REDUÇÃO DA RENDA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário

1. À semelhança do que vinha sendo entendido maioritariamente pela doutrina e jurisprudência, a redução da renda, nos contratos de locação, só tem lugar em situações de falta ou diminuição de condições de habitabilidade, impedimento de uso, ou a coisa locada apresentar vício que não permita ao prédio realizar cabalmente o fim a que é destinado
2. A exceptio é uma causa justificativa do incumprimento, que o legislador admite em termos gerais (artigo 428.º), não se vendo qualquer norma ou princípio geral de direito que exclua do seu âmbito de aplicação o contrato de arrendamento.
3. Como resulta do n.º 4 do artigo 1083.º do Código Civil, é fundamento de resolução do contrato pelo arrendatário, designadamente, a não realização pelo senhorio de obras que a este caibam, quando tal omissão comprometa a habitação do locado, não justificando essa resolução a simples falta de gás no local arrendado durante um curto período de tempo, ainda que por razões imputáveis ao senhorio.
4. O n.º 1 do artigo 1041º do Código Civil concede ao locador o direito de exigir do arrendatário (além das rendas ou alugueres em atraso) uma indemnização igual a 50% do que for devido, salvo quando o senhorio opte pela resolução do contrato com esse fundamento.
5. Não se justifica esta indemnização quando o arrendatário não tiver dado o prévio aviso a que alude o artigo 1098.º do Código Civil se o senhorio, estando o inquilino em mora, pedir a entrega do locado e o arrendatário o entregar de imediato, pois é incompatível o pedido de entrega do andar com o pedido simultâneo do pagamento de rendas em data posterior.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

I
M… instaurou a presente acção com processo sumário contra N…, C…, H…, A… e F… pedindo a condenação solidária dos R.R. no pagamento da quantia de € 9.057,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efectivo pagamento, e ainda de quantia não inferior a € 3.500,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Fundamentou a sua pretensão no facto de, por acordo escrito de 30.11.2006, ter dado de arrendamento aos primeiros três RR. (tendo os 4º e 5º RR. assumido a qualidade de fiadores) a fracção autónoma designada pelas letras “AC” do prédio urbano sito na Praça…, freguesia de B…, L…, para fim habitacional, com início em 01.12.2006, não tendo os RR. pago a totalidade das rendas respeitantes aos meses de Março a Junho de 2008 e a renda respeitante ao mês de Julho, apesar de interpelados para o efeito.
Alegou ainda que os RR. C… e H… procederam à denúncia do contrato com efeitos a partir de 31 de Julho de 2008, por carta datada de 28 de Junho de 2008 (enviada e recebida posteriormente) e abandonaram o locado sem liquidar as despesas de água e electricidade.
Alega ainda ter direito a 50% do valor da renda, a título de indemnização pelo atraso no pagamento e ao valor correspondente a três meses de renda pelo incumprimento do prazo de 120 dias para a denúncia.
Relativamente ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais, alegou a A. que os RR. lhe imputaram factos falsos e colocaram em causa o seu bom nome, o que lhe causou stress e angústias permanentes.

Regularmente citados, os RR. contestaram, por impugnação e excepção, alegando que reduziram o montante da renda acordada por o locado não reunir as condições necessárias e acordadas para o fim habitacional e que a carta enviada a 28 de Junho de 2008 constitui a comunicação da resolução do contrato por falta de condições de habitabilidade e não uma denúncia.
Relativamente ao pedido de indemnização civil por danos não patrimoniais, alegaram não estarem reunidos os respectivos pressupostos legais.
Concluíram pela improcedência da acção e pediram a condenação da A. como litigante de má-fé em multa e indemnização no montante de 500,00 €.

A A. respondeu à contestação e pediu a condenação dos RR. como litigantes de má fé e em indemnização não inferior a 1000,00 €.
Os RR. pronunciaram-se relativamente ao pedido de condenação como ligantes de má fé, pedindo a sua improcedência.

II
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, conforme actas de fls. 260 a 267, 274 a 276 e 315 a 324, e procedeu-se à fixação da matéria de facto provada e não provada, que não foi objecto de reclamação.
Seguidamente foi proferida sentença nos seguintes termos decisórios:
Por todo o exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) condenam-se solidariamente os RR. …. a pagar à A. parte das rendas vencidas em Março a Junho, totalidade da renda de Julho de 2008, acrescidas de 50% e três meses de renda pelo não cumprimento do prazo contratual previsto para a denúncia, bem como as despesas de água e electricidade, no montante global de 9.057,00 € (nove mil e cinquenta e sete euros), ao qual deverá ser descontado o valor pago a titulo de caução, no valor de 920,00 €, acrescidas de juros vencidos e vincendos, às taxas legais sucessivamente em vigor, até integral pagamento;
b) absolvem-se os RR. do restante pedido.
c) Condenam-se os RR. no pagamento solidário da multa de três ucs por litigância de má fé.

