quem a aguardava, e esperando o A. no veículo até ao regresso da mesma, após o que a levava a casa, ela saía e entrava em casa e o A. regressava, o que tudo ocorria à noite.
Relativamente ao dia em causa nos autos, dia 17 de novembro de 2015, ao final da noite e madrugada desse dia para dia 18, referiu ter sido intercetada escuta telefónica entre a referida G… e o A. pela qual ficaram a saber que iria ocorrer uma entrega, nessa noite, de estupefaciente no Bairro …, pelo que resolveram montar a operação com vista à detenção de ambos em flagrante; nessa sequência: a G… contactou por telemóvel com o A., este foi buscá-la a casa no veículo Audi e levou-a ao Bairro …; aí chegados, o A. ficou no carro e a G… saiu, após o que esta foi intercetada por um colega da PSP e o A. foi intercetado por outro. Pensa que a G… levava a droga (heroína) na mão pois que, quando foi intercetada, a atirou ao chão. Mais referiu que o A. tinha consciência do que estava a fazer, o que decorre das interceções telefónicas e das referidas operações de vigilância, operações essas no âmbito das quais se constatou que a G… saia de casa, entrava na viatura Audi em causa nos presentes autos, que daí fazia as chamadas telefónicas para os seus contactos.
De esclarecer que quando a testemunha se reportava à viatura Audi, assim como nós, tal tem por referência a viatura Audi, da Ré e em causa nos presentes autos.
Referiu ainda que não existia um relacionamento amoroso entre o A. e a G…, que se existisse saberia (dadas as interceções telefónicas), mas que houve um relacionamento “sexual não amoroso”.
D…, agente da PSP, foi quem, no âmbito da operação policial ocorrida na noite de 17 para 18 de novembro de 2015, procedeu à detenção do A., tendo, no essencial, confirmado a operação ocorrida nesse dia, bem como referido que, no âmbito de uma investigação por tráfico de estupefacientes, com escutas, houve uma de que decorreu que o A. e a referida G… iam ao Bairro … para uma entrega, que o A. chegou no Audi trazendo a G…, que esta saiu do carro, tendo esta sido intercetada pelo colega P… na posse de droga e que o A. foi, por si (testemunha), intercetado; que do local onde o A. se encontrava na viatura não se via o local onde a G… foi intercetada; que é sua convicção de que o A. sabia do referido transporte de droga, sendo que tal ocorreu no âmbito de um processo de investigação e não foi uma situação isolada. Pensa que havia uma relação afetiva entre o A. e a G… uma vez que na busca efetuada à residência do A. foram encontradas umas faturas que o indicam e pensa que o A. o referiu. Não foi apreendida droga na posse do A., designadamente em casa deste.
P…, agente da PSP, referiu que foi quem, no âmbito da referida operação policial ocorrida na noite de 17 para 18.11.2015, procedeu à interceção da G…, tendo, no essencial, confirmado a operação ocorrida nesse dia, bem como referido que: existia uma investigação ao tráfico de estupefacientes, com interceções telefónicas e vigilâncias, na sequência do que foi efetuada a referida operação na noite de 17 para 18 de novembro de 2015, que era intercetar a G…, que ia com o A. na viatura Audi, em flagrante delito; fez algumas transcrições de interceções telefónicas, não tendo feito a desse dia; conhecia o mencionado veículo por “seguimento” que havia já efetuado da residência do A. para a da G… e desta para o Bairro …, no Porto; tinham a informação que, nesse dia (17 para 18), iria ser efetuado o transporte de droga, que o A. conduzia a referida viatura, que a parou, a G… saiu da mesma, tendo então sido intercetada por si e o A. pelo colega; que a G… trazia na mão a droga e que, quando intercetada, a deixou cair ao chão; que entre o local onde o A. se encontrava no carro e onde a G… foi intercetada distam cerca de 10, 15 metros, mas que não há campo de visão; do que conhece do processo, o A. tinha conhecimento de que a G… levava a droga, pois esta fazia chamadas para indivíduos a quem ia entregar a droga e fazia-as no interior do carro acompanhada do A.. Não tem conhecimento de que houvesse uma relação afetiva entre o A. e a G…, mas em determinada altura do processo existiram comentários de colegas de que poderia haver.
Nas declarações de parte que prestou, o A. referiu que: conhecia a G…, que esta lhe “pedia boleia algumas vezes” e que naquele dia foi “apanhado de surpresa”; que aquela era uma “amiga colorida”, que havia um relacionamento amoroso. Instado pelo Mmº Juiz a esclarecer o que é “dar boleia”, referiu que às vezes iam a outro sítio e às vezes ela lhe pedia para a levar à Sé e que lhe dava “boleia”; ela disse que tinha que ir à Sé, que não desconfiou do porquê, assim como não desconfiou que ela “estivesse metida nisso”; tendo a ilustre mandatária do A. perguntado se “era apenas uma forma de estar com ela” e se “era o horário para encontros sem que o marido se apercebesse”, respondeu que sim; que foi apanhado de surpresa.
No que se reporta à prova documental:
a) Na sequência de solicitação formulada pelo Mmº Juiz (despacho de fls. 163), o DIAP, 11ª Secção, do Porto, remeteu a certidão de fls. 167 a 190, extraída dos autos de inquérito nº 33/12.PEPRT e da qual consta:
- relatórios de vigilância relativos ao A. e à já mencionada G…, referentes aos dias 26.10.2015 (das 22:00 às 22:35) e de 10.11.2015 (das 20h00 às 00h15), de acordo com os quais, e em síntese: no primeiro, o A. se desloca na viatura Audi à residência da G…, esta entra na viatura, faz uma chamada à pessoa aí identificada para marcar um encontro, o qual foi declinado pelo destinatário (chamada objeto de interceção), após o que aquela sai do carro e vai para casa, indo-se o A. embora; no segundo, o A. dirige-se com a mencionada viatura Audi à Rua …, …, onde depois chega a G…, na viatura Volkswagen, após o que ambos se dirigem, agora na viatura Audi conduzida pelo A., à R. …, Porto, a G… sai da mesma e dirige-se a determinado local, aí referido, aguardando o A. no mencionado Audi e, quando a mesma regressa, dirigem-se ambos ao local onde tinha ficado a outra viatura, ficando ambos uns minutos no Audi, após o que abandonam o local, cada um na sua viatura – fls. 168 a 170 vº;
- auto de apreensão de 18.11.2015/ 04h20, de fls. 171, de onde consta ter sido apreendido a G…, uma embalagem de heroína, com o “PBTA” de 10.22 gramas, uma viatura Volkswagen … e dois telemóveis;
- auto de busca e apreensão, de 18.11.2015/00h20, de onde consta busca e apreensão, na residência da referida G…, do descrito a fls. 171 vº a 172 v, entre o mais, de cocaína nas quantidades aí referidas.
