DESPACHO LIMINAR
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
INDEFERIMENTO LIMINAR
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
Sumário

Conhecida e declarada a incompetência do tribunal em razão da matéria, no despacho liminar, não é caso de absolvição dos RR. da instância mas antes de indeferimento liminar da petição inicial (artigos 105º/1 e 234º-A/1 CPC).

Texto Integral

Acordam, na Secção Cível da Relação de LISBOA:

AA…, com sede em Lisboa, inconformada com o Despacho (proferido em 13/10/2011 pelo juiz do (…) Cível de Lisboa – 1ª Secção) que, na acção de impugnação judicial por ela intentada nos Juízos Cíveis de Lisboa contra BB…CC e DD…, julgou verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal e, consequentemente, absolveu os Réus da instância (nos termos dos artigos 493º, n.ºs 1 e 2, 494º, alínea a) e 495º, do Código de Processo Civil), interpôs recurso da mesma, que foi recebido como de apelação, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo (arts. 106º do Cód. Registo Comercial, e 691º-A, nº 1, al. a), do Cód. Proc. Civil, na redacção introduzida pelo DL 303/2007, de 24 de Agosto), tendo rematado as alegações que apresentou com as seguintes conclusões:
«I. No despacho proferido em 13 de Outubro de 2011 o Tribunal de recorrido proferiu despacho de absolvição dos Réus da instância, por ter julgado verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal, por considerar que nos termos do artigo 89.º, n.º 2 al. b) da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais é da competência dos Tribunais do Comércio apreciar as impugnações dos despachos dos Conservadores do Registo Comercial.
II. Embora o despacho recorrido não exponha claramente quais foram as normas legais aplicadas, determina o artigo 288.º n.º 1 al. (a) do CPC que o Tribunal deve abster-se de conhecer o pedido, e absolver o Réu da instância, nas situações em que seja julgada procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal, a qual terá por consequência nos termos do disposto no artigo 289.º do CPC, a concessão ao Autor da possibilidade de interpor uma nova acção no prazo de trinta dias após o trânsito em julgado do despacho de absolvição da instância, sendo aproveitados os efeitos civis decorrentes da interposição da acção, sem prejuízo do disposto na lei civil sobre prescrição e caducidade de direitos.
III. No despacho recorrido, o Tribunal ordenou a notificação da Autora para exercer o direito de requerer a remessa do processo para o Tribunal onde a acção deverá ser proposta, nos termos do n.º 2 do artigo 105.º do CPC, contudo, nos termos do n.º 2 da norma referida, esta regra só poderá ser aplicada se a excepção de incompetência for conhecida depois de finda a fase dos articulados, o que só acontece depois de exercido o direito de resposta pelos Réus, momento em que é iniciada a fase de apreciação liminar, nos termos do artigo 508.º do CPC.
IV. Ora, quando foi proferido o despacho recorrido, não tinha terminado a fase dos articulados na presente acção, tendo em consideração que nenhum dos Réus (AA…, BB… e CC….), contra quem foi proposta a acção, haviam sido citados, para que pudessem por aplicação do princípio do contraditório, previsto no artigo 3.º do CPC exercer o respectivo direito ao contraditório, e pôr em causa os argumentos expostos pela Autora na PI.
V. Nos termos do artigo 93.º do Código do Registo Comercial (doravante CRC), uma vez recebida a acção de impugnação judicial da decisão do Sr. Conservador, o Tribunal deverá ordenar a notificação dos interessados para no prazo de dez dias impugnarem os fundamentos da impugnação judicial, sendo que, na PI apresentada são Réus todos os interessados que podem ser afectados com o deferimento da acção (BB…, Autor do recurso hierárquico; CC…, que emitiu o despacho objecto de recurso hierárquico e por fim DD…, titular do registo da providência cautelar de arresto, que será afectado pelo deferimento do pedido formulado pela Autora).
VI. Nos termos do disposto nos artigos 85.º e 86.º do Código do Registo Comercial, os interessados (designadamente DD…) teriam necessariamente de ser chamados para se pronunciar sobre o pedido de rectificação de registo, porque na verdade, se o pedido formulado pela Autora for julgado procedente e for rectificado o registo da cessão de quotas realizado pela Autora, passando do mesmo a constar que foi concretizado às 12:47 minutos do dia 25-11-2010, o registo da cessão de quotas realizada pela Autora passará a gozar de prioridade em relação ao registo da providência cautelar efectuado pelo Réu, nos termos do artigo 12.º do Código do Registo Comercial, ficando deste forma afectado o direito deste.