Dela recorreram os RR, concluindo pela forma seguinte:
A) As condições do locado, desde o início do arrendamento, não eram as melhores e que se foram deteriorando na parte final do contrato.
B) Provou-se, por documentos e pela prova testemunhal, que o gás foi cortado no início de Maio de 2008 e que jamais foi reposto o seu fornecimento.
C) Tal facto, a falta de gás, era do conhecimento da A., através do seu procurador e filho e resulta cabalmente demonstrado pelo documento que diz textualmente “Inst. com fuga a jusante val. cort. caldeira, mang. fora de prazo e fuga na distribuição gás fechado valv. contador...”  que o homem médio lerá como “ instalação com fuga a jusante da válvula de corte da caldeira, mangueira fora de prazo e fuga na distribuição gás fechado na válvula do contador” documento 1 junto com a contestação de 06/05/2008 e não posto em crise pela A.
D) Resulta igualmente dos documentos 3 e 4 juntos pela A. em 27/07/2009 que o problema do gás se mantém, da necessidade da vistoria, das obras a efectuar e dos ensaios.
E) Tal resulta igualmente dos depoimentos das testemunhas M…, que vivia no locado, e de A… que o visitava com muita frequência e que relataram ao tribunal que o corte do gás se manteve desde o início de Maio até à entrega do locado pelos RR.
F) Em 28 de Junho de 2008 os RR. enviaram à A. a carta referida no ponto 5 e 16 dos factos provados na douta sentença e resolveram o contrato de arrendamento.
G) Nessa missiva comunicaram os RR. à A. como fundamento da resolução: “o imóvel não reunia condições de habitabilidade, dada a falta de fornecimento de gás”.
H) Trata-se pois, de uma resolução, que se caracteriza precisamente pela existência de uma justa causa e que pode ser feita a todo o tempo e, tal comunicação, ao invocar o fundamento deve ser entendida como resolução do contrato e não como denúncia.
I) Consequentemente, resolvido o contrato, não é devido o pagamento do pré-aviso referido no art.º 1098.º do Código Civil.
J) Assim como não é devida a penalização de 50% das rendas em atraso sobre o montante eventualmente devido pelo pré-aviso em falta.
K) Os montantes referidos no n.º 3 do artigo 1098.º do Código Civil não são cumuláveis e nada têm a ver com a penalidade do artigo 1041.º do referido preceito.
L) Nos termos do n.º 2 da cláusula 3.ª do contrato de arrendamento, pagando os RR. a renda no 1.º dia útil do mês anterior a que respeita, o pagamento do mês de Julho já estava antecipadamente feito, pelo que o mesmo não é devido e, logicamente, também não é devida a penalização dos 50% sobre o mesmo.
M) A exigência dos 50% das rendas não existe porque o contrato foi resolvido com justa causa e é uma faculdade alternativa à resolução, quando se pretende a manutenção do contrato de arrendamento.
N) No caso dos autos não se pretendeu a manutenção do contrato de arrendamento mas sim a sua resolução e entrega do locado, como se prova com a carta da A. peticionando a entrega imediata do locado e a carta dos RR. à A. resolvendo o contrato.
O) Cabia à A. assegurar que o locado reunisse as condições necessárias e acordadas ao fim a que se destina, ou seja, o habitacional e é manifesto que os RR sofreram de privação e diminuição do gozo da coisa por motivos a responsabilidade da A. pelo não são devidas a totalidade das rendas de Março, Abril, Maio, Junho e Julho de 2008.
P) Nos termos do n.º 1 do art.º 1040.º do Código Civil, “se por motivo não atinente à sua pessoa ou à dos seus familiares, o locatário sofrer privação ou diminuição do gozo da coisa locada, haverá lugar a uma redução da renda ou aluguer proporcional ao tempo da privação ou diminuição e à extensão desta…” daí a redução.
Q) Não se provou que os RR. fossem responsáveis pelo pagamento da água peticionada pela A., a quem competia fazer tal prova já que o facto foi impugnado, não podendo, por isso serem os RR condenados no seu pagamento, como de facto foram.
R) O reconhecimento de uma litigância de má-fé deve identificar-se com situações de chocante ou grosseiro uso dos meios processuais o que não é, manifestamente o caso, onde não se vislumbra fundamento para tal condenação.
S) No caso dos autos, não vemos que os mesmos contenham elementos bastantes de modo a poder-se concluir, sem margem para dúvida, que os RR. tenham litigado de má-fé por não conseguirem provar aquilo que se propunham.
T) O somatório das parcelas é inferior ao indicado.
U) Deve o douta sentença ser revogada na parte condenatória e absolvidos os RR. com excepção da parte confessada.
V) Na modesta opinião dos RR, a douta decisão fez errada interpretação dos artigos 1040.º, 1041.º, 1083.º, 1098.º e 456.º do Código Civil.

