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VENDA DE COISA DEFEITUOSA
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
CADUCIDADE DA ACÇÃO
DENÚNCIA DE DEFEITOS
INDEMNIZAÇÃO
Sumário
I - Da análise dos arts. 913º a 921º, todos do CC, podemos concluir que é inquestionável que o legislador, nas situações elencadas, teve a preocupação de estabelecer prazos legais curtos em relação à denúncia dos defeitos por parte do comprador. II - Preocupação que tornou extensiva à denúncia dos defeitos verificados em imóveis. III - Se atentarmos ao regime do contrato de empreitada, quando a obra apresenta defeitos, verificamos que o legislador igualmente optou por prescrever quer para a denúncia dos defeitos, quer para a caducidade do exercício dos direitos correspondentes, mesmo em relação a imóveis, prazos igualmente curtos, só prevendo um prazo mais alargado – mas de 5 anos – para a responsabilidade do empreiteiro nos termos que constam do nº 1 do art. 1225º do CC, e em caso algum o prazo geral de 20 anos do art. 309º do CC. IV - A acção de indemnização com base em venda de coisas defeituosas não pode deixar de ser tratada no mesmo âmbito temporal que a acção definida no art. 917º do CC, para o essencial do remédio do defeito: ou a anulação, ou a redução do preço, ou a reparação ou substituição da coisa ou a resolução. V - Isto quer a indemnização tenha a natureza de reparação – complementar – dos danos que ficaram para além de qualquer um dos outros caminhos, quer seja em si mesma, ela própria, o único caminho efectivamente reparador e trilhado pelo comprador que denunciou ao vendedor os defeitos, os vícios ou a falta de qualidade da coisa comprada. VI - E nessa medida é aplicável, por interpretação extensiva, o prazo de caducidade de 6 meses previsto no art. 917º do CC, a todas as acções que tenham sido interpostas pelo credor vítima do cumprimento defeituoso de um contrato de compra e venda, incluindo às de simples indemnização. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I – 1. A… LDA.
Instaurou a presente acção declarativa de condenação com processo sumário contra:
B… S.A.
Pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 9.288,13, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação até efectivo e integral pagamento.
Alegou, para o efeito, e em síntese que:
Encomendou à Ré onze blocos de portas para colocação numa obra que se encontrava a realizar. Porém, os onze blocos de portas vieram a revelar diversos defeitos, tendo a Autora contactado a Ré no sentido desta proceder à substituição dos mesmos. Mas a Ré não substituiu quaisquer dos blocos, limitando-se a fornecer novas aduelas e guarnições. Por tal facto a Autora não conseguiu proceder ao correcto assentamento das novas aduelas e guarnições, tendo gasto com os honorários do carpinteiro que contratou € 340,00.
A Autora insistiu com a Ré para lhe fornecer novos blocos de portas para substituir os onze blocos inicialmente entregues, o que a Ré recusou. Pelo que a Autora encomendou à Ré, outra vez, novos onze blocos de portas pelo preço de € 2.756,47.
Material que veio a revelar os mesmos defeitos que o primeiro, tendo a Autora reclamado junto da Ré para proceder à substituição dos novos blocos, mas que a Ré novamente recusou.
Em face do que antecede a Autora viu-se obrigada a custear a retirada dos primeiros blocos de portas adquiridos à Ré, bem como a posterior colocação dos segundos blocos de portas, tendo dispendido a quantia de € 1.272,00, acrescida de € 10,80, devido ao custo de duas varas de rodapé cuja substituição foi também necessária.
Uma vez que só a substituição dos blocos garantia a eliminação total dos defeitos, a Autora contactou um terceiro – a “Carpintaria …” – para que esta procedesse à substituição daqueles blocos, o que veio a ocorrer, tendo pago o montante de € 1.898,00, salientando-se que as portas fornecidas por esta empresa não apresentaram qualquer defeito.
Procedeu, ainda, a Autora, à pintura e reparação das paredes da moradia onde tais portas foram instaladas, em virtude das mesmas se terem degradado com a colocação e retirada dos blocos de portas, despendendo mais a quantia de € 2.011,58.