VII. Nestes termos, nunca poderia ter tido lugar nos presentes autos a aplicação do artigo 93.º n.º 2 do CRC, uma vez que, estando em causa o direito do Réu decorrente da prioridade de registo da providência cautelar, nos termos do artigo 12.º do CRC, este teria sempre necessariamente de ser citado para exercer o direito ao contraditório, e só depois de exercido o referido direito por parte de todos os Réus, o processo poderia ir com vista ao Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 93.º n.º 1 do CRC, sendo absolutamente inadmissível e violador do princípio do contraditório, o entendimento em sentido contrário.
VIII. Nos termos do n.º 1 do artigo 93.º do CRC, a citação dos Réus para impugnar os fundamentos resultantes da impugnação judicial, deverá ser precedida de despacho do Tribunal, o que significa que a citação deverá ser precedida de despacho liminar, o que significa que o conhecimento da excepção dilatória de incompetência absoluta, levaria nos termos do n.º 1 do artigo 234.º-A do CPC ao indeferimento liminar da PI, e a consequente concessão de um prazo de dez dias ao Autor para apresentar nova acção, nos termos do artigo 476.º do CPC, aplicável por remissão do n.º 1 do citado artigo 234.º-A do CPC.
IX. Ademais, nos termos do artigo 111.º n.º 1 do CRC a interposição da impugnação judicial da recusa de registo deverá ser imediatamente anotada a seguir ao registo da cessão de quotas cuja rectificação foi pedida, ao que acresce que a impugnação será sempre sujeita a registo, nos termos do artigo 9.º al. (b) e artigo 3.º al. (c) do CRC, regra que é justificada pela importância dos fins do registo comercial, nos termos do artigo 1.º do CRC, que se destina a tornar público, designadamente, o direito de propriedade dos titulares das participações sociais nas sociedades por quotas.
X. Ora, sendo a acção sujeita a anotação e registo comercial, a mesma deverá ser anunciada nos termos do n.º 4 al. (c) do artigo 234.º do CPC, através do registo na CC, o que significa que nos termos do n.º 4 do referido artigo 234.º a citação dos Réus para se pronunciarem sobre o pedido de rectificação, deverá ser precedida de despacho judicial, o que significa que nos termos do artigo 234.º-A n.º 1 do CPC, julgada procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta, o Tribunal deveria ter proferido despacho de indeferimento liminar da PI, nos termos do n.º 1 do artigo 105.º do CPC, concedendo ao Autor o benefício de gozar de um prazo de dez dias para interpor nova acção, nos termos do artigo 234.º-A n.º 1 e do artigo 476.º do CPC.
XI. Ainda caso assim não se entenda, o que só por mera cautela de patrocínio se concebe, nos termos do n.º 5 do artigo 234.º-A do CPC ainda que se admitisse que a acção poderia não ser susceptível de despacho liminar, (posição que contrariaria o n.º 1 do artigo 93.º do CRC) antes da citação dos Réus a Secretaria deveria sempre ter submetido a acção à apreciação liminar do Tribunal, por faltar manifestamente um pressuposto processual insuprível, a competência material do Tribunal, o que levaria necessariamente à emissão de despacho liminar, nos termos do n.º 1 do artigo 234.º- A do CPC, por remissão do n.º 5 da mesma norma legal.
XII. Tendo em consideração que nos termos do n.º 6 do artigo 161.º do CPC os actos praticados pela Secretaria não podem em caso algum prejudicar as partes, sendo procedente a excepção de incompetência absoluta do Tribunal, e tendo o processo sido sujeito à apreciação do Tribunal antes do termo da fase dos articulados, como aliás decorre expressamente das normas legais citadas, deveria o Tribunal ter proferido despacho de indeferimento liminar da petição inicial, concedendo ao Autor um prazo de dez dias para interpor uma nova acção, aproveitando o prazo de interposição da primeira, nos termos do artigo 234.º-A n.º 1 e do artigo 476.º do CPC.
XIII. Ademais, a mesma interpretação é determinada pelo princípio da legalidade e ainda pelo princípio da tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, que determina que o Tribunal deve sempre optar pela solução que determine a salvaguarda do direito das partes à interposição da acção, ao que acresce que conforme exposto na presente PI é esta solução que resulta da conjugação do CRC com o CPC, com as consequências previstas nos artigos 234.º-A n.º 1 e 476.º do CPC.
XIV. Termos em que, com os fundamentos expostos, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado, sendo por conseguinte, revogado o despacho recorrido, nos termos expostos, sendo o mesmo substituído por decisão que determine o indeferimento liminar da PI apresentada pela Autora, com as consequências legais previstas nos artigos 234.º-A n.º 1 e 476.º do CPC, sendo concedido ao mesmo o direito de interpor uma nova acção, no prazo de dez dias após o transito em julgado acórdão que será proferido.

