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TRANSPORTE MARÍTIMO
RESPONSABILIDADE CIVIL
Sumário
I - Na questão do concurso da responsabilidade contratual e extra-contratual têm vindo a ser praticados dois sistemas, o do cúmulo e o do não cúmulo. II - No primeiro têm sido ensaiados três entendimentos: a possibilidade de o lesado se socorrer, numa única acção, das normas da responsabilidade contratual e extra-contratual; a de se lhe conceder a opção entre os procedimentos fundados apenas numa ou noutra dessas responsabilidades; e a de admitir, em acções autónomas, ao lado da responsabilidade contratual, a responsabilidade extra-contratual. III - O segundo sistema, que exclui o cúmulo consiste na aplicação do regime da responsabilidade contratual, em decorrência de um princípio de subsunção. IV - Para quem seja adepto do concurso das duas responsabilidades, será ainda possível configurar esse concurso como de acções, ou de normas (ou pretensões). V - Aceitando-se um concurso de acções, será diferente a causa de pedir: por um lado, o contrato, por outro, o dever jurídico de “neminem laedere”, isto é, a regra geral de não lesar outrém. VI - Sendo única a acção, haverá um concurso de pretensões, surgindo o dever contratual e o dever geral de não ofender direitos e bens alheios como deveres jurídicos independentes, colocados ao lado um do outro, não sendo proibido ao autor invocar em grau posterior do processo, uma norma diversa da que alegara, e sem que se possa dizer que o juiz decide “ultra petita” se aplicar uma norma diversa da invocada pelo autor. VII - Pedro Romano Martinez partindo da ideia do concurso de pretensões, parece situar-se no sistema do cúmulo alcançando-o através da dicotomia dos danos “cerca rem” e “extra rem”. Aqueles, são os específicos ligados ao contrato, quer dizer, os causados no objecto da própria prestação. Estes, são os danos pessoais sofridos pelo credor e os danos ocasionados no restante património do “accipiens”. Ali, aplicar-se-ão as regras da responsabilidade contratual, aqui, as da responsabilidade extra-contratual. VIII- No concurso de pretensões o concurso é alternativo, mas a procedência de uma pretensão extingue as demais. Quando o mesmo facto causa danos de diversa natureza, não se pode considerar que estejam fundamentadas pretensões distintas. Há uma única causa petendi: o dano. E a qualificação de contratual ou delitual não altera a identidade do pedido. IX - O contrato de transporte de passageiros por mar - que é definido no art 1º do DL 349/86 de 17/10 como «aquele em que uma das partes se obriga em relação a outra a transporta-la por via marítima mediante retribuição pecuniária» - tem capacidade para abranger, no seu incumprimento, não apenas o dever ou obrigação essencial da deslocação física de pessoas ou coisas, mas também, o incumprimento da obrigação de protecção e segurança, inerente ao transporte em geral. X - E isto, quer se entenda que esta obrigação de protecção e segurança integra ainda o contrato de transporte como dever principal, ou o integra apenas como dever ou obrigação acessória. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
I - “A”, intentou a presente acção sob a forma ordinária contra “B”, Transportes Marítimos, S.A., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de 198 871, 29 euros, acrescida de juros de mora, contados desde a data da citação até integral pagamento, pelos danos morais e patrimoniais que sofreu em consequência de uma queda que sofreu no interior de um navio da R., que ocorreu pela falta de condições de segurança existentes no seu interior. Pede especificadamente 150.000 € como indemnização pelo dano biológico com matriz na incapacidade parcial permanente; 20.000 € por danos não patrimoniais pelo quantum doloris; 15.000 € por danos não patrimoniais pelo prejuízo de afirmação pessoal; 3.121.20 por danos patrimoniais na vertente de lucros cessantes futuros, pela perda de vencimentos e subsídios vencidos até à presente data para alem dos valores que se venham a vencer até total reembolso; 755 € a titulo de indemnização pelos danos patrimoniais emergentes do sinistro. Requer ainda que a liquidação da importância relativa às despesas a efectuar com os tratamentos médicos cirúrgicos a que terá de se submeter seja relegada para subsequente liquidação nos termos do art 661º CPC, devendo acrescer às importâncias referida juros legais até integral pagamento.
A R contestou alegando, basicamente, que a queda da A. foi devido a negligência desta, visto que o navio tem todas as habilitações e certificações exigidas sendo periodicamente submetido a inspecções por parte do IPTM e de Sociedades Classificadoras de Navios. Refere estar em causa um contrato de transporte de passageiro por mar e respectiva bagagem que se rege pelo DL 349/86 de 17/10 e que, em função da cláusula 12ª das “Condições e Limites do contrato de transporte de passageiros por mar”, sendo assacada qualquer responsabilidade à R., apenas o poderá ser pelo montante máximo de € 59.328,04, sendo que a mesma já ressarciu à A na valor de € 15.288,09. Entende ainda que os valores peticionados estão inflacionados.
A A apresentou réplica, nela contrariando a limitação de responsabilidade a que a R aludiu.
Realizada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, com selecção da matéria de facto.
Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a R. a pagar à A. a quantia de setenta e cinco mil e quatrocentos euros (75 400, 00 euros), acrescida de juros de mora contados desde data da citação até integral pagamento.
II – Do assim decidido, apelou a R. que concluiu as suas alegações do seguinte modo:
A. O presente recurso tem por objecto a Douta Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância que, pondo, termo ao processo, julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Recorrente a pagar à Recorrida uma indemnização no valor global de € 75.400,00 (setenta e cinco mil e quatrocentos euros), acrescida dos respectivos juros de mora calculados à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.
B. A Douta Sentença recorrida, além de se encontrar ferida de nulidade, julgou incorrectamente a matéria de facto e de direito relevante, devendo ser revogada e substituída por decisão que julgue a acção totalmente improcedente, sendo certo que, caso assim não se entenda, sempre deverá ser reduzido o quantum indemnizatório em que foi condenada a Recorrente.
C. Ao contrário do referido no Relatório da Douta Decisão recorrida, na sua Contestação a ora Recorrente não se defendeu, apenas, por impugnação, tendo igualmente arguido a excepção da exclusão e/ou limitação da sua eventual/alegada responsabilidade (cfr. arts. 11.º a 36.º da Contestação).
D. O Tribunal de 1.ª instância não se pronunciou, nem no Douto Despacho Saneador, nem na Douta Sentença recorrida, sobre a excepção deduzida pela ora Recorrente, tendo aliás ignorado, por completo, a sua existência, com a consequente nulidade da mesma nos termos dos arts. 660.º n.º 2 e 668.º, n.º 2, ambos do CPC.
E. A causa de pedir da presente acção, tal como expressamente configurada/delimitada pela A., consiste na alegada responsabilidade contratual da ora Recorrente, em virtude de hipotético incumprimento do contrato de transporte marítimo celebrado entre as Partes, designadamente nos termos e ao abrigo do Decreto-Lei n.º 394/86, de 17 de Outubro (cfr. arts. 2.º, 18.º, 34.º, 38.º, e 39.º da P.I.), nunca tendo sido objecto de alteração ou ampliação, quer na Réplica apresentada pela Recorrida, quer posteriormente.
F. Caso estivesse em causa a efectivação da responsabilidade cível extra-contratual da ora Recorrente, o Tribunal territorialmente competente seria o do ..., ou seja, o do local onde ocorreu o acidente que motivou os presentes autos (cfr. alíneas D., E. e F. da fundamentação de facto e art. 74.º, n.º 2 do CPC).
G. O Tribunal de 1.ª instância entendeu que a responsabilidade civil emergente do acidente dos autos está sujeita ao regime geral da responsabilidade por factos ilícitos, prevista no art. 483.º, n.º 1 do Código Civil (cfr. último parágrafo da 1.ª página da fundamentação de direito), tendo condenado a ora Recorrente com base nesta.
H. A Douta Sentença recorrida configura uma condenação “surpresa”, alicerçada numa questão/matéria não submetida à apreciação do Tribunal e que lhe era vedada, bem como para cuja apreciação o mesmo nem é, sequer, territorialmente competente, sendo, portanto, nula, nos termos do n.º 2 do art. 660.º e da alínea d) do n.º 1, do art. 668.º do CPC.
I. Apesar de na sua P.I. a Recorrida ter “compartimentado”, de forma expressa e clara, o seu pedido, estabelecendo tectos/limites para cada um dos danos invocados (cfr. P.I. da Recorrida, que aqui se dá por reproduzida), o Tribunal de 1.ª instância, designadamente no que diz respeito ao “dano biológico” e aos danos não patrimoniais, optou por uma compensação global, no valor de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros).
J. O Tribunal de 1.ª Instância não esclareceu/enunciou os pressupostos/critérios objectivos com base nos quais apurou tal montante, tendo-se limitado a considerar o mesmo como sendo o “ajustado”, ou seja não objectivando, nem fundamentando tal condenação, com a consequente discricionariedade e total ausência de fundamentação da Douta Sentença recorrida, que assim é nula nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 668.º do CCP).
K. Muito embora o montante global da condenação se contenha dentro do valor total peticionado, não é possível apurar e afirmar que tenham sido respeitados os limites/tectos expressamente fixados pela Recorrida na sua P.I. e no seu pedido, designadamente os montantes máximos peticionados nas alíneas a), b) e c) do pedido constante da P.I., pelo que estamos perante uma condenação em objecto diverso do pedido, e que não permite, sequer, aferir do respeito pela quantidade/valor peticionado pela Recorrida, o que determina a nulidade da Sentença (cfr. alínea e) do n.º 1 do art. 668.º do CPC).
L. O Tribunal de 1.ª Instância julgou incorrectamente a matéria de facto constante dos artigos 24.º e 25.º da Base Instrutória, e que foram vertidos nas alíneas GG. e HH. da fundamentação de facto da Douta Sentença recorrida.
M. Impunham decisão diversa da impugnada os depoimentos prestados pelas testemunhas Dr. “C” e Dr. “D”, ambos especialistas em ortopedia, e cujas transcrições se juntam com as presentes Alegações, conjugados com os Docs. 3 e 4 juntos pela Recorrida com a sua P.I., bem como com os factos vertidos nas alíneas W., Y. e BB., por referência aos arts. 14.º, 16.º e 19.º da Base Instrutória, da Fundamentação de Facto.
N. Face a estes elementos de prova e estas conclusões, não resultou provado que o desvio do cubital e radial do punho esquerdo a que alude o artigo 24.º da Base Instrutória, assim como a rigidez do punho a que alude o artigo 25.º da Base Instrutória, tenham resultado directa e/ou necessariamente da queda dos autos, tendo, isso sim, ficado provado que, fruto de um erro de diagnóstico/médico, a Recorrida não foi, como deveria ter sucedido, imediatamente operada às lesões no punho, omissão essa que reduziu as suas capacidades de recuperação/cura e agravou as consequências decorrentes da queda.
O. Nos termos do n.º 1 do art. 342.º do Código Civil, cabia à Recorrida fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado, designadamente que as lesões por si sofridas e exibidas são consequência directa, necessária e adequada da queda dos autos, não cabendo à ora Recorrente o ónus de provar o contrário, bastando-lhe tornar esse facto duvidoso, caso em que a questão deve ser “decidida contra a parte onerada com a prova” (cfr. art. 346.º do Código Civil).
P. Assim sendo, deve a resposta aos artigos 24.º e 25.º da Base Instrutória, e vertidos nas alíneas GG. e HH. da fundamentação de facto, ser alterada, passando a revestir o seguinte conteúdo: “GG. Por via da queda e das lesões actualmente, a Autora apresenta limitação da rotação interna do ombro esquerdo, limitação da flexão dorsal e palmar, bem como cicatrizes operatórias (resposta ao artigo 24º da Base Instrutória). HH. A Autora apresenta, em consequência das lesões sofridas pela queda acima referida, uma IPP de 3 pontos referentes à rigidez do ombro e um dano estético de 1 ponto (em 7 pontos) (resposta ao artigo 25º da Base Instrutória).”
