ALDEAMENTO TURÍSTICO
APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEI
REGIME
PROPRIEDADE HORIZONTAL
Sumário

I - O regime da propriedade horizontal só é aplicável, subsidiariamente, aos proprietários das fracções imobiliárias que se encontram no espaço físico dos aldeamentos turísticos se aquelas fracções forem objecto de exploração turística sob a égide duma administração nomeada para o efeito.
(Sumário do Relator)

Texto Parcial

ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA (1ª SECÇÃO)
MCO, devidamente identificada nos autos, deduziu a presente oposição à execução que lhe move, GCT, S.A., na qual é solicitado o pagamento das contribuições em dívida pela executada relativamente ao AQM, sendo juntas como título executivo as actas das assembleias de condóminos onde é aprovada a contribuição de cada condómino para as despesas de conservação e funcionamento das instalações e equipamentos comuns do empreendimento.
Alegou a executada:
- Inexistência de título executivo, porquanto, as actas juntas aos autos de execução não se integram em nenhuma das alíneas do artigo 46°, nº1 do Código de Processo Civil, não lhes sendo analogicamente aplicável o regime contido no artigo 6°, nº 1 do Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de Outubro.
Devidamente notificada, a exequente apresentou contestação, defendendo, em resposta à posição da executada supra indicada, que as actas trazidas a juízo constituem título executivo, por força do disposto no artigo 6°, nº1 do Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de Outubro, aplicável por remissão do artigo 46° do Decreto-Lei nº 167/97, de 4 de Julho (a exequente refere-se ao Decreto-Lei nº 167/94 mas, certamente, por lapso).
Realizou-se a Audiência de Discussão e Julgamento, após o que se fixaram os factos assentes (fls.257 a 261) e se exarou a seguinte sentença – parte decisória:
“-…-
- Pelo exposto, julga-se procedente a presente oposição à execução, determinando-se a extinção da execução.
- Custas pela exequente (cfr. art. 446° do CPC).
-…-”
Desta sentença veio a exequente recorrer, recurso esse que foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito suspensivo.
E fundamentou o respectivo recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
- A excepção de inexistência de título executivo julgada procedente pela douta decisão recorrida é juridicamente errada e encontra-se fundamentada numa incorrecta interpretação das normas legais aplicadas.
- A remissão operada pelo art. 46° do Decreto-Lei nº 167/97, de 4 de Julho, na sua última redacção, não pode deixar de abranger o art. 6° do Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de Outubro, uma vez que essa foi a intenção do legislador e é a única interpretação que não destitui de qualquer sentido e alcance a referida norma.
- O art. 6° do Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de Outubro, não contém nenhuma norma excepcional, pelo que nem sequer estaria excluída a aplicação analógica, nos termos do art. 11° do C.C.
- As actas das Assembleias de Proprietários do AQM são exequíveis nos termos conjugados dos arts.46° do Decreto-Lei nº 167/97, de 4 de Julho, na sua última redacção, 6° do Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de Outubro e al. d) do nº 1 do art. 46° do C.P.C.
- Decorre dos factos dados como provados em 1ª instância que a exequente assegurou e pagou, todos os anos, os serviços de interesse comum do aldeamento, aos quais correspondem os valores anuais dos orçamentos aprovados em Assembleia de Proprietários, sendo a opoente responsável, na qualidade de proprietária e na quota-parte do valor relativo do seu imóvel, pelas comparticipações peticionadas pela exequente, em que deve ser condenada.
Conclui pela procedência do recurso e consequente revogação da sentença recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que reconheça a exequibilidade das actas das assembleias de proprietários dos aldeamentos turísticos, nos termos conjugados dos artigos 46° do DL nº 167/97, de 4-7 (redacção dada pelo artigo 6º do DL 268/94, de 25 de Outubro e d) do nº1 do artigo 46º do C.P.C.