TERMOS EM QUE REQUER A V. EXAS. QUE O PRESENTE RECURSO SEJA JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO, E QUE POR CONSEGUINTE SEJA REVOGADO O DESPACHO RECORRIDO, SENDO O MESMO SUBSTITUÍDO POR DECISÃO QUE DETERMINE O INDEFERIMENTO LIMINAR DA PI APRESENTADA PELA AUTORA, COM AS CONSEQUÊNCIAS PREVISTAS NOS ARTIGOS 234.º-A N.º 1 E 476.º DO CPC, SENDO CONCEDIDO À MESMA O DIREITO DE INTERPOR UMA NOVA ACÇÃO, NO PRAZO DE DEZ DIAS APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO DO ACÓRDÃO QUE SERÁ PROFERIDO».

Não foram apresentadas contra-alegações.


O  OBJECTO  DO  RECURSO

Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].


Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º, 1ª parte, do C.P.C., aplicável ex vi do art. 713º, nº 2, do mesmo diploma) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 660º, nº 2, do C.P.C., ex vi do cit. art. 713º, nº 2).
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pela Autora ora Apelante que o objecto do presente recurso está circunscrito a uma única questão:
1) Se, caso o tribunal conheça oficiosamente da excepção dilatória de incompetência em razão da matéria logo no despacho liminar, antes de haver lugar à citação do(s) réu(s) para os termos da causa, a procedência de tal excepção não dá lugar à absolvição do(s) réu(s) da instância, mas antes ao Indeferimento Liminar da Petição Inicial, nos termos do Art. 105º-1 do Código de Processo Civil, podendo o autor apresentar uma nova Petição Inicial, no decêndio subsequente ao trânsito em julgado do Despacho de Indeferimento Liminar (nos termos dos Arts. 234º-A, nº 1, e 476º do mesmo diploma).

A  DECISÃO  RECORRIDA
O despacho que constitui objecto do presente recurso de apelação é do seguinte teor :

«DESPACHO SANEADOR

O Tribunal é competente em razão da nacionalidade e da hierarquia.
*
DA INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA

AA… intentou a presente acção de impugnação judicial contra BB…, CC… e DD….
Alega, em síntese, que, não concordando com a hora em que foi registada determinada cessão de quotas, apresentou junto da CC… pedido de rectificação do registo, o qual foi indeferido por despacho da Srª Conservadora de 11/04/2011. Apresentou recurso hierárquico, o qual foi indeferido.
Pede seja anulado o despacho de indeferimento do recurso hierárquico e seja a CC… condenada a rectificar o registo por depósito efectuado pela Autora.
*
Tendo vista nos autos, o Ministério Público pronunciou-se nos termos constantes de fls. 65-69.
*
A incompetência em razão da matéria traduz-se numa incompetência absoluta que determina a absolvição do réu da instância (cfr. arts. 101º, 105º, nº 1, do Cód. Proc. Civil).
O art. 89º, nº 2, al. b), da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, dispõe que compete aos tribunais de comércio julgar “As impugnações dos despachos dos conservadores do registo comercial (…)”.
Tal preceito atribui, assim, expressamente, aos tribunais de comércio a competência para julgar a questão em apreço nos presentes autos.
*
Pelo exposto, e sem necessidade de outras considerações, julgo verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta deste Tribunal e, consequentemente, absolvo os Réus da instância.
*
Custas pela Autora.
Registe e notifique, sendo ainda a Autora para os efeitos do disposto no nº 2 do art. 105º do Cód. Proc. Civil.»

FACTOS  PROVADOS
Mostram-se provados os seguintes factos, com relevância para o julgamento do mérito do presente recurso:

1) A Autora ora Apelante, não concordando com a hora em que foi registada determinada cessão de quotas, apresentou, junto da CC…, pedido de rectificação do registo, o qual foi indeferido por despacho da Srª Conservadora de …/…/….

