EFEITO SUSPENSIVO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Sumário

i) Tem efeito suspensivo a apelação interposta da decisão que ponha termo ao processo nas acções em que se aprecie a validade, a subsistência ou a cessação de contratos de arrendamento, com excepção dos arrendamentos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios.
ii) Na reapreciação da prova o Tribunal da Relação deve formar a sua própria convicção, no gozo pleno da livre apreciação da prova.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Apelante – E.
Apelado – J.

I

Questão prévia

O apelante pretende a atribuição de efeito suspensivo.

Nas contra-alegações o apelado pronuncia-se pelo efeito devolutivo por, em seu entender, ser essa intenção do legislador, pelo que o apelante deverá prestar caução se pretender prevalecer-se do efeito suspensivo. No mais, pugna pela bondade do julgado e consequente improcedência do recurso.

O recurso foi admitido como de” … apelação, a subir nos próprios autos, com efeito suspensivo da decisão – arts. 676º, 678º, 680º, 685º, 691º, nº 1, 691º-A, nº 1, al. a), e 692º, nº 3, al.b), todos do Cód. Proc. Civil.

A regra geral é, actualmente, a do efeito devolutivo da apelação.- art.692,n.º1, do CPC.
No entanto, nos termos do art.692º,n.º2 al.ªb), do CPC, tem efeito suspensivo da decisão a apelação:” Da decisão que ponha termo ao processo nas acções referidas no n.º 3 do art.678ºe nas que respeitem à posse ou propriedade de casa de habitação.”
Por seu turno o art.678º,n.º3 al.ªa), do CPC, estatui que “Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação; …..Nas acções em que se aprecie a validade, a subsistência ou a cessação de contratos de arrendamento, com excepção de arrendamentos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios.
No domínio da anterior legislação, o processo de despejo encontrava-se previsto nos art.964º a 997º do CPC.
A acção de despejo seguia os termos do processo sumário.-art.972ºdo CPC (na redacção então vigente).
Ora, sendo certo que a apelação interposta das acções ordinárias tinha, por regra, efeito suspensivo (cfr.art.art.692º CPC) , já a apelação interposta das sumárias tinha efeito devolutivo (cfr.art.792º do CPC).
No entanto, as acções de despejo, ainda que sumárias gozavam, de um regime especial, uma vez que o art.980º do CPC estipulava que :” ”1. Nas acções de despejo relativas a arrendamento para habitação ou para o exercício de comércio, indústria ou profissão liberal, e em todas aquelas em que se aprecie a subsistência de contratos de arrendamento sobre prédios da mesma natureza, é sempre admissível recurso para a Relação , seja qual for o valor da causa. 2. Tem efeito suspensivo a apelação interposta da sentença que, nas acções abrangidas pelo disposto número anterior decrete a restituição do prédio ao senhorio.”
Assim tinha efeito suspensivo da decisão a apelação da sentença que decretasse o despejo de prédio urbano, independentemente da natureza do arrendamento.
 Este preceito foi revogado pelo art.3º do DL n.º321-B/90,de 15-10-1990, que no seu art.1º, instituiu o Regime do Arrendamento Urbano-RAU.
A acção de despejo passou a ser regulada nos art.55º a 61º do RAU.
Neste regime a acção seguia a tramitação do processo comum, deixando de ser obrigatoriamente sumário (cfr.art.56º,n.º1), mas o recurso era sempre admissível (cfr.57º,n.º2), independentemente do valor e, a apelação interposta da sentença que decretasse o despejo, independentemente da forma do processo (ordinário ou sumário) ou natureza do arrendamento (habitação, comércio ou indústria, exercício de profissões liberais ou outros fins não habitacionais), tinha efeito suspensivo (cfr.art.57º,n.º2).
Com a reforma do CPC introduzida pelos DL n.º329-A/95 de 12-12 e DLn.º180/96 de 25-09, manteve-se a regra geral do efeito suspensivo da apelação quanto à acção ordinária e devolutivo quanto à sumária ( cfr.art.692º,1 e 792º)  sendo que ,quanto a esta última, se excepcionavam as acções referidas no art.678º,n.º5 do CPC ou seja aquelas em que se apreciasse a validade ou subsistência de arrendamento para habitação e se ordenasse a restituição do prédio.
Em virtude da alteração introduzida no CPC com o DL n.º38/2003, de 08/03 (que introduziu reformas de vulto na acção executiva),a apelação de decisão proferida em acção ordinária passou, por regra, a ter efeito devolutivo (cfr.art.692º,n.º1).
No entanto, uma vez mais, o efeito suspensivo ficou assegurado nas acções em que se apreciasse a validade ou a subsistência de contratos de arrendamento para habitação (cfr art.678º,n.º 5) e nas que respeitassem à posse ou à propriedade da casa de habitação do réu (cfr.art692º,n.º2 , alª.b).
Este restrição do efeito suspensivo recurso apenas para os contratos de arrendamento para habitação colidia com o disposto no art.57º,n.º2 do RAU , pelo que tinha aplicação o disposto no art. 7º,n.º3, do C Civil, mantendo-se pois o efeito suspensivo para todos os recursos de apelação em que se decretasse o despejo relativo a contratos de arrendamento urbano.
O art.1º da Lei n.º6/2006,de 27/02, entrou em vigor em Junho de 2006 (cfr.art.65º,n.2) e instituiu o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) e, no seu art.60º revogou o RAU.
No art.4º da Lei n.º6/2006, procedeu-se à alteração do n.º5 do art.678º do CPC.
Este preceito passou a ter a seguinte redacção “Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação nas acções em que se aprecie a validade, a subsistência ou a cessação de contratos de arrendamento, com excepção dos arrendamentos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios”
Comparado com o anterior texto “ Independentemente do valor da causa e da sucumbência ,é sempre admissível recursos para a Relação nas acesos em que se aprecie a validade ou a subsistência de contratos de arrendamento para habitação ”, constata-se, de imediato,  que actualmente,  única excepção à regra geral de admissibilidade do recurso respeita apenas aos  arrendamentos para habitação não permanente ou fins especiais transitórios.
E este recurso tem efeito suspensivo atento o estatuído no art.692º,n.º,alºb), do CPC
Com o DL n.º303/2007 de 24-08 (que reformou o regime de recursos no CPC) o n.º5 da redacção anterior passou a ser o actual n.º 3, sendo que o recurso de decisões proferidas em acções de arrendamento se encontra contemplado na al.ª a).
É o seguinte o texto actual do art.678º,n.º2,alª b), do CPC :“1…2.Independentemente do valor da causa e da sucumbência , é sempre admissível recurso para a Relação :a)Nas acções em que se aprecie a validade, a subsistência ou a cessação de contratos de arrendamento, com excepção dos arrendamentos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios”

