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CONTRATO DE TRABALHO
CARTEIRA PROFISSIONAL
CADUCIDADE DO CONTRATO
Sumário
I – O cartão “Aeroporto” emitido pela ANA – Aeroportos de Portugal SA constitui um título com valor equivalente à carteira profissional. II – O mero indeferimento da atribuição de 2.ª via do mencionado cartão não constitui fundamento de caducidade do contrato de trabalho.
Texto Parcial
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
AA instaurou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum laboral contra SERVIÇOS PORTUGUESES DE HANDLING, S.A., com sede no Aeroporto de Lisboa, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 10.000,00 a título de indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais; a reintegrar o A., e a pagar-lhe todas as remunerações já vencidas num total de € 5.362,60 e as que se vencerem no decurso da acção.
Alegou, para tanto, em síntese, que trabalhou como operador de rampa para a Ré, desde 1-11-2001 até ao dia 14 de Novembro de 2007, data em que foi impedido de aceder ao seu local de trabalho, na placa do aeroporto de Lisboa, pelo facto de não estar munido do respectivo cartão de acesso, uma vez que, tendo-se extraviado o que lhe fora atribuído, foi indeferido pela “ANA, Aeroportos de Portugal, S.A.” o pedido de emissão de 2ª via do mesmo, que havia sido renovado havia pouco tempo. A R. comunicou-lhe, por carta que recebeu em 30-11-2007 a caducidade do seu contrato de trabalho, mas carece de fundamento legal para tal. A R. reúne uma panóplia de serviços muito vasta que permite a prestação de serviços da parte do A. em qualquer outro local do aeroporto. Conclui que foi despedido ilicitamente, pelo que pede a reintegração nas funções que desempenhava na Ré. É casado e tem dois filhos. Tendo uma vida financeira estável até ser arbitrariamente despedido, viu-se obrigado a alienar o seu imóvel e ir viver para casa dos pais. Toda esta situação lhe provocou profunda angústia por não saber como sustentar a família e educar os filhos.
A R. contestou alegando, em síntese, que o A. deixou expirar a data do cartão de acesso às áreas restritas e reservadas do Aeroporto de Lisboa, onde exercia as suas funções, validade essa que terminava em 1-11-2007, tendo logrado aceder às referidas áreas restritas, até ao dia 11 de Novembro. Contudo, a Ré foi informada pela ANA, SA, por ofício de 19-11-2007, que a renovação do cartão do A. fora objecto de indeferimento. Pelo exposto, a Ré comunicou de imediato ao A. a caducidade do contrato de trabalho.
A R. requereu a intervenção acessória provocada da ANA – Aeroportos de Portugal, S.A., que foi admitida, por decisão confirmada por este Tribunal da Relação, em recurso interposto pela interveniente. A interveniente contestou por excepção e por impugnação.
A fls. 240 e ss., foi proferido despacho saneador.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento, seguindo-se a prolação da sentença que julgou improcedente a acção a absolveu a R. do pedido.
O A., não conformado, apelou, formulando nas respectivas alegações as seguintes conclusões:
(…)
Quer a R., que a interveniente Ana - Aeroportos de Portugal, S.A. contra-alegaram, pugnando pela improcedência.
Subidos os autos, o M.P. neste tribunal emitiu o parecer de fls. 612, favorável à procedência parcial do recurso, o que não mereceu qualquer resposta.
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões alegatórias do recorrente, parece resultar destas que o recorrente pretende impugnar matéria de facto e suscitar a reapreciação da licitude da forma como foi feito cessar o contrato de trabalho.
Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos 1- Por força do novo regime de carreiras estabelecido em Acordo de Empresa, publicado no BTE, 1ª série, nº 28, de 29/07/2007, à categoria de operador de rampa passou a corresponder o designativo de Operador de Assistência em Escala (OAE), com o descritivo funcional «procede ao carregamento e descarregamento das aeronaves; presta assistência nos terminais de bagagem, de carga e assistência na placa, controlando, encaminhando e acondicionando as bagagens, carga e correio; conduz e opera equipamentos de assistência ao avião; pode conduzir veículos dentro do perímetro do aeroporto, nomeadamente transporte de passageiros, e procede ao reboque de aviões»[1].