Contra-alegaram os executados/habilitados, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
- Os presentes autos – que seguem por apenso à execução apresentada por requerimento em 28.12.2007 - iniciaram-se antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
- O Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2008 (cfr. art. 12°, nº 1 do referido diploma). Dispõe o artigo 11°, nº 1 do mesmo diploma que, “as disposições do presente decreto-lei não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor”.
- A partir da data da instauração da execução que o processo, como um todo, se considera pendente.
- Deste modo, aos recursos interpostos em apenso de oposição à execução em que a oposição tenha dado entrada após 01.01.08, mas a execução tenha sido instaurada em data anterior, é aplicável o regime de recursos anterior ao Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
- O prazo de interposição do recurso de apelação é de 10 dias a contar da notificação da sentença (cfr. art. 685°, nº 1, do CPC), de harmonia com o regime anterior ao consagrado pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
- Tendo a sentença sido proferida em 17 de Setembro de 2009, notificada às partes em 22 de Setembro de 2009 e tendo o mandatário da exequente/recorrente apresentado o requerimento de interposição do recurso, através dos meios informáticos, às 18:06:29 do dia 23 de Outubro de 2009, é o mesmo manifestamente extemporâneo, uma vez que o prazo terminara, em 02 de Outubro de 2009 ou, no limite e já com o acréscimo previsto no nº 5 do art. 145° do CPC no dia 7 de Outubro de 2009.
- Pelo que o recurso deverá ser rejeitado, em virtude da sua manifesta extemporaneidade e, em consequência, deverá ser considerada transitada em julgado a sentença proferida pelo tribunal a quo, com todas as consequências legais.
- Sem prejuízo do supra exposto, e por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que, a decisão recorrida ao concluir pela inexistência de título executivo, fê-lo mediante a correcta e fundamentada interpretação das normas legais aplicáveis.
- A remissão contida no art. 47° do Decreto-lei nº 167/97, de 4 de Julho, não abrange, nem pode abranger, o art. 6°, do Decreto-lei nº 268/94, de 25 de Outubro, uma vez que a remissão para o regime da propriedade horizontal se verifica apenas no que se refere às relações entre os vários proprietários, não se socorrendo a lei daquele regime, subsidiariamente, em outras situações.
- A ratio legis da remissão para o regime da propriedade horizontal feita pelo nº 1 do art. 47° do Decreto-lei nº 167/97, de 4 de Julho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei nº 305/99, de 6 de Agosto e pelo Decreto-Lei nº 55/2002, de 11 de Março, é claramente distinta do preceituado pelo art. 6°, do Decreto-lei nº 268/94, de 25 de Outubro.
- A epígrafe do próprio art. 47° do Decreto-lei nº 167/97, de 4 de Julho determina que apenas se estabelece (subsidiariamente) a aplicação do regime da propriedade horizontal no que às relações entre os proprietários das várias fracções imobiliárias dos empreendimentos turísticos disser respeito.
- O art. 6°, do Decreto-lei nº 268/94, de 25 de Outubro, em nada diz respeito às relações dos proprietários entre si, enquanto condóminos.
- Se, por um lado, no âmbito do art. 46° do Decreto-lei nº 167/97, de 4 de Julho, se trata das relações entre proprietários e se, por outro lado o art. 6°, do Decreto-lei nº 268/94, de 25 de Outubro, não faz, em momento algum, referência a essa relação, dificilmente existe entre estes dois preceitos legais qualquer semelhança ou complementaridade, não podendo igualmente existir qualquer conjugação de tais preceitos legais.
- A interpretação adoptada pela apelante na jurisprudência dos tribunais superiores transcrita nas respectivas alegações tende a conduzir a uma aproximação dos regimes dos preceitos legais em apreço, não sendo, porém, essa a acepção colhida pela citada jurisprudência, porquanto, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 07.09.2008 no âmbito do processo nº 6901/2008-1 em momento algum reconheceu a extensão da remissão efectuada pelo art. 46° do Decreto-lei nº 167/97, de 4 de Julho para o art. 6°, do Decreto-lei nº 268/94, de 25 de Outubro, no sentido de serem exequíveis as actas dos empreendimentos turísticos.