O efeito do recurso é efectivamente suspensivo.

II

O apelado intentou acção sumária, contra o apelante, E…, LDA., e A…, pedindo seja declarada a resolução do contrato de arrendamento celebrado com a sociedade e a condenação desta na entrega do locado livre e devoluto de pessoas e bens e a condenação solidária dos demais no pagamento da quantia de € 2.800,00, a título de rendas vencidas e não pagas, no âmbito do referido contrato, no qual os 2º e 3º Réus se constituíram fiadores, e do valor das rendas até à efectiva entrega do locado, acrescido de juros de mora.
Apenas o Réu E… contestou, dizendo que:
i) O apelado deixou de entregar os recibos das rendas em Janeiro de 200…, pelo que a sociedade, depois de várias insistências para a resolução do problema, recusou-se a pagar as rendas até à regularização da situação, o que nunca ocorreu;
ii) O contrato foi rescindido por mútuo consentimento em … de 200…, altura em que, conforme acordado, enviou ao apelado as chaves do locado, tendo ficado apenas por pagar uma renda respeitante ao mês de Maio cujo pagamento ficou subordinado à entrega dos recibos referidos em i);
iii) A sociedade nunca recebeu, na sua sede, qualquer interpelação para proceder ao pagamento das rendas.
Termina pedindo a absolvição do pedido.
Junta a certidão da CRCom. comprovando a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade, veio o apelado requerer a extinção da instância por inutilidade superveniente quanto a esta e relativamente à entrega do locado. 

Foi proferido despacho saneador onde se declarou a sociedade substituída pelos seus gerentes (os dois RR), tendo-se dispensado a elaboração de despacho de condensação.