- auto de apreensão, relativo ao A., de 17.11.2015/23:15, de dois telemóveis, aí identificados (fls. 173), entre os quais o referido na al. D) dos factos provados.
- auto de busca e apreensão de 18.11.2015/00:15, de onde consta busca e apreensão, na residência do A., do descrito a fls. 173 vº e 174, do qual não consta a apreensão de qualquer produto estupefaciente;
- “auto de notícia por detenção”, de 19.11.2015/07:40, do A. e da referida G… de fls. 174 vº a 182, onde se faz uma descrição das diligências levadas a cabo no âmbito do processo de inquérito, designadamente relatórios de vigilância de 26.10.2015 e 10.11.2015, interceções de comunicações, mais constando que: no dia 17.11.2015, pelas 22h30, a G… saiu de sua casa na viatura VW …, indo ao encontro do A. que se encontrava, na viatura Audi, à sua espera junto do Mosteiro …; depois, esta e o A., no mencionado Audi, quando se encontravam perto da baixa da cidade e após telefonema efetuado pela G… e um outro recebido por esta, a G… saiu da viatura Audi, após o que ocorreu a interceção desta pelos agentes da PSP P… e Q…, tendo ela largado para o solo uma embalagem de plástico contendo no seu interior 10,22 gramas de heroína; ocorreu também, simultaneamente, a interceção do A., pelos agentes da PSP D… e S…. Mais consta o resultado dos autos de apreensão e de busca e apreensão já referidos;
- auto de interrogatório de arguido, relativo ao A., de 19.11.2015 (fls. 183), de onde consta ter este dito não desejar prestar declarações.
- despacho judicial subsequente, contendo as medidas de coação, aí se determinando, no que se reporta ao A., que este aguardasse os ulteriores termos processuais sujeito, para além do TIR, à medida de apresentação diária no posto policial da sua área de residência e com proibição de contacto com os demais arguidos (fls. 184 a 186).
b) A fls. 208 a 245 encontra-se junta certidão emitida pelo DIAP do Porto,11ª Secção, da qual constam as seguintes peças extraídas do Processo de inquérito 33712.4PEPRT:
- despacho de acusação, proferido pelo MP de 11.07.2016, contra, entre outros, o A., este, “em concurso efetivo, por um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo art. 21º, nº 1 do Dec-Lei nº 15/93, de 22.01, (…) e um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, nº 1, al. c), da Lei 5/06 de 23.02” (fls. 210 a 245) e dele constando, relativamente à noite de 17 para 18 de novembro de 2015, ser de 9,707 gramas o peso líquido da heroína apreendida à G… quando foi detida após sair do viatura Audi;
- Transcrição de interceções telefónicas de 15.10.2015 (entre T… e a já mencionada G… e entre esta e o A), de 09.11.2015 (entre a G… e o A.), de 10.11.2015 (entre a G… e o A.) (fls. 246 e 247): na de fls. 246, de 15.102015, às 23h38, o A. liga a G… para esta ir ter ao teatro; na de fls. 246 vº, de 09.11.2015, às 21h47, a G… liga ao A. dizendo-lhe: para “ligar ao Alto com o pretexto de lá ir buscar as coisas e pergunta se tem alguma coisa para mim porque é já muito tempo”, “dizes que o boss já está a perguntar, que desses algum que está a fazer falta”, “ligas para ele com o pretexto das tuas coisas e perguntas olha não tens nada para entregar a eles”, ao que tudo o A. responde “está bem”; na de fls. 247, de 10.11.2015, às 22:30, a G… liga ao A., no sentido deste ir ter com ela, que está à espera na igreja.
Dos depoimentos das testemunhas D…, P… e F…, bem como do auto de detenção do A., não se nos fica a menor dúvida de que este, na noite de 17 para 18 de novembro de 2015, se encontrou com G…, que esta trazia consigo droga (heroína) para a entregar a um seu (da G…) contacto, tendo o A. transportado na viatura Audi da Ré a mencionada G…, droga essa que acabou por não ser entregue uma vez que a G… foi detida pela polícia (agentes de autoridade acima referidos), bem como o A.
Aliás, o próprio A., nas declarações de parte, não põe em causa tal factualidade, pois que o que diz é que foi apanhado de surpresa desconhecendo que a G… levava consigo a droga e bem assim os propósitos da mesma, declarações estas que, diga-se, não nos convencem, afigurando-se-nos que dos depoimentos das mencionadas testemunhas e da factualidade relativa à ocorrência desse dia, aliada às regras da experiência e senso comuns, que o A. tinha conhecimento de que aquela levava consigo a droga e que a ia entregar ao seu contacto.
Como declararam as mencionadas testemunhas, os factos ocorridos nessa noite, de 17 para 18 de novembro de 2015, foram o culminar de uma investigação antecedente, em que tanto a referida G… e o A., bem como a viatura Audi por este conduzida (e que era da Ré), já estavam referenciados como suspeitos de tráfico, sabendo as autoridades policiais que nesse dia iria ter lugar uma entrega do estupefaciente, o que aliás se viria a confirmar com a detenção da G… na posse da heroína, havendo as testemunhas confirmado, designadamente face às diligências de investigação antecedentes, que o A. disso tinha conhecimento.