- O que conclui o referido Acórdão é a questão da aplicabilidade do procedimento cautelar de suspensão das deliberações sociais às deliberações das Assembleias de proprietários dos empreendimentos turísticos e acerca da possibilidade daquela remissão apenas no que se refere aos deveres do proprietário e limitações ao exercício de direito.
- Da mesma forma, tão pouco o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 27.11.2008 no âmbito do processo nº 8966/2008-6 (citado pela apelante) em momento algum reconheceu a extensão da remissão efectuada pelo art. 47° do Decreto-lei nº167/97, de 4 de Julho, para o art. 6°, do Decreto-lei nº 268/94, de 25 de Outubro, no sentido de serem exequíveis as actas dos empreendimentos turísticos, já que se resume ao direito de anulação das deliberações irregulares tomadas na Assembleia de Proprietários.
- Dúvidas não restam que a remissão contida no art. 47° do Decreto-lei nº 167/97, de 4 de Julho, se refere somente à aplicação do regime da propriedade horizontal às relações entre os proprietários.
- O Tribunal de Comarca de C... já se pronunciou acerca da (in)validade enquanto título executivo as actas das assembleias de proprietários do empreendimento turístico QM, no processo de execução nº ..., que correu termos pelo 2° juízo cível desse Tribunal.
- Quanto à inexequibilidade das actas das Assembleias de Proprietários do AQM, também já se pronunciou por Acórdão de .../2011 o Tribunal da Relação de Lisboa, (processo nº ...), entendendo que, “De quanto precede resulta não poder valer como título executivo a acta da assembleia de proprietários de um empreendimento turístico”. Neste sentido decidiram os Acórdãos da Relação de Évora de 12.10.2000 e de 13.03.2003, publicados na CJ, ano XXV, tomo 4, pag.264 e ano XXVII, tomo 1, pag.243, respectivamente.
- Resulta evidente que o regime da propriedade horizontal é bem diferente da natureza dos empreendimentos turísticos, como claramente resulta do art. 1° do citado Decreto-lei nº 167/97, de 4 de Julho.
- A posição dos proprietários individuais não corresponde à dos condóminos na propriedade horizontal, (arts.29°, 45° e 47° daquele diploma), podendo aqueles ter as suas unidades de alojamento do empreendimento integradas ou não na exploração deste, o que tem implicações ao nível da obrigação de contribuir para as despesas de conservação e fruição das instalações e equipamentos de uso comum (artigos 48° e 49°).
- O interesse da entidade exploradora é factor determinante na distinção com a administração das partes comuns na propriedade horizontal (art. 1430º do CC), exercida no interesse exclusivo dos condóminos.
- As actas das assembleias de proprietários do AQM não valem como título executivo, por não ser aplicável o art. 6°, do Decreto-lei nº 268/94, de 25 de Outubro.
- O art. 6° do Decreto-lei nº 268/94, de 25 de Outubro, constitui uma norma especial, não admitindo aplicação analógica (cfr. art. 11° do CC) e não existe base para se proceder a uma interpretação extensiva.
- No que diz respeito aos empreendimentos turísticos, não existe qualquer disposição especial que possa ser integrada na alínea d) do art. 46° do CPC.
Conclui considerando o presente recurso manifestamente infundado e manutenção da sentença recorrida.
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- Foram dispensados os Vistos pelos Exmos. Adjuntos.
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APRECIANDO E DECIDINDO
Thema decidendum:
- Em função das conclusões do recurso (com excepção da questão - prévia aí levantada e já decidida neste Tribunal de Recurso, por despacho proferido nos autos, no sentido da admissão do recurso nos termos antes expresso pelo Tribunal recorrido), temos que:
- A questão a decidir cinge-se a saber se é, ou não, aplicável in casu o regime previsto para a propriedade horizontal, concretamente, o disposto no artº6º do DL 268/94, de 25-10 (a acta da reunião da assembleia de condóminos (…) constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte), ex vi, artº47° nº 1 do Decreto-Lei nº 167/97, de 4-7 (aldeamentos turísiticos).