2- No exercício das funções inerentes à categoria profissional de OAE, o A. tinha necessariamente que aceder às zonas de acesso restrito ou reservado do Aeroporto de Lisboa.
3- Para aceder a essas zonas de acesso restrito ou reservado, o A. tem que possuir um cartão de acesso à placa (pista de aterragem e descolagem de aviões).
4- As instalações aeroportuárias do Aeroporto de Lisboa onde a R. exerce a sua actividade de handling encontram-se sob a autoridade da ANA – Aeroportos de Portugal, SA.
5- O A. foi admitido ao serviço da TAP a 1 de Novembro de 2001, mediante contrato sem termo.
6- O A. foi contratado com a categoria profissional de operador de rampa, com horário parcial, posteriormente tendo passado a ter um horário completo, por turnos rotativos.
7- As funções do A. compreendiam o embarque e desembarque de bagagens.
8- O A. transitou da TAP para a R. SPdH, SA.
9- O A. auferia mensalmente, a título de remuneração mensal, cerca de € 1 333,65, englobando € 994,00 de retribuição base; € 27,43, de subsídio Cond. Esp. Trabalho; € 108, anuidades pessoal terra; e, entre € 199, 60 a € 206,00, a título de subsídio de turno.
10- Nos últimos seis meses da relação de trabalho o A. auferiu a título de subsídio de transporte, o valor médio mensal de € 175,00.
11- O A. auferia, ainda, subsídio de alimentação no valor de € 4,68, por cada dia de trabalho efectivamente prestado.
12- Em 4 de Setembro de 2007, deu entrada nos serviços da ANA – Aeroporto de Portugal, SA, remetido pelo Gabinete de Segurança da TAP, um pedido formulado em impresso próprio, denominado “Pedido de Cartão (ões) de Acesso a Áreas Reservadas do Aeroporto”, relativo ao trabalhador AA, onde consta “Solicita-se a renovação do cartão para o trabalhador do SPDH em referência” e “Vermelho P”.
13- Em 14 de Novembro de 2007[2], os serviços da TAP/SPdH preencheram um impresso denominado “Pedido de cartão de identificação e de acesso”, que se mostra assinado por funcionário dessa entidade e carimbado, do qual constam os dados pessoais do A. AA, como entidade requisitante “TAP –Serviços”, e sinalizadas as opções “Cartão Permanente”, “Emissão de 2.ª Via”, Cartão de Acesso n.º ...”, e indicada como “Validade de Acesso” 31 de Agosto de 2010.
14- O A., junto dos serviços da ANA, requisitou uma segunda via, originando o documento referido em 13[3] .
15- O A. recebeu uma carta da R. datada de 28 de Novembro de 2007, mencionando como assunto “Caducidade do Contrato de Trabalho com a SPdH, SA”, junta a fls. 28 e 29, que aqui se dá por reproduzida, na qual consta, designadamente, “(...) serve a presente para comunicar a V. Ex.ª a caducidade, com efeitos a partir da data da recepção da presente comunicação, do contrato individual de trabalho que o vincula a SPdH – Serviços Portugueses de Handling, SA, por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva da prestação da actividade laboral.
A referida caducidade, resultou dos seguintes factos:
a) No exercício das funções inerentes à sua categoria profissional como Operador de Assistência em Escala (OAE), tem V. Ex.ª de aceder às zonas de acesso restrito ou reservado do Aeroporto de Lisboa, ou de qualquer outra instalação aeroportuária;
b) As instalações aeroportuárias do Aeroporto de Lisboa onde a SPdH, SA exerce a sua actividade de handling, estão sob a autoridade da ANA – Aeroportos de Portugal, SA, única entidade a quem compete a respectiva gestão e exploração, autorizando e controlando o acesso às instalações aeroportuárias através da emissão de cartões de acesso às áreas restritas e reservadas;
c) No exercício das suas competências detém a ANA – Aeroportos de Portugal, SA, o poder discricionário de atribuir, restringir, reter, cassar, não renovar ou não emitir os cartões ANA de acesso às áreas reservadas ou restritas das instalações aeroportuárias;
d) No uso desse poder discricionário, indeferiu a ANA, SA o pedido de emissão de Cartão de Acesso, referente a V.Ex.ª, conforme comunicação de 19 de Novembro de 2007, cuja cópia se anexa.