Acresce que, face às regras da experiência comum, não é de todo credível que o A., já à hora tardia em que os factos ocorreram (cerca das 23h00), tivesse transportado a referida G… ao local, tendo ambos ficado a aguardar, e, após, tendo aquela saído da viatura, sem que o A. soubesse do propósito de tal comportamento e, muito menos, sem que tivesse desconfiado e, bem assim, sem que a tivesse questionado de tal comportamento, sendo de realçar que o A. não apresentou qualquer justificação credível para o alegado desconhecimento, nem apresentou qualquer justificação para o comportamento da referida G… e/ou que a tivesse questionado e que por ela tivesse sido apresentada qualquer justificação.
Com efeito, nas declarações de parte (e não depoimento de parte) que prestou (e, diga-se que, tratando-se de declarações de parte, fê-lo voluntariamente – art. 466º do CPC), o A. limitou-se, no essencial, a negar que tivesse conhecimento, a dizer que foi apanhado de surpresa, que aquela lhe pedia “boleia” e que tinha um relacionamento amoroso com a mesma, não se podendo também aqui deixar de salientar a forma sugestiva, induzindo manifestamente as respostas, das perguntas feitas pela ilustre mandatária do A. ao perguntar-lhe se “era a forma que tinha para estar com ela” e se o horário para os encontros era o possível para que o marido da G… não se apercebesse. Acresce até que, se o A. teria, efetivamente, uma relação amorosa com a G…, estranho e inverosímil é também que não tivesse conhecimento do propósito da referida G… e, muito menos, que nada lhe tivesse perguntado e/ou que esta nada lhe tivesse dito, limitando-se aquela a pedir-lhe, à referida hora, para a levar àquele lugar.
É, pois, nossa convicção que o A., na noite de 17 para 18 de novembro de 2015, sabia perfeitamente ao que ia quando transportou a referida G… na viatura Audi, pertencente à Ré.
Diga-se ainda que, mesmo que se entendesse que o exposto não bastaria para a formação da convicção (o que não é o caso), não vemos razão alguma que obstasse a que se pudesse ter em conta, para a convicção do ocorrido na noite de 17 para 18, às declarações das testemunhas relativas à anterior investigação e demais diligências de prova levadas a cabo no âmbito desta, mormente autos de vigilância (não se vendo razão para por em causa a veracidade do que deles consta), do que decorre que o comportamento da noite de 17 para 18 teve um padrão anterior similar, ainda que, pelo menos, por uma vez.
Embora a factualidade anterior não seja, nem possa ser, atendida para efeitos da justa causa do despedimento, afigura-se-nos que nada impede que possa ser atendida para efeitos de formação da convicção relativamente ao ocorrido nessa noite.
Assim, entende-se ser de alterar a al. W) dos factos provados, e aditar a alínea W1), com o seguinte teor: W)Na noite de 17 para 18 de novembro de 2015, o A. conduziu o veículo “Audi …”, de matrícula ... – OH - .. para transportar G… que, com o conhecimento daquele, levava consigo uma embalagem de produto estupefaciente – heroína – com 9,707 gramas de peso líquido, para dela fazer entrega a terceiros. W1)A entrega acabou por não ocorrer dada a detenção da referida G…, nessa noite, após ter saído do veículo e quando se afastara cerca de 15 metros, tendo o A. sido igualmente detido, quase em simultâneo, quando se encontrava estacionado ao volante do referido veículo para aguardar o regresso daquela; as detenções de ambos foram efetuadas pelos agentes da Polícia de Segurança Pública, 1ª Esquadra de Investigação Criminal.
Importa esclarecer que, conquanto a resposta a dar não seja exatamente igual ao que consta do nº 15 dos temas da prova, afigura-se-nos que nada obsta, do ponto de vista processual e substantivo, à mencionada resposta.
Com efeito, trata-se de resposta simultaneamente explicativa ou circunstancial e restritiva (na medida em que, embora transportada a heroína no veículo conduzido pelo A. e destinando-se a mesma a entrega, tal como se refere no nº 15 dos temas da prova, não era, ainda assim, o A., ele próprio, quem a tinha na sua posse e acabando a mesma por não ser entregue), mantendo-se a essencialidade da imputação constante da nota de culpa e encontrando-se a resposta contida no seu âmbito.
E, por outro lado, pese embora o princípio da vinculação temática à matéria contida na nota de culpa (nos termos do qual não poderão ser atendidos factos não imputados ao trabalhador na nota de culpa – arts. 357º, nº 4 e 387º, nº 3 do CT/2009 e 98º-J, nº 1, do CPT), nada impede que seja tida em conta matéria contida na imputação feita e que consubstancie factualidade meramente circunstancial ou esclarecedora, desde que na mesma se mantenham, na sua essencialidade, os factos constantes da nota de culpa – cfr. acórdão desta Relação, de 23.02.2015[2], Proc. 21/13.3TTVNG.P1, in www.dgsi.pt e acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10-12-2007 e de 2-01-2005 (Proc.s n.º 145/97 e 2602/04, respetivamente, ambos da 4.ª Secção, com sumários disponíveis em www.stj.pt) naquele citados.
Por fim, há que dizer que a expressão flagrante delito que a Recorrente pretende que fique consignada tem natureza jurídica e conclusiva, não devendo figurar em sede de matéria de facto.
2.2.2. Quanto aos nºs 8 e 17 dos temas da prova:
- Era o seguinte o teor do nº 8 “ “8º - Questionado o Agente de Autoridade se mais algum bem da empresa teria sido apreendido, foi-lhe transmitido que ao suspeito B… apenas foram apreendidos o carro e um telefone, por existirem escutas telefónicas no âmbito do presente processo.”, o qual foi dado como não provado.
Refere a Recorrente, na al. CC) das conclusões, que o nº 8 deve ser dado como provado e, na al. JJ) das mesmas, que deve ser dado como provado que “foram apreendidos bens da empresa, sendo eles o carro e o telefone, por existirem escutas telefónicas no âmbito do presente processo”.
De referir que a redação proposta na al. JJ) das conclusões não corresponde ao que constava do nº 8 dos factos impugnados: neste o que se quesitava era o que foi transmitido pelo agente de autoridade; na al. JJ) o que se pretende é que se dê como provado que existiam (efetivamente) escutas telefónicas no âmbito do processo.
Invoca a certidão remetida pelo DIAP a que já acima fizemos referência e os depoimentos de D…, P… e F….