Julgada a causa foi proferida douta sentença cujo dispositivo é o seguinte:”
Pelo exposto, decido julgar procedente a presente acção e, consequentemente:
a) Resolver o contrato de arrendamento relativo ao rés-do-chão/loja do prédio sito na…, nºs …  e…, em…;
b) Condenar os Réus A… e E… a despejar imediatamente o locado, deixando-o devoluto de pessoas e bens;
c) Condenar solidariamente os Réus A… e E… a pagar à Autora as rendas vencidas e não pagas desde Junho de 200… e vincendas até ao efectivo despejo e entrega do locado, acrescidas de juros de mora, à taxa legal.
*
Mais decido julgar não verificada a litigância de má- fé por parte do Réu E…, absolvendo-o do pedido de condenação nesses termos.”

Inconformado, recorre o R. E… concluindo no final das sua alegações que :
1. Em cumprimento do estatuído no art.º 685.º -B n.º 1 e 2 do CPC impugnam-se expressamente os factos dados como não provados indicados nas alíneas c), d), e e) entendendo-se que a decisão recorrida os deveria ter considerado provados..
2. O tribunal recorrido entendeu, sumariamente, que a prova produzida em audiência pelas testemunhas arroladas pelo recorrente não foi suficiente ou foi feita prova em contrário.
3. Com o devido respeito, que é muito, entende o Recorrente que o Tribunal incorreu em erro na apreciação da prova  ao não considerar provados os referidos pontos da matéria de facto, uma vez que foi produzida prova abundante que deveria ter levado a uma decisão oposta.
4. Vejamos então os elementos probatórios concretos que deveriam ter levado o Tribunal recorrido a tomar uma decisão diversa em relação àquela factualidade.
5. DEPOIMENTO DE J... PRESTADO EM …/201…
DAS 10H:41M:16SS ÀS 10H:54M:51 SS, Passagem 2:22M a 8:59m, Passagem 9:32m a 11:30m
6. DEPOIMENTO DE A... PRESTADO EM …/201…
PRESTADO DAS 19H:55:53 SS A 11H:10M:51SS, Passagem 0:42 m a 5:00m
7. Ambos os depoimentos, revelam conhecimento directo dos factos e permitem concluir que o Réu estava com dificuldades financeiras e pretendia cessar o contrato de arrendamento com o Autor. A conselho das duas testemunhas do Réu, o mesmo contactou telefonicamente o Autor e acordaram cessar de imediato o contrato tendo o Réu de deixar, de imediato o imóvel devoluto e entregar as chaves daquele, o que fez,por correio, no dia seguinte ao telefonema.
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO EM CONFORMIDADE COM O ARTIGO 685.º- a N.º 2 DO CPC
8. Em consequência da impugnação da matéria de facto dada como não provada e que deveria ter sido considerada provada, entende o recorrente que:
9. O Réu, na qualidade de fiador, pode opor ao Autor os meios de defesa que lhe são próprios, assim como, os meios de defesa que competem à primeira Ré. (cfr. art.º 637.ºn.º1 do CC)
10. Estatui o art.º 1082.º do CC que:“1. A partes podem, a todo o tempo, revogar o contrato, mediante acordo a tanto dirigido. 2. O acordo referido no número anterior é celebrado por escrito, quando não seja imediatamente executado ou quando contenha cláusulas compensatórias ou outras cláusulas acessórias.”
11. Ora, da factualidade que se considera que deveria ter sido provada, resulta que as partes, em Junho de 2009, cessaram o contrato de arrendamento, mediante acordo com efeitos imediatos, do qual resultou a entrega imediata do imóvel e a sua desocupação, não sendo portanto necessária a redução a escrito de um acordo de revogação.
12. Em consequência, desde Junho de 2009, que não se vencem quaisquer rendas, porque o contrato cessou os seus efeitos.
Pelo exposto, deverá o presente recurso ser julgado procedente e a decisão recorrida ser revogada por outra que declara a resolução do contrato de arrendamento por mútuo acordo em Junho de 2009, nos termos do art.º 1082 do CC, sendo em consequência o recorrente absolvido da condenação de despejar o imóvel, bem como da condenação no pagamento das rendas vencidas e vincendas até à entrega do locado pelas mesmas razões aduzidas.