e) De acordo com as normas de segurança em vigor, só é permitido o acesso às áreas reservadas e restritas das instalações aeroportuárias, como qualificadas aquelas áreas onde V. Ex.ª exerce as suas funções, a pessoas titulares de cartão de acesso ANA;
f) Estando-lhe vedado o acesso às áreas onde presta a sua actividade laboral, ficou a SPdH, SA como sua entidade empregadora de receber a sua prestação de trabalho;
g) Verifica-se, assim, a impossibilidade absoluta e definitiva de V. Ex.ª desempenhar as funções inerentes à sua categoria profissional, bem como de qualquer outra no Aeroporto de Lisboa, uma vez que a SPdH, SA tem por objecto exclusivo a prestação de serviços de handling a companhias aéreas que a contratam para esse fim”.
16- Com essa carta a R. juntou uma carta remetida pelo Aeroporto de Lisboa, datada de 19 de Novembro de 2011, na qual consta “Os processos relativos aos pedidos de cartão de Acesso, apresentado pelos V/ Serviços referentes ao Sr. AA e…, são indeferidos, dado que a Divisão de Segurança Aeroportuária da Polícia de Segurança Pública, sugere que não sejam facultados a estes cidadãos, o acesso às Áreas Restritas do Aeroporto de Lisboa”.
17- No dia 15 de Novembro de 2007, porque não possuía cartão de acesso à área restrita, o A. foi impedido de entrar no seu local de trabalho.
18- O A. contactou a R., solicitando a emissão de novo cartão, tendo-lhe sido comunicado que os dias que não trabalhasse seriam descontados nas férias que ainda tinha para gozar, a tal não se tendo oposto o A..
19- A participação apresentada pelo A. junto da PSP a 13 de Novembro de 2007 reporta o alegado extravio do “cartão de acesso a áreas restritas ANA nº ...” de que o A. era o titular, mencionando como data de validade “2007-11-01”.
20- Em acção inspectiva e de patrulhamento desencadeada pela PSP no terminal de bagagens de chegadas do Aeroporto de Lisboa pelas 23h00 do dia 24 de Julho de 2007, o A. foi surpreendido junto a um contentor de bagagens, no qual se encontrava uma bagagem, mala tipo trólei, com o fecho aberto e, no interior desta, encontravam-se dois cartões, um deles o cartão de acesso de funcionário ao aeroporto, com a data de validade a acabar em Agosto de 2007, e o outro, o cartão da empresa TAP Portugal, ambos em nome do A. AA.
21- O A. foi informado de que a ocorrência iria ser reportada à ANA – Aeroportos de Portugal, SA.
22- O A. usou o cartão de acesso e acedeu às áreas restritas e reservadas do Aeroporto de Lisboa até 11 de Novembro de 2007.
23- A data de validade desse cartão havia expirado a 1 de Novembro de 2007[4].
24- Em 19 de Novembro de 2007, através do ofício nº 59127 da ANA, SA, referido acima, em 16, esta comunicou à R. que o processo relativo ao pedido de cartão de acesso às áreas restritas e reservadas do aeroporto fora objecto de indeferimento[5].
25- Dessa notificação deu a R. conhecimento ao A., através de carta enviada com data de 28 de Novembro de 2007.
26- O A. jamais comunicou à R. o seu interesse na emissão do documento Mod. 346, para requerer a prestação de subsídio de desemprego.