O nº 8 dos temas da prova não foi corroborado pelas referidas testemunhas, designadamente ter sido transmitido à Ré que o telemóvel havia ficado apreendido por existirem escutas telefónicas no âmbito do processo e sendo que o que decorre da prova produzida, mormente do e-mail de fls. 60 e do auto de apreensão de fls. 173, é o que já consta das als. M), P), Q), X) e Z) dos factos provados, designadamente que o telemóvel ficou apreendido.
Quanto à pretensão de se dar como provado que “foram apreendidos bens da empresa, sendo eles o carro e o telefone, por existirem escutas telefónicas no âmbito do presente processo”, já a apreensão decorre dos mencionados pontos da decisão da matéria de facto, sendo que, embora decorra da prova, testemunhal e documental, terem existido escutas telefónicas, tal facto não foi alegado na nota de culpa.
Assim, e nesta parte, improcede a impugnação.
Quanto ao nº 17, dele consta que:“17º - Esse telemóvel era para uso estritamente profissional e foi utilizado pelo B… para combinações de entregas de produtos de estupefacientes.”, ponto esse que foi objeto da resposta de “provado apenas que esse telemóvel era para uso estritamente profissional” que ficou vertida na al. Y) dos factos dados como provados na sentença. Pretende a Recorrente que tal facto seja dado como integralmente provado.
A Recorrente sustenta as alterações pretendidas na certidão junta a 29.09.2016, com transcrições de interceções telefónicas e nos depoimentos das testemunhas D…, P… e F….
Das interceções telefónicas transcritas a fls. 246, 246 vº e 247 e dos respetivos números de telefone, conjugado com o auto de apreensão de fls. 173 (dos dois telemóveis na posse do A.) e com a al. D) dos factos provados, resulta que os números de telefone que efetuaram e/ou receberam as chamadas não correspondem ao telemóvel facultado pela Ré. Daí que o documento invocado pela Recorrente não comprove a sua pretensão.
Diga-se que do despacho de fls. 125 proferido pelo MP no âmbito do inquérito criminal 33/12.4PEPRT, indeferindo o pedido da Ré de devolução do telemóvel [despacho esse do qual consta “O telemóvel em causa era utilizado pelo arguido B… e, nessa medida, constitui um importante elemento de prova, (…)”], apenas resulta que tal telemóvel era utilizado pelo A., mas não já que o era “para combinações de entregas de produtos de estupefacientes.”.
Quanto aos depoimentos das testemunhas, as mesmas confirmaram a existência de interceções telefónicas, mas não referiram que as chamadas hajam sido feitas do telemóvel da Ré fornecido ao A.
Improcede, assim e nesta parte, a impugnação aduzida.
2.2.3. Quanto ao nº 12 dos temas da prova, era o seguinte o teor do mesmo: “12º - A viatura de marca “Audi”, modelo “…”, matricula .. – OH - .., foi colocada à disposição do trabalhador B… para o exercício das suas funções, sendo de utilização exclusivamente profissional.”, o qual foi objeto da resposta vertida na al. T) dos factos dados como provados na sentença, com o seguinte teor: “T) A viatura de marca “Audi”, modelo “…”, matricula “.. – OH - ..”, foi colocada no dia 7 de fevereiro de 2014, à disposição do trabalhador B… para o exercício das suas funções profissionais, podendo pontualmente ser utilizada pelo trabalhador para seu uso pessoal, custeando o mesmo as despesas de combustível em viagens particulares.”.
Pretende o Recorrente que tal ponto seja alterado na parte em que se refere que “o veículo poderia ser utilizado para uso pessoal.”e substituído pela redação que propõe:“ A viatura de marca “Audi”, modelo “…”, matricula “.. – OH - ..”, foi colocada no dia 7 de fevereiro de 2014, à disposição do trabalhador B… para o exercício, exclusivo, das suas funções profissionais, sendo a entidade patronal não autorizou e desconhece qualquer utilização, pontualmente, da viatura pelo trabalhador para seu uso pessoal, custeando o mesmo as despesas de combustível em viagens particulares.”.
Sustenta as alterações nos “documentos 3, 5 e 6” e nos depoimentos de H… e de I….
Não lhe assiste razão.
Ainda que as referidas testemunhas hajam referido que a viatura era para uso exclusivamente profissional, do documento de fls. 56, denominado “Declaração de Recepção de viatura Ligeira Automóvel”, relativo à entrega ao A. da viatura .. – OH - .., Audi …, elaborado pela Ré e junto por esta aos autos, e que se encontra assinado pelo A., consta dos pontos 1 e 3, que “1. A viatura é colocada à disposição do signatário para utilização ao serviço da Empresa. 3. O signatário reembolsará a Empresa do custo do combustível gasto em kms particulares de acordo com a sua média de consumo anual, devendo para o efeito manter um registo de combustível e de kms particulares percorridos, o qual deverá ser comunicado ao Gestor de Frota Automóvel de acordo com procedimentos que lhe forem comunicados”, havendo a testemunha J…, arrolada pela Ré e superior hierárquico imediato do A., cujo depoimento se nos afigurou ponderado, imparcial e convincente, referido que as viaturas, embora concedidas para utilização profissional, eram também utilizadas para fins particulares, dentro de uma utilização com “bom senso”. Nesse sentido aponta também o depoimento da testemunha N….
Por sua vez, as testemunhas H… e I… referiram que a viatura era só destinada a fins profissionais, existindo um documento de entrega da viatura que o diz, parecendo elas, todavia, terem-se esquecido do ponto 3 da referida declaração.
A impugnação aduzida carece, assim, de fundamento, pelo que improcede nesta parte.
2.2.4. Quanto ao nº 18 dos temas da prova, era o seguinte o teor do mesmo: “18º - O telemóvel continua apreendido à ordem do processo crime contém e-mails e informações confidenciais da empresa.”, o qual foi objeto da resposta Z) dos factos dados como provados na sentença: “Z) Tal telemóvel continua apreendido à ordem do referido processo-crime.”.
Pretende a Recorrente que o mesmo seja dado como integralmente provado, o que sustenta no depoimento da testemunha J….
A referida testemunha referiu que o telemóvel contém informações confidenciais da empresa, designadamente e-mails e quem tiver acesso aos dados dele constantes, terá acesso a “informações que são do estrito conhecimento do âmbito do negócio da empresa”.