Q. Com base nestes mesmos fundamentos, e muito embora se admita que se trate de um mero lapso de escrita, também se impugna a resposta ao artigo 14.º da Base Instrutória, e vertida na alínea W. da fundamentação de facto, que deverá adoptar a seguinte redacção: “W. Em consequência do referido nas alíneas S), U) e V), a Autora permaneceu internada nessa mesma clínica do dia 17.06.2009 até ao dia 19.06.2009 e de 22.07.2009 até ao dia 25.09.2009m sendo que este último internamento se ficou a dever ao facto de os médicos da clínica onde a Autora ficou internada não se terem apercebido, aquando do 1º internamento, de que esta tinha também uma lesão no pulso, que não foi diagnosticada no 1º internamento e tratada neste último internamento (resposta ao artigo 14.º da Base Instrutória).”
R. O Tribunal deveria ter dado como provados os factos alegados pela Recorrente nos arts. 1.º, 2.º, 3.º e 21.º da Contestação, e que, não tendo – indevidamente – passado à matéria assente ou à base instrutória, mas sendo instrumentais e relevantes, e tendo resultado da instrução e discussão da causa, deveriam ter sido valorados, nos termos e ao abrigo do n.º 2 do art. 264.º do CPC, pois são relevantes para efeitos de apuramento da responsabilidade da ora Recorrente, da ilicitude da sua conduta e do montante da indemnização devida, devendo, em consequência, ser aditados à matéria provada e considerados para efeitos de fundamentação da decisão a proferir.
S. Com efeito, é do conhecimento público e, em particular do conhecimento do Tribunal de 1.ª instância, e ficou provado que “a Recorrente é a entidade concessionária do serviço público de transporte marítimo de passageiros e mercadorias entre a ... e a ..., prestado, essencialmente, com recurso ao Navio denominado “F””(cfr. contrato de concessão, não impugnado, junto como Doc. 1 com Contestação).
T. Também ficou provado que “o navio dos autos se encontra autorizado a navegar, possuindo todas as certificações de segurança exigíveis, quer em termos construtivos, quer em termos operacionais” (cfr. Docs. 2, 3 e 4 juntos com a Contestação e não impugnados).
U. Em conformidade quer com os factos provados constantes da alínea AA. e EE. da fundamentação, quer com o teor, nunca impugnado, do Doc. 6 junto com a Contestação, ficou igualmente provado que “a ora Recorrente já suportou, por conta da Recorrida e do acidente dos autos, o montante global de € 15.288,09 (quinze mil duzentos e oitenta e oitenta e oito euros e nove cêntimos).”
V. No que diz respeito à matéria de direito, a Douta Sentença recorrida julgou incorrectamente as questões relativas: iv. Ao enquadramento e limites da responsabilidade civil da Recorrente; v. Aos requisitos constitutivos da obrigação de indemnizar; e, vi. Ao montante da indemnização atribuída.
W. Dependendo do enquadramento jurídico da responsabilidade da ora Requerente, a Douta decisão recorrida violou e/ou aplicou incorrectamente as seguintes disposições legais: a) arts. 2.º, 13.º e 14.º do Decreto-Lei n.º 349/86, de 17 de Outubro; b) art. 483.º do Código Civil c) arts. 800.º, 810.º e 811.º do Código Civil; d) art. 798.º do Código Civil e) art. 487.º, n.º 2 do Código Civil; f) art. 570.º, n.º 1 do Código Civil g) art. 563.º do Código Civil h) arts. 494.º e 496.º, n.º 4 do Código Civil i) arts. 564.º, n.º 1, 566.º, n.º 2 do Código Civil j) art. 805.º, n.º 3, 1.ª parte, do Código Civil.
X. Sendo certo que estamos perante uma situação de responsabilidade contratual, em que a recorrente se obrigou a transportar a recorrida, e que o contrato de transporte marítimo de Passageiros se rege por legislação e regulação especifica, nomeadamente pelo Decreto Lei n.º 349/86, de 17 de Outubro, apenas cumpria analisar e considerar o diploma em questão, designadamente no que concerne à imputação, exclusão e limitação da responsabilidade da Recorrente, bem como à ilicitude da sua conduta.
Z. A Clausula 12.ª das condições e limites do contrato de transporte de passageiros por mar utilizado pela ora Recorrente regula a responsabilidade da transportadora/Recorrentes por danos corporais a responsabilidade da ora Recorrente, limitando-a ao montante máximo de € 59.328,04 (cinquenta e nove mil trezentos e vinte e oito euros e quatro cêntimos).
AA. Tendo em conta que a Recorrida já foi ressarcida no montante global de € 15.288,09 (quinze mil duzentos e oitenta e oitenta e oito euros e nove cêntimos) – cfr. extracto de conta-corrente junto como Doc. 6 junto com a Contestação – na responsabilidade contratual da ora Recorrente “apenas” caberia o eventual montante adicional de € 44.039,95 (quarenta e quatro mil e trinta e nove euros e noventa e cinco cêntimos).
BB. Ao julgar aplicável ao acidente dos autos o regime da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, e ao “ignorar” a cláusula penal aplicável ao contrato dos autos, a Douta Sentença recorrida violou e/ou interpretou e aplicou incorrectamente os arts. 2.º, 13.º e 14.º do Decreto-Lei n.º 349/86, de 17 de Outubro, bem como os arts. 483.º, 798.º, 800.º, n.º 2, 810.º e 811.º, todos do Código Civil.
CC. A Recorrida não alegou e/ou logrou provar, nem da sentença resulta a verificação de quaisquer violações de quaisquer “convenções de segurança impostas pelos usos, regulamentos e convenções internacionais”, pelo ao considerar – sem fundamentar e sem suporte factual ou jurídico – o navio da Recorrente “inseguro”, e assim responsabilizar a mesma pelo acidente dos autos, a Douta Decisão recorrida violou a 1.ª parte do n.º 2 do art. 14.º do Decreto-Lei n.º 349/86, de 17 de Outubro.
DD. Nos termos da 2.ª parte deste mesmo preceito legal, não se tendo demonstrado qualquer violação das condições de segurança impostas pelos usos, regulamentos e convenções internacionais, a responsabilidade da Recorrente apenas poderia fundar-se em condutas culposas da mesmo ou dos seus auxiliares.
EE. Ao apreciar/determinar a culpa pelo acidente dos autos, o Tribunal de 1.ª instância conclui que a mesma recai, em 100%, sobre a Recorrente, o que se revela incoerente com a matéria de facto provada, com a experiência comum, e com o critério da diligência de um bom pai de família, avaliado em face das circunstâncias do caso concreto.
FF. O Tribunal não ponderou factos/circunstância que, no entender, excluem a culpa da Recorrente, ou, pelo menos, limitam a mesma à percentagem máxima de 50%, e impõem a redução do montante da indemnização, designadamente que: a) Apesar da lotação do Navio dos autos se encontrar esgotada, o que equivale a centenas de veículos automóveis e milhares de passageiros, o único acidente que ocorreu foi o que vitimou a Recorrida; b) No interior do veículo (ligeiro) em causa circulavam a Recorrida e outras 5 pessoas, incluindo 2 crianças (!!) – cfr. resulta da fundamentação da resposta à matéria de facto constante da Acta/Decisão de resposta à matéria de facto, que aqui se dá por reproduzida – lotação que é manifestamente excessiva e que terá contribuído, decisivamente, para alguma atrapalhação no abandono da viatura; c) Já após se terem apercebido da queda, os restantes ocupantes do veículo conseguiram abandonar o mesmo em segurança e incólumes, não tendo havido necessidade de alteração do seu posicionamento/estacionamento; d) Para que os passageiros do veículo pudessem abandonar o mesmo pelo lado direito, e em segurança, bastava que o respectivo condutor o tivesse estacionado totalmente encostado ao lado esquerdo da plataforma, e não ao veículo que se encontrava estacionado à sua direita; e) A Recorrida é uma pessoa jovem, que pratica desporto e que não padecia de qualquer deficiência ou incapacidade e que, como tal e não tendo mobilidade reduzida, não carecia de qualquer ajuda/apoio especial para se deslocar até às zonas destinadas aos transporte de passageiros, sendo certo que tal ajuda/apoio não foi solicitada; f) Não parece curial/razoável impor à Recorrente a obrigação e o ónus de “escoltar” todo e qualquer passageiro desde o interior do veículo em que tenha entrado no Navio até às zonas reservadas, tarefa para a qual seria necessária uma quantidade astronómica e desnecessária de marinheiros e/ou pessoal auxiliar; e, g) Ao sair do veículo a Recorrida poderia ter optado por se direccionar frontalmente para a traseira do mesmo, ou rodar sobre si próprio, assim evitando circular às arrecuas, e de forma negligente, sendo certo que, se o tivesse feito, teria facilmente detectado e evitado o buraco no qual veio a colocar o pé e evitado a queda. h) A responsabilidade da Recorrente é manifestamente fundada em negligência/mera culpa, facto que, aliado às circunstâncias do caso concreto, impunha a redução/amenização do montante da indemnização.
GG. Assim, entende a ora Recorrente que a sua culpa/responsabilidade deve ser excluída e/ou devidamente determinada e valorizada, não podendo, em caso algum, exceder 50%, devendo a Douta Decisão recorrida e o montante da indemnização ser alterados em conformidade com a 2.ª parte do n.º 2 do art. 14.º do Decreto-Lei n.º 349/86, de 17 de Outubro os e/ou arts. 494.º e 570.º, ambos do Código Civil.
HH. O Tribunal deu como provada a existência de um erro médico, designadamente de diagnóstico, que impediu que as lesões sofridas pela Recorrida, designadamente ao nível do punho, fossem imediatamente e adequadamente detectadas e debeladas, com a consequente interrupção do nexo de causalidade entre a queda dos autos e os danos sofridos pela Recorrida, mais concretamente a IPP respeitante à rigidez do punho, a que correspondem 7 dos 10 pontos da IPP.
II. Caso tal erro de diagnóstico não tivesse existido, a Recorrida não teria, desde logo e desnecessariamente: a) sido submetida a 2 intervenções cirúrgicas; b) sofrido dores 2 vezes; c) ficado internada 2 vezes; d) sido submetida a 2 períodos de convalescença; e, e) ficado incapacitada tanto tempo, o que implica, desde logo, a redução/alteração do montante atribuído a titulo de danos patrimoniais e quantum doloris.
JJ. Por outro lado, caso tivesse sido operada de imediato, a mesma teria mais hipóteses/probabilidades de recuperação da lesão sofrida no punho, factos que bastam, por si só, para afastar, ou, pelo menos, limitar substancialmente (designadamente em percentagem nunca superior a 50%) a responsabilidade da ora Recorrente pelas correspondentes lesões e danos, mas que o Tribunal de 1.ª instância, em violação do estipulado no arts. 483.º, 562.º e 563.º do Código Civil, desconsiderou na sua Douta Decisão.
KK. A Douta Sentença sob recurso, julgando o pedido parcialmente procedente, condenou a Recorrente a pagar à Recorrida a quantia de € 75.400, 00 (setenta e cinco mil e quatrocentos euros), acrescida de juros de mora contados desde a data da citação até integral pagamento, sendo certo que, desse montante, a quantia de € 400,00 (quatrocentos euros) se reporta à procedência parcial do pedido deduzido na alínea e) do pedido deduzido na P.I., mais concretamente à quantia referida no art. 56.º da mesma.
LL. O montante de € 75.000,00 a título de indemnização pelos danos decorrentes das lesões sofridas pela Recorrida, é totalmente descabido, sobretudo face à parcimónia e ponderação com que a Jurisprudência tem vindo a avaliar este tipo de danos, excedendo o dano que efectivamente se pretende ressarcir, e violando o disposto nos arts. 494.º, 496.º n.º 3, 562.º, 564.º n.os 1 e 2, 566.º e/ou 798.º, todos do Código Civil.
MM. Tanto quanto, atenta a falta de fundamentação da mesma, se consegue extrair da Decisão recorrida, e assumindo que foram respeitados os limites dos pedidos formulados na P.I., o Tribunal de 1.ª instância atribuiu à Recorrida “a título de indemnização pelo dano biológico, com matriz na incapacidade parcial permanente” cfr. alínea a) do pedido formulado na P.I.), o valor mínimo de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros) e o valor máximo de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais.
NN. O cálculo da indemnização relativa aos danos patrimoniais emergentes da IPP de que a Recorrida ficou a sofrer não pode dispensar o recurso à equidade, nos termos do artigo 563.º do CC, mas sempre se deverá fundar em critérios/dados objectivos, designadamente através do recurso à fórmula comummente aceite e utilizada pelos nossos Tribunais, a saber: (1+i)N – 1 C = ¾¾¾¾ x P (1+i)N x i Em que: “C” corresponde ao capital a depositar no 1º ano; “P”, à prestação a pagar no 1º ano, “i”, a taxa de juro a aplicar; “n”, o n.º de anos em que a prestação se manterá.