Apreciação
Impugnação da matéria de facto
(…)
Da questão de direito
Para além da matéria de facto, suscita o recorrente a reapreciação da forma como foi feito cessar o seu contrato de trabalho pela R., sustentando que não configura efectivamente caducidade do contrato, como considerou a sentença recorrida, mas antes, despedimento ilícito.
Vejamos se lhe assiste razão.
A caducidade é uma das modalidades de cessação do contrato de trabalho, que se verifica, designadamente, quando ocorra, supervenientemente, uma impossibilidade absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber (art. 387º al. b) CT de 2003). Ainda que seja necessária a comunicação de uma parte à outra, o que dá causa à cessação é a situação objectiva de impossibilidade de prestação do trabalho ou de recepção do mesmo, impossibilidade que tem de ser superveniente - não pode tratar-se de vício originário do contrato, que, a existir, determinaria a respectiva nulidade. Tem também tal impossibilidade de ser absoluta, não bastando portanto que se traduza numa maior dificuldade ou onerosidade na prestação laboral ou no respectivo recebimento, e tem de ser definitiva, isto é, não meramente temporária.
O A. fora contratado pela TAP para exercer funções de operador de rampa, que compreendiam o embarque e desembarque de bagagens, transitou para a ora recorrida, continuando a exercer as mesmas funções, agora com a categoria de operador de assistência em escala (OAE) – cf. nºs 6, 7 e 8.
De acordo com os AE entre a SPdH/SIMA e SPdH/STHA publicados no BTE 28/2007, a tal categoria corresponde o seguinte descritivo funcional: é o profissional que, com base em documentação técnica e tendo em conta as prescrições vigentes e os princípios, normas e procedimentos definidos pelas autoridades aeronáuticas, desempenha, nomeadamente, as seguintes tarefas: procede ao carregamento e descarregamento das aeronaves; presta assistência nos terminais de bagagem, de carga e assistência na placa, controlando, encaminhando e acondicionando as bagagens, carga e correio; conduz e opera equipamentos de assistência ao avião; pode conduzir veículos dentro do perímetro do aeroporto, nomeadamente transporte de passageiros, e procede ao reboque de aviões.
Conforme resulta dos pontos 2 e 3 – que não foram impugnados - a actividade para a qual o A. foi contratado é exercida necessariamente em áreas de acesso restrito ou reservado do Aeroporto de Lisboa, designadamente na placa, correspondente à pista de aterragem e descolagem de aviões, o que, por si só, contraria, totalmente, a afirmação constante na conclusão 12 do apelante. Aliás, o recorrente faz a afirmação genérica de que a R. possuía outros locais dentro do aeroporto, de livre acesso, onde o A. poderia ser colocado a exercer parte das funções que desenvolvia, mas não especifica que locais eram esses, nem que funções (de entre as que correspondem à sua categoria, pois não era exigível à R. que alterasse o objecto do contrato, atribuindo-lhe funções distintas das contratadas) poderia exercer nesses locais, que não concretiza. Já no art. 28º da p.i. alegava, em termos ainda mais vagos “o R. reúne uma panóplia de serviços muito vasto, que desde logo permite a prestação de serviços da parte do A. em qualquer outro local dentro do aeroporto…” sem os concretizar.
Por razões de segurança da navegação aérea o acesso a áreas restritas e reservadas do aeroporto só é permitido a quem possuir um cartão próprio (cartão “Aeroporto”), que tem de ser solicitado à entidade gestora dos aeroportos, a empresa pública ANA - Aeroportos de Portugal, S.A., sendo a respectiva autorização precedida de parecer da PSP[6].