A referência, no nº 18, bem como na nota de culpa, a “informações confidenciais da empresa” tem natureza conclusiva na medida em que não se concretiza o tipo de informação confidencial que poderia estar guardada no telemóvel.
E, por outro lado, o depoimento da mencionada testemunha também não é suficientemente concretizador do tipo de informações a que se reporta, não tendo sido concretiza, designadamente, o que consta do nº 36 da nota de culpa.
Quanto aos e-mails, o acesso à internet e a contas de correio eletrónico pode ocorrer, de forma similar, a partir de um computador ou do telemóvel, não se vendo, nem tendo sido explicado, que o acesso ao correio eletrónico estivesse mais facilitado por via do telemóvel; e, por outro lado, o referido pela testemunha não permite concluir que estivesse no telemóvel guardada informação extraída dos e-mails a que se pudesse aceder por outra via que não a do correio eletrónico.
Assim, e nesta parte, improcede a impugnação.
3. Assim, e em conclusão das alterações introduzidas à decisão da matéria de facto: - Altera-se a al. G) dos factos provados, nos termos referidos na pág. 20 a 24 do presente acórdão [no sentido de consignar a factualidade constante da nota de culpa, para onde se remete, dada a sua extensão].
- Altera-se a al. W) da matéria de facto provada na sentença e adita-se-lhe a al. W1) nos seguintes termos: W) Na noite de 17 para 18 de novembro de 2015, o A. conduziu o veículo “Audi …”, de matrícula .. – OH - .. para transportar G… que, com o conhecimento daquele, levava consigo uma embalagem de produto estupefaciente – heroína – com 9,707 gramas de peso líquido, para dela fazer entrega a terceiros. W1) A entrega acabou por não ocorrer dada a detenção da referida G…, nessa noite, após ter saído do veículo e quando se afastara cerca de 15 metros, tendo o A. sido igualmente detido, quase em simultâneo, quando se encontrava estacionado ao volante do referido veículo para aguardar o regresso daquela; as detenções de ambos foram efetuadas pelos agentes da Polícia de Segurança Pública, 1ª Esquadra de Investigação Criminal.
4. Da justa causa para o despedimento
Na sentença recorrida, considerou-se não existir justa causa para o despedimento, do que discorda a Recorrente pela fundamentação que alega no recurso.
4.1. A propósito da inexistência da justa causa do despedimento, referiu-se na sentença recorrida o seguinte:
“(…)
Ora, a “C…” não logrou provar como alegava que o B… naquela madrugada estava a utilizar o veículo da empresa para transporte / entrega de produtos estupefacientes, tendo sido detido em flagrante delito, nem que utilizava o telemóvel da empresa para combinar entregas de produtos de estupefacientes.
Relativamente ao uso do veículo automóvel e embora tivesse ficado provado que naquela madrugada o B… não conduzisse ao serviço da empresa, o certo é que também ficou provado que a entidade empregadora consentia na utilização para fins particulares.
Deste modo, dos ilícitos disciplinares de que o trabalhador era acusado e que motivaram o seu despedimento disciplinar, apenas resultou provado que faltou injustificadamente nos dias 18 e 19 de Novembro de 2015, o que só por si não é naturalmente suficiente para que seja considerado lícita a sanção de despedimento aplicada.
Assim, e face à falta de prova dos factos decisivos que alicerçavam a decisão de despedimento, não resta ao tribunal senão considerar ilícito tal despedimento.”.
4.2. Dispõe o artº 351º, nº 1, do CT/2009 que constitui justa causa do despedimento “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”, elencando-se no nº 2, a título exemplificativo, diversos comportamentos suscetíveis de a integrarem.
É entendimento generalizado da doutrina e jurisprudência[3] que são requisitos da existência de justa causa do despedimento: a) um elemento subjetivo, traduzido no comportamento culposo do trabalhador violador dos deveres de conduta decorrentes do contrato de trabalho; b) um elemento objetivo, nos termos do qual esse comportamento deverá ser grave em si e nas suas consequências, de modo a determinar (nexo de causalidade) a impossibilidade de subsistência da relação laboral, reconduzindo-se esta à ideia de inexigibilidade da manutenção vinculística[4].
Quanto ao comportamento culposo do trabalhador, o mesmo pressupõe um comportamento (por ação ou omissão) imputável ao trabalhador, a título de culpa, que viole algum dos seus deveres decorrentes da relação laboral.
O procedimento do trabalhador tem de ser imputado a título de culpa, embora não necessariamente sob a forma de dolo; se o trabalhador não procede com o cuidado a que, segundo as circunstâncias está obrigado e de que era capaz, isto é, se age com negligência, poderá verificados os demais requisitos, dar causa a despedimento com justa causa (Abílio Neto, inDespedimentos e contratação a termo, 1989, pág. 45).
Porém, não basta um qualquer comportamento culposo do trabalhador, mostrando-se necessário que o mesmo, em si e pelas suas consequências, revista gravidade suficiente que, num juízo de adequabilidade e proporcionalidade, determine a impossibilidade da manutenção da relação laboral, justificando a aplicação da sanção mais gravosa.
Com efeito, necessário é também que a conduta seja de tal modo grave que não permita a subsistência do vínculo laboral, avaliação essa que deverá ser feita , segundo critérios de objetividade e razoabilidade, segundo o entendimento de um bom pai de família, em termos concretos, relativamente à empresa, e não com base naquilo que a entidade patronal considere subjetivamente como tal, impondo o art. 351º, n.º 3, que se atenda ao quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que ao caso se mostrem relevantes.
Quanto à impossibilidade prática de subsistência da relação laboral, a mesma verifica-se por deixar de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, de tal modo que a subsistência do vínculo laboral representaria uma exigência desproporcionada e injusta, mesmo defronte da necessidade de proteção do emprego, não sendo no caso concreto objetivamente possível aplicar à conduta do trabalhador outras sanções, na escala legal, menos graves que o despedimento.
Diz Monteiro Fernandes, inDireito do Trabalho, 8ª Edição, Vol. I, p. 461, que se verificará a impossibilidade prática da manutenção do contrato de trabalho “sempre que não seja exigível da entidade empregadora a manutenção de tal vínculo por, face às circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele implica, representem uma insuportável e injusta imposição ao empregador.”