Em virtude do comportamento da Ré, a Autora viu-se obrigada a efectuar deslocações várias ao mencionado imóvel e a realizar elevado número de telefonemas. Com tais diligências e horas de trabalho dispendidas acabou por ter prejuízo, cujo valor se cifra em quantia não inferior a € 1.000,00.
Pelo que deve ser indemnizada por todos os prejuízos sofridos.
2. Contestou o Réu:
a) Deduzindo a excepção peremptória da caducidade do direito da Autora por falta de denúncia dos defeitos, nos termos dos arts. 916º e 917º do C. Civil.
Invocou para tanto que, o regime do art. 917º do CC é aplicável, por via de interpretação extensiva, a todas as acções com fundamento na responsabilidade contratual baseada no cumprimento defeituoso da prestação;
b) Impugnando, rebateu parcialmente os factos alegados pela Autora, relatando a sua versão do sucedido.
Concluiu pedindo a sua absolvição do pedido.
3. Respondeu a Autora pugnando pela improcedência da excepção peremptória invocada pela Ré, por entender que o disposto no art. 917º do CC é aplicável apenas às acções de anulação de compra e venda por simples erro e não às acções de condenação do vendedor a eliminar os defeitos e ao seu pedido de indemnização. Sendo neste caso aplicável o prazo geral de prescrição, previsto no art. 309º do CC.
4. No despacho saneador o Tribunal “a quo” relegou para momento ulterior a apreciação da excepção de caducidade.
5. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença na qual o Tribunal “a quo” julgou procedente a excepção de caducidade e absolveu a R. do pedido.
6. Inconformada a A. Apelou, tendo formulado, em síntese, as seguintes conclusões:
a) Ficou provado que os blocos de portas fornecidos pela recorrida à recorrente em 16.04.2007 vieram a revelar rachas em algumas das portas que compunham os blocos, bem como nas respectivas aduelas e guarnições, com empolamento da folha de madeira, na zona adjacente;
b) Está, igualmente, provado, que os onze blocos fornecidos à recorrente, pela recorrida, em Dezembro de 2008, vieram a revelar rachas em algumas das portas que compunham os blocos, bem como nas respectivas aduelas e guarnições, com empolamento da folha de madeira, na zona adjacente;
c) Consequentemente, os blocos de portas fornecidos à recorrente padeciam de defeito;
d) O normativo de caducidade constante no art. 917º do CC é motivado por razões de certeza e de segurança jurídica, visando obstar ao protelamento do exercício de certos direitos por tempo dilatado, implicando a sua extinção decorridos determinados prazos, tendo vindo a ser interpretado extensivamente em termos de aplicação às acções tendentes à reparação dos defeitos das coisas em causa ou à redução do respectivo preço;
e) Tal interpretação tem sido justificada, na circunstância de o referido normativo visar a realização do interesse do vendedor, com vendas sucessivas, evitando a incerteza na cadeia negocial e as dificuldades de prova e contraprova dos vícios anteriores ou contemporâneos à entrega das coisas e no entendimento de que a inexistência de prazo de caducidade do direito de acção por virtude de compra e venda de coisas móveis defeituosas teria a consequência de o limite ser o prazo geral de prescrição do direito de vinte anos a que se reporta o art. 309º do CC, sem conformação com o referido fim da lei;
f) No domínio dos contratos, a regra é a da liberdade contratual;
g) O incumprimento do contrato, porque põe em crise a relação contratual, quebra o nexo sinalagmático entre as prestações, incorrendo em responsabilidade civil o sujeito da obrigação que, culposamente, não cumpre a sua prestação, tornando-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor – art. 798º do Código Civil;
h) Não se deverá analisar a questão dos autos numa perspectiva minimalista, reduzindo-a, exclusivamente, à tipificação da compra e venda, porque, dos factos provados, resulta a existência de um conjunto de obrigações, decorrentes do incumprimento culposo do contrato por parte da recorrida, cuja reparação lhe cabe;
i) Os presentes autos consubstanciam um pedido indemnizatório que visa ressarcir a recorrente dos danos que lhe foram causados pelo comportamento da recorrida;
j) Não se verificando as circunstâncias justificativas da interpretação extensiva do art. 917º do CC, pois que, estamos perante uma situação de responsabilidade civil contratual;
k) A acção de indemnização está sujeita às regras da responsabilidade civil, existindo cumprimento defeituoso da obrigação se o devedor a executar em desconformidade com o convencionado;
l) Os vícios das coisas vendidas são os que as desvalorizam ou impedem a realização do fim a que são destinadas ou que se traduzam na falta de qualidades asseguradas pelo vendedor;
m) As normas de caducidade do direito de acção constantes no art. 917º do CC não são aplicáveis às acções em que o comprador de coisas móveis defeituosas pretenda exercer, com fundamento nos respectivos defeitos, o correspondente direito de indemnização;
7. Foram apresentadas contra-alegações pugnando pela confirmação do decidido e defendendo a aplicação do art. 917º do CC por via de interpretação extensiva, conforme, aliás, é jurisprudência corrente.