OO. A gravidade do dano não patrimonial tem que ser aferida por critérios objectivos, tomando em consideração as circunstâncias do caso concreto, e não, através de um critério subjectivo, devendo o montante da indemnização ser fixado, segundo padrões de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica, à do lesado e titular da indemnização, e às flutuações do valor da moeda, proporcionalmente, à gravidade do dano.
PP. Os distúrbios físicos e psicológicos de que, de acordo com a matéria provada, a Recorrida padece podem ter origem (ou agravamento) por inúmeros motivos, tratando-se de distúrbios sentidos pela generalidade das pessoas e que poderão não ser, directamente ou exclusivamente, imputáveis ao acidente dos autos.
QQ. Relativamente ao “dano estético”, resulta da Sentença recorrida (alínea HH. da fundamentação de facto) que mesmo corresponde ao grau 1 em 7 possíveis, ou seja, ao seu valor mínimo, pelo que não pode, objectivamente, comportar os efeitos que a Recorrida, subjectivamente, lhe atribuiu.
RR. Para além do mais, a indemnização relativa aos danos não patrimoniais, não pode ignorar, nem deixar de ter como referência, o valor que vier a corresponder à indemnização relativa à IPP, nem, tão pouco, o referencial estabelecido pela Recorrida a sua P.I., assim como o pedido concretamente deduzido, sendo certo que esta valorizou a sua IPP em € 150.000,00 e os danos não patrimoniais em € 35.000,00, ou seja, em 23,3% do montante total da primeira.
SS. Dependendo da decisão que vier a ser proferida relativamente à responsabilidade, culpabilidade e nexo de causalidade, o montante da indemnização eventual devida pela ora Recorrente sempre deverá ser alterado/reduzido, designadamente tendo por referência e limites os seguintes valores máximos:
a) Em caso de responsabilidade integral pela IPP de 10 pontos Danos patrimoniais de € 16.404,08 (dezasseis mil, quatrocentos e quatro euros e oito cêntimos); ou, b) Em caso de responsabilidade integral pela IPP de 3 pontos e de responsabilidade, nunca superior a 50%, pela IPP de 7 pontos: Danos patrimoniais de € 10.841,67 (dez mil, oitocentos e quarenta e um euros e sessenta e sete cêntimos); ou, c) Em caso de responsabilidade integral apenas pela IPP de 3 pontos: Danos patrimoniais de € 4.920,03 (quatro mil, novecentos e vinte euros e três cêntimos); e, d) Danos não patrimoniais: 23,3% da indemnização relativa à IPP pela qual a ora Recorrente seja eventualmente considerada responsável, ou seja: i. € 3.822,16 (três mil, oitocentos e vinte e dois euros e dezasseis cêntimos), no caso da anterior alínea a); ou ii. € 2.526,11 (dois mil, quinhentos e vinte e seis euros e onze cêntimos), no caso da anterior alínea b); ou iii. € 1.146,37 (mil cento e quarenta e euros e trinta e sete cêntimos), no caso da anterior alínea c)
TT. O que, contas feitas, corresponde a um dos seguinte montantes máximos/globais: a) € 20.226,24 (vinte mil, duzentos e vinte e seis euros e vinte e quatro cêntimos); ou, b) € 13.367,79 (treze mil, trezentos e sessenta e sete euros e setenta e nove cêntimos); ou, d) € 6.066,4 (seis mil, sessenta e seis euros e quatro cêntimos).
UU. Ao montante máximo/global assim apurado cresce a devida/correspondente responsabilidade pelo pagamento da quantia de € 400,00 (quatrocentos euros) a que alude alínea II. da fundamentação de facto, bem como os correspondentes juros de mora, contados a partir do momento em que o crédito da Recorrida se tornar líquido, ou seja, do trânsito em julgado da sentença, nos termos e ao abrigo da 1.ª parte do n.º 3 do art. 805.º do Código Civil, e não, como incorrectamente decidido pelo Tribunal de 1.ª instância, da 2.ª parte deste mesmo preceito legal.
A A apresentou contra-alegações sustentando a manutenção do decidido.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
III – O tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
A. A Autora nasceu no dia ... de ... de 1980 (cfr. doc. a fls. 30 dos autos - al. H) dos factos assentes).
B. A Ré dedica-se ao transporte de passageiros e viaturas por via marítima mediante retribuição pecuniária (al. A) dos factos assentes).
C. A Ré aceitou transportar a Autora, em 10.06.2009, na embarcação “F”, do ... para ..., e, em 14.06.2009, do ... para ..., mediante um preço previamente pago por aquela (al. B) dos factos assentes).
D. No dia da viagem marítima de regresso do ... para o ..., no dia 14.06.2009, pelas 20.15 horas, a Autora entrou no porão (estacionamento do barco) “F” no interior do veículo marca ..., matrícula ..., da propriedade da empresa “G”, Lda. (resposta ao artigo 1º da base instrutória).
E. Em tal data e hora, no ... chovia com intensidade (resposta ao artigo 2º da base instrutória).
F. À hora da queda, encontravam-se na garagem do navio diversos tripulantes da Ré que auxiliavam os utentes na circulação e parqueamento dos automóveis na respectiva garagem (resposta ao artigo 42º da base instrutória).
G. Nesse dia, a capacidade e a área do parqueamento no interior do barco estavam esgotadas (resposta ao artigo 3º da base instrutória).
H. Por tal razão os colaboradores da Ré encarregados de controlar o tráfego rodoviário no interior do barco e de gerir o referido espaço destinado ao transporte de carros, mandavam os condutores imobilizar os respectivos veículos, o mais próximo possível, junto das restantes viaturas (resposta ao artigo 4º da base instrutória).
I. (…) sendo mínimos os espaços deixados entre os veículos parqueados naquele espaço do barco, que não permitiam a circulação de passageiros entre os carros, sendo de 20 cm, os espaços deixados entre a traseira e a frente dos veículos parqueados (resposta ao artigo 5º da base instrutória).
J. Por indicação dos colaboradores da Ré, a viatura da Autora foi parqueada sobre plataforma móvel existente no referido estacionamento que forma um piso superior relativamente ao casco daquela embarcação (al. C) dos factos assentes).
K. As pessoas que se encontravam no interior do veículo, onde a Autora seguia, não conseguiam abrir as portas do lado direito dada a diminuta distância que separava esse veículo estacionado à sua direita (resposta ao artigo 6º da base instrutória).
L. O veículo por onde seguia a Autora foi parqueado na parte de cima, sobre a placa móvel, tendo ficado entre a corda que então delimitava tal plataforma do lado esquerdo e rodeado de outros veículos quer à frente, como atrás, como do lado direito (resposta ao artigo 7º da base instrutória).
M. Por tais razões, a Autora, quando pretendia sair do 00-00-00, não conseguiu abrir a porta do lado direito porque o veículo estacionado ao lado estava demasiado encostado àquele (resposta ao artigo 8º da base instrutória).
N. Razão pela qual saiu pela porta do lado esquerdo do mesmo, que dava para a corda que existia a delimitar o piso superior daquele parque de estacionamento, sendo que a distância entre a lateral deste veículo e a corda era, no máximo, de 40 cm. (resposta ao artigo 9º da base instrutória).
O. A Autora, saindo pela porta do lado esquerdo de trás da viatura, decidiu contornar esta última pela parte de trás, para aceder às portas de acesso aos decks (resposta ao artigo 10º da base instrutória).
P. À data dos factos, o que demarcava aquele piso superior eram duas cordas paralelas, a superior colocada a cerca de 1 metro de altura, que se apresentavam bambas e, por isso, sem qualquer função de protecção (resposta ao artigo 13º da base instrutória).
Q. Ao dar o passo para trás, o pé caiu num buraco existente naquela plataforma tendo provocado o seu desequilíbrio, seguido da queda da Autora de uma altura de cerca de 2, 20 m., acabando por se estatelar no fundo do barco (resposta ao artigo 11º da base instrutória).
R. À data dos factos ora descritos, a plataforma basculante, onde o 00-00-00 foi parqueado, não contava com qualquer varandim de protecção, que a existir impediria a queda da Autora (resposta ao artigo 12º da base instrutória).
S. Em consequência directa e necessária dessa queda, resultaram lesões ao nível do membro superior esquerdo para a Autora, que determinaram o seu encaminhamento para o Centro de Saúde do ..., tendo sido no mesmo dia evacuada pelo aviocar para o Centro Hospitalar do ... (al. E) dos factos assentes).
T. A Autora sofreu uma queda dentro do navio referido em C) (al. D) dos factos assentes).
U. À data, a Autora apresentava fractura por flexão do terço proximal do número esquerdo, com fragmento intermédio tipo 12 83 AO, tendo sido orientada pela entidade seguradora para a Clínica ... (al. F) dos factos assentes).
V. No estudo radiológico do braço esquerdo (2PP), datado de 15.06.2009, foi identificada uma fractura complexa, com desalinhamento envolvendo a diafise humeral (al. G) dos factos assentes).
W. Em consequência do referido nas als. S), U) e V), a Autora permaneceu internada nessa mesma clínica do dia 17.06.2009 até ao dia 19.06.2009 e de 22.07.20009 até ao dia 25.09.2009, sendo que este último internamento se ficou a dever ao facto de os médicos da clínica onde a Autora ficou internada não se terem apercebido, aquando do 1º internamento, de que esta tinha também uma lesão no pulso, que foi diagnosticada do 1º internamento e tratada neste último internamento (resposta ao artigo 14º da base instrutória).
X. Nessa clínica, a Autora foi sujeita a intervenção cirúrgica no dia 17.06.2009 para redução e colocação de material de osteossintese do ombro esquerdo com placa e parafusos (resposta ao artigo 15º da base instrutória).
Y. E mais tarde, a 22.07.2009, a Autora foi operada novamente para colocação de material de osteossintese do escafoide com parafuso e fixação da apófise estiloide do rádio com fios de Kirner (resposta ao artigo 16º da base instrutória).
Z. A Autora foi remetida para a consulta de ortopedia e fisioterapia (resposta ao artigo 17º da base instrutória).
AA. A Autora realizou sessões de fisioterapia, com início em 07.07.2009 e terminus em 31.12.2009, cujo valor foi suportado pela sociedade ““H””, responsável pela gestão técnica e de pessoal do navio “F” (resposta ao artigo 18º da base instrutória).
BB. Após o 1º internamento, foi diagnosticada à Autora, para além de fractura complexa com desalinhamento da diafise umeral esquerda, fractura do escafoide do punho esquerdo e apófise do rádio esquerdo, lesões também resultantes da queda acima referida (resposta ao artigo 19 da base instrutória).
CC. Por via das lesões acima referidas, a Autora permaneceu com incapacidade absoluta para o trabalho desde o dia da queda até à data da alta médica atribuída em 04.01.2010 (resposta ao artigo 20º da base instrutória).
DD. (…) tendo também permanecido impedida de realizar com autonomia da vida diária, familiar e social durante um período de 21 dias (resposta ao artigo 21º da base instrutória).
EE. A Autora esteve totalmente impedida de exercer a sua profissão até 04.01.2010, sendo a sociedade ““H””, responsável pela gestão técnica e de pessoal do “F”, que suportou o valor dos vencimentos da Autora até ao dia 04.01.2010 (resposta ao artigo 22º da base instrutória).
FF. À data do sinistro, a Autora desempenhava as funções de esteticista, auferindo, em Junho de 2009, um vencimento mensal de 413, 10 euros, ao serviço da empresa “I”, Lda. (resposta ao artigo 23º da base instrutória).
GG. Por via da queda e das lesões actualmente, a Autora apresenta limitação da rotação interna do ombro esquerdo, limitação da flexão dorsal e palmar, além do desvio do cubital e radial do punho esquerdo, bem como cicatrizes operatórias (resposta ao artigo 24º da base instrutória).
HH. A Autora apresenta, em consequência das lesões sofridas pela queda acima referida, uma IPP de 10 pontos, sendo 7 desses pontos referentes à rigidez do punho e 3 pontos referentes à rigidez ombro e um dano estético de 1 ponto (em 7 pontos) (resposta ao artigo 25º da base instrutória).