E, conforme doutrina e jurisprudência uniforme, tal impossibilidade ocorrerá quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, porquanto a exigência de boa-fé na execução contratual (arts. 126º, nº 1, do CT/2009 e 762º do C.C.) reveste-se, nesta área, de especial significado, uma vez que se está perante um vínculo que implica relações duradouras e pessoais.
Assim, sempre que o comportamento do trabalhador seja suscetível de ter destruído ou abalado essa confiança, criando no empregador dúvidas sérias sobre a idoneidade da sua conduta futura, poderá existir justa causa para o despedimento. Como se diz no Acórdão do STJ de 03.06.09 (www.dgsi.pt, , Processo nº 08S3085) “existe tal impossibilidade quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador, susceptível de criar no espírito do primeiro a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.”
O apontado nexo de causalidade exige que a impossibilidade da subsistência do contrato de trabalho seja determinada pelo comportamento culposo do trabalhador.
Importa, também, ter em conta que o empregador tem ao seu dispor um alargado leque de sanções disciplinares, sendo que o despedimento representa a mais gravosa, por determinar a quebra do vínculo contratual, devendo ela mostrar-se adequada e proporcional à gravidade da infração.
Há que referir também que dispõe o art. 128º, nº 1, als. b), f) e g), do CT/2009 que constituem deveres do trabalhador, designadamente, os de assiduidade, de lealdade e de velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador, dispondo ainda o art. 126º do mesmo, que tanto o empregador, como o trabalhador, devem proceder de boa-fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respetivas obrigações (nº1).
De referir que, de acordo com Monteiro Fernandes, inDireito do Trabalho, 13ª Edição, págs. 236/238, o dever de lealdade comporta duas facetas: uma subjetiva, outra objetiva. A primeira, “decorre da sua estreita relação com a permanência da confiança entre as partes (…)”, sendo necessário “que a conduta do trabalhador não seja, em si mesma, suscetível de destruir ou abalar a confiança, isto é, capaz de criar no espirito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele. (…)”; na segunda, o dever de lealdade reconduz-se “à necessidade do ajustamento da conduta do trabalhador ao princípio da boa-fé no cumprimento das obrigações (art. 762º C. Civil) ( …)”, em consonância com o art. 126º, nº 1 do CT/2009[5] do qual “promana, no que especialmente respeita ao trabalhador, o imperativo de uma certa adequação funcional – razão pela qual se lhe atribui um cariz marcadamente objectivo – da sua conduta à realização do interesse do empregador, na medida em que esse interesse esteja no «contrato», isto é, tenha a sua satisfação dependente do cumprimento (e do modo de cumprimento) da obrigação assumida pela contraparte.”
A propósito ainda do dever de lealdade, escreve Maria do Rosário Palma Ramalho, in Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 4ª Edição, Almedina, pág. 382, que “[o] elemento da pessoalidade explica que a lealdade do trabalhador no contrato de trabalho seja, até certo ponto, uma lealdade pessoal, cuja quebra grave pode constituir motivo para a cessação do contrato. E este elemento pessoal do dever de lealdade que justifica, por exemplo, o relevo de condutas extra - laborais do trabalhador graves para efeitos de configuração de uma situação de justa causa de despedimento, bem como o relevo da perda de confiança pessoal do empregador no trabalhador para o mesmo efeito.
De outra parte, a componente organizacional do contrato de trabalho justifica que o dever de lealdade do trabalhador não se cifre apenas em regras de comportamento para com a contraparte mas também na exigência de um comportamento correcto do ponto de vista dos interesses da organização da empresa. Dito de outro modo, no contrato de trabalho, para além da lealdade do trabalhador ao empregador, enquanto contraparte num negócio jurídico, releva também a sua lealdade à empresa ou organização do empregador”.
No que se reporta ao dever de custódia [art. 128º nº 1 al. g)], refere ainda Maria do Rosário Palma Ramalho, in ob. cit., pág. 384/385, que “[e]mbora a lei relacione directamente o dever de custódia com o «trabalho» executado, este dever não está necessariamente ligado ao desenvolvimento da actividade laboral, uma vez que podem ser (e são, com frequência) confiados ao trabalhador bens para utilização não apenas profissional como pessoal – assim, um automóvel de serviço, um computador portátil ou um telemóvel. O dever de custódia estende-se, naturalmente, a estes bens e deve ser observado tanto no local e no tempo de trabalho como fora do local e do tempo de trabalho.”. E, a propósito da relevância disciplinar de comportamentos extra - laborais do trabalhador, designadamente para efeitos de poderem configurar justa causa de despedimento, refere, a pág. 824/825: “(…). A conjugação de todos estes princípios explica que a jurisprudência tenha concluído pelo relevo disciplinar, para efeitos de configuração como justa causa para despedimento, dos seguintes comportamentos provados dos trabalhadores, adotados tanto no local e no tempo de trabalho, como fora dele:
(…)
- crimes praticados pelo trabalhador fora da empresa, como o caso do crime de tráfico de droga (Ac. STJ de 31/10/1986[6]), e crimes de furto e fraudes praticadas fora da empresa (…), foram considerados relevantes para efeitos de despedimento;
- actos do trabalhador praticados fora do tempo e do local de trabalho, mas que podem ter relevo no seu desempenho posterior ou que quebram a relação de confiança do empregador no trabalhador para o futuro, foram considerados relevantes para efeitos de configuração de justa causa (…).
O critério desenvolvido pela jurisprudência para justificar o relevo disciplinar das condutas extra - laborais do trabalhador é o da existência de um nexo relevante entre aquelas condutas e o contrato de trabalho, no sentido em que, apesar de extra - laborais, tais condutas se repercutem no vínculo de trabalho de modo grave, justificativo da inexigibilidade da respectiva subsistência. No caso das actividades criminais, os tribunais acentuam ainda a quebra da relação de confiança entre as partes, que decorre do conhecimento daqueles crimes pelo empregador, o que, tendo em conta a natureza dos mesmos e a função desempenhada pelo trabalhador, compromete a continuação do vínculo laboral para o futuro.”