A emissão do referido cartão é um acto de autoridade pública que, inequivocamente, condiciona o exercício da actividade de operador de rampa ou de OAE. Sem ser titular desse específico cartão ninguém poderá desempenhar tais funções, uma vez que as mesmas são necessariamente exercidas em áreas reservadas e de acesso restrito. Afigura-se-nos, por isso, juridicamente aceitável considerar que tal autorização, consubstanciada na emissão do cartão “Aeroporto”, constitui um título com valor legal equivalente à posse de carteira profissional (embora com ela se não confunda), cuja falta originária determina nulidade do contrato, determinando a respectiva falta superveniente a caducidade, conforme previsto no art. 113º nºs 1 e 2 do CT. Foi esse entendimento que levou a Srª Juíza a dar razão à R., corroborando a conclusão da mesma de que o contrato com o A. caducara. Com efeito, perante a comunicação da ANA de que indeferira a emissão do cartão “Aeroporto” ao A., a R. comunicou ao A. a caducidade do respectivo contrato de trabalho, por, alegadamente, haver impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva da prestação da actividade laboral.
Não obstante considerarmos aceitável a equiparação do cartão “Aeroporto” a um título profissional, na medida em que condiciona o exercício de determinada actividade que tem necessariamente de ser exercida em áreas restritas e reservadas dos aeroportos, não cremos porém que, face aos dados conhecidos nos autos, pudesse ter-se por verificada a hipótese prevista no nº 2 do art. 113º, determinante da caducidade do contrato de trabalho.
Dispõe tal preceito “Se posteriormente à celebração do contrato, por decisão que já não admite recurso, a carteira profissional ou título com valor legal equivalente vier a ser retirado ao trabalhador, o contrato caduca logo que as partes disso sejam notificadas pela entidade competente.”
Ora, desde logo os elementos fornecidos pelos autos não permitem considerar que, aquando da comunicação da R. ao A. a que se refere o nº 15, a decisão de indeferimento da atribuição de 2ª via do cartão “Aeroporto” ao A. já não fosse passível de recurso e, por outro lado, tampouco se mostra que o A. tivesse sido notificado pela entidade competente para emitir tal cartão, ou seja pela ANA, S.A..
É que, tratando-se, como se trata, de um acto da autoridade pública com sérios reflexos nos direitos do A., mormente no direito ao trabalho, embora o procedimento de requisição do cartão seja desencadeado pelo empregador, o trabalhador não pode deixar de ser considerado como interessado e, nessa medida, ver assegurado o seu direito a participar na formação da decisão que lhe diz respeito, conforme previsto no art. 8º do Código de Procedimento Administrativo, sendo-lhe igualmente assegurado o acesso à justiça para obter a fiscalização contenciosa do acto da Administração, bem como para tutela dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, nos termos da legislação reguladora do contencioso administrativo (cf. art. 12º do mesmo código). Não mostram os autos, todavia, que tais direitos do A. tivessem sido observados e, em face disso, não podemos ter como seguro que a impossibilidade de o A. prestar à R. a actividade contratada e de esta receber essa prestação fosse definitiva.
Recaía sobre a R., que invocou a caducidade do contrato, o ónus de prova dos factos que a configuram e não logrou satisfazer plenamente esse ónus (art. 342º nº 2 CC).
Concluímos assim que não se encontram reunidos os pressupostos que permitam considerar ocorrida a caducidade do contrato de trabalho do A. com a R. SPdH, não corroborando, por isso, a decisão recorrida.
Embora a R. não tenha logrado provar todos os pressupostos que permitam concluir pela caducidade do contrato de trabalho, mormente, que a impossibilidade de receber o trabalho do A. fosse definitiva, não oferece dúvidas que a comunicação da R. ao A. a que alude o nº 15 visou pôr termo à relação laboral, configurando, pois, inequivocamente, um despedimento.
O despedimento consiste numa declaração negocial, uma manifestação da vontade do empregador ao trabalhador no sentido de fazer cessar o contrato. E, na realidade, a comunicação da R. ao A. que o contrato cessava por se verificar uma impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva da prestação laboral, por ter sido indeferida pela autoridade aeroportuária a emissão de 2ª via do cartão Aeroporto, documento indispensável para o trabalhador poder aceder às áreas do aeroporto onde a prestação contratada pode ter lugar, embora aparentando ser uma declaração de ciência – a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva da prestação - na medida em que não se evidenciava (até pelo pouco tempo decorrido desde a apresentação do pedido de 2ª via do cartão e o respectivo indeferimento) que a impossibilidade de receber o trabalho do A. fosse definitiva, continha inequivocamente uma manifestação de vontade de fazer cessar o contrato, configurando pois uma comunicação de despedimento.