II. Nos primeiros 21 dias seguintes à queda, a Autora precisou do apoio de 3ª pessoa para a auxiliar nas suas tarefas domésticas e na sua própria higiene pessoal, já que não conseguia mover-se, tendo pago àquela a quantia de 400, 00 euros (resposta ao artigo 27º da base instrutória).
JJ. A Autora, nos 90 dias seguintes à queda e em consequência das lesões sofridas, ficou limitada nas suas lides domésticas, como engomar, limpar o chão e o pó de casa (resposta ao artigo 28º da base instrutória).
KK. A Autora terá de fazer esforços acrescidos para exercer a sua profissão (resposta ao artigos 28º e 29º da base instrutória).
LL. À data da queda, a Autora não tinha qualquer defeito físico (resposta ao artigo 32º da base instrutória).
MM. (…) tinha alegria de viver e boa disposição (resposta ao artigo 33º da base
instrutória).
NN. Pelo facto de actualmente continuar a sofrer dores físicas, incómodos e mal-estar, a nível do ombro, braço e punho esquerdos, que se exacerbam com os esforços e que até à data do sinistro descrito não sentia, a Autora padece de alterações de humor, do sono e afectivas, e, por vezes, não consegue dormir com as dores que sente naquele braço (resposta ao artigo 34º da base instrutória).
OO. Antes da queda em apreço, a Autora era uma jovem mulher, arranjada, vaidosa, que valorizava e investia no seu visual, na sua imagem, mas actualmente e desde essa queda, deixou de usar roupa sem mangas e de ir à praia, para não expor publicamente as extensas e feias cicatrizes que passou a exibir no braço esquerdo por via daquelas lesões (resposta ao artigo 36º da base instrutória).
PP. Para além do mais, a Autora costumava jogar ténis (resposta ao artigo 37º da base instrutória).
QQ. A Autora evita conviver com amigos e parentes (resposta ao artigo 38º da base instrutória).
RR. A Autora sofreu dores a partir do momento em que se tornou vítima da queda até ao estabelecimento hospitalar do ..., onde foi assistida (resposta ao artigo 39º da base instrutória).
IV – São as seguintes as questões que de acordo com as conclusões das alegações do presente recurso cumpre apreciar:
- Se a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, na medida em que não resolveu a questão suscitada pela apelante referente à exclusão/limitação da sua (eventual) responsabilidade;
- Se tal sentença constituiu uma decisão surpresa, ao ter subsumido a situação de facto na responsabilidade civil extra-contratual, quando a A. situou tal responsabilidade no campo contratual, como resulta de ter interposto a acção no tribunal territorialmente competente para tal efeito, decorrendo ainda, do assim decidido, a nulidade da sentença por condenação em objecto diverso do pedido;
- Se a sentença é nula por falta de fundamentação, na medida em que não esclareceu/enunciou os pressupostos/critérios objectivos com que apurou o valor que entendeu adequado ao ressarcimento dos danos da A.;
- Se a sentença é nula por ter condenado em objecto diverso do pedido, desta feita por não ter respeitado os tectos/ limites para cada um dos danos invocados;
- Se a matéria de facto constante dos arts 24º e 25º da BI deveria ter sido respondida de forma a excluir que as lesões do punho esquerdo da A. não resultaram directa e/ou necessariamente da queda dos autos, devendo, de qualquer modo, corrigir-se o lapso de escrita a que se refere a resposta ao art 14º.
- Se deveria ter sido considerada a matéria de facto alegada pela apelante nos art 1º, 2º, e 3º da contestação por se tratarem de factos instrumentais convenientes à apreciação da causa, tendo os mesmos resultado da instrução/discussão da causa e dos documentos juntos com a contestação;
- Se deverá ser acrescentada à matéria de facto tido como provada a circunstância da apelante já ter pago à A a quantia de € 15.288,09 por conta do sinistro que os autos respeitam, consoante art 21º da contestação;
A última questão a apreciar, que é a nuclear, pressupõe a reanálise dos pressupostos da responsabilidade civil, a sua eventual limitação, a possível concorrência da culpa e a fixação da indemnização que seja devida.
Resulta das disposições conjugadas do art 668º/1 al d) e e 660º /2 CPC que se o juiz não resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação incorre em omissão de pronúncia, o que torna a sentença nula.
Uma questão – no sentido de objecto obrigatório do dever de cognição do juiz - «é todo o problema relativo à qualificação jurídica, à validade, ao regime e à subsistência da relação material controvertida» [1].
A R. na contestação defendeu-se claramente com a excepção referente à limitação da sua (eventual) responsabilidade em função conteúdo da clausula 12ª das “condições e limites do contrato de transporte de passageiros por mar”, referindo que, concluindo-se pela sua responsabilidade, a mesma não poderá exceder o valor de 44.039,95, resultante da subtracção ao valor de € 59.328,04 a que se refere tal cláusula, do valor de € 15.288,09 referente à quantia entretanto já paga à R. em função do sinistro dos autos.
A sentença recorrida não se pronunciou sobre essa questão, nem sequer para a concluir como prejudicada em sede de responsabilidade civil extra-contratual.
Por isso, enferma de nulidade que este tribunal suprirá nos termos do art 715º/1 CPC.
Nos termos conjugados do art 668º/1 al b) e 158º CPC, e de harmonia com o art 205º/1 da CRP, é nula a decisão judicial que não contenha os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Está em causa na nulidade em apreço a falta absoluta de fundamentos, sendo que a motivação incompleta, deficiente ou errada não produz tal nulidade.
O Exmo Juiz a quo para concluir pelo concreto montante de indemnização a atribuir à A. procedeu às seguintes considerações:
« Assim, o obrigado à indemnização terá de reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, conforme dispõe o artigo 562º do Código Civil, que consagrou o «princípio da reposição natural». Embora a intenção da lei seja a remoção do dano real à custa do responsável, por ser a forma que mais eficazmente garante o interesse do lesado, nem sempre a reparação natural pode ser realizada, ou porque não é possível (material ou juridicamente), ou porque não repara integralmente os danos (quando a reconstituição não cobre todos os danos ou quando não abrange todos os aspectos em que o dano se desdobra) ou porque é excessivamente onerosa para o devedor (quando houver manifesta desproporção entre o interesse do lesado que importa recompor e o custo que a reparação natural envolve para o responsável). Em relação aos danos não patrimoniais, ou seja, aqueles danos que têm por objecto um bem ou interesse sem conteúdo patrimonial, insusceptível, em rigor, de avaliação pecuniária, já não poderemos falar de uma verdadeira indemnização mas antes de um compensação que “tem por fim facultar ao lesado uma importância em dinheiro apta a propiciar alegrias e satisfação que lhe façam esquecer na verdade o sofrimento físico e moral que lhe foi provocado pelo acidente” Assim, relativamente ao caso em apreciação, diremos que, atentas as lesões sofridas pela Autora, os tratamentos a que foi sujeita, incluindo as intervenções cirúrgicas de que foi alvo, o período de duração desses tratamentos e as consequências físicas para a Autora, quer a nível pessoal quer a nível profissional, nomeadamente em termos de incapacidade parcial – referidos nas als. U) a Z) e GG) a RR)- entendemos ser ajustado fixar-lhe a título de compensação a quantia de 75 000, 00 euros, à qual deverão acrescer juros de mora contados desde a data da citação até integral pagamento (artigos 805º, n.º 1 e 3, e 806º, n.º 1, ambos do Cód. Civil). Importará nesta sede referir que, apesar de a Autora ter sido sujeita a duas operações, a segunda por incúria dos médicos, que não detectaram todas as lesões na primeira intervenção, não se apurou que o facto de as lesões não terem sido detectadas todas na primeira intervenção tenha tido qualquer consequência no estado físico actual da Autora, daí a responsabilidade recair totalmente sobre a Ré. Para além disso, não se apurou a necessidade de realizar quaisquer outras (Ac. do STJ de 11 de Maio de 1999, in “STJ Sumários de Acórdãos, Gabinete dos Juízes Assessores”, n.º 31, Maio de 1999, pág. 19) operações à Autora, que implique a condenação da Ré em valores a liquidar em execução de sentença. No que concerne aos danos patrimoniais, assente que já foram pagos os ordenados no período em que esteve incapacitada para o trabalho e as sessões de fisioterapia, teremos de ter em conta unicamente, porque nada mais ficou provado, o valor de 400, 00 euros suportado pela Autora para receber auxílio de terceira pessoa logo após a queda, valor que a Ré deverá suportar, sendo certo que, também nesta situação, deverão acrescer juros de mora contados desde a data da citação até integral pagamento (artigos 805º, n.º 1 e 3, e 806º, n.º 1, ambos do Cód. Civil).
Esta fundamentação, pelas referencias fácticas e jurídicas que contém, podendo não ser suficiente como justificação de todas as verbas em que a A. optou por parcelar o seu pedido indemnizatório, obsta, apesar de tudo, a que se possa configurar a nulidade em causa.
Resulta das disposições conjugadas do art 668º/1 al e) e e 661º /1 CPC que a sentença será nula quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
Pretende a apelante que a sentença enferma desta nulidade, na medida em que não terá tomado em conta as diferentes verbas em que a A. discriminou o seu pedido, de modo a não exceder o respectivo valor.
Ora, há muito que se tornou pacifico o entendimento na jurisprudência de que deve considerar-se que o limite da condenação emergente do 661º/1 CPC é referido ao pedido global e não às parcelas em que para demonstração do quantum indenmizatório pretendido o autor opta por desdobrar o calculo do prejuízo. Assim, se o autor sobreavaliou um dano e subavaliou outro, o tribunal pode compensar as quantias parcelarmente indemnizatórias dentro do valor do pedido global, como até poderá concluir por culpa do lesado, e mesmo assim, ir até ao limite correspondente ao pedido global. Ponto é, que, em última análise, a sentença não extravase na condenação o montante global do pedido, que, in casu, em termos líquidos, se situou em € 198.871,20 [2].
Por isso, bem longe esteve o tribunal recorrido da prática da nulidade em questão ao ter condenado a R. a pagar à A. a quantia de € 75.400,00.
Não vem propriamente enunciada na matéria de facto tida como provada a circunstância factual da apelante ter já suportado por conta do acidente dos autos o montante global de € 15.288,09.
Não obstante essa falta de enunciação, o Exmo Juiz a quo teve em consideração tal facto na sentença, quando nela referiu que «No que concerne aos danos patrimoniais, assente que já foram pagos os ordenados no período em que esteve incapacitada para o trabalho e as sessões de fisioterapia….».
Conclusão que lhe advém da matéria provada constante da resposta ao art 22º da base instrutória (suportou os vencimentos da A. até ao dia 4/1/2010)
Não obstante, a concretização do valor em causa oferece utilidade para efeitos da apreciação, quer do limite, quer do montante da indemnização devida.
E não há dúvida que o mesmo se encontra provado, pois que tendo sido alegado pela R. nos arts 82º, 83º e 121º da contestação, não foi impugnado pela A. na réplica, resultando ainda do doc nº6 junto com a contestação, igualmente não impugnado.
É sabido que, como resulta do nº 3 do art 659º CPC, a enunciação dos factos provados na fase da condensação nada tem de definitivo, pois que não liberta o juiz prolator da sentença do dever de a rever, para tomar em consideração os factos que considere provados – nomeadamente por documentos – e que não tenham sido dados como assentes na fase da condensação. Procedimento igual deve ter o presente tribunal, ainda que disso as partes não falem nem oportunamente tenham reclamado.
Por isso, se acrescenta à matéria de facto provada, inserindo-se como facto SS) o seguinte: «A R. já entregou à A. o montante global de € 15.288,09, nela estando incluída a quantia referente aos salários não auferidos pela A. no período compreendido entre 14/6/2009 e 31/12/2009»
A R. alegou nos arts 1º, 2º e 3º da contestação os seguintes factos: 1-Como é do conhecimento público, a R é aentidade concessionária do serviço público de transporte marítimo de passageiros e mercadorias entre a ... e a ..., prestado, essencialmente, com recurso ao Navio denominado “F”. 2- O “F” foi construído de acordo (e cumpre) todas as normas e regulamentos nacionais e comunitários aplicáveis, designadamente em matéria de segurança dos passageiros. 3 – Possuindo todas as habilitações e certificações legalmente exigidas para efeito de operação e exploração».