Por fim, resta dizer que sobre o empregador impende o ónus da prova da justa causa do despedimento – art. 342º, nº 2, do Cód. Civil.
4.3. Revertendo ao caso em apreço, e relembrando, é a seguinte, no essencial, a matéria de facto provada:
- A Ré é uma empresa da indústria farmacêutica que se dedica ao fabrico, comercialização, importação, exportação, distribuição, promoção e publicidade de produtos farmacêuticos e hospitalares, havendo o A. sido admitido ao seu serviço aos 13.01.2003, para o exercício das funções de Delegado de Informação Médica (DIM), integrando a Direção de Vendas da Ré.
- No exercício das suas funções o A. utilizava o veículo ligeiro de passageiros da marca Audi modelo … com a matrícula .. – OH - .. e Telemóvel de marca Iphone, modelo …, ……/., com o cartão SIM ………., tudo pertença da Ré;
- A referida viatura estava à disposição do A. para o exercício das suas funções profissionais, podendo pontualmente ser utilizada pelo trabalhador para seu uso pessoal, custeando o mesmo as despesas de combustível em viagens particulares, sendo o telemóvel para uso estritamente profissional.
- Na noite de 17 para 18 de novembro de 2015, o A. conduziu o veículo “Audi A3”, de matrícula .. – OH - .. para transportar G… que, com o conhecimento daquele, levava consigo uma embalagem de produto estupefaciente – heroína – com 9,707 gramas de peso líquido, para dela fazer entrega a terceiros. - A entrega acabou por não ocorrer dada a detenção da referida G…, nessa noite, após ter saído do veículo e quando se afastara cerca de 15 metros, tendo o A. sido igualmente detido, quase em simultâneo, quando se encontrava estacionado ao volante do referido veículo para aguardar o regresso daquela; as detenções de ambos foram efetuadas pelos agentes da Polícia de Segurança Pública, 1ª Esquadra de Investigação Criminal.
- Aquando do referido, o A. não se encontrava nem ao serviço da Ré, nem a desempenhar as suas funções.
- Da parte da tarde desse dia 18, a Ré foi informada pela PSP que tinham procedido à detenção do A., durante a madrugada do mesmo, que tinha sido apreendida a viatura Audi acima referida no âmbito do processo crime n.º 33/12.4PEPRT, que o A. se encontrava fortemente indiciado, por ligações ao tráfico de estupefacientes, tendo que naquela madrugada detido em flagrante delito enquanto estava a conduzir aquele veículo automóvel, que estava a ser utilizada para transporte/entrega de estupefacientes.
- Foi ainda a Ré informada que estava a ser contactada dado ter sido verificado que essa viatura não ser propriedade do A., pertencendo a uma empresa de leasing com contrato celebrado com a “C…”, importando diligenciar pela entrega da viatura a esta empresa.
- A Ré procedeu ao levantamento junto da PSP do referido automóvel às 19 horas do dia 18.11.2015, encontrando-se o telemóvel acima mencionado, que foi apreendido nessa ocasião, ainda apreendido.
- O A. não compareceu ao trabalho quer no dia 18.11.2015, quer no dia 19.11.2015.
- No decurso do 1º interrogatório judicial foi aplicada ao A. a medida de coação de apresentação diária no posto policial da área da sua residência cumulada com a proibição de contacto com os restantes arguidos.
- No dia 18.11.2015 o A. faltou ao trabalho sem ter precedido de qualquer comunicação ao seu superior hierárquico, J…, ou a qualquer outra pessoa da Ré, tendo, no dia 19.11.2015, à noite, telefonado à mencionada chefia confirmando que tinha estado detido nos dias 18 e 19, tendo então combinado encontrarem-se na manhã do dia seguinte.
- O A. não enviou para a Ré nenhuma declaração de justificação da falta ao trabalho relativa e esses dias 18 e 19 de Novembro de 2015.
- No dia 18.11.2015 a Ré instaurou procedimento disciplinar contra o A., tendo decidido suspende-lo preventivamente no decurso de tal procedimento disciplinar.
- Só é permitido o exercício da atividade profissional dos Delegados de Informação Médica se devidamente identificados e credenciados, sendo que essa credenciação é obtida mediante registo junto do INFARMED, promovida pela entidade patronal.
- A Ré só admite ao seu serviço trabalhadores para desempenharem as funções de DIM, que não estejam indiciados pela prática de crimes, designadamente de tráfico de substâncias estupefacientes, por ser contra os seus princípios e só nessa condição se responsabiliza pelos seus trabalhadores junto do INFARMED para obter a sua credenciação.
- Nada consta do registo disciplinar do A. enquanto esteve ao serviço da empregadora.
- O A. era um trabalhador zeloso e diligente no exercício da sua atividade profissional, sendo um trabalhador dedicado à sua entidade empregadora, obtendo boas qualificações nas avaliações efetuadas por esta, mantendo um bom relacionamento profissional tanto com clientes como com colegas.
Começando pela alegada falta de comunicação, à Ré, das faltas dadas pelo A. nos dias 18 e 19 de novembro de 2015 e a que a Recorrente dá algum enfâse, cabe dizer que tal não consubstancia, manifestamente, justa causa para o despedimento.
Nos termos do art. 253º, do CT/2009, compete ao trabalhador, quando a falta seja previsível, comunicá-la ao empregador com a antecedência de 5 dias ou, quando imprevisível, logo que possível. No caso, não só o A., nos dias 18 e 19, esteve detido, tendo o 1º interrogatório judicial tido lugar nesse dia 19 (como decorre do auto de fls. 183), apenas tendo sido libertado nesse dia 19, como a Ré, logo no dia 18, soube dessa detenção e tendo o A., no dia 19, após ter sido libertado, comunicado tal facto ao superior hierárquico.
Acresce que duas faltas injustificadas não seriam, sem mais, suscetíveis de constituir justa causa de despedimento, tanto mais não decorrendo, dessas ausências, prejuízo para a Ré, designadamente para a organização do trabalho [cfr. art. 351º, nº 2, al. g), do CT/2009, nos termos da qual é suscetível de constituir justa causa de despedimento as “[f]altas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco”].