2) Inconformada com tal indeferimento, a ora Apelante apresentou recurso hierárquico, o qual foi indeferido.

3) Uma vez mais irresignada, a ora Apelante intentou, nos Juízos Cíveis de Lisboa, acção de impugnação judicial da qualificação do registo, com submissão à forma de processo comum, sumária, contra BB…, CC… e DD….

4)  Tendo o MINISTÉRIO PÚBLICO exarado nos autos o parecer aludido no Art. 105º-1 do Código do Registo Comercial, o juiz do 5º Juízo Cível de Lisboa, por despacho proferido em 13/10/2011, julgou verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal e, consequentemente, absolveu os Réus da instância.

O  MÉRITO  DO  RECURSO

Se, caso o tribunal conheça oficiosamente da excepção dilatória de incompetência em razão da matéria logo no despacho liminar, antes de haver lugar à citação do(s) réu(s) para os termos da causa, a procedência de tal excepção não dá lugar à absolvição do(s) réu(s) da instância, mas antes ao Indeferimento Liminar da Petição Inicial, nos termos do Art. 105º-1 do Código de Processo Civil, podendo o autor apresentar uma nova Petição Inicial, no decêndio subsequente ao trânsito em julgado do Despacho de Indeferimento Liminar (nos termos dos Arts. 234º-A, nº 1, e 476º do mesmo diploma).

A única questão submetida à apreciação desta Relação, nas prolixas Conclusões que rematam a alegação de recurso apresentada pela ora Apelante AA…, é a de saber se, como o tribunal “a quo” entendeu conhecer oficiosamente da excepção dilatória de incompetência em razão da matéria, julgando-a procedente, logo no Despacho Liminar, antes de ter tido lugar a citação dos vários réus para os termos da presente acção, não era caso de absolvição dos réus da instância – como o seria se o conhecimento desta excepção dilatória tivesse lugar no termo dos articulados, após a audição dos réus -, mas antes de Indeferimento Liminar da petição inicial, nos termos do Artigo 105º, nº 1, do Código de Processo Civil, com a consequência daí decorrente de que a ora Autora/Apelante poderia sempre apresentar uma nova petição inicial, nos dez dias imediatamente subsequentes ao trânsito em julgado do aludido despacho de Indeferimento Liminar, no uso da faculdade conferida pelo Art. 476º do mesmo Código (aqui aplicável ex vi do nº 1 do Art. 234º-A do mesmo diploma).
Quid juris ?
Estatui o art. 105º-1 do CPC (na redacção actualmente em vigor, emergente da Reforma introduzida no Código de Processo Civil pelo DL. nº 329-A/95, de 12-XII, e pelo DL. nº 180/96, de 25-IX) que:
A verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar.”.
A alteração introduzida na redacção deste preceito pelo cit. DL. nº 329-A/95 visou adequá-lo à circunstância de, actualmente, em processo declaratório, não existir – sempre e necessariamente – despacho liminar[5]. Como se sabe, actualmente [isto é, desde a Reforma de 1995/1996], apenas há lugar ao despacho liminar nos casos especialmente previstos no art. 234º- 4[6], sem prejuízo do disposto no art. 234º-A-5 [aditado pelo DL. nº 38/2003, de 8 de Março]: “Nas acções em que não deva ter lugar o despacho liminar, a secretaria pode suscitar a intervenção do juiz quando se lhe afigure manifesta a falta dum pressuposto processual insuprível de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto nos números anteriores.”.
«Assim sendo, o indeferimento liminar, com fundamento na manifesta incompetência absoluta do tribunal, apenas terá lugar quando a tramitação da causa comportar a prolação de um tal despacho, nos termos dos artigos 234º, nº 4, e 234º-A»[7].
A razão pela qual a incompetência absoluta não dá lugar à absolvição da instância quando conhecida e declarada no momento do despacho liminar é assim explicada por LEBRE DE FREITAS – JOÃO REDINHA – RUI PINTO (in ob., vol. e loc. citt.): «A instância, embora se inicie com a propositura da acção, apenas se aperfeiçoa, como dispõe o art. 267º-2, com a citação do réu». «Assim, se o processo comportar despacho liminar e o juiz, ao proferi-lo, julgar o tribunal absolutamente incompetente, a petição inicial é liminarmente indeferida, nos termos do art. 234º-A-1, pois não faria sentido a absolvição da instância dum réu perante o qual a propositura da acção ainda não houvesse produzido efeito» (JOSÉ LEBRE DE FREITAS - JOÃO REDINHA - RUI PINTO, ibidem).
Assim sendo, forçoso se torna concluir que, no caso dos autos, como o tribunal “a quo” julgou o tribunal incompetente em razão da matéria logo no Despacho liminar, antes de ter lugar a citação dos réus para os termos da acção declaraiva de condenação com processo comum, na forma sumária, intentada pela ora Apelante, devia ter-se limitado a indeferir liminarmente a respectiva Petição Inicial, nos termos das disposições conjugadas dos citt. Arts. 105º-1 e 234º-A-1 do CPC, em lugar de decretar a absolvição dos réus da instância.
A circunstância de o despacho ora sob censura ser encimado pela epígrafe “DESPACHO SANEADOR” não altera minimamente os dados da questão.
Tal epígrafe é manifestamente enganadora, porquanto, independentemente do seu teor, do que se tratou foi, inequivocamente, dum Despacho Liminar, proferido imediatamente após o MINISTÉRIO PÚBLICO haver exarado  nos autos o Parecer aludido no art. 105º-1 do Código do Registo Comercial, e antes de ter lugar a citação de qualquer dos Réus (…) para os termos da causa.
Assente, pois, que a Incompetência Material (que não é senão uma das modalidades da chamada Incompetência Absoluta do Tribunal: cfr. o Art. 101º do CPC) foi, in casu, conhecida e declarada logo em sede de Despacho Liminar (e não após a citação dos réus para os termos da acção), não era caso de absolvição dos réus da instância, mas antes de Indeferimento Liminar da Petição Inicial.
Consequentemente, o despacho recorrido (no segmento em que decretou a absolvição dos reús da instância, como corolário da procedência da excepção dilatória de incometência em razão da matéria do tribunal “a quo”), não pode subsistir, impondo-se revogá-lo e determinar a sua substituição, no tribunal de 1ª instância, por outro que indefira liminarmente a Petição Inicial, nos termos das disposições conjugadas dos Arts. 105º-1 e 234º-A-1 do CPC, como todas as consequências processuais daí decorrentes (designadamente, a possibilidade de a Autora ora Apelante apresentar uma nova Petição Inicial, nos dez dias subsequentes ao trânsito em julgado do aludido despacho de indeferimento liminar da PI, ex vi do disposto nos citt. Arts. 476º e 234º-A, nº 1, do CPC).
Eis por que a apelação da Autora não pode deixar de proceder, quanto à única questão suscitada nas conclusões da respectiva alegação de recurso.