Para a prova do alegado no art 1º juntou os documentos de fls 101 a 146 (cópia do contrato de concessão e do registo de propriedade); para a prova do facto referido no art 3º, os docs de fls 151 a fls 166, concretamente, “Certificado de Segurança Para Navio de Passageiros (fls 152), Certificado Internacional de Prevenção da Poluição Por Hidro Carbonetos (fls 153), “Documento de Conformidade” (fls 157), Certificado de aprovação do sistema de dados ( fls 159), Registo Sinóptico Continuo Para o Navio com o nº IMO 9267390 (fls 161), Registo Internacional de Navios da ... ( fls 162), Certificado de Lotação de Segurança (fls 163), Certificado de Compensação de Agulhas magnéticas (fls 164), Licença de Estado da embarcação (165) e a fls 166 documento cujo titulo não resulta perceptível.
È certo que a A. não impugnou estes documentos.
Mas daí não se segue que deles resulte provado, com a necessária segurança, que o ““F”” foi construído de acordo (e cumpre) todas as normas e regulamentos nacionais e comunitários aplicáveis, designadamente em matéria de segurança dos passageiros, possuindo todas as habilitações e certificações legalmente exigidas para efeito de operação e exploração.
As alegações em causa da A. são genéricas e conclusivas, pelo que a junção daqueles documentos não poderia nunca equivaler ao facto de que o navio em causa cumpre todas as normas e regulamentos nacionais e comunitários aplicáveis, designadamente em matéria de segurança dos passageiros, possuindo todas as habilitações e certificações legalmente exigidas para efeito de operação e exploração.
Tão pouco, ao facto (ainda mais conclusivo) que a apelante faz agora valer: «O navio dos autos encontra-se autorizado a navegar, possuindo todas as certificações de segurança exigíveis, quer em termos construtivos, quer em termos operacionais”.
Que o navio da R. se encontra autorizado a navegar, é verdade, mas não é essa a verdade que a apelante pretende ver adquirida.
Já o facto alegado no art 1º pode dar-se como provado em função da cópia do contrato de concessão junto aos autos, revestindo-se o mesmo de relevância para enquadrar a qualidade da R..
Pelo que se acrescenta à matéria provada – facto TT) – que «A R. é a entidade concessionária do serviço público de transporte marítimo de passageiros e mercadorias entre a ... e a ..., prestado, essencialmente, com recurso ao Navio denominado “F””.
No que se refere à reapreciação da decisão da matéria de facto, entende a apelante que a matéria dos arts 24º e 25º da BI, em face da prova produzida, deveria ter sido respondida de modo diverso, concretamente do seguinte modo: GG. Por via da queda e das lesões actualmente, a Autora apresenta limitação da rotação interna do ombro esquerdo, limitação da flexão dorsal e palmar, bem como cicatrizes operatórias. HH. A Autora apresenta, em consequência das lesões sofridas pela queda acima referida, uma IPP de 3 pontos referentes à rigidez do ombro e um dano estético de 1 ponto (em 7 pontos).
Argumenta nesse sentido em função do depoimento das testemunhas “C” e “D”, ambos médicos ortopedistas, e dos documentos 3 e 4 juntos pela A..
Perguntava-se, respectivamente, nos arts 24º e 25º da BI:
«Por via da queda e das lesões consequentes, actualmente, a Autora apresenta incapacidade funcional na articulação do membro superior esquerdo limitação da rotação interna do ombro esquerdo, limitação da prono-supinação do punho esquerdo, limitação da flexão e extensão do punho esquerdo e cicatrizes lineares».
«A Autora apresenta, em consequência das lesões sofridas pela queda acima referida, uma incapacidade permanente geral de 20%»
E foi respondida a tal matéria, respectivamente:
«Por via da queda e das lesões actualmente, a Autora apresenta limitação da rotação interna do ombro esquerdo, limitação da flexão dorsal e palmar, além do desvio do cubital e radial do punho esquerdo, bem como cicatrizes operatórias»
«A Autora apresenta, em consequência das lesões sofridas pela queda acima referida, uma IPP de 10 pontos, sendo 7 desses pontos referentes à rigidez do punho e 3 pontos referentes à rigidez ombro e um dano estético de 1 ponto (em 7 pontos)»
O que a apelante pretende é que, tal como o enuncia na conclusão N, se excluam as lesões existentes no punho da A. - desvio do cubital e radial do punho esquerdo e rigidez desse punho – como lesões decorrentes da queda a que os autos respeitam, entendendo que não se provou que tenham resultado directa e/ou necessariamente dessa queda, dizendo que o que se provou foi que “ fruto de um erro de diagnóstico/médico, a Recorrida não foi, como deveria ter sucedido, imediatamente operada às lesões no punho, omissão essa que reduziu as suas capacidades de recuperação/cura e agravou as consequências decorrentes da queda.”
Ora, salvo melhor opinião, a apelante confunde dois planos distintos na prova em causa acabando, ao que parece, por se contradizer.
È que, se diz que a prova produzida implicava que a A. deveria ter sido imediatamente operada às lesões do punho – como o faz – é porque, afinal, admite, que as lesões do punho são consequência – directa e necessária - do acidente. Qualifica é erradamente o diagnóstico médico, já que o que a prova produzida, maxime o depoimento das testemunhas para que aponta, permite concluir, não é propriamente no sentido de um erro de diagnóstico, antes, para uma sua insuficiência, insuficiência essa, porém, perfeitamente justificável num episódio de urgência.
Vejam-se, confluindo nesse sentido, as seguintes declarações da testemunha “C”: «Mas posso dizer-lhe como médico e por acaso também sou ortopedista, posso lhe dizer porque que isso pode acontecer, num doente qualquer. O diagnóstico principal e aquilo que leva a doente a ir ao médico, portanto o foco principal foi a fractura do úmero. O braço fica instável e tratado portanto essa... Como a queixa do doente é reportada à situação principal, por vezes situações menores no mesmo membro, podem passear despercebidas. Isso acontece muito. E isso só numa segunda apreciação, depois de estar estabilizado uma, é que a doente chama a atenção para outro foco de interesse e que explorado vai se ver que tem uma segunda lesão». E um pouco mais adiante: «Se tivesse o diagnóstico completo podia ter sido (operada de imediato). Muitas vezes é o que acontece. Seja no pulso seja onde for».
Por sua vez, o depoimento da testemunha “D”, lamentando embora o sucedido - «É uma pena neste caso não ter sido diagnosticada loqo imediatamente, e a tentativa de redução ter sido feita logo» - acaba por não ser diferente quando refere – e ainda que frisando que se tivesse sido com ele não teria deixado, certamente, de radiografar o membro – que, o que sucedeu – insuficiência de diagnóstico – é na situação concreta compreensível: «E perante uma factura destas é raríssimo haver uma factura no mesmo membro. Ou seja o azar dela aqui … Se ela tinha feito na outra mão, era muito mais… toda a gente tinha notado logo! Havia dor na mão. Havia dor… A dor no úmero na altura devia ser tal, e toda a preocupação…»
Assim, a prova produzida é no sentido de que a lesão no punho esquerdo decorreu, tanto quanto a do úmero, da queda da A. no barco da R. Só que não foi diagnosticada na urgência, e tão pouco, por arrastamento, no diagnóstico imediatamente subsequente feito na clínica para onde seguiu, na medida em que, por um lado, não seriam de esperar duas lesões no mesmo membro, por outro, porque a maior dor do úmero absorveu a do punho, sendo que só depois daquela ter sido controlada, é que pôde ser diagnosticada.
Assim, há que manter as respostas dadas aos arts 24º e 25º da base instrutória.
E por assim se concluir, faz todo o sentido corrigir a redacção da al W) dos factos provados tornando claro que “ Em consequência do referido nas alíneas S), U) e V), a Autora permaneceu internada nessa mesma clínica do dia 17.06.2009 até ao dia 19.06.2009 e de 22.07.2009 até ao dia 25.09.2009, sendo que este último internamento se ficou a dever ao facto de os médicos da clínica onde a Autora ficou internada não se terem apercebido, aquando do 1º internamento, de que esta tinha também uma lesão no pulso, que não foi diagnosticada no 1º internamento e tratada neste último internamento.”
Entende a apelante que o Exmo Juiz a quo ao ter subsumido a situação fáctica a que os autos respeitam na responsabilidade civil extra-contratual, produziu uma “decisão surpresa” e, conhecendo de questão que não fora colocada pelas partes, incorreu na nulidade de sentença prevista na al d) do art 668º CPC condenando em objecto diverso do pedido, acrescendo que, ao proceder desse modo, subverteu as regras, não coincidentes, da competência territorial do tribunal constantes dos nº 1 e 2 do art 74º CPC.
È verdade que o juiz não pode conhecer senão das questões colocadas pelas partes, nos termos do art 660º/2 CPC, mas essa norma acrescenta «salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento de outras».
Ora o conhecimento do direito é para o juiz “oficioso” porque o mesmo não está sujeito às alegações das partes «no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito», nos termos do art 664º CPC.
O que significa nas palavras de Alberto dos Reis [3] «que o juiz é livre na busca e escolha da norma jurídica que considera adequada. O autor ou o réu invoca determinada disposição legal; se o juiz entender que tal disposição não existe ou que, apesar de existir, não é a que se ajusta ao caso concreto em litígio, põe completamente de parte a indicação feita pela parte e vai buscar a regra de direito que, em seu modo de ver, regula a espécie de que se trata».
Assim o juiz «pode e deve suprir ex officio as deficiências ou inexactidões das partes no tocante, quer à qualificação jurídica do facto, quer à interpretação e individuação da norma».
E conclui: «É livre o tribunal na qualificação jurídica dos factos, contando que não altere a causa de pedir».
Adverte, no entanto, [4] que há que não confundir a causa de pedir – acto ou facto jurídico de que procede a pretensão feita valer - com a qualificação, que é «o aspecto ou o prisma jurídico» sob o qual aquele acto ou facto jurídico vai ser encarado.
Por isso, as considerações da apelante só poderão proceder se não fosse possível conceptualizar a causa de pedir na acção como integrada (também) pela responsabilização extracontratual da R, pois que se essa conceptualização for admissível, estará apenas em causa uma diferente qualificação dos factos, que, como se observou, é sempre livre para o juiz.
Ora a A., ao intentar a acção fê-lo sem aludir a qualquer norma legal.
Parece, no entanto, tê-la colocado sob a égide da responsabilidade contratual, “maxime” em função da alegação do art 18º da petição, onde refere: «A falta de condições de segurança para quem viaja naquele barco, consubstancia a violação por parte da R. de dever de vigilância quanto aos passageiros em geral e particularmente à aqui A., que lhe impunha o contrato de transporte de passageiros por mar celebrado com a mesma». O que não a impediu de pedir indemnização por danos não patrimoniais, indemnização (o “dinheiro da dor”) que, como é sabido, é classicamente excluída da responsabilidade contratual.
Não é de hoje a preocupação da doutrina e da jurisprudência pela questão da concorrência da responsabilidade civil contratual e extra contratual.
De Cupio [5], na doutrina italiana, ilustrava o interesse dessa questão referindo justamente: «O dano que o viajante sofre na sua pessoa por motivo do transportador é (…) um dano contratual produzido pelo não cumprimento da obrigação derivada do contrato de transporte; mas ele é também causado em violação da norma de que resulta o direito absoluto à integridade física, e sob este aspecto aparece como dano extracontratual»
Salienta a este propósito, Vaz Serra [6], que se trata de um único dano, que atinge um único interesse (à vida, à integridade física), e que é produzido por um único facto.
E que, perante essa realidade, para uns «a norma que tutela genericamente um interesse fica sem função em face de outra norma que mais especificamente tutela o mesmo interesse», pois que, uma vez que «as partes voluntariamente atribuíram a um seu interesse uma determinada tutela, subtraíram-no, por isso mesmo, a qualquer outra tutela». Enquanto que, para outros, «não parece justo que só porque Ticio concluiu com Caio um contrato, se considere ter renunciado à defesa de que teria gozado independentemente do contrato; não pode falar-se já de renúncia e de restrição da tutela jurídica, mas, pelo contrário, de reforço e integração dela; na realidade da vida, em verdade, quem conclui um contrato não pensa circunscrever, mas antes aumentar a sua tutela».