III
Foram dispensados os vistos

Vêm dados como provados os seguintes factos:
1. Entre M…, na qualidade de primeira outorgante e senhoria, N…, C… e H…, na qualidade de segundos outorgantes e inquilinos e A… e F…, na qualidade de terceiros outorgantes e fiadores, foi celebrado o acordo denominado “contrato de arrendamento para fim habitacional por tempo determinado”, constante de fls. 35 a 40 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
2. Com assinatura do acordo referido em 1, foi liquidada a renda respeitante ao mês de Dezembro e a quantia de 920,00 € referente a caução.
3. Em 2008 o valor da renda era de 943,00 €.
4. Relativamente às rendas do ano de 2008, os RR. apenas liquidaram os seguintes valores:
- € 685,00 respeitante ao mês de Março;
- € 705,00 respeitante ao mês de Abril;
- € 685,00 respeitante ao mês de Maio;
- € 460,00 respeitante ao mês de Junho.
4. Foi enviada e recepcionada pelos RR. a carta datada de 24 de Junho de 2008, cuja cópia se encontra a fls. 52 a 54 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzida.
5. Os RR. C… e H… enviaram à A. a carta, cuja cópia se encontra a fls. 60 dos autos, datada de 28 de Junho de 2008, declarando denunciar o contrato de arrendamento pelos motivos dela constantes, que se dão por reproduzidos.
6. Os RR. foram informados de que deveriam facultar o acesso à fracção a técnicos, a fim de ser efectuada vistoria às condutas e instalações de gás.
7. Após compatibilização dos horários dos RR. com os dos técnicos foi realizada a vistoria, tendo sido entregue aos RR. no acto da vistoria o relatório cuja cópia se encontra a fls. 135 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
8. Em 10 de Maio e 20 de Maio de 2008 a R. C… efectuou as comunicações constantes de fls. 169 e 170 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, relativas à questão do gás.
9. A A. enviou aos RR. as cartas cujas cópias se encontram a fls. 61 a 63 e 69 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, que estes receberam.
10. Por carta datada de 22 de Julho de 2008, enviada aos RR., a A. solicitou a entrega das chaves do locado no dia 31 de Julho de 2008.
11. Os RR. procederam ao envio das chaves do locado, juntamente com a carta constante de fls. 81 dos autos, datada de 30 de Julho de 2008, cujo teor se dá por reproduzido.
12. Os RR. não procederam ao pagamento das despesas de água e electricidade, no valor de € 218.26 e 57.74 respectivamente.
13. A A. ao ter conhecimento da carta cuja cópia se encontra a fls. 60 dos autos, ficou incomodada.
14. Os RR. solicitaram à A., através do filho desta L… a reparação da janela da marquise que dava para a cozinha, que não fechava bem.
15. A realização da vistoria pelos técnicos do G… Ldª foi paga por M…, morador da fracção.
16. Os RR. enviaram à A. a carta cuja cópia se encontra a fls. 60 dos autos.

Entretanto, a autora faleceu e, por despacho de 11.1.2011, com trânsito em julgado, foi L… habilitado como herdeiro, para com ele prosseguir a presente acção.