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A) Apuraram-se, com relevância para a discussão da causa, os seguintes factos:
1. A executada é proprietária do prédio urbano sito no AQM, na vila e freguesia de C..., identificado como “Vila nº ...”, descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de C... sob o nº ... e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ....
2. O prédio referido em 1 confronta de norte, nascente, sul e poente com G, S.A.
3. Consta da Licença de Utilização nº ..., emitida pela Câmara Municipal de C... em .../1984, cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 56 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, que as primeiras vinte e nove moradias do AQM, referido em 1, se destinam a habitação.
4. O imóvel referido em 1 começou a ser construído entre 1984 e 1986 e, pelo menos desde 1994, tem-se destinado exclusiva e ininterruptamente a habitação, sendo que, antes dessa data, já havia também sido destinado a habitação.
5. A executada nunca participou nem nunca se fez representar em qualquer assembleia de proprietários.
6. O acesso à piscina do aldeamento não é gratuito para os moradores, sendo pago quando da sua utilização.
7. No aldeamento não existe rede de esgotos pluviais.
8. O lixo do aldeamento é recolhido pela Câmara Municipal de C... e o correio é distribuído pelas empresas que se dedicam a esse tipo de actividade.
9. O Hotel da QM foi inaugurado em Dezembro de 1999.
10. Do ofício datado de 14 de Outubro de 1986 dirigido pela Direcção-Geral do Turismo à exequente, cuja cópia se encontra junto aos autos a fls. 78 e 79 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, consta “ (...) estar autorizada (...) a sua abertura, com a seguinte classificação provisória:
Aldeamento Turístico
Categoria de Luxo
Denominação: AQM”.
11. Por despacho do Secretário de Estado do Turismo de 30 de Dezembro de 1988, publicado no D.R., III Série, de 28 de Janeiro de 1989, foi atribuída a utilidade turística, a título definitivo, ao AQM, classificado de luxo, de que é proprietária e exploradora a exequente.
12. Do oficio datado de 15 de Dezembro de 1998 dirigido pela Direcção-Geral do Turismo à exequente, cuja cópia se encontra junto aos autos a fls.81 e 82 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, consta que “ (...) foi aceite o depósito do título constitutivo do AQM (...) ”.
13. Em todos os anos a que respeitam os valores reclamados no requerimento executivo a exequente assegurou e pagou os seguintes serviços:
- Tratamento e ajardinamento de todas as áreas comuns do aldeamento, espalhadas numa área de cerca de 100.000 m2;
- Iluminação dos arruamentos privados e das restantes áreas privativas do aldeamento;
- Segurança permanente do aldeamento, 365 dias por ano, com rondas por toda a área, com particular incidência durante a noite;
- Recepção do aldeamento;
- Conservação e reparação das infra-estruturas privativas do aldeamento, incluindo arruamentos internos, canalização de água e esgotos e rede de incêndios;
- Rega das zonas verdes e ajardinados das áreas comuns do aldeamento;
- Serviços administrativos e de contabilidade do aldeamento;
- Limpeza das instalações comuns do aldeamento;
- Administração do aldeamento.
14. As contas das despesas com os serviços referidos em 13 foram analisadas e auditadas por um revisor oficial de contas independente, que emitiu parecer favorável às mesmas.
15. Todos os anos, é convocada a assembleia de proprietários do AQM, para análise e aprovação do orçamento e das contas anuais das despesas.
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B) O Direito
O Tribunal a quo concluiu pela inexistência de título executivo, com os fundamentos que passamos a recordar:
“-…-
Suscitada a questão da inexistência de título executivo, com os fundamentos sucintamente enunciados supra, cumpre, desde já, apreciá-la e decidi-la.
Vejamos, então.