8. Tudo Visto,
Cumpre Apreciar e Decidir.
II – Os Factos:
- Estão provados os seguintes factos:
1. A A. é uma sociedade comercial que se dedica à construção civil – A);
2. A R. é uma sociedade comercial que se dedica à importação e venda de madeiras. A Ré comercializa blocos de portas, há cerca de 15 anos, através da marca espanhola, a “A... – B...-…” – B);
3. No âmbito da sua actividade e, para instalação numa obra que se encontrava a realizar na R. …, nº … …, no … a A. encomendou à R. onze blocos de portas em madeira – C);
4. A R. forneceu esses blocos, tendo-os entregue no dia 16.04.2007 no local onde a A. realizava a obra – D);
5. A obra que a A. levava a cabo consistia na construção de uma moradia – E);
6. Tendo, os onze blocos de portas, sido aplicados na moradia construída pela A. – F);
7. Os blocos de portas são conjuntos compostos por porta, guarnição, aduela, dobradiças e fechadura, sendo construídos num material denominado MDF e folheados a madeira de carvalho – H);
8. Cada bloco é maquinado e fabricado unitariamente – H1);
9. Os onze blocos fornecidos à A. pela R., mencionados em D), vieram a revelar rachas em algumas das portas que compunham os blocos, bem como nas respectivas aduelas e guarnições (quesito 3º).
10. Tais rachas provocaram o empolamento da folha de madeira na zona adjacente (quesito 4º).
11. Os adquirentes do imóvel construído pela A., confrontados com o mencionado em 3º e 4º, informaram a A. dos mesmos, inicialmente de forma verbal e, posteriormente, por meio da carta datada de 6-10-08 (quesito 5º).
12. A 3-6-08, a A. contactou a R. no sentido desta proceder à substituição dos blocos fornecidos, mencionados em D).
13. A 5-9-08, a R. efectuou uma visita à moradia onde os blocos, mencionados em D), foram montados, tendo concluído que o estado da folha de madeira se foi deteriorando ao longo do tempo, não existindo uma explicação definitiva sobre as causas do problema – conforme resulta do fax remetido à A. em 12-9-08, cf. doc. a fls. 23.
14. No mesmo fax, a R. menciona que a folha de madeira estava a levantar em todos os vãos, existindo uma porta com a folha a levantar e outra com defeitos no verniz, cf. doc. a fls. 23.
15. A R. não substituiu qualquer dos blocos mencionados em D), limitando-se a fornecer novas aduelas e guarnições.
16. Tais aduelas e guarnições não se encontravam maquinadas, ou seja, apresentavam-se em bruto, sendo constituídas apenas por traves de MDF folheadas a madeira, sem que nelas existisse qualquer orifício para fixação das dobradiças, fechaduras e borracha dos batentes das portas.