Em contra-alegações o recorrido conclui que:
1. IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
A) O Tribunal recorrido respondeu correctamente às alíneas c), d) e e) da Base Instrutória, dando os factos, nas mesmas constantes, como não provados.
B) Dos depoimentos das testemunhas do Apelante resulta que nenhuma das suas testemunhas ouviu a conversa telefónica ou ouviu o que era dito do outro lado do telefone.
C) Nenhuma das testemunhas pode garantir que do outro lado do telefone estava o Apelado, ou até, qualquer outra pessoa, uma vez que apenas ouviram as palavras que eram ditas pelo Apelante.
D) As testemunhas do Apelante não ouviram qualquer consentimento do Apelado na revogação do contrato por mútuo acordo.
E) O Apelante não demonstrou que remeteu por correio as chaves do imóvel arrendado.
F) Todos estes factos resultam da transcrição dos depoimentos constantes nas presentes alegações.
G) Do depoimento da testemunha do Apelado ressalta a falta de entrega do imóvel, pelo Apelante, e a inexistência de acordo na revogação do contrato de arrendamento tendo ficado demonstrado, isso sim, que desde Maio de 2009 – altura em que os arrendatários deixaram de pagar as rendas –não mais foi possível estabelecer qualquer contacto com o Apelante, e restantes RR, porquanto os mesmos não atenderam o telefone nem responderam aos sms enviados.
2. IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO:
H) Não houve qualquer acordo, entre Apelante e Apelado, no sentido de procederem à revogação do contrato de arrendamento celebrado entre este e a sociedade E… , no qual o Apelante ocupava a posição de fiador de garante de todas as obrigações decorrentes;
I) Aliás, a decisão de revogação do contrato, para ser válida, teria que ter a intervenção dos dois sócios, em assembleia, ou no acto de revogação;
J) Não tendo havido acordo escrito nesse sentido, nem imediata execução do mesmo, através da entrega da posse do imóvel, não se verificam os pressupostos previstos nos números do art. 1082º do C. Civil;
K) Pelo que, o contrato mantém-se em vigor até que tenha transitado em julgado a sentença que decretou a sua resolução, e da qual o Apelante interpôs recurso – este;
L) Pelo que mantêm-se em vigor todas as obrigações decorrentes do mesmo, nomeadamente, a entrega do imóvel devoluto de pessoas e bens e o pagamento das rendas até à concretização daquela;
M) O que significa que bem andou o tribunal recorrido na aplicação do direito aos factos dados como provados.
3. DO EFEITO DO RECURSO
N) À presente Apelação atribuiu o Apelante o regime excepcional de efeito suspensivo, para o que se baseou no disposto na alínea b), do nº 3 do art. 692º do CPC.
O) O contrato objecto dos autos recorridos refere-se a um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, pelo que não está abrangido por aquela disposição legal nem pelo preceito para que aquela remete – 678º nº 3 alínea a).
P) Pelo que o presente recurso tem efeito meramente devolutivo, o que constitui a regra do nosso ordenamento jurídico.
Q) A não entender-se assim, então deverá o Apelante prestar caução, através do depósito do valor das rendas em atraso, desde Maio de 2009 e até à presente data, por força do efeito suspensivo e nos termos do disposto no nº 2 do art.693º do C.P.Civil.