«O contrato não priva as partes da protecção geral, pois pela celebração de um negócio jurídico não se renuncia à defesa que se teria independentemente dele», antes «não sendo de presumir que, com o contrato, se tenha querido afastar a responsabilidade delitual, principalmente quando os contraentes teriam dificuldade em prever a possibilidade do dano» (…) «Com a celebração do contrato, os direitos do credor são reforçados e não limitados» (…) «Se a existência de um contrato estabelece entre as partes mútuos deveres de protecção, mais intensos do que em relação a terceiros, não se justifica que a tutela do credor seja inferior à destes[7]».
Na questão em apreço – do concurso da responsabilidade contratual e extra-contratual – têm vindo a ser praticados dois sistemas, o do cúmulo e o do não cúmulo.
No primeiro têm sido ensaiados três entendimentos: a possibilidade de o lesado se socorrer, numa única acção, das normas da responsabilidade contratual e extra-contratual; a de se lhe conceder, na mesma acção, a opção entre os procedimentos fundados apenas numa ou noutra dessas responsabilidades; e a de admitir, em acções autónomas, ao lado da responsabilidade contratual, a responsabilidade extra-contratual.
O segundo sistema, que exclui o cúmulo, consiste na aplicação do regime da responsabilidade contratual, em decorrência de um princípio de subsunção [8].
Para quem seja adepto do concurso das duas responsabilidades, será ainda possível configurar esse concurso como de acções, ou de normas (ou pretensões).
Aceitando-se um concurso de acções, será diferente a causa de pedir: por um lado, o contrato, por outro, o dever jurídico de “neminem laedere”, isto é, a regra geral de não lesar outrem.
Sendo única a acção, haverá um concurso de pretensões, surgindo o dever contratual e o dever geral de não ofender direitos e bens alheios como deveres jurídicos independentes, colocados ao lado um do outro, não sendo proibido ao autor invocar em grau posterior do processo, uma norma diversa da que alegara, e sem que se possa dizer que o juiz decide “ultra petita” se aplicar uma norma diversa da invocada pelo autor.
Vaz Serra parece inclinar-se para o sistema do cúmulo, tendo como aplicável, na mesma acção, as regras de ambas as responsabilidades à escolha do prejudicado admitindo-lhe – salvo alguma excepções - que escolha parte de umas e parte de outras [9].
Já Pedro Romano Martinez [10] partindo também da ideia do concurso de pretensões, parece situar-se no sistema do cúmulo - embora não admitindo a escolha ao lesado de umas e outras normas - alcançando esse cúmulo através da dicotomia dos danos “cerca rem” e “extra rem”.
Aqueles, são os específicos ligados ao contrato, quer dizer, os causados no objecto da própria prestação.
Estes são os danos pessoais sofridos pelo credor e os danos ocasionados no restante património do “accipiens”.
Ali, aplicar-se-ão as regras da responsabilidade contratual, aqui, as da responsabilidade extra-contratual. «A responsabilidade contratual não abrange os danos extra rem, na medida em que eles estão para além do interesse no cumprimento; a responsabilidade contratual só abrange os danos que se encontram no âmbito do sinalagma, os prejuízos que excedem o risco contratual entram no campo aquiliano. Nada obsta, pois, que, entre as partes num contrato a responsabilidade seja extracontratual»
E refere: «Quando a prestação defeituosa causa, em simultâneo, danos “circa rem” e “extra rem”, o credor tem direito a uma pretensão indemnizatória, mas há um concurso de normas».
Adopta aqui a terminologia de Teixeira de Sousa – já utilizada por Vaz Serra - falando de concurso de normas de pretensão, ou de normas aplicáveis, no sentido de alternatividade de pedidos que dependem da mesma factualidade. «No concurso de pretensões há uma alternatividade de pedidos que dependem da mesma factualidade. Como refere Teixeira de Sousa[11] processualmente há uma cumulação múltipla de pretensões e o tribunal aprecia cada uma, sendo que a procedência de qualquer delas assegura ao autor o título de aquisição. O concurso é alternativo, mas a procedência de uma pretensão extingue as demais. Quando o mesmo facto causa danos de diversa natureza, não se pode considerar que estejam fundamentadas pretensões distintas. Há uma única causa petendi: o dano. E a qualificação de contratual ou delitual não altera a identidade do pedido. Tal qualificação é um simples fundamento de direito para prossecução do pedido indemnizatório e, como fundamento de direito, é alterável em virtude do princípio jura novi cúria. A acção não é interposta com um fundamento contratual ou delitual, mas antes como um pedido de indemnização. Há uma só pretensão com um duplo fundamento. Processualmente, faz-se um único pedido, sendo irrelevante a pluralidade de qualificações jurídicas».
A decisão recorrida, parece ser tributária – tal como o Ac do STJ em que se baseou [12] - do entendimento, atrás referido, defendido por Pedro Romano Martinez.
Assim, diz-se nela para se concluir que «a responsabilidade civil emergente deste acidente, ocorrido dentro do navio “F”, em princípio, está sujeita ao regime geral da responsabilidade por factos ilícitos, prevista no artigo 483º, n.º1 do Código Civil»: «(…) o facto de a Autora ter celebrado com a Ré um contrato para ser transportada num navio desta, não significa que todo e qualquer dano que tenha tido lugar na ocasião do transporte deva ter solução jurídica com base nas normas da responsabilidade contratual. Com efeito, o facto de ter ocorrido a lesão do direito à saúde da Autora na fase do cumprimento do contrato de transporte não é suficiente para descaracterizar o tipo de responsabilidade civil que recai sobre a Ré, nem impede a aplicação das regras relativas à responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos. E assim, aquela Ré responderá nos mesmos termos em que responderia qualquer outra entidade a quem pudesse ser imputada a ofensa do direito à vida ou à saúde, como tem sido defendido por aqueles que se têm debruçado especificamente sobre a concorrência de institutos de responsabilidade civil. Anote-se que o instituto da responsabilidade contratual se destina tão só a abarcar situações de cumprimento de obrigações típicas do contrato de transporte, o que não sucede no caso “sub judice” em que a conduta imputável a Ré não correspondeu a uma mera situação de incumprimento da obrigação de “facere” (transportar a Autora), mas sim a uma causa de violação de direitos absolutos na esfera jurídica da Autora (saúde e integridade física)».
Nesta conceptualização da causa de pedir – que a faz radicar no dano e não no recurso pelo autor às normas da responsabilidade civil contratual ou extra-contratual - não é sustentável a existência da nulidade da sentença a que a apelante se refere - por condenação em objecto diverso do pedido. O julgador limitou-se a qualificar o dano, inserindo-o no campo da responsabilidade civil extra contratual, extraindo daí as consequências ao nível do pedido formulado.
Por isso, a sentença não enferma da apontada nulidade.
Cumpre, no entanto, a este tribunal, tomar posição nesta problemática do concurso de responsabilidades, para, em função dela, reapreciar as questões implicadas na última e mais abrangente questão acima evidenciada.
Ora, salvo mais aprofundado entendimento, e pesem embora todas as criticas que se posam fazer ao sistema do não cúmulo – que sinteticamente passarão por aquilo que Pedro Romano Martinez designa pela “hipertrofia da responsabilidade contratual”[13] - quer crer-se que em situações de concurso entre uma e outra das responsabilidades – e não olvidando que em última análise toda a responsabilidade civil radica num princípio geral de “neminem laedere”, surgindo a responsabilidade contratual como uma das aplicações possíveis deste principio – a resposta deve encontrar-se no regime da responsabilidade contratual, entendendo-se que esta subsume a responsabilidade extra-contratual.
Dir-se-á que «essencialmente a pretensão indemnizatória é apenas uma, incindível na sua fundamentação e configuração, que deve ela fundar-se numa única espécie de responsabilidade»[14]
Ou, nas palavras de Almeida Costa, «nas hipóteses de concurso das duas variantes da responsabilidade civil, há-de convir-se que cada uma delas, a funcionar isoladamente, esgotaria a protecção que a ordem jurídica pretende dispensar a casos deste tipo. A integração de tais hipóteses num ou noutro esquema – o que equivale à correspondente qualificação como ilícito contratual ou extracontratual – depende, portanto, da perspectiva geral que preside à regulamentação do direito das obrigações. Ora, neste âmbito impera, como não se ignora, o princípio da autonomia privada, segundo o qual compete às partes fixarem a disciplina que deve reger as suas relações com ressalva dos preceitos imperativos. Assim, parece que, perante uma situação concreta, sendo aplicáveis paralelamente as duas espécies de responsabilidade civil, de harmonia com o assinalado princípio, o facto tenha em primeira linha de considerar-se ilícito contratual. Sintetizando: de um prisma dogmático, o regime da responsabilidade contratual consome o da extra-contratual. Nisto se traduz o princípio da consunção».
Por assim se entender, a responsabilidade da R. há-de entender-se como contratual.
E o contrato de transporte de passageiros por mar – cuja disciplina jurídica, tanto quanto se tem conhecimento, se encontra exclusivamente no DL 349/86 de 17/10, pois que a Convenção de Atenas de 13/12/1974, relativa ao transporte por mar de passageiros e suas bagagens, e o Protocolo de 2002 a essa Convenção, ainda não foram ratificadas internacionalmente, e o próprio Regulamento da CE 392/2009 que incorporou as regras da Convenção e do Protocolo, só entrará em vigor depois de 31/12/2012 – que é definido no art 1º do referido DL 349/86 como «aquele em que uma das partes se obriga em relação a outra a transporta-la por via marítima mediante retribuição pecuniária» - tem capacidade para abranger no seu incumprimento, não apenas o dever ou obrigação essencial da deslocação física de pessoas ou coisas, mas também, naturalmente, o incumprimento da obrigação de protecção e segurança, inerente ao transporte em geral.
E isto, quer se entenda que esta obrigação de protecção e segurança integra ainda o contrato de transporte como dever principal, ou o integra apenas como dever ou obrigação acessória [15].
Sendo que a responsabilidade por danos corporais pode resultar, «quer da violação do dever de realizar correctamente a prestação principal do transporte , vg por erro técnico, por vicio de equipamento/veiculo, quer da violação do dever de segurança das pessoas ou de custódia das mercadorias» [16].
Assim é que o referido DL 349/86 de 17/10, no nº 1 do seu art 14º, refere que «o transportador responde pelos danos que o passageiro sofra no navio, durante a viagem, e ainda pelos que ocorram desde o início das operações de embarque até ao fim das operações de desembarque, quer nos portos de origem, quer nos portos de escala», prevendo, pois, a responsabilidade do transportador pelos danos pessoais do passageiro, acrescentando no seu nº 2 que, «incumbe ao lesado provar que o transportador não observou qualquer das obrigações previstas no artigo anterior, ou que o facto danoso resultou de culpa do transportador ou dos seus auxiliares».
O artigo anterior, art 13º, preceitua, por sua vez: «O transportador deve pôr e manter o navio em estado de navegabilidade, convenientemente armado, equipado e aprovisionado para a viagem, procedendo de modo adequado e diligente à observância das condições de segurança impostas pelos usos, regulamentos e convenções internacionais».
Consequentemente, da disciplina conjunta destes dois preceitos, resulta que cabe ao lesado provar a ilicitude do comportamento do transportador, a qual se situa, numa primeira linha, na inobservância pelo mesmo das condições de segurança impostas pelos usos, regulamentos e convenções internacionais.
È neste âmbito que a apelante sustenta a inexistência de obrigação de indemnizar, na medida em que a A. não teria feito prova da inobservância por ela das ditas “condições de segurança impostas pelos usos, regulamentos e convenções internacionais”, tanto mais que – tal como se viu na reapreciação da matéria de facto – ela pretende estar adquirido – e já se viu que não está - que o ““F”” foi construído de acordo (e cumpre) todas as normas e regulamentos nacionais e comunitários aplicáveis, designadamente em matéria de segurança dos passageiros, possuindo todas as habilitações e certificações legalmente exigidas para efeito de operação e exploração.
Ora, resultou provado que por indicação dos colaboradores da R., a viatura da A. foi parqueada sobre plataforma móvel existente no referido estacionamento, que forma um piso superior relativamente ao casco daquela embarcação - J) – e que à data dos factos, o que demarcava aquele piso superior eram duas cordas paralelas, a superior colocada a cerca de 1 metro de altura, que se apresentavam bambas e, por isso, sem qualquer função de protecção – P) – não contando nessa data essa plataforma basculante com qualquer varandim de protecção, o qual a existir, teria impedido a queda da A. – R) – sendo que se provou ainda que existia um buraco naquela plataforma.