17. A A. procedeu aos trabalhos de reparação necessários, à colocação das aduelas e guarnições mencionadas em M) e N) (quesito 7º).
18. O assentamento das aduelas e guarnições fornecidas pela R. não foi correcto (quesito 9º).
19. Daí que, tenha a A. insistido com a R. para que esta lhe fornecesse novos blocos de portas, destinados a substituir os onze blocos inicialmente entregues, mencionados em D).
20. A R. recusou a pretensão da A., argumentando que os defeitos nos blocos, mencionados em D), decorriam da existência de elevados graus de humidade no local onde estes haviam sido colocados, bem como, de deficiências no seu assentamento imputáveis à A.
21. Em 30-12-08 a A., adquiriu à R. outros onze blocos. O preço pago pela A. à R. pelos novos blocos foi de € 2.756,47.
22. Após o seu assentamento, os blocos mencionados em Q), vieram a revelar rachas nalgumas das portas que componham os blocos, bem como, em todas as aduelas e guarnições (quesito 11º).
23. Essas rachas, provocaram o empolamento da folha de madeira na zona a elas adjacente (quesito 12º).
24. No decurso do mês de Fevereiro de 2009, os donos do imóvel construído pela A., reclamaram desta a substituição dos blocos mencionados em Q), dando conta da existência de rachas nalgumas das portas que componham os blocos, bem como, em todas as aduelas e guarnições (quesito 15º).
25. A 25-2-09, a A. reclamou junto da R. para que esta procedesse às necessárias reparações, nos blocos de portas mencionados em Q), cf. doc. a fls. 35.
26. A R. enviou à A. o fax de 26-2-09, onde declina reembolsar a A. de todos os encargos por esta assumidos, quer com a compra dos novos blocos, quer com os custos de desmontagem dos anteriores e subsequente montagem dos novos, cf. doc. a fls. 35.
27. A desmontagem dos blocos inicialmente fornecidos e montagem dos blocos fornecidos em Dezembro de 2008, custou € 1.272,00, à A. (quesito 13º).
28. Só a substituição dos blocos vendidos pela R. em Dezembro de 2008 garantia a eliminação total do mencionado em 11º e 12º (quesito 16º).
29. Para substituir os mesmos, a A. procurou outro fornecedor desse material, tendo contactado a Carpintaria …, para que esta substituísse os blocos mencionados em Q) e procedesse a todas as reparações que fossem necessárias (quesito 17º).
30. Por tais serviços e fornecimentos, a A. pagou o preço de € 1.898,00 (quesito 18º).
31. Os blocos fornecidos pela Carpintaria … e as reparações por esta efectuadas permitiram o funcionamento das portas de forma correcta (quesito 19º).
32. A A. efectuou reparações nas pinturas e paredes da moradia, devido às sucessivas montagens e desmontagens dos blocos de portas fornecidos pela R. (quesito 20º).
33. A A. pagou, pelos trabalhos de reparação e pintura das paredes, o preço de € 2.011,58 (quesito 21º).
34. Igualmente em virtude do comportamento da R. a A. efectuou diversas deslocações ao imóvel e realizou diversos telefonemas (quesito 22º).
35. Também se viu compelida a afectar horas de trabalho para a resolução do problema originado pelo comportamento da R. (quesito 23º).
36. A presente acção foi interposta a 7-9-09 (cf. fls. 18).
III – O Direito:
1. É sabido que são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do recurso.
Salienta-se, contudo, que este Tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, [1] bem como, nos termos dos arts 660º, nº 2 e 713º, nº 2, do CPC, não tem que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Nestes termos, temos que:
2. Está em causa, em sede recursória, a questão de saber se o prazo de caducidade estatuído no art. 917º do Código Civil se aplica às acções propostas pelo comprador de coisas móveis defeituosas e em que este pretenda exercer, com fundamento nos respectivos defeitos, o correspondente direito de indemnização.