IV
O DIREITO.      
1. Ressalta da sentença recorrida que, em função dos pedidos formulados pela A. e perante a defesa apresentada pelos RR., seriam as seguintes as questões a apreciar e decidir em 1ª instância:
- obrigação dos RR a procederem ao pagamento dos valores das rendas peticionadas pela A., correspondentes a parte dos meses de Março a Junho e a totalidade da renda do mês de Julho de 2008, acrescidas de 50% do seu valor, e três meses de renda “pelo não cumprimento do prazo contratual previsto para a denúncia” (artigo 1098.º do Código Civil[1]);
- direito dos RR. a procederem à redução da renda em função da invocada diminuição do gozo do local arrendado;
- verificação dos pressupostos da responsabilidade civil por danos não patrimoniais;
- obrigação dos RR a procederem ao pagamento das despesas reclamadas pelos consumos de água e energia eléctrica.
- litigância por má-fé.
2. Já vimos que os RR foram condenados a pagar aquelas quantias, excepto as relativas ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais.
 É pelas conclusões das alegações que se determinam o âmbito e os limites do recurso (artigo 684.º, n.º 3, do CPC).
Assim, há que conhecer das seguintes questões:
a) Se os RR podiam resolver validamente o contrato com o alegado fundamento;
b) Se é devido o pagamento da totalidade das rendas dos meses de Março, Abril, Maio, Junho e Julho de 2008, acrescidas de 50% a título de indemnização;
c) Se é devido o pagamento das rendas relativas aos meses de Agosto Setembro e Outubro e respectiva indemnização.
d) Se é devido o pagamento à EPAL por parte dos RR;
e) Se se deve manter a condenação dos RR como litigantes de má-fé.
3. Atentos os factos apurados verifica-se que foi celebrado um contrato de arrendamento, com destino a habitação, entre a A. e os RR., referente ao prédio atrás identificado (artigos 1022.º e 1023.º do C. Civil).
Uma das obrigações do locatário é o pagamento da renda no prazo estipulado – artigo 1038º, al. a).
Como contrapartida da obrigação de pagamento da renda, impende sobre o locador a obrigação de assegurar ao locatário o gozo da coisa locada para os fins a que a mesma se destina, cabendo a este executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário - arts.1031º, al. b) e 1074º, nº 1.
Resultou provado que os RR. não pagaram a totalidade das rendas dos meses de Março a Junho e a totalidade da renda de Julho de 2008, tendo entregue o andar à senhoria em 30 de Julho de 2008.
Por isso, pediu a autora que os RR fossem condenados a pagar-lhe as quantias em falta acrescidas de 50% do seu valor, nos termos do artigo 1041.º, n.º 1.
Mas os RR invocaram a este propósito o direito à redução da renda por terem sofrido “privação e diminuição do gozo da coisa”.
Vejamos.
4. Dispõe o artigo 1040.º, nº 1: «[s]e, por motivo não atinente à sua pessoa ou à dos seus familiares, o locatário sofrer privação ou diminuição do gozo da coisa locada, haverá lugar a uma redução da renda ou aluguer proporcional ao tempo da privação ou diminuição e à extensão desta,…».
À semelhança do que vinha sendo entendido maioritariamente pela doutrina e jurisprudência, a redução da renda apenas tem lugar em situações de falta ou diminuição das condições de habitabilidade, impedimento de uso, ou a coisa locada apresentar vício que não permita ao prédio realizar cabalmente o fim a que é destinado (sobre esta problemática e no âmbito do anterior regime, pode ver-se, entre outros, o acórdão do STJ de 21.02.2006 - www.dgsi.pt.).
A exceptio é uma causa justificativa do incumprimento, que o legislador admite em termos gerais (artigo 428.º), não se vendo qualquer norma ou princípio geral de direito que exclua do seu âmbito de aplicação o contrato de arrendamento.
Mas, por exemplo, o acórdão do S.T.J. de 11.12.1984[2] considerou que, em matéria de locação, a excepção de não cumprimento do contrato tinha um "campo de aplicação muito limitado". Comentando este aresto, Almeida Costa[3] concordando com o seu teor, sustentou que o locatário tem a faculdade de invocar, nos termos gerais, a excepção de inadimplência, quando se verifique mero incumprimento parcial da correspectiva obrigação do locador. Mas a boa-fé exige, por um lado, que a falta assuma relevo significativo e, por outro lado, que se observe proporcionalidade ou adequação entre essa falta e a recusa do excipiente. A ideia de proporcionalidade ou equilíbrio das contraprestações manifesta-se no instituto da redução (art. 292°). No que se refere à locação, o mesmo princípio aflora a propósito da redução da renda ou do aluguer se o locatário sofrer privação ou diminuição do gozo da coisa locada.
A este propósito foi referido na douta sentença:
«No caso em apreço não resultou provada qualquer factualidade que demonstre uma qualquer diminuição relevante do gozo e fruição da fracção locada. Sobre esta matéria apenas se apurou, como decorre do ponto 14 dos factos provados, que os RR. solicitaram à A., através do filho desta L…, a reparação da janela da marquise que dava para a cozinha, que não fechava bem.
Acresce ainda referir a este propósito que nos termos da cláusula 4ª do contrato celebrado impendia sobre os arrendatários a responsabilidade das obras de conservação ordinária, sem prejuízo da necessária autorização por parte do senhorio.
Por conseguinte e ainda que se tivesse apurado factualidade determinante duma diminuição do gozo do locado, sempre impenderia sobre os arrendatários a obrigação da realização das obras necessárias após a respectiva autorização pelo senhorio, em conformidade com a cláusula contratual referenciada.
Não tendo resultado provada qualquer circunstância fáctica justificativa da redução da renda, incumbindo aos RR. a prova de tal factualidade, impõe-se concluir que o pagamento parcial das rendas de Março a Junho e a falta de pagamento da renda de Julho de 2008 é ilícita.
5. Porém, os AA alegam que o locado ficou sem gás desde o início de Maio de 2008, o qual teria sido cortado por fuga e deficiência na instalação do andar. E alegam também que, avisada a senhoria, esta recusou-se a fazer as obras. Mas este facto não foi provado. E os RR apenas “denunciaram” o contrato por carta de 28.06.2008 depois de a senhoria, por carta de 24 do mesmo mês, os ter interpelado “para procederem ao pagamento das rendas em atraso…”. Ou seja, antes do corte do gás já os RR não pagavam a totalidade das rendas dos meses de Março a Maio. Estavam, pois, em mora desde o mês de Março de 2008.
Portanto, os RR terão que pagar a parte restante das rendas, desde Março a Junho.
6. A A. pediu ainda o pagamento da parte em dívida das rendas de Março a Junho e o valor total da renda de Julho de 2008, acrescidos de 50% a título de indemnização.
Nos termos do artigo 1041.º, nº 1, constituindo-se o locatário em mora, assiste ao locador a faculdade de exigir, além das rendas em dívida, uma indemnização igual a 50% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento.
Considerando que os RR não procederem atempadamente ao pagamento da totalidade das rendas, e que a A. não resolveu o contrato de arrendamento com esse fundamento, há que concluir que a autora tem direito à indemnização correspondente a 50% do valor em dívida.