A exequente intentou a execução na qualidade de entidade exploradora do AQM, alegando que as actas das reuniões deste aldeamento constituem título executivo nos termos previstos para a propriedade horizontal, de acordo com o enquadramento jurídico por si feito.
Pois bem. Não se subsumindo a situação dos autos a uma qualquer relação de propriedade horizontal, vejamos se as normas invocadas pela exequente, e bem assim o regime jurídico da propriedade horizontal, se aplicam à particularidade do caso vertente.
-…-
Assistir-lhe-á ou não razão?
Entendemos que não.
Da redacção do citado artigo 47º, nº 1 do Decreto-Lei nº 167/97 decorre claramente que, a remissão aí feita para o regime da propriedade horizontal se verifica apenas no que diz respeito às relações entre os vários proprietários das fracções do empreendimento turístico. O que bem se compreende.
Com efeito, o instituto da propriedade horizontal visa salvaguardar as especiais relações existentes entre os vários condóminos decorrentes da coexistência de um direito de plena propriedade sobre as partes privativas de cada condómino e da compropriedade nas partes comuns, e que determina, naturalmente, a existência de direitos e deveres particulares sobre essas partes comuns e face ao administrador. E tais relações divergem, no essencial, da relação existente entre os proprietários de várias fracções pertencentes a um mesmo empreendimento turístico e entre estes e a entidade exploradora do mesmo, a qual terá, além do mais, uma perspectiva de lucro e interesses próprios, assentes num regime jurídico específico, ao contrário da administração das partes comuns na propriedade horizontal, exercida no interesse exclusivo dos condóminos.
Esta divergência existente entre os dois institutos em análise é quanto basta para que não possa sustentar-se a equivalência pretendida pela exequente, equivalência que, de resto, a lei não prevê expressamente.
Note-se que o artigo 6° do Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de Outubro constitui norma especial, não admitindo aplicação analógica (cfr. o artigo 11° do Código Civil), sendo que não existe também base para proceder à sua interpretação extensiva. Diga-se, mais uma vez, esta norma rege sobre as relações entre o condomínio e os condóminos, nada tendo a ver com as relações dos condóminos entre si, no sentido da remissão feita pelo legislador no artigo 47°, nº 1 do Decreto-Lei nº 167/97.
E, a ser assim, se apenas podem servir como títulos executivos aqueles que estão enunciados no artigo 46° do CPC, e se, nos termos vistos e pelas razões supra expendidas, não existe qualquer disposição especial que, no caso, possa ser integrada na alínea d) do nº 1 do mesmo preceito (já que, repete-se, o artigo 6° do Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de Outubro não pode considerar-se aplicável aos empreendimentos turísticos), terá que concluir-se que não existe título executivo.
-…-”
- Quid juris?
O artigo 47° nº 1 do DL 167/97, de 4-7, estatui que:
- Sem prejuízo do disposto no presente diploma e seus regulamentos, às relações entre os proprietários das várias fracções imobiliárias dos empreendimentos turísticos é aplicável o regime da propriedade horizontal, com as necessárias adaptações resultantes das características do empreendimento.
Por sua vez, o artº6º do DL 268/94, de 25-4, estabelece que:
- A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
Como se constata, a sentença recorrida concluiu pela inaplicabilidade do artº6º do citado DL 268/94, desde logo, porque nos aldeamentos turísticos há uma entidade exploradora desse espaço com uma perspectiva de obter lucros.
Tendemos a concordar com tal argumento, desde logo, atento ao teor do artº1º nº1, do DL 167/97, de 4-7:
- Empreendimentos turísticos são os estabelecimentos que se destinam a prestar serviços de alojamento temporário, restauração ou animação de turistas, dispondo para o seu funcionamento de um adequado conjunto de estruturas, equipamentos e serviços complementares.