O Tribunal “a quo” entendeu que sim, secundando a posição expressa nesse sentido pela Ré. E porque a presente acção foi instaurada em 07-09-2009, ou seja, mais de seis meses decorridos sobre a denúncia dos defeitos efectuada pela Autora junto da Ré, a 25-02-2009, e porque o seu direito a interpor a presente acção terminou a 25-08-2009, tendo caducado a 01-09-2009, julgou procedente a excepção de caducidade e absolveu a R. do pedido, face ao decurso de mais de 6 meses preceituados no art. 917º do CC.
Defende, porém, a Autora/Apelante que tal prazo não se aplica a este tipo de acções, mas sim o prazo geral, ou seja, a caducidade do direito de acção só opera após decurso de 20 anos nos termos gerais do art. 309º do CC.
As razões em que se funda constam das suas alegações, cujas conclusões se transcreveram, e convergem no mesmo sentido daqueles – cujo entendimento tem sido minoritário – que defendem ser esse o prazo para a caducidade da acção.
A fundamentação aduzida sensibiliza-nos, mas não nos convence.
Com efeito, entre as duas teses em confronto perfilhamos aquela que tem feito vencimento na jurisprudência do STJ nestes últimos anos, e na qual se estribou o Tribunal “a quo”, entendimento que se pode considerar maioritário, com tendência fortemente impressiva, no sentido de que as acções propostas com fundamento em cumprimento defeituoso da prestação de contrato de compra e venda, incluindo as de simples indemnização, caducam no prazo de 6 meses.
Explicitando as razões que nos levam a aderir a esta solução.
3. Na secção dedicada à venda de coisas defeituosas, o art. 913º do Código Civil reporta-se directamente aos vícios e desvalorizações na coisa vendida que a impeçam de realizar o fim a que se destina ou que não possua as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim.
Atribuindo-se ao comprador o direito de exigir do vendedor a reparação ou substituição da coisa de acordo com o preceituado no art. 914º do CC.
Por sua vez o art. 915º do CC estabelece os termos em que a indemnização tem lugar em caso de simples erro, remetendo para o art. 909º com a mesma epígrafe, onde se prevê a anulação do contrato em tais circunstâncias com a obrigação de indemnizar ainda que não tenha havido culpa da sua parte, e o demais que a segunda parte da norma, que lhe antecede, consagra.
A denúncia do contrato está igualmente prevista no art. 916º do CC, aí se determinando que o comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa vendida, dentro de 30 dias depois de conhecido o defeito e dentro de 6 meses após a entrega da coisa, para os bens móveis. Alargando-se esses prazos para um e 5 anos, respectivamente, caso a coisa vendida seja um imóvel.
Por fim o art. 917º do CC impõe a caducidade da acção findo o decurso do prazo de 6 meses.
Esta norma, objecto da dissonância sobre que versam os presentes autos, tem a seguinte redacção: “A acção de anulação por simples erro caduca findo qualquer dos prazos fixados no artigo anterior sem o comprador ter feito a denúncia, ou decorridos sobre esta 6 meses, sem prejuízo, neste último caso, do disposto no nº 2 do art. 287º do CC”.
A redacção da norma, com a referência expressa à acção de anulação por simples erro, tem permitido, conforme se assinalou ab initio, interpretações de outra natureza, sendo legítimo que se suscitem dúvidas no sentido de saber se é aplicável às situações em que está em causa obter a indemnização correspondente aos defeitos, vícios e falta de qualidade da coisa vendida detectados pelo comprador.
Dúvidas pelo facto de o art. 917º do CC evidenciar, de acordo com o seu texto, que a caducidade da acção, com a fixação do prazo legal de 6 meses, tem lugar quando estiver em causa uma acção de anulação por simples erro e nada dizer relativamente às acções de indemnização.
Daí questionar-se qual o prazo de caducidade a aplicar. Ou seja:
- Qual deverá ser o prazo a observar pelo comprador para propor a sua acção e exercer os seus direitos, não para propositura de uma acção de anulação, mas sim para exercício do seu direito de indemnização?
4. Da análise das normas citadas podemos desde já concluir que é inquestionável que o legislador, nas situações elencadas, teve a preocupação de estabelecer prazos legais curtos em relação à denúncia dos defeitos.