Os RR dizem que não têm a obrigação de pagar a totalidade das rendas por terem resolvido o contrato com “justa causa”. A verdade é que não fizeram prova do invocado fundamento.
São, pois, devidos estes montantes.
7. Vejamos agora a questão relativa ao pagamento de três meses de renda por incumprimento do prazo de pré-aviso da denúncia nos termos do n.º 2 do artigo 1098.º.
Relativamente a esta matéria, a A. alegou que os RR. procederam à denúncia do contrato de arrendamento por carta datada de 28 de Junho de 2008 (embora enviada e recebida posteriormente) e os RR alegam ter resolvido esse mesmo contrato, através da mesma missiva, com fundamento de o imóvel não reunir as necessárias condições de habitabilidade.
Com interesse para apreciação desta questão resultou provado que os RR. C… e H… enviaram à A. a carta, cuja cópia se encontra a fls. 60 dos autos, datada de 28 de Junho de 2008, da qual consta:
«Vimos denunciar o contrato de arrendamento para fim habitacional por tempo
determinado, celebrado no dia 30 de Novembro de 2006, relativo à fracção (…) com efeitos para o dia 31 de Julho de 2008, porquanto nesta data não reúne condições de habitabilidade, dada a falta de fornecimento de gás. Assim, considerando que a renda respeitante ao mês de Julho de 2008, foi paga no mês anterior Junho de 2008, não será devida qualquer renda.»
«O arrendamento urbano cessa por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na lei» (artigo 1079.º).
Como estabelece o art.º 432.º, "é admitida a resolução do contrato fundado na lei ou em convenção".
Mota Pinto escreve[4]: "a resolução ... tem lugar em situações de variada natureza, resultando, não dum vício da formação do contrato, mas dum facto posterior à sua celebração, normalmente um facto que vem iludir a legítima expectativa duma parte contratante, seja um facto da contraparte (inadimplemento de uma obrigação), seja um outro facto natural ou social...".
Antunes Varela considerava que a resolução "é a destruição da relação contratual, operada por acto posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam, se o contrato não tivesse sido celebrado”[5].
Portanto, podemos dizer que a resolução é a destruição da relação contratual, operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato, com fundamento na lei (resolução legal - em que o direito à resolução é conferido por lei a um dos contraentes) - ou convenção das partes (quando, por acordo, se concede a ambas as partes ou apenas a uma delas o direito de resolver o contrato).
"A resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte" (artº 436.º, n º1). Consiste, assim, numa declaração unilateral receptícia pela qual uma das partes, dirigindo-se à outra, põe termo ao negócio, destruindo desse modo a relação contratual. Mas poderá ser necessário o recurso ao tribunal (art.º 1047.º)
 E torna-se eficaz logo que chega ao poder do destinatário ou é dele conhecida (artº 224º, nº 1). Mas, ao contrário do que sucede com a revogação, que é livre, em princípio, a resolução só é admitida com fundamento na lei ou em convenção das partes.
Segundo Galvão Telles[6], o actual código:
a) usa muitas vezes o termo resolução para significar a cessação dos efeitos do contrato por iniciativa de uma das partes – em regra, mas não necessariamente, com retroactividade.
b) mas que também há casos em que fala de resolução a propósito da cessação automática dos efeitos do contrato, portanto de uma cessação que se opera sem intervenção do querer de qualquer dos sujeitos.
E refere ainda em nota (pág. 383) o mesmo autor: é frequente autonomizar, como um modo específico de cessação dos efeitos do contrato, a denúncia - declaração dirigida por uma das partes à outra com vista a pôr termo a um contrato de duração indeterminada ou evitar a renovação de um contrato que sem ela se operaria... Mas, verdadeiramente, a denúncia reconduz-se à resolução, que põe fim a um contrato em vigor, ou ao mero afastamento, previsto na lei, da proibição, por esta estabelecida, de renovação de um contrato por natureza renovável.
E conclui, dizendo que falta ao Código, em toda esta matéria, uma nomenclatura unitária e coerente.
“A revogação do contrato consiste também numa destruição voluntária da relação contratual pelos próprios autores do contrato. Mas assenta no acordo dos contraentes posterior à celebração do contrato, com sinal oposto ao primitivo (no contrarius consensus)”[7]. E exprime, em regra, um poder discricionário, não necessitando as partes, no caso da revogação bilateral, ou o revogante, no caso da revogação unilateral, de invocar qualquer justificação para a destruição da relação negocial.
«A denúncia analisa-se na manifestação da vontade de uma das partes, em contratos de prestação duradoura, dirigida à sua não renovação ou continuação. Apresenta, assim, duas características: é exclusiva dos contratos com prestações duradouras e deve fazer-se para o termo do prazo da renovação destes, salvo tratando-se de contratos por tempo indeterminado»[8].
 No arrendamento para habitação, a faculdade de denúncia está previsto no artigo 1097.º, para o senhorio, e no artigo 1098.º, para o arrendatário (nos contratos com prazo certo). Relativamente aos contratos de duração indeterminada a denúncia está prevista nos artigos 1099.º e seguintes.
8. A denúncia ou oposição à renovação pelo arrendatário está prevista no artigo 1098.º e é livre, apenas havendo que respeitar os prazos aí previstos.
A resolução só é permitida com fundamento na lei ou em convenção. No caso em apreço não existe convenção nesse sentido, pelo que apenas poderia ser feita validamente com fundameno na lei. E para o efeito regem os artigos 1083.º e seguintes.
Ora, os RR invocam a falta de condições de habitabilidade do andar.
Conforme preceituado no n.º 1 do artigo 1083.º qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte. E estabelece o seu n.º 4: «é fundamento de resolução pelo arrendatário, designadamente, a não realização pelo senhorio de obras que a este caibam, quando tal omissão comprometa a habitação do locado».
Trata-se, pois de um caso de resolução.
A questão está em saber se os ora recorrentes tinham razões que justificassem a resolução.
Foi dito a propósito na sentença recorrida:
«O facto invocado na comunicação foi a falta de fornecimento de gás.
Conforme recorre da factualidade apurada ocorreu, na pendência do contrato, a necessidade de uma vistoria às condutas e instalações de gás (ponto 6 e 7), tendo os RR. sido informados dessa necessidade. Tal vistoria foi efectivamente realizada. Não se apurou, contudo, se o gás foi efectivamente cortado no âmbito dessa vistoria e se, tendo ocorrido o invocado corte, os RR. comunicaram tal facto à A.
Incumbia aos RR. terem probatoriamente demonstrado na presente acção o invocado fundamento de resolução, com assento legal no art. 1083º do Código civil, o que não fizeram.
Pelo exposto, a referida comunicação não pode deixar de ser entendida como uma denúncia do contrato (art. 1098º do C.C.).»