III
O objecto do presente recurso, balizado pelas respectivas conclusões, resume-se (decidida a questão do efeito do recurso) à reapreciação da matéria de facto.
IV
A primeira instância considerou provada a seguinte matéria :
1. Em … de Maio de 200…, o Autor deu de arrendamento à…, Lda., para comércio, a fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao Rés-do-chão/Loja, do prédio urbano sito na…, nºs … e…, em…, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de….
2. O contrato foi celebrado pelo prazo de 5 anos, com início em … de Maio de 200….
3. Foi convencionada a renda mensal de € 350,00, sob o regime de renda livre, a qual deveria ser paga até ao oitavo dia do mês a que dissesse respeito.
4. A Sociedade inquilina deixou de pagar as rendas desde Junho de 200….
5. Os 2º e 3º Réus subscreveram o referido contrato na qualidade de fiadores.
6. A sociedade”…, Lda.“ dissolvida e liquidada, sendo os seus únicos sócios os 2º e 3º Réus.
7. O Autor nunca deixou de entregar os recibos correspondentes às rendas que foram pagas.
E não considerou provado que :
a) desde Janeiro de 200… que o Autor deixou de entregar à 1ª Ré …, Lda., os recibos correspondentes às rendas de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 200…;
b) perante tal recusa, a Ré recusou-se a pagar as rendas, até ao cumprimento das obrigações legais e fiscais do Autor senhorio, o que nunca veio a suceder;
c) Em Junho de 200…, o Réu E… entrou em contacto com o Autor, por telefone, e comunicou-lhe que pretendia revogar imediatamente, por mútuo consentimento, o contrato;
d) o Autor consentiu, tendo apenas solicitado que a Ré procedesse ao envio das chaves do locado por correio;
e) conforme havia sido acordado, o Réu E… remeteu, por correio, as chaves do imóvel arrendado e deixou-o totalmente devoluto, não tendo entrado no imóvel desde Junho de 200….
V
A
Da reapreciação da matéria de facto
O nº 1 do art.712º do CPC dispõe o seguinte:“ 1 - A decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto pode  ser alterada pela Relação: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa, ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685º-B, a decisão com base neles proferida. b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que por isso, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.”
Actualmente, as condições para o julgamento eficaz do segundo grau de jurisdição em matéria de facto, pondo termo ao anterior sistema de oralidade plena, em substituição por um sistema de oralidade mitigada[1], encontram-se asseguradas quer pela introdução da possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova aí produzida (cfr.DLn.º39/95 , de 15-02), quer pela alteração introduzida à forma de motivação da matéria de facto estatuída  no art.653º,n.º2, do CPC( cfr. DLn.ºn.º329º-A/95 ,de 12-12 e 180/96, de 25-08)e consagrada no art.205º,n.º1 da Constituição da República.
E , ainda que o legislador tenha reconhecido  que “….a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto…..”(cfr. preâmbulo do DL n.º39/95, de 15-02), tal não obsta a que  “Na reapreciação da prova, feita ao abrigo do disposto no art. 712.º, n.ºs 1, al. a), e 2, do CPC, a Relação deve formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas, tal como a 1.ª instância, sem estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida, em função do princípio da imediação da prova.” [2]
No caso em apreço os depoimentos das testemunhas foram gravados e o recorrente cumpriu com o ónus estabelecido no art.685º-B do CPC.
O recorrente pretende que se considere provada a seguinte matéria:
c) Em Junho de 2009, o Réu E…  entrou em contacto com o Autor, por telefone, e comunicou-lhe que pretendia revogar imediatamente, por mútuo consentimento, o contrato;
d) O Autor consentiu, tendo apenas solicitado que a Ré procedesse ao envio das chaves do locado por correio;
e) Conforme havia sido acordado, o Réu E... remeteu, por correio, as chaves do imóvel arrendado e deixou-o totalmente devoluto, não tendo entrado no imóvel desde Junho de 200….

A Mmª Juiz, fundamentando a resposta negativa a estes factos , referiu que:” Os depoimentos das testemunhas do Réu revelaram-se imprecisos e com a preocupação em afirmar que este tinha acordado com o senhorio a entrega do locado, não sabendo, contudo, transmitir os termos usados na conversa informal entre amigos, nada sabendo quanto ao outro sócio nem o que se terá passado após uma ida à loja com uma carrinha para “tirar o material”; disseram que o Réu enviou as chaves pelo correio, não tendo, contudo, qualquer deles, presenciado tal facto, sendo certo que, ainda que o Réu pudesse ter ido aos correios com esse propósito, a verdade é que não conseguiu demonstrar o recebimento das mesmas pelo senhorio nem que tal tivesse sido, concretamente, o acordado, …não sendo crível que o Autor, podendo fazer uso do imóvel o não fizesse e tivesse intentado acção judicial, sendo que a presente deu entrada em juízo em Janeiro de 2010. Por outro lado, não se compreende que o Réu se furtasse aos contactos com o senhorio se a situação estivesse, como afirmou, resolvida por acordo, sendo antes natural que tentasse perceber qual havia sido o destino das chaves que porventura já não tivesse em seu poder