Por não ter sido precedido de procedimento disciplinar, tal despedimento é ilícito [art. 429º al. a)], com as consequências previstas nos art. 436º a 439º, todos do CT.
Depara-se-nos, porém, um novo problema, que tem a ver com o facto de o A. ter optado ab initio (e não ter alterado tal opção até à sentença, como a lei lhe permite), pela reintegração no posto de trabalho. Ora, não sendo o A. portador de cartão “Aeroporto”, é manifesto que não poderá ser reintegrado, de facto, no posto de trabalho, enquanto se mantiver o indeferimento do indispensável cartão, sendo certo que não compete a este tribunal apreciar a decisão da ANA relativamente à emissão do dito cartão, por se tratar de matéria do foro administrativo. Certo é, também, que não se mostra provado que a impossibilidade superveniente de a R. receber o trabalho do A. seja definitiva, tendo, consequentemente, de considerar-se temporária e, sendo reestabelecida a relação laboral, por força da declaração de ilicitude do despedimento, não pode este tribunal condenar na indemnização em substituição da reintegração, por não ter sido essa a opção do A. e a lei colocar na disponibilidade deste a escolha entre uma das duas possibilidades. A consequência só poderá ser a de, reestabelecido o vínculo laboral, mercê da declaração de ilicitude do despedimento, ter de ficar suspenso (nos termos do art. 333º do CT) o contrato, enquanto se verificar a impossibilidade de a R. aceitar o trabalho do A., por falta do cartão Aeroporto.
E porque a impossibilidade de a R. receber o trabalho do A. (que, como vimos, temos de ter por temporária) se verificava já à data do despedimento, tudo indicando que continuou a verificar-se na pendência do processo, não são devidas as retribuições intercalares.
E porque não estão demonstrados outros danos patrimoniais ou não patrimoniais, não pode proceder o pedido de condenação da R. a pagar-lhe a indemnização peticionada.
Decisão
Pelo exposto se acorda em julgar o recurso parcialmente procedente, declarando a ilicitude do despedimento do A. e condenando a R. a reintegrá-lo, logo que cessada a suspensão por impossibilidade temporária de receber o respectivo trabalho.
Custas a meias.
Lisboa, 19 de Setembro de 2012
Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
Filomena Manso de Carvalho
----------------------------------------------------------------------------------------- [1] Adiante dado por não escrito, por força do disposto no nº 4 do art. 646º do CPC. [2][2] Embora do texto da sentença, tal como no despacho de resposta à base instrutória, conste a data 4 de Novembro, afigura-se-nos tratar-se de manifesto lapso de escrita, dado que do doc. junto a fls. 27 se mostra claramente que tal requerimento está datado de “07-11-14”, data que fora alegada nos art. 14 e 15 da p.i. e constava do nº 12 da base instrutória. Procede-se pois à rectificação do dia 4 para 14. [3] Embora do texto da sentença conste “referido em 10 e 11”, constata-se do confronto entre os pontos 10 e 11 da base instrutória e da resposta conjunta que mereceram no despacho que decidiu a matéria de facto controvertida (a fls. 424) e a sentença, que essa resposta corresponde ao ponto 13 da matéria de facto descrita na sentença, razão pela qual aqui se rectifica esse lapso. [4] Adiante eliminado. [5] Embora neste ponto da sentença se leia 17 onde ora se lê 16, trata-se igualmente de manifesto erro, que aqui se rectifica, visto que, do confronto entre a base instrutória e respectiva resposta com a factualidade descrita na sentença, se verifica que ao ponto 17 daquelas peças corresponde o nº 16 desta. [6] As normas que regem a emissão de tais cartões constam da deliberação nº 680/2000 do INAC, publicada na II Série do DR de 9/6/2000.