Preocupação que tornou extensiva mesmo em relação à denúncia dos defeitos verificados em imóveis.
Também no âmbito da garantia de bom funcionamento da coisa vendida, em que se consagra a obrigação da sua reparação ou substituição, o prazo da garantia foi legalmente fixado em 6 meses e a caducidade da acção em 6 meses a contar da data da denúncia.
Se atentarmos ao que se passa no âmbito do contrato de empreitada quando a obra apresenta defeitos, verificamos que a denúncia desses defeitos pelo dono da obra também deve ser feita no prazo de 30 dias a contar do seu conhecimento – art. 1220º do CC.
E que, não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono da obra também pode exigir, para além da redução do preço e da resolução do contrato, uma indemnização, exercitando o direito a ser indemnizado nos termos gerais – cf. art. 1223º do CC.
Tendo o legislador optado por prescrever a caducidade desses direitos em prazos igualmente curtos: no prazo de um ano no caso do nº 1 do art. 1224º do CC e, na situação específica do seu nº 2, no prazo de 2 anos.
Prazos que nem por isso se mostram alargados se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis. Tendo sido fixados, nesta matéria, nos seguintes termos:
a) o prazo da denúncia é de um ano e a indemnização deverá ser pedida no ano seguinte à denúncia – cf. art. 1225º, nº 2, do CC;
b) igual prazo se aplica ao direito à eliminação dos defeitos – cf. nº 3 do art. 1225º do CC;
Prevendo-se apenas a responsabilidade do empreiteiro a manter-se pelo prazo de 5 anos, nos termos que constam do nº 1 da norma citada.
5. Explicitando a razão de ser do regime legal e a opção legislativa pela imposição de prazos tão curtos, no contexto que nos importa, é possível encontrar na doutrina [2] os seguintes fundamentos:
Calvão da Silva [3] reportando-se a todas as acções de exercício de faculdade decorrentes da garantia, qualquer que seja a escolhida, clarifica que a razão de ser do prazo breve é a de “evitar no interesse do vendedor, do comércio jurídico, com vendas sucessivas, e da correlativa paz social a pendência por período dilatado de um estado de incerteza sobre o destino do contrato ou cadeia negocial e as dificuldades de prova (e contraprova) dos vícios anteriores ou contemporâneos à entrega da coisa que acabaria por emergir se os prazos fossem longos, designadamente se fosse de aplicar o prazo geral da prescrição (art. 309º do CC)”.
Ou seja: rejeita a aplicação do prazo geral – longuíssimo – de 20 anos.
Pela mesma trilha envereda Antunes Varela dizendo que o prazo curto do art. 917º do CC justifica-se “para evitar a duração do estado de incerteza, que a anulabilidade lança sobre a compra, com inconvenientes de vária ordem até no comércio jurídico, mas evitar também as dificuldades de prova que os longos prazos de caducidade acabariam por criar sobre os pontos que interessam à procedência da anulação”.[4]
Para concluir pela aplicação extensiva do art. 917º do CC a todas as acções, incluindo as de indemnização, sendo o prazo de caducidade de 6 meses.
Por sua vez Pedro Romano Martinez [5], amplamente citado em todos os Acórdãos do STJ, bem como pelo Tribunal “a quo” e pelas partes, defende que o prazo de caducidade é de 6 meses, incluindo as situações de exercício do direito de indemnização.
Funda o seu entendimento “na unidade do sistema jurídico”, pois não se compreenderia que o legislador tivesse estabelecido um prazo para a anulação do contrato, deixando os outros pedidos sujeitos à prescrição geral de 20 anos do art. 309º (do CC);por outro lado, tendo a lei estatuído que, em caso de garantia de bom funcionamento, todas as acções derivadas do cumprimento defeituoso caducam em seis meses (art. 921º, nº 4) não se entenderia muito bem porque é que, na falta de tal garantia, parte dessas acções prescreveriam no prazo de 20 anos…”
Conclui, assim, pela aplicabilidade do art. 917º do CC “por interpretação extensiva a todos os pedidos derivados do defeito da prestação” sob pena de se estar a enveredar por um caminho que permitiria às partes interessadas iludir e defraudar os prazos curtos.
