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INDEFERIMENTO LIMINAR
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
SUPRIMENTO DA NULIDADE
Sumário
1. A única situação de ineptidão da petição inicial que é passível de superação através de actuações processuais deriva expressamente do artigo 193.º, n.º 3 do Código de Processo Civil. 2. As demais situações de ineptidão da petição inicial são insanáveis, não cabendo, pois, ao juiz empreender qualquer diligência no sentido da sua sanação nos termos do artigo 265º, nº 2 do Código de Processo Civil. 3. Tendo o juiz proferido despacho a convidar o autor a concretizar a matéria de facto em que se traduziu a alegada separação de facto, nos termos do artigo 508º nº 1 e 3 do Código de Processo Civil, foi porque considerou a petição inicial deficiente e susceptível de completude. 4. Se tivesse considerado haver uma ausência da causa de pedir, pela sua ininteligibilidade ou pela contradição entre causas de pedir ou entre a causa de pedir e o pedido teria decidir logo pela sua ineptidão insanável, não lhe sendo lícito empreender qualquer diligência pois tal vício é insuprível. (A.P.)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de lisboa
Paulo intentou os presentes autos de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra Teresa, alegando no art.º 3º da petição inicial, como fundamento do divórcio, que A. e R. “encontram-se separados de facto desde Fevereiro de 2010.”
A fls. 50 foi proferido despacho de aperfeiçoamento, nos termos do art.º 508º, nºs 1 e 3 do Cód. Proc. Civil, tendo o A. sido notificado para, no prazo de 10 dias, vir juntar aos autos requerimento onde identificasse e concretizasse, por factos, em que consistiu a separação de facto alegada no art.º 3º da petição inicial.
O A. não veio juntar aos autos qualquer requerimento no seguimento desta notificação que lhe foi efectuada.
Foi então proferido o seguinte despacho:
“Atento o disposto no art.º 1781º, alínea a) do Cód. Civil, é fundamento de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges a separação de facto por um ano consecutivo. No entanto, separação de facto é um conceito de direito que carece de ser concretizado por factos, não bastando à parte alegar que os cônjuges se encontram separados de facto há mais de um ano consecutivo, devendo antes alegar os factos de onde essa conclusão se pode extrair, podendo, por exemplo, alegar que os cônjuges já não dormem juntos, não comem juntos, não vivem na mesma casa, não passam férias juntos, etc.. Ora, no caso vertente, é manifesto que o A. não descreve a factualidade concreta susceptível de integrar a causa de pedir, sendo certo que a simples alegação de que A. e R. se encontram separados de facto não satisfaz os requisitos legais de alegação de causa de pedir, nos termos expostos. Estamos, assim, em presença de uma acção a que falta a causa de pedir. Nos termos do disposto no art.º 193º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, é nulo todo o processado quando for inepta a petição inicial. Uma das causas de ineptidão da petição inicial é justamente a falta ou ininteligibilidade da causa de pedir, conforme o previsto no nº 2, alínea a) do citado preceito legal. O juiz quando anule todo o processo deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância, nos termos previstos no art.º 288º, nº 1, alínea b) do Cód. Proc. Civil. A nulidade de todo o processado configura uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que implica a absolvição do réu da instância, de acordo com o disposto nos art.º 493º, nºs 1 e 2, 494º, alínea b) e 495º do Cód. Proc. Civil. Pelo exposto, decide-se declarar a nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial, e, em consequência, absolver a ré da instância. Custas pelo A..”
Teresa, Ré, veio interpor recurso, concluindo: 1 – Não existe falta de causa de pedir na presente acção de divórcio pois o Autor alega no art.3º da petição inicial que se encontra separado de facto da Ré, para a qual se remete. 2 - Independentemente deste julgamento, a consequência jurídica extraída na fundamentação da douta sentença ora recorrida encontra-se em colisão frontal nos seus termos – pois ou a petição é imperfeita, e não inepta e a consequência não será nunca a absolvição da instância, como estatuem os arts. 508º e 509º do C.P.C., ou a petição é inepta e não podia ter sido alvo de despacho de aperfeiçoamento, pois trata-se de vicio insanável, como resulta do disposto no art. 193, n.º 2, alínea b) do C.P.C. 3- Nos termos do n.º 3 do art. 288º do C.P.C. que ainda que subsistam as excepções dilatórias não haverá lugar à absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da excepção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte, sendo esse o caso subjudice. 4 - Acrescendo que, ao abrigo do principio do dispositivo – art. 264º e do principio do inquisitório –art. 265º ambos do CPC, o tribunal a quo não só pode como deve conhecer do mérito da causa. Ainda que a apreciação de tais factos consubstanciasse uma alteração da causa de pedir ela sempre seria admissível, nos termos do art. 273º n.1 do CPC aplicável aqui por força da existência de pedido reconvencional, já que a Ré assume aqui a posição de Autora. 5 - A Ré contestou e apresentou pedido reconvencional nos termos da alínea c) do art. 274 do CPC, alegando e concretizando novos factos que demonstram a ruptura da vida em comum e a violação dos deveres de respeito, assistências e fidelidade, por parte do autor ora réu reconvindo, mas pugnado pelo mesmo efeito jurídico que o autor quis obter com a sua petição inicial. Factos que não foram contestados pelo autor e por isso nos termos do disposto no art.490º n.º 2 do CPC se consideram admitidos pelo Autor. 6 - Finalmente e conforme dispõe o artigo 274º n.º 6 do CPC, a absolvição do Réu não obsta à apreciação do pedido reconvencional, nomeadamente do pedido reconvencional deduzido pela Ré. 7 - Ao absolver a Ré da instância nestes termos a douta sentença esta a beneficiar a inércia do Autor a, quem cabia o impulso processual nos presentes autos e está também a contribuir para o agravamento do estado de saúde débil da ora recorrente, comprovado nos presentes autos, denegando-lhe justiça. Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve o presente recurso ser considerado procedente em consequência ser a douta sentença revogada e substituída por outra que conheça o mérito da causa, e o pedido reconvencional seguindo os seus trâmites até final de acordo com o pedido formulado pela Ré na sua contestação.