Posição diferente assumem os RR, conforme conclusões A) a I) das alegações deste recurso.
Pretendem, pois, os RR que se dê como provado que o andar não dispunha de condições de habitabilidade por o gás ter sido fechado. Para tanto invocam os docs. de fls. 134 e 135 e os depoimentos das testemunhas M… e A….
Pelos documentos juntos verifica-se que o gás foi cortado em 6 de Maio de 2008 e deles consta, designadamente: “Inst. com fuga a jusante val. cort. caldeira, mang fora de prazo”.
E aquelas testemunhas depuseram no sentido de que o gás se manteve cortado desde os princípios de Maio até à entrega do local arrendado.
Sucede, porém, que não foram apuradas as razões do fecho do gás. Não se demonstra, nomeadamente, se as obras não foram feitas por razões imputadas à senhoria. Não basta alegar, e mesmo provar, que o gás foi cortado, sendo também necessário averiguar as razões desse facto.
Consequentemente, não ficou demonstrado que o andar não dispunha de gás por razões imputadas à autora. A dona do andar só pode ser responsabilizada pela falta de gás se dela tiver conhecimento, por um lado e, por outro, sabendo-o, se os condóminos lhe permitiram a realização das obras.
Apenas pode justificar a resolução do contrato com este fundamento.
Portanto, não lograram os RR provar factos justificativos da resolução do contrato.
Não é suficiente fazer a prova de que o gás foi cortado. Além disso seria necessário que a senhoria de opusesse a que fosse aberto, pois a simples falta de gás durante um curto período de tempo não justificaria a resolução do contrato de arrendamento. De resto, como se viu, já antes do fecho do gás os RR se tinham constituído em mora em relação ao pagamento de parte das rendas.
Consequentemente, não assiste razão aos RR para a invocada resolução com “justa causa”.
9. «O contrato de arrendamento urbano para habitação pode celebrar-se com prazo certo ou por duração indeterminada» (artigo 1094.º, n.º 1). Porém, o contrato com prazo certo, em princípio, renova-se automaticamente, mas, qualquer das partes pode opor-se à sua renovação nos termos dos artigos 1097.º e 1098.º (artigo 1096.º)
Assim, nos termos do artigo 1098º, nº 2, e da cláusula 2ª do contrato de arrendamento, assistia aos RR a faculdade de se opor à renovação, mediante comunicação ao senhorio com uma antecedência não inferior a 120 dias.
Tendo em consideração que os RR pretenderiam resolver o contrato, mas que não provaram as razões invocadas para o efeito, tudo se passa com se pretendessem opor-se à renovação.
Há acordo entre as partes quanto ao não cumprimento do prazo legal e contratual previsto para o aviso de denúncia. A carta está datada de 28 de Junho de 2008 para produzir efeitos no dia 31 de Julho do mesmo ano.
Foi considerado na douta sentença:
Pelo exposto e em consonância com o nº 3 do art. 1098º do C.C., constituíram-se os RR. na obrigação de procederem ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta.
Deverá, pois, proceder o pedido da A. relativo ao incumprimento do prazo do pré-aviso de denúncia.
 Todavia, os RR consideram ter fundamentos válidos para a resolução do contrato, pelo que defendem:
- Resolvido o contrato não é devido o pagamento do pré-aviso referido no artigo 1098.º do Código Civil.
- Assim como não é devida a penalização de 50% das rendas em atraso sobre o montante eventualmente devido pelo pré-aviso em falta.
- Os montantes referidos no n.º 3 do artigo 1098.º do Código Civil não são cumuláveis e nada têm a ver com a penalidade do artigo 1041.º.
Vejamos.       
É claro que a falta de gás pode pôr em causa a habitabilidade do andar. Mas não é uma falta temporária que justifica a resolução do contrato de arrendamento. E, com interesse para esta questão apenas ficou provado:
- Os RR. foram informados de que deveriam facultar o acesso à fracção a técnicos, a fim de ser efectuada vistoria às condutas e instalações de gás;
- Após compatibilização dos horários dos RR. com os dos técnicos foi realizada a vistoria, tendo sido entregue aos RR. no acto da vistoria o relatório cuja cópia se encontra a fls. 135 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
Improcedem assim os fundamentos invocados pelos apelantes.
10. Como vimos, aquela carta tem a data de 28 de Junho de 2008 para produzir efeitos no dia 31 de Julho de 2008. Mas, a denúncia tinha de ser feita com 120 dias de antecedência (4 meses). Tendo em consideração que esta só foi feita com um mês, estariam em dívida 3 meses de renda (artigo 1098.º, n.º 3). Com efeito estabelece esta disposição normativa: «A inobservãncia da antecedência prevista nos números anteriores não obsta à cessação do contrato, mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta». Portanto, o contrato cessa, mas o arrendatário continua obrigado a pagar as rendas durante este prazo.
Em relação ao mês de julho alegam os RR: [n]os termos do n.º 2 da cláusula 3.ª do contrato de arrendamento, pagando os RR. a renda no 1.º dia útil do mês anterior a que respeita, o pagamento do mês de Julho já estava antecipadamente feito, pelo que o mesmo não é devido e, logicamente, também não é devida a penalização dos 50% sobre o mesmo.
Salvo o devido respeito não têm razão.
Os RR tinham que pagar não só a renda de julho como, em princípio, as de Agosto, Setembro e Outubro. Depois teriam direito a receber o montante da caução prestada.
11. Mas os RR entregaram o andar em 30 de Julho e a autora pediu a entrega para o dia 31. Perante estes factos justificar-se-á o pagamento das rendas de Agosto, Setembro e Outubro e respectiva indemnização?
Da leitura do n.º1 do artigo 1041º não resulta que o pagamento da indemnização apenas seja obrigatório quando o locatário mantém ou pretende manter o arrendamento
Pode ler-se a este propósito no acórdão do STJ de 19.09.2006 (Revista n.º 2597/06- disponível na Internet):
«O direito à indemnização pela mora está sujeito à condição (resolutiva) de o senhorio não obter a resolução efectiva do contrato por falta de pagamento de renda.