Todavia, a factualidade descrita nas als. W) e W1) dos factos provados [W) Na noite de 17 para 18 de novembro de 2015, o A. conduziu o veículo “Audi …”, de matrícula .. – OH - .. para transportar G… que, com o conhecimento daquele, levava consigo uma embalagem de produto estupefaciente – heroína – com 9,707 gramas de peso líquido, para dela fazer entrega a terceiros. W1) A entrega acabou por não ocorrer dada a detenção da referida G…, nessa noite, após ter saído do veículo e quando se afastara cerca de 15 metros, tendo o A. sido igualmente detido, quase em simultâneo, quando se encontrava estacionado ao volante do referido veículo para aguardar o regresso daquela; as detenções de ambos foram efetuadas pelos agentes da Polícia de Segurança Pública, 1ª Esquadra de Investigação Criminal.] consubstancia justa causa de despedimento.
Com efeito, apesar de a droga não pertencer ao A., mas a G…, o certo é que o A., pese embora o comportamento daquela constituísse ilícito criminal e de a viatura pertencer à Ré, não se coibiu de utilizar tal viatura para esse transporte e entrega, comportamento que não só é suscetível de consubstanciar, também pelo A., pelo menos a colaboração na prática de crime de tráfico de estupefaciente (art. 21º, nº 1, do DL 15/93, de 22.01), como infringe os deveres de custódia relativamente ao veículo e o de lealdade para com a Ré.
A Ré, ao disponibilizar ao A. a viatura em causa, fê-lo para a sua utilização para fins profissionais e, conquanto a tolerância relativamente à sua utilização para fins pessoais, não poderia o A., defraudando a confiança nele depositada pela Ré e o dever de lealdade para com os interesses da Ré, da sua organização empresarial e, até, do seu bom nome, utilizá-lo para a prática de ato suscetível de constituir ilícito criminal.
Por outro lado, o crime em causa tem natureza manifestamente grave, tanto mais tendo em conta a atividade da Ré e as funções do A., que se inserem no âmbito da distribuição de produtos farmacêuticos, o que impõe uma idoneidade de conduta não compatível com a natureza do ilícito em causa.
De referir, quanto ao telemóvel, que não foi feita prova de que o mesmo tenha sido utilizado para a prática de ilícito criminal. Não obstante, o A., ao praticar os factos mencionados e ao colocar-se na posição em que se colocou, levou a que também o telemóvel tenha ficado, e continue, apreendido, o que também viola o dever de custódia e priva a Ré da possibilidade de utilização de um bem que é seu.
A conduta do A. é manifestamente grave, sendo suscetível de determinar a quebra da necessária e indispensável confiança da Ré no comportamento futuro do A., confiança essa imprescindível à manutenção do contrato de trabalho, e tornando inexigível àquela que o mantenha.
É certo que o A. tinha uma antiguidade considerável, que não tem passado disciplinar e que era um trabalhador zeloso, diligente e dedicado, que obteve boas qualificações nas avaliações, e que mantinha um bom relacionamento profissional, o que consubstanciam circunstâncias atenuantes. Não obstante, atenta a gravidade do ilícito disciplinar cometido pelo A., não são as mesmas suscetíveis de imporem, na ponderação a fazer, a aplicação de sanção de menor gravidade do que o despedimento, mostrando-se este adequado e proporcional a tal gravidade.
Entendemos, assim, que ocorre justa causa para o despedimento do A., deste modo procedendo as conclusões do recurso e sendo de revogar a sentença recorrida, na parte impugnada, com a consequente absolvição da Ré dos pedidos formulados e em que havia sido condenada, estes decorrentes da ilicitude do despedimento por inexistência de justa causa.
*** IV. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, em consequência do que se revoga, na parte impugnada, a sentença recorrida, a qual é substituída pelo presente acórdão em que se decide considerar ter ocorrido justa causa para o despedimento do A., B…, e absolver a Ré, C… Unipessoal, Ldª, dos pedidos contra esta formulados e em que havia sido condenada na sentença recorrida.
Custas da ação pelo A.
Custas do recurso pelo A., não sendo, todavia, devida taxa de justiça, uma vez que o mesmo, ao não ter contra – alegado, a ele não deu impulso processual (cfr. art. 6º, nºs 1 e 7º, nº 2, do RCP).
Porto, 20.11.2017
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas
______
[1] O legislador, no processo especial denominado de “Ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento” introduzido pelo DL 295/2009, de 13.10 (que alterou o CPT) e a que se reportam os arts. 98º-B e segs, não definiu ou indicou a posição processual dos sujeitos da relação material controvertida; isto é, não indicou quem deve ser considerado, na estrutura dessa ação, como Autor e Réu, recorrendo, para efeitos processuais, à denominação dos sujeitos da relação material controvertida (trabalhador e empregador) – cfr., sobre esta questão Albino Mendes Batista, inA nova ação de impugnação do despedimento e a revisão do Código do Processo de Trabalho, Coimbra Editora, págs. 96 e segs. e Hélder Quintas, A (nova) ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, in Prontuário do Direito do Trabalho, 86, págs. 144/145, nota 25. De todo o modo, por facilidade quando nos referirmos ao Autor (A.) e Ré (R.) estaremos a reportar-nos, respetivamente, ao trabalhador e à empregadora.
[2] Relator João Luís Nunes.
[3] Cfr., por todos, os Acórdãos do STJ, de 25.9.96, CJ, Acórdãos do STJ, 1996, T 3º, p. 228, de 12.03.09, 22.04.09, 12.12.08, 10.12.08, www.dgsi.pt (Processos nºs 08S2589, 09S0153, 08S1905 e 08S1036), da Relação do Porto de 17.12.08, www.dgsi.pt (Processo nº 0844346).
[4] Acórdão do STJ de 12.03.09, www.dgsi.pt (Processo 08S2589).
[5] O autor reporta-se ao art. 119º, nº 1, do CT/2003.
[6] “BMJ 360-468. No caso, o crime foi praticado por um trabalhador de uma companhia de seguros. Na mesma linha, o Ac. REv. de 2/06/1991, CJ, 1991, III, 315, relativamente ao trabalhador de um museu que era receptador de objectos roubados noutro local.”