Os usos correspondem aos costumes de facto[17].
As condições de segurança impostas por estes costumes em navios como o da R, não poderão deixar de implicar que uma plataforma móvel que forma um piso superior relativamente ao casco do barco, e que tem funções de parqueamento de viaturas durante o transporte, destinando-se - pelo menos e em condições normais - à circulação do condutor do veiculo que aí o aparque - e que, naturalmente, sairá pelo seu lado esquerdo (lado do condutor) - não apresente buracos nessa plataforma e tenha nos limites da mesma uma qualquer protecção – por exemplo, um varandim como aquele que hoje está nela colocado, como se vê na fotografia de fls 187- e não duas cordas paralelas, a superior colocada a cerca de 1 metro de altura, que se apresentem bambas e, por isso, sem qualquer função de protecção.
Convir-se-á que a R. apelante, ao manter assim o seu navio e ao utilizar aquela plataforma nas referidas condições, não procedeu de modo adequado e diligente à observância das condições de segurança impostas pelos usos…
Não poderá deixar de se concluir que o comportamento da R. se mostra ilícito.
E culposo, naturalmente, pois que nas circunstâncias concretas do caso a R., não só devia, mas podia, ter agido de outro modo, equipando o seu navio com adequadas protecções nos limites da referida plataforma basculante e evitando que na mesma existisse um buraco – que tudo indica, estava colocado bem perto do limite exterior dessa plataforma, visto que a distância entre a lateral do veículo da A. e a corda era, no máximo, de 40 cm – N) .
Acresce que, segundo o referido art 14º do DL 349/86 de 17/10, a ilicitude poderia ainda fundar-se em condutas culposas da transportadora ou dos seus auxiliares, pois que, só este entendimento - que a apelante parece partilhar, cfr conclusão DD- justifica o “ou” empregue nessa norma.
Sendo que, baseando-se a ilicitude na inobservância de condições de segurança impostas pelos usos, regulamentos e convenções internacionais, a culpa da transportadora se presumirá – como sucede na responsabilidade contratual, art 799º/1 CC – mas, baseando-se em condutas culposas da mesma ou dos seus auxiliares, será já o transportado que a terá que provar.
O que no caso dos autos não pode deixar de se considerar ter sucedido, em função das considerações acima produzidas.
Insurge-se a apelante com o facto da sentença recorrida lhe ter imputado a totalidade da culpa, vincando no presente recurso circunstâncias várias de que entende que tal culpa haveria de ter sido repartida igualmente pela A.
Ora, e por reporte às várias circunstâncias a que a apelante se refere, dir-se-á liminarmente que no aspecto concretamente em referência, da concorrência de culpa, as circunstâncias que poderiam relevar, seriam apenas aquelas que pudessem levar a concluir que os danos sofridos pela A. se teriam ficado a dever, também, a culpa sua, nos termos do art 570º CC («quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos…»).
Conclusão que afasta o facto de, estando a lotação do navio esgotada - o que, diz a apelante, equivale a centenas de veículos automóveis e milhares de passageiros - o único acidente que ocorreu ter sido o que vitimou a A.; o facto dos restantes ocupantes do veículo terem conseguido abandonar o mesmo em segurança e incólumes; o facto da lotação do veículo estar esgotada – facto não alegado, como alegado não foi que tal facto pudesse ter causado atrapalhação na saída.
Se é certo que não fará sentido assacar à transportadora o dever de “escoltar”, através dos seus colaboradores, todos os passageiros, incluindo a A., até à zona do “deck” – pois o que faltou não foi essa “escolta”, mas a protecção da plataforma – é certo também que, nas condições concretas referidas na matéria provada, não se pode sustentar que a R. concorreu para a produção do dano, quando, ao sair do veículo, em vez de rodar sobre si própria direccionando-se depois frontalmente para a traseira do mesmo, deu um passo atrás, não tendo por isso podido evitar o buraco existente na plataforma, pois que, como se assinala na fundamentação da decisão da matéria de facto, para fechar a porta por onde se sai – e acrescenta-se aqui, ou para facultar a saída de outros passageiros – a conduta normal de quem o faz, passa por se recuar. Ora, não sendo exigível outro comportamento, não poderá qualificar-se o da A. no aspecto em referência como imprudente.
Por outro lado, não pode censurar-se ao condutor do veículo no qual seguia à A., o ter parqueado tal veiculo da forma como o fez, designadamente tão perto dos veículos situados à sua direita, de modo a não ser possível sair por esse lado, quando resulta da matéria de facto que foram os colaboradores da R. quem procedeu à indicação do concreto local em que havia de fazer-se tal estacionamento (als H, I e J).
Ao contrário do que a apelante pretende, não se vê qualquer comportamento da A. que se tenha por censurável e que tenha contribuído para a sua queda no navio.
Tão pouco para o agravamento dos danos que esta queda lhe provocou.
O que vem a propósito da insuficiência do diagnóstico da A. que se atrás se referiu no âmbito da reapreciação da matéria de facto.
Não é assacavel à A. essa insuficiência, que, aliás, se desconhece se efectivamente agravou os danos da mesma.
Ainda que assim tivesse sucedido, seria junto dos médicos/instituições que assistiram a A., que a R. poderia fazer valer esse agravamento, desde logo porque só estes estariam em condições de contraditarem a sua tese.
Antes de se analisarem os danos da A. e de se ponderar a medida da sua ressarcibilidade há que, no suprimento da acima apontada nulidade da sentença recorrida, conhecer da excepção da limitação da responsabilidade da R.
Baseia-a a apelante na clausula 12ª do que designa por “condições e limites do contrato de transporte de passageiros por mar”, cujo texto se mostra junto a fls 177 a 180, como “Condições de Viagem”, referindo a aludida cláusula a respeito dos “Limites máximos de responsabilidade”, e no que à situação dos autos diz respeito: «Estes limites serão convertidos em euros, à data da ocorrência ou do evento que produziu a responsabilidade, na unidade de conta atribuída a Portugal pelo FMI - Fundo Monetário Internacional (à data de 21 de Fevereiro de 1997, a unidade de conta atribuída pelo FMI a Portugal era Esc 234$00) e são estabelecidos por passageiro e por transporte – 46.666 unidades de conta , em caso de morte e danos corporais».
Refere a apelante que à data do sinistro a referida unidade de conta atribuída pelo FMI (Direitos de saque especiais) se cifrava em € 1,27, pelo que conclui que a ser-lhe assacada responsabilidade a mesma estaria limitada ao montante total de € 59.328,04.
Contrapôs a A. na réplica que a R. não a informou nem esclareceu a respeito das condições gerais do contrato de transporte de passageiros por mar, e que tais cláusulas deviam constar do próprio bilhete de transporte, o que não se verifica, e que por força do art 7º do Regulamento (CE) 392/09 do Parlamento Europeu e do Conselho de 23/4/2009, através do nº 1 do art 4ºA do respectivo Anexo I, o limite de responsabilidade a ter em consideração seria o de 400.000 unidades de conta.
Já atrás se referiu que, tanto quanto se tem conhecimento, o regime jurídico do transporte de passageiros por mar se encontra ainda exclusivamente no DL 349/86 de 17/10, pois que a Convenção de Atenas de 13/12/1974, relativa ao transporte por mar de passageiros e suas bagagens, e o Protocolo de 2002 a essa Convenção não foram ainda ratificadas internacionalmente, e o próprio Regulamento da CE 392/2009 que incorporou as regras da Convenção e do Protocolo, só entrará em vigor depois de 31/12/2012.
È de facto verdade que este Regulamento - que se diz aplicável ao transporte por mar no interior de um único Estado –Membro por navios da classe A e B nos termos do art 4º do Directiva 98/18/CE- art 2º - remete a responsabilidade relativamente aos passageiros e sua bagagem e os seguros – art 3º - para o Anexo I - que comporta o texto consolidado da Convenção de Atenas de 1974 relativa ao Transporte de Passageiros e Bagagens por Mar e do Protocolo de 2002 à Convenção – anexo esse que, no seu art 7º, refere que «a responsabilidade por morte ou lesão corporal de um passageiro por força do art 3º não excede, em nenhum caso, 400.000 unidades de conta por passageiro em cada caso concreto….»
Ora, a referida clausula 12ª das Condições de Viagem da R. – que a mesma não fazia constar do bilhete de transporte, decerto ao abrigo do art 5º do DL 349/86 de 17/10 que refere que «quando se trate de navios de menos de 15 tAB ou de embarcações que efectuem serviços portuários ou serviços regulares em zonas delimitadas pelas autoridades para o efeito competentes, o bilhete de passagem pode conter apenas a identificação do transportador, o percurso a efectuar e o respectivo preço» - ao fixar os limites de responsabilidade, designadamente no tocante à morte e aos danos corporais, reproduzia norma da Convenção de Atenas de 13/12/1974, que, como já se referiu, não chegou a entrar em vigor, e que, ainda por cima, só se pretendia aplicável unicamente ao transporte internacional.
Por isso, estes limites nada poderão valer, muito menos em face do disposto no art 16º do DL 349/86 que torna nulas as cláusulas que afectem os direitos conferidos, entre o mais, pelos (seus) arts 14º e 15º, sendo que neste DL não foi prevista qualquer limitação para a responsabilidade da transportadora pelos danos que o passageiro sofra no navio.
Mas, se outro for o entendimento, isto é, se os valores referidos na cláusula 12ª das Condições de Viagem estipuladas pela R., designadamente, o estabelecido para a morte e danos corporais, não se deverem ter como inexistentes por ser nula tal cláusula, então, hão-de necessariamente ter-se como actualizados desde o Protocolo de 2002 à Convenção de Atenas, que foi aprovado em 1/11/2002, e que estabeleceu como limite de indemnização relativamente ao dano morte e lesões corporais 400.000 unidades de conta por passageiro em cada ocasião, a menos que a transportadora prove que o incidente que causou a perda ocorreu sem culpa sua ou negligência.
Por isso se conclui pela improcedência da excepção referente à limitação da responsabilidade da R.
A A pediu na acção a condenação da R. no pagamento da quantia de 198. 871, 29 €, acrescida de juros de mora, contados desde a data da citação até integral pagamento, pedindo especificadamente, 150.000 € como indemnização pelo dano biológico com matriz na incapacidade parcial permanente; 20.000 € pelo “quantum doloris” e 15.000 € pelo prejuízo de afirmação pessoal; 3.121.20 € por danos patrimoniais na vertente de lucros cessantes futuros, pela perda de vencimentos e subsídios vencidos, para além dos valores que se venham a vencer até total reembolso; 755 € a titulo de indemnização pelos danos patrimoniais emergentes do sinistro, englobando nesse valor, 400 € que pagou para custear os serviços de terceira pessoa por não conseguir efectuar ela própria as lides domesticas, e € 355 remetendo para os documentos juntos sob os nº 17 e 18. Requer ainda que a liquidação da importância relativa às despesas a efectuar com os tratamentos médicos cirúrgicos a que terá de se submeter seja relegada para subsequente liquidação nos termos do art 661º CPC.