Nos termos das disposições conjugadas dos artºs 685-A,º nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, na redacção do Dec-Lei nº 303/207, de 24/VIII, são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal.
Assim, a questão a resolver consiste em saber se deve manter-se o despacho recorrido que declarou a nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial e absolveu a ré da instância.
II – Fundamentação de facto
Para a decisão da causa relevam toda a factualidade e ocorrências processuais supra relatadas.
III – Fundamentação de direito.
No presente caso no despacho recorrido considerou-se que a separação de facto é um conceito de direito que carece de ser concretizado por factos, não bastando à parte alegar que os cônjuges se encontram separados de facto há mais de um ano consecutivo e que não descrevendo o Autora factualidade concreta susceptível de integrar a causa de pedir se está peranteuma acção a que falta a causa de pedir, o que implica, nos termos do disposto no art.º 193º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, a nulidade de todo o processado por ineptidão da petição inicial.
Antes, porém, foi proferido despacho de aperfeiçoamento, nos termos do art.º 508º, nºs 1 e 3 do Cód. Proc. Civil, tendo o Autor sido notificado para, no prazo de 10 dias, juntar aos autos requerimento onde identificasse e concretizasse, por factos, em que consistiu a separação de facto alegada no art.º 3º da petição inicial, o qual nada fez.
Estipula o art. 265.º nº 2 do CPC que:
“O juiz providenciará, mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando estiver em causa alguma modificação subjectiva da instância, convidando as partes a praticá-los.”
Também o art. 288.º-3, 2.ª parte estipula que:
“As excepções dilatórias só subsistem enquanto a respectiva falta ou irregularidade não for sanada, nos termos do n.º 2 do art. 265.º; ainda que subsistam, não terá lugar a absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da excepção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte.”
Isso leva-nos a concluir que, a partir da reforma processual de 95/96, pode o Tribunal decidir de mérito mesmo que porventura falte ou ainda não esteja sanado um pressuposto processual.
No entanto, o legislador manteve um mínimo de exigência:
É necessário que a falta de pressuposto não prejudique a parte a favor de quem ela funciona.
Só assim estará garantido que, quer haja ou não a verificação do pressuposto processual, a tutela jurisdicional do beneficiário do pressuposto em falta não seria prejudicado.
E explicita-se:
É isso que sucede sempre que falte um pressuposto que protege os interesses do A. mas a acção, apesar disso, possa ser julgada procedente, e sempre que não se encontre preenchido um pressuposto favorável ao R., mas o Tribunal possa julgar a acção improcedente.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem-se pronunciando, sem que se conheçam divergências, no sentido de que a ineptidão da petição inicial, tratando-se de um vício que afecta todo o processo, não é susceptível de suprimento, salvo no caso previsto no n.º 3 do artigo 193.º do Código de Processo Civil.
A única situação de ineptidão que é passível de superação através de actuações processuais deriva expressamente do art. 193.º, n.º 3.
No que concerne às demais situações de ineptidão são insanáveis, não cabendo, pois, ao juiz empreender qualquer diligência nesse sentido, face ao disposto no art. 265º, nº 2 do CPC.
Diga-se até que, no que respeita à ineptidão derivada da falta da causa de pedir, a limitação dos poderes do juiz - e do autor - emerge, desde logo - do disposto no art. 508º, nº 5, norma segundo a qual a alteração da matéria de facto está condicionada pelo disposto no art. 273º (Abrantes Geraldes, in "Temas da Reforma do Processo Civil", vol. II, Coimbra, 1997, pág. 67 e 68).