Não ocorrendo a resolução com esse fundamento, o locatário fica onerado por essa indemnização de 50% seja para fazer caducar o direito à resolução (com aquele fundamento) – mantendo-se no locado – seja por ressarcir o senhorio pela sua mora.
Assim vem decidindo este Supremo Tribunal em vários arestos (v.g. os Acórdãos de 22 de Junho de 1999 – BMJ 488-345 – “O direito à indemnização do artigo 1041º nº1 do Código Civil, existe sempre que haja situação de mora no pagamento de rendas, salvo quando o senhorio opte pela resolução do contrato com base nessa causa e o contrato for resolvido com base em tal fundamento.”; de 3 de Julho de 1997 – 96B933 – “A falta de pagamento das rendas, se não servir para resolver o contrato é sancionada com o nº1 do artigo 1041º (do Código Civil) ou seja, com o dever de indemnização de 50% à qual não acrescerão juros de mora.”; de 11 de Outubro de 2005 – 04B4383 – “não deriva, de resto, da lei que o pagamento da indemnização apenas seja obrigatório quando o locatário mantém ou pretende manter o arrendamento, pelo que o referido direito do locador se não extingue se o locatário, voluntariamente, ainda que na pendência da acção de despejo, abandonar ou entregar o locado.”).»
Assim, o n.º 1 do art. 1041º concede ao locador o direito à indemnização aí referida, desde a mora, sob condição (resolutiva) de aquele não obter a resolução do contrato com base na falta de pagamento da renda. O direito a esta indemnização existe, pois, sempre que haja situação de mora no pagamento de rendas, salvo quando o senhorio opte pela resolução do contrato com base nessa causa e o contrato for resolvido com base em tal fundamento.
Como foi decidido no acórdão do STJ de 27.05.2004 (O4B4383) «não deriva, de resto, da lei que o pagamento da indemnização apenas seja obrigatório quando o locatário mantém ou pretende manter o arrendamento, pelo que o referido direito do locador se não extingue se o locatário voluntariamente, ainda que na pendência da acção de despejo, abandonar ou entregar o locado».
Sucede porém que, no caso sub judice, a senhoria pediu a entrega do andar para o dia 31 de Julho. E os RR procederam à sua entrega no dia 30 desse mesmo mês.
Parece-nos que, nestes casos, não se justifica o pagamento das rendas relativas aos três meses da falta de aviso prévio. Com efeito é incompatível o pedido de entrega do andar e o pedido de pagamento de rendas. Nos casos referidos naqueles arestos, a entrega do locado terá sido feito voluntariamente pelo arrendatário. No caso de que nos ocupamos, como vimos, a senhoria pediu a entrega do andar e os locatários procederam a essa entrega com um dia de antecedência.
12. Provou-se igualmente que os RR. não procederam ao pagamento das despesas de água e electricidade, no valor de € 218.26 e 57.74, respectivamente. E na douta sentença, foi dito: “considerando que tais consumos foram por estes [os RR] efectuados, deverá igualmente proceder o pedido formulado pela A”.
Os RR alegam, porém, que não se provou que fossem eles os responsáveis pelo pagamento dos consumos da água, competindo à autora fazer tal prova, não podendo, por isso, serem eles condenados a efectuar o seu pagamento.
A autora, a este propósito, alegou somente: «ao invés do que consta do contrato, abandonaram os RR o locado sem liquidar as despesas de água e electricidade, o que determina serem devedores da A no montante global de euros 218,26 no que importa a débito da E…. (…) e euros 57.74 à EDP…»
Os RR contestaram o débito à E… (218,26) com o fundamento de que o documento junto refere consumos acumulados, alguns anteriores ao arrendamento.
Portanto, não há qualquer dúvida em relação ao pagamento à D… (57,74). Mas têm os RR razão na parte relativa à E…, pois, dos documentos juntos aos autos, não é possível averiguar as datas dos consumos e, portanto, as quantias da sua responsabilidade.
De resto, como se viu, apenas ficou provado que os RR. não procederam ao pagamento das despesas de água e electricidade, no valor de € 218.26 e € 57.74 respectivamente. Este facto, só por si, não prova que sejam os RR responsáveis pelo seu pagamento.
É certo que os RR consumiram água durante o tempo que ocuparam o andar, Mas competia à autora fazer a prova dos consumos da responsabilidade dos RR (artigo 342.º, n.º 1).
13. Autora e RR deduziram, reciprocamente, pedido de condenação por litigância de má-fé.
Nos termos do nº 2 do art. 456º do Código de Processo Civil, «diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão».
Ao contrário da versão anterior às alterações introduzidas pelos D.L 329-A/95 de 12.12. e 180/96 de 25.09., com a actual redacção do art. 456º do Código de Processo Civil, passaram a ser punidas não só as condutas dolosas, mas também as gravemente negligentes. Como refere António Geraldes em Temas Judiciários Vol. I., pág. 313 “é neste contexto, concerteza fruto da degradação dos padrões de actuação processual e do uso dos respectivos instrumentos, que, a par do realce dado ao princípio da cooperação e aos deveres de boa-fé e de lealdade processuais, surge a necessidade de ampliar o âmbito de aplicação do instituto, assumindo-se claramente que a negligência grave também é causa de condenação como litigante de má-fé”.
Foi referido na douta sentença:
«Conforme decorre da contestação, estes fundamentaram a sua oposição à acção na falta de condições de habitabilidade do imóvel e invocaram, por esse motivo, o direito à redução da renda.
Resultou com clareza da prova produzida, conforme decorre da fundamentação da matéria de facto provada e não provada, que a falta de pagamento de parte das rendas não se deveu a qualquer falta de condições de habitabilidade do imóvel.
Pelo exposto, não podemos deixar de concluir que os RR. deduziram oposição cuja falta de fundamento não podiam ignorar e fizeram-no conscientemente.
Justifica-se, pois, condenar os RR. como litigantes de má-fé, nos termos do art. 456 nº 2 al. a) do Código de Processo Civil».