Donde, todas as acções propostas com fundamento em cumprimento defeituoso da prestação de contrato de compra e venda, quando o pedido se traduz em danos ou prejuízos causados pelos vícios e defeitos da coisa vendida são subsumíveis à previsão do art. 917º do CC.
Igual conclusão mostra-se vertida nos Acórdãos do STJ datados de 2/11/2010, Relatado pelo Cons. Alves Velho e de 16/3/2011, Relatado pelo Cons. João Bernardo, e todos os demais citados nestes Acórdãos do STJ, para os quais se remete.
6. Embora o que se pretenda obter nessas acções seja a indemnização – o quantum devido pelo ressarcimento das despesas e prejuízos com a reparação do bem defeituoso – a verdade é que o pedido formulado não deixa de ter na sua origem a venda defeituosa.
Ora, o comprador pode escolher e exercer autonomamente a acção de responsabilidade civil pelo interesse contratual positivo decorrente do cumprimento defeituoso ou inexacto, presumidamente imputável ao devedor (arts. 798º, 799º e 801º, do CC), sem fazer valer outros remédios (direitos), ou seja, sem pedir a resolução do contrato, a redução do preço ou a reparação ou substituição da coisa (cf. Calvão da Silva, obra citada, pág. 74); Ac. S.T.J. de 4-11-04, proferido no âmbito do Proc. Nº 04 B086, in WWW.dgsi.pt, entre outros).
Só que esta acção, em que prejuízos indemnizáveis tenham origem no vício da coisa, não pode deixar de obedecer aos prazos curtos previstos especialmente para a venda de coisas defeituosas.[6]
E concluiu-se no citado Acórdão: … Não se vê razão para deixar de seguir o entendimento largamente maioritário da doutrina e da jurisprudência de que o prazo de caducidade previsto no art. 917 do C.C. (6 meses) se deverá aplicar, por interpretação extensiva, para além da acção de anulação, também às acções que visem obter a reparação ou substituição da coisa, ou ainda a redução do preço e o pagamento de uma indemnização pela violação contratual.
Parece, pois, à luz do exposto, que não faria muito sentido que se pudesse exercer o direito à indemnização através da propositura de uma acção que estivesse sujeita a regime diverso do apontado que ampliasse desmesuradamente o prazo de caducidade do exercício da acção.
Passando de 6 meses para 20 anos…
7. A este propósito salienta, muito oportunamente, Pedro Romano Martinez que: “Em matéria de cumprimento defeituoso, nos contratos de compra e venda e de empreitada, vigora o princípio de que a indemnização é subsidiária relativamente aos pedidos de eliminação dos defeitos, de substituição da prestação e de redução do preço ... Tem pois uma função complementar dos outros meios jurídicos”. [7]
E assim sendo, é possível concluir que, o que é subsidiário ou complementar não pode ter um tratamento diferente (e mais favorável) do que aquele de que é complemento ou sucedâneo, e o pedido de indemnização não deixa de ser em caso algum o sucedâneo com o qual se pretende assegurar a prestação pontual que o defeito não deixou cumprir. [8]
E é por isso que a acção respectiva não pode deixar de ser tratada no mesmo âmbito temporal que a acção definida para o essencial do remédio do defeito: ou a anulação, ou a redução do preço, ou a reparação ou substituição da coisa, ou a resolução.
E isto quer a indemnização tenha a natureza de reparação – complementar – dos danos que ficaram para além de qualquer um dos outros caminhos, quer seja em si mesma, ela própria, o único caminho efectivamente reparador e trilhado pelo comprador que denunciou ao vendedor os defeitos, os vícios ou a falta de qualidade da coisa comprada. [9]
E nessa medida é-lhe aplicável, por interpretação extensiva, o prazo de caducidade de 6 meses previsto no art. 917º do CC, a todas as acções que tenham sido interpostas pelo credor vítima do cumprimento defeituoso de um contrato de compra e venda, incluindo às de simples indemnização.