DECISÃO
Acordam os juízes desta Relação em conceder provimento ao presente recurso de Apelação, revogando o Despacho recorrido e ordenando que o mesma seja substituído, no tribunal de 1ª instância, após a baixa do processo, por outro que, julgando verificada a excepção dilatória de incompetência material dos Juízos Cíveis de Lisboa para conhecer dos pedidos formulados pela Autora/Apelante contra os Réus/Apelados, na presente acção, indefira liminarmente a Petição Inicial, nos termos das disposições conjugadas dos Arts. 105º-1 e 234º-A-1 do CPC.
Não são devidas Custas pelo presente recurso de apelação.

Lisboa, 11 de Setembro de 2012

Rui Vouga
Maria do Rosário Barbosa
Rosário Gonçalves
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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).
[5] Cfr., explicitamente neste sentido, CARLOS LOPES DO REGO (in “Comentários ao Código de Processo Civil”, Vol. I, 2ª ed., 2004, p. 126) e JOSÉ LEBRE DE FREITAS - JOÃO REDINHA - RUI PINTO (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, 2ª ed., 2008, p. 204).
[6]A citação depende, porém, de prévio despacho judicial:
a) Nos casos especialmente previstos na lei;
b) Nos procedimentos cautelares e em todos os casos em que incumba ao juiz decidir da prévia audiência do requerido;
c) Nos casos em que a propositura da acção deva ser anunciada, nos termos da lei;
d) Quando se trate de citar terceiros chamados a intervir em causa pendente;
e) No processo executivo, nos termos do n.º 5 do artigo 812.º-E e do n.º 2 do artigo 812.º-F;
f) Quando se trate de citação urgente, que deva preceder a distribuição”.
[7] CARLOS LOPES DO REGO, ibidem.