Salvo melhor opinião, não se justifica a condenação dos RR como litigantes de má-fé.
Os RR alegaram factos[9] que, em seu entender justificavam o não pagamento da totalidade das rendas. Não lograram, porém, fazer a respectiva prova. Mas também não foi feita prova do contrário. Não nos parece, pois, que os RR tenham deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não deviam ignorar, ou que tenham alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa.
14. Do artigo 41 da PI consta que é devida a quantia total de 9.057,00 euros.
Os apelantes dizem que a soma dos artigos 38, 39 e 40 não perfaz € 9.057,00, mas sim € 8.781,00, e que há que reduzir o valor da caução.
Têm razão os RR. Todavia, se somarmos as quantias relativas à E… e à D… (276,00 euros no total) obteremos aquele mesmo montante (9.057,00 euros).
Assim, tendo em consideração que não é devida a quantia de 218,26 relativa à E---, e que há que proceder à devolução da caução, terá que ser deduzida a quantia de 1.138,26 (920,00+218,26), ou seja, os RR teriam de pagar € 7.918,74 (isto é 9.057,00 -1.138,26).
Mas, como vimos, também não são devidas as rendas relativas aos meses de Agosto, Setembro e Outubro (2.829,00) e, por maioria de razão, os 50% a título de indemnização pela mora (1.414,50).
Assim há que deduzir o montante de € 4.243,50 (2.829,00+1.414,50) pelo que apenas será devida a quantia de € 3.675,24 acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.
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Por todo o exposto acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, vão os RR condenados a pagar ao autor a quantia de € 3.675,24 acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento, indo os mesmos absolvidos da restante parte do pedido.

Custas na proporção do vencido em ambas as instâncias.

Lisboa, 11 de Setembro de 2012.

José David Pimentel Marcos.
Tomé Gomes.
Maria do Rosário Morgado.
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[1]  Diploma do qual serão todos os artigos que forem referidos, sem indicação doutra origem.
[2]  RLJ Ano 119, págs. 137 e segs.
[3]  Idem ibidem
[4] Teoria Geral da Relação Jurídica 66/67, pag. 351.
[5] Das Obrigações em Geral, vol. II pág. 242 - 3ªedição.
[6] Dos Contratos em Geral, pág. 382.
[7]  A. Varela – Das Obrigações em Geral, vol. II, pág. 244.
[8]  Mário Júlio Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9.ª Edição, Almedina, 2005.
[9]  Como resulta da contestação não foi invocado apenas a falta do gás.