8. Destarte, e porque no caso sub judice o referido prazo de 6 meses já tinha decorrido quando o Autor propôs a presente acção, terá de improceder a Apelação, assim se sufragando o entendimento defendido pela sentença recorrida.
Falece, assim, a presente Apelação, confirmando-se a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” que julgou procedente a excepção de caducidade e absolveu a R. do pedido.
IV – Em Conclusão:
I. Da análise dos arts. 913º a 921º, todos do CC, podemos concluir que é inquestionável que o legislador, nas situações elencadas, teve a preocupação de estabelecer prazos legais curtos em relação à denúncia dos defeitos por parte do comprador.
II. Preocupação que tornou extensiva à denúncia dos defeitos verificados em imóveis.
III. Se atentarmos ao regime do contrato de empreitada, quando a obra apresenta defeitos, verificamos que o legislador igualmente optou por prescrever quer para a denúncia dos defeitos, quer para a caducidade do exercício dos direitos correspondentes, mesmo em relação a imóveis, prazos igualmente curtos, só prevendo um prazo mais alargado – mas de 5 anos – para a responsabilidade do empreiteiro nos termos que constam do nº 1 do art. 1225º do CC, e em caso algum o prazo geral de 20 anos do art. 309º do CC.
IV. A acção de indemnização com base em venda de coisas defeituosas não pode deixar de ser tratada no mesmo âmbito temporal que a acção definida no art. 917º do CC, para o essencial do remédio do defeito: ou a anulação, ou a redução do preço, ou a reparação ou substituição da coisa ou a resolução.
V. Isto quer a indemnização tenha a natureza de reparação – complementar – dos danos que ficaram para além de qualquer um dos outros caminhos, quer seja em si mesma, ela própria, o único caminho efectivamente reparador e trilhado pelo comprador que denunciou ao vendedor os defeitos, os vícios ou a falta de qualidade da coisa comprada.
VI. E nessa medida é aplicável, por interpretação extensiva, o prazo de caducidade de 6 meses previsto no art. 917º do CC, a todas as acções que tenham sido interpostas pelo credor vítima do cumprimento defeituoso de um contrato de compra e venda, incluindo às de simples indemnização.
V – Decisão:
- Termos em que se acorda em julgar improcedente a Apelação e se confirma a sentença recorrida que julgou procedente a excepção de caducidade e absolveu a R. do pedido.
- Custas da apelação a cargo da Autora, parte vencida.
Lisboa, 28 de Junho de 2012.
Ana Luísa de Passos Geraldes (Relatora)
António Manuel Valente
Ilídio Sacarrão Martins
-------------------------------------------------------------------------------------------- [1] Cf. Ac. do STJ, de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. III, pág. 247. [2] Salienta-se que a doutrina que se debruça sobre tal matéria vem amplamente citada nos autos quer pelo Tribunal “a quo”, quer pelas partes, em abono das suas teses, razão pela qual seremos parcimoniosos nas referências doutrinárias, por não vermos necessidade de repetições. [3] Cf. Calvão da Silva in “Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Conformidade e Segurança”, 4ª Ed., pág. 77. [4] Neste sentido cf. Antunes Varela e Pires de Lima in “Código Civil Anotado”, Vol. II, pág. 213. [5] Cf. Pedro Romano Martinez in “Cumprimento Defeituoso Em Especial na Empreitada e na Compra e Venda”, pág. 413. [6] Neste sentido cf. o Acórdão do STJ, datado de 6/11/2007, Relatado pelo Cons. Azevedo Ramos. [7] In obra citada, pág. 347. Sublinhado nosso. [8] Assim se decidiu no Acórdão do STJ, datado de 7/5/2009, Relatado pelo Cons. Pires da Rosa. [9] Acompanhamos o douto Acórdão do STJ, datado de 7/5/2009, também nesta parte.