Acresce que o artº49º do mesmo diploma legal prevê os seguintes deveres do proprietário:
1 – O proprietário de qualquer unidade de alojamento que constitua fracção imobiliária de um empreendimento turístico, esteja ou não integrada na exploração turística, fica obrigado a:
a) Não alterar substancialmente a sua estrutura externa ou o seu aspecto estético exterior, de forma a não afectar a unidade do empreendimento;
b) Não aplicar a mesma a fim diverso daquele a que se destina;
c) Não praticar quaisquer actos ou realizar obras que sejam susceptíveis de afectar a continuidade e a unidade urbanística do empreendimento ou prejudicar a implantação dos respectivos acessos.
2 – O proprietário fica ainda obrigado a efectuar a conservação da unidade de alojamento sempre que a mesma seja retirada da exploração turística do empreendimento e no cão previsto no nº6 do artigo seguinte.
3 – O proprietário da unidade de alojamento não tem direito à utilização das instalações e dos equipamentos comuns e dos serviços de utilização turística de uso comum quanto tiver retirado a mesma da exploração turística do empreendimento.
Finalmente, dispõe o artº50º nº1, do referenciado DL 167/97 que:
1 – Nos empreendimentos turísticos em que a propriedade das várias fracções imobiliárias que o compõem pertencer a mais de uma pessoa, as funções que cabem ao administrador do condomínio, nos termos do regime do regime da propriedade horizontal, são exercidas, sem limite de tempo, pela respectiva entidade exploradora, salvo (…).
Deste último preceito decorre que, a aplicação do regime de propriedade horizontal pressupõe a gestão de várias fracções imobiliárias por uma administração nomeada para o efeito pelos vários proprietários daquelas fracções.
Provou-se que:
- A executada é proprietária do prédio urbano sito no AQM, na vila e freguesia de C..., identificado como “Vila nº ...”, descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de C... sob o nº ... e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ....referido em 1 confronta de norte, nascente, sul e poente com G, S.A.
- Consta da Licença de Utilização nº ..., emitida pela Câmara Municipal de C... em .../1984, cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 56 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, que as primeiras vinte e nove moradias do Aldeamento A, referido em 1, se destinam a habitação.
- O imóvel referido em 1 começou a ser construído entre 1984 e 1986 e, pelo menos desde 1994, tem-se destinado exclusiva e ininterruptamente a habitação, sendo que, antes dessa data, já havia também sido destinado a habitação.
- A executada nunca participou nem nunca se fez representar em qualquer assembleia de proprietários.
Ora, esta factualidade integra a excepção prevista no supra enunciado artº49º do DL 167/97, ou seja, a fracção imobiliária em causa encontra-se fisicamente no denominado AQM mas apenas como habitação autónoma.
Esse estatuto não exclui que tenha que contribuir para despesas também dadas como assentes, como por exemplo:
- Segurança permanente do aldeamento, 365 dias por ano, com rondas por toda a área, com particular incidência durante a noite;
- Recepção do aldeamento;
- Conservação e reparação das infra-estruturas privativas do aldeamento, incluindo arruamentos internos, canalização de água e esgotos e rede de incêndios;
- Rega das zonas verdes e ajardinados das áreas comuns do aldeamento;
Contudo, essas obrigações carecem de prova desses benefícios, por parte dos proprietários das fracções não integradoras da referida exploração turística do AQM em discussão, uma vez que, não lhes é aplicável, subsidiariamente, o regime da propriedade horizontal.
Tudo visto, conclui-se, igualmente, pela inaplicabilidade do artº6º do DL 268/94, de 25-10 (regime da propriedade horizontal), ex vi, artº47° nº 1 do Decreto-Lei nº 167/97, de 4-7 (regime dos aldeamentos turísticos).
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DECISÃO
- Assim e pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Relação acordam em julgar improcedente a apelação e consequentemente, mantêm o decidido pelo Tribunal recorrido.
- Custas pela apelante.
Lisboa, 11-9-2012
Relator: Afonso Henrique C. Ferreira
1º Adjunto: Rui Torres Vouga
2º Adjunto: Maria do Rosário Barbosa