Provou-se, no que importa aos danos, essencialmente, o seguinte:
Em consequência da queda no navio da R., resultou para a A. fractura por flexão do terço proximal do úmero esquerdo. Foi encaminhada para o Centro de Saúde do ..., tendo sido no mesmo dia evacuada pelo aviocar para o Centro Hospitalar do ..., tendo, após, sido orientada pela entidade seguradora para a Clínica .... Esteve aí internada desde 17/6/2009 até 19/06/2009, tendo sido operada no dia 17 para redução e colocação de material de osteossintese do ombro esquerdo com placa e parafusos. Foi sujeita a um segundo internamento desde 22/07/2009 até 25/09/2009, que se ficou a dever ao facto de os médicos que a seguiram no primeiro internamento não se terem apercebido, que ela tinha também uma lesão no pulso, concretamente, fractura complexa com desalinhamento da diafise umeral esquerda, fractura do escafoide do punho esquerdo e apófise do rádio esquerdo, lesões estas também resultantes da queda no navio. A A. voltou a ser operada nesse dia 22/7, agora para colocação de material de osteossintese do escafoide com parafuso e fixação da apófise estiloide do rádio com fios de Kirner. Foi seguida em consultas de ortopedia e realizou sessões de fisioterapia, com início em 07/07/2009 e terminus em 31/12/2009, cujo valor foi suportado pela sociedade ““H””, responsável pela gestão técnica e de pessoal do navio “F”. Por via das referidas lesões, a A. permaneceu com incapacidade absoluta para o trabalho desde o dia da queda até à data da alta médica, atribuída em 04/1/2010. Esteve totalmente impedida de exercer a sua profissão até 04/01/2010, tendo sido a referida sociedade ““H”” quem suportou o valor dos vencimentos da A. até ao dia 04.01.2010, sendo que a R. já entregou à A. o montante global de € 15.288,09, nele estando incluída a quantia referente aos salários não auferidos pela A. no período compreendido entre 14/6/2009 e 31/12/2009. À data do sinistro, a A. desempenhava as funções de esteticista, auferindo, em Junho de 2009, um vencimento mensal de 413, 10 euros, ao serviço da empresa “I”, Lda. Por via da queda e das lesões, a A. apresenta actualmente limitação da rotação interna do ombro esquerdo, limitação da flexão dorsal e palmar, além do desvio do cubital e radial do punho esquerdo, bem como cicatrizes operatórias, de que resulta uma IPP de 10 pontos, sendo 7 desses pontos referentes à rigidez do punho, e 3 pontos referentes à rigidez do ombro, e apresenta um dano estético de 1 ponto (em 7 pontos). A A. terá de fazer esforços acrescidos para exercer a sua profissão. Nos primeiros 21 dias seguintes à queda, a A esteve impedida de realizar com autonomia a vida diária, familiar e social e precisou do apoio de terceira pessoa para a auxiliar nas suas tarefas domésticas e na sua própria higiene pessoal, já que não conseguia mover-se, tendo pago àquela a quantia de 400, 00 €. E nos 90 dias seguintes à queda, e em consequência das lesões sofridas, ficou limitada nas suas lides domésticas, como engomar, limpar o chão e o pó de casa. À data da queda, não tinha qualquer defeito físico, tinha alegria de viver e boa disposição, era uma jovem mulher, arranjada, vaidosa, que valorizava e investia no seu visual, na sua imagem, e costumava jogar ténis. Actualmente e desde essa queda, deixou de usar roupa sem mangas e de ir à praia para não expor publicamente as extensas e feias cicatrizes que passou a exibir no braço esquerdo por via daquelas lesões. Pelo facto de actualmente continuar a sofrer dores físicas, incómodos e mal-estar, a nível do ombro, braço e punho esquerdos, que se exacerbam com os esforços e que até à data do sinistro descrito não sentia, padece de alterações de humor, do sono e afectivas, e, por vezes, não consegue dormir com as dores que sente naquele braço e evita conviver com amigos e parentes.
É sabido que o nº 2 do art 564º CC permite a ressarcibilidade dos danos futuros desde que os mesmos sejam previsíveis.
E o dano futuro previsível mais comum, advém da perda ou da diminuição da capacidade de trabalho que resulta para o lesado de ter sofrido uma determinada lesão que o impede de para futuro obter os proventos que vinha obtendo como paga do seu trabalho.
O dano futuro, porque joga, por vezes a muito longo prazo, com factores de previsibilidade pouco seguros, é necessariamente contingente e insusceptível de outro julgamento que não o que decorre da equidade.
Mas, para que esta adquira uma relativa segurança, quer para os lesados, quer para os responsáveis, quer ainda para os próprios tribunais (e não acabe por ser uma mera lotaria), há muito que se tem tido como auxiliares do juiz, nesta melindrosa função, o recurso a cálculos de natureza matemática [18].
A ideia base é a de que estando em causa encontrar a frustração futura de ganho implicada pelas lesões advenientes do acidente e que obtêm tradução no grau de incapacidade fixado, se deverá encontrar um capital produtor de rendimento que cubra a diferença patrimonial entre a situação anterior ao acidente e a actual, durante a vida da vítima.
Para o efeito, nas fórmulas mais sofisticadas que se vêm utilizadas - como é o caso daquelas de que se socorre a apelante no presente recurso – não apenas se faz intervir o grau concreto de incapacidade e uma taxa de juro anual, que, tendencialmente se adeque a todo o período de vida do lesado, mas também o prazo de vida (laboral) activa previsível do mesmo.
Tem tido este tribunal como preferível lançar mão da fórmula mais flexível e simples de que deu notícia, já há largos anos, o Exmo Conselheiro Sousa Dinis [19][20], e que, como é sabido, tem, desde então, recolhido a adesão de muita jurisprudência, justamente em função daquelas características e do facto de à partida se postular como um mero critério para tornar mais justas, transparentes e não discrepantes as indemnizações.
Nessa fórmula, parte-se do rendimento anual do lesado e determina-se através de uma regra de três simples, o capital necessário para à taxa de juro que se tenha por financeiramente mais adequada (e que se tem ainda como sendo a de 3%, sobretudo porque está em causa um elevado número futuro de anos), se obter aquele rendimento anual de que o lesado se viu desapossado. Seguidamente, abate-se ao valor encontrado, ¼, para evitar o enriquecimento do lesado, na medida em que se está a pressupor que receba o capital todo de uma vez e não ao longo dos vários anos em que seria suposto que pudesse trabalhar. E é ao resultado obtido que se vai aplicar a percentagem de incapacidade.
Assim, e na situação dos autos:
O rendimento anual da A. a considerar será o que advém da multiplicação de € 459,00 mensais por 14 meses, com o que se obtém o valor de € 6.426,00 €. Através de uma regra de três simples, determina-se seguidamente o capital necessário para, ao acima referido juro de 3%, se obter aquele rendimento anual de € 6.426,00. Obtém-se o valor de € 214.200,00. A este valor deverá abater-se cerca de ¼ para evitar o seu enriquecimento, visto que vai receber o capital desde já na totalidade, e não ao longo dos vários anos de vida. Obter-se-á € 160.650,00. Como a IPP da A. é a de 10%, aquele capital tem de ser reduzido na mesma medida, com o que se obtém 16.065,00 €.
Prosseguindo com a exposição que “grosso modo” corresponde ao ponto de vista daquele Exmo Conselheiro, deve-se, a partir do valor atrás encontrado – que como se viu, não teve até aqui em directa consideração a idade do lesado e o seu tempo provável de vida activa, ou sequer de vida - fazer intervir a equidade, tendo em vista o tipo de pessoa, o tipo de trabalho, as expectativas na progressão da carreira… e sobretudo, a idade à data do sinistro. Sendo que, em geral, quanto mais baixa for a idade do lesado, mais nos devemos aproximar do valor encontrado, ou mesmo ultrapassa-lo (caso do lesado com idade até 25/30). Quanto mais alta a idade do lesado, mais se deverá reduzir aquele valor.
Seguindo esses parâmetros para o exercício da equidade, considerando que o A. tinha à data do sinistro 29 anos de idade, e que seria relativamente pequena a sua expectativa de progressão no trabalho, tem este tribunal como equitativa uma indemnização de 17.000,00 € para o dano futuro decorrente da IPP de que ficou portadora.
Em termos de danos não patrimoniais, onde o recurso à equidade se torna obrigatório sem o conforto dos parâmetros de qualquer fórmula auxiliar, cumpre ter presente que são indemnizáveis os danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
Lembrando ainda, ser hoje relativamente pacífica a admissão da ressarcibilidade dos danos de carácter não patrimonial também na responsabilidade contratual, precisamente porque, em função dela, também sobrevêm danos que, “pela sua gravidade, merecem a tutela do direito” [21]
No que respeita à A. impressiona mais o quantum doloris, pelas dores naturalmente sofridas com a queda e as operações, bem como com o facto de continuar a sofrer dores físicas, incómodos e mal-estar, a nível do ombro, braço e punho esquerdos, com as consequências de alterações de humor, do sono e afectivas, bem como a de ter de fazer esforços acrescidos para exercer a sua profissão, do que o prejuízo de afirmação pessoal, na medida em que o dano estético foi fixado em 1 grau em 7.
Enquanto compensação pelos danos em questão, tem-se como equitativa uma indemnização de 25.000,00 €.
A A. esteve totalmente impedida de exercer a sua profissão até 04/01/2010, tendo sido a sociedade ““H””, responsável pela gestão técnica e de pessoal do navio “F”, quem suportou o valor dos vencimentos da A. até essa data, pelo que a R. já entregou à A. o montante global de € 15.288,09, quantia que subsume os pretendidos 3.121,20 € reclamados a título de perda de vencimentos.
Aos valores até aqui referidos haverá que somar os 400 € pagos pela A. a terceira pessoa que a substituiu nas lides domésticas que não pôde desempenhar.
Referentemente às quantias que respeitam aos danos de carácter patrimonial serão devidos juros desde a citação; referentemente à quantia que respeita aos danos de carácter não patrimonial serão devidos juros desde a presente decisão; em qualquer caso à taxa legal e até efectivo recebimento.
A 1ª instância entendeu que nenhum dano existia a cuja liquidação houvesse de se proceder subsequentemente, o que transitou, nada havendo a alterar.
V – Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar parcialmente procedente a apelação, revogar correlativamente a sentença recorrida e julgar parcialmente procedente a acção, condenando a R. a pagar à A. a quantia de € 17.400,00 acrescida de juros desde a citação, e a quantia de € 25.000,00, acrescida de juros desde a presente decisão, num caso e noutro, à taxa legal, e até efectivo recebimento, absolvendo a R. do demais peticionado.
Custas na 1ª instância e nesta, por ambas as partes, na proporção do respectivo vencimento.
Lisboa, 27 de Setembro de 2012
Maria Teresa Albuquerque
José Maria Sousa Pinto
Jorge Vilaça
----------------------------------------------------------------------------------------- [1] - Quirino Soares, «Sentença Cível» p 79, Revista Julgar, Nº 4, 1º Semestre 2006 [2] - A título exemplificativo Ac STJ 22/2/80 BMJ 294º- 283, 10/11/93 in Novos Estilos, separata da Rev. Sub Júdice 11, 206 [3] - «Código de Processo Civil anotado», 1981, V, p 93 [4] - Obra citada, p 57 [5] - “Il Danno”, 47-48, citado em Vaz Serra, “Responsabilidade civil extracontratual e contratual” BMJ nº 85, p 214 [6]- Artigo atrás citado [7]- Pedro Romano Martinez, “Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada”, 281/282 [8]- Almeida Costa, “Direito das Obrigações”,5ª ed, 1991, 884 [9]- Artigo citado, no seu final, p 238/239 [10] - Obra citada, p 259 e ss [11]- “O Concurso de Títulos de Aquisição da Prestação, Estudo sobre a Dogmática da Pretensão e do Concurso de Pretensões”, Almedina, 1988, 230 [12] - Ac STJ 23/5/2000 (Fernandes Magalhães), in www.dgsi.pt [13]- Obra citada, p 271 e 283 [14]- Cfr Ac STJ 8/5/2003 (Araújo Barros), in www.dgsi.pt [15]- Cfr a este respeito, Nuno Castello Branco Bastos, “Direito dos Transportes”, IDET, Caderno nº 2 , p 48/49; e Ac STJ 29/4/2010 (Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt [16]- Nuno Castello Branco Bastos, obra referida [17] - Pires de Lima /Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, I, 39/40 [18] Designadamente tabelas para formação de rendas vitalícias, tabelas correspondentes a acidentes de trabalho e remição de pensões, tabelas usadas para a avaliação do usufruto … [19]- No seus estudo “Dano corporal em acidentes de viação – Cálculo da Indemnização- Situações de Agravamento - Cálculo da indemnização em situações de morte, incapacidade total e incapacidade parcial - Perspectivas futuras”, CJ , Ano IX, TI, 5 e ss, Revista Portuguesa do Dano Corporal, nº 14, Nov de 2004, 9 e ss [20] - Col Ac STJ Ano 2000, Tomo I [21]- Cfr, por todos, Branquinho Dias, “O dano moral na doutrina e jurisprudência”; Ac STJ 21/3/1995,BMJ 445º-487; Ac RL 17/10/95, CJIV, 116;Ac RP 5/2/01, CJ I,205