O acórdão de 21 de Novembro de 2006 da Relação do Porto, Processo n.º 3687/06, da 1.ª Secção, sustenta que, acautelando a equidistância e imparcialidade do julgador, o convite previsto no n.º 3 do artigo 508.º do Código de Processo Civil deve destinar-se a corrigir deficiências puramente processuais do articulado, em termos de permitir ao juiz uma rigorosa e unívoca selecção ulterior da matéria relevante para a decisão — tal convite não pode ser utilizado para suprir aspectos substanciais ou materiais, nomeadamente para suprir a ineptidão da petição inicial.
O entendimento da doutrina vai no mesmo sentido. Segundo LEBRE DE FREITAS (Código de Processo Civil Anotado, vol. 1.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, p. 470) «a ineptidão da petição inicial gera nulidade só suprível nos termos do artigo 193-3 (ver o n.º 5 da anotação ao art. 193.º)». Idêntica posição tem ABRANTES GERALDES (op. cit., pp. 74-75), afirmando que o âmbito do despacho de aperfeiçoamento acha-se delimitado pela letra da lei, estando, assim, afastadas «as situações mais graves em que o vício da petição inicial corresponda a uma verdadeira ineptidão motivada pela ausência da causa de pedir, pela sua ininteligibilidade ou pela contradição entre causas de pedir ou entre a causa de pedir e o pedido. O princípio da economia processual ou o da prevalência das razões de mérito sobre as razões de forma não foi levado ao extremo de conduzir à sanação de nulidades processuais ou de excepções dilatórias insupríveis.»
Também LOPES DO REGO (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, Almedina, Coimbra, 1999, p. 431, anotação VII ao artigo 508.º) conclui que não é admissível, por esta via, o suprimento de uma petição inepta, nos termos do artigo 193.º do Código de Processo Civil, nem a convolação para uma causa de pedir diferente da invocada pelo autor como suporte da petição ou reconvenção.
Ora, no caso, o juiz ao proferir despacho de aperfeiçoamento foi porque considerou a petição inicial deficiente e susceptível de completude.
Se tivesse considerado haver uma ausência da causa de pedir, pela sua ininteligibilidade ou pela contradição entre causas de pedir ou entre a causa de pedir e o pedido teria decidir logo pela sua ineptidão insanável, não lhe sendo lícito empreender qualquer diligência pois tal vício é insuprível, como se viu.
Como ensinava o ilustre Alberto dos Reis, há que ter presente que:
«Se o autor exprimiu o seu pensamento em termos inadequados, serviu-se de linguagem tecnicamente defeituosa, mas deu a conhecer suficientemente qual o efeito jurídico que pretendia obter, a petição será uma peça desajeitada e infeliz, mas não pode qualificar-se de inepta.
Importa não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente quando. sendo clara quanto ao pedido e à causa de pedir, omite facto ou circunstâncias necessárias para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta: o que então sucede é que a acção naufraga» - Comentário, 2º, 364 e 371.
Em suma só existe falta de causa de pedir quando o autor não indica o facto genético ou matricial, a causa geradora do núcleo essencial do direito ou da pretensão que aspira a fazer valer. - cfr. entre outros Acs. do STJ de 26.02.1992, dgsi.pt, P.082001 e Acs. da Relação de Coimbra de 25.06.1985 e de 01.10.1991, BMJ, 348º, 479 e 410º, 893.
Nesta conformidade, verdadeiramente só haverá falta de indicação da causa de pedir determinante da ineptidão quando, de todo em todo, falte a indicação dos factos invocados para sustentar a pretensão submetida a juízo, ou tais factos sejam expostos de modo tal que, seja impossível, ou, pelo menos, razoavelmente inexigível, determinar, qual o pedido e a causa de pedir - cfr. Acs. do STJ de 30.04.2003 e de 31.01.2007, www.dgsi.pt, p.03B560 e 06A4150.
Deste modo merece acolhimento a pretensão da Apelante.
Conclusão.
I - A única situação de ineptidão que é passível de superação através de actuações processuais deriva expressamente do art. 193.º, n.º 3 do CPC.
No que concerne às demais situações de ineptidão são insanáveis, não cabendo, pois, ao juiz empreender qualquer diligência nesse sentido, face ao disposto no art. 265º, nº 2.
II - Ora, no caso, o juiz ao proferir despacho de aperfeiçoamento foi porque considerou a petição inicial deficiente e susceptível de completude.
Se tivesse considerado haver uma ausência da causa de pedir, pela sua ininteligibilidade ou pela contradição entre causas de pedir ou entre a causa de pedir e o pedido teria decidir logo pela sua ineptidão insanável, não lhe sendo lícito empreender qualquer diligência pois tal vício é insuprível.
Pelo exposto, decide-se julgar procedente a presente apelação, revogando-se o despacho recorrido.
Sem custas.
Lisboa, 27 de Setembro de 2012
Ana Lucinda Mendes Cabral
Maria de Deus Correia
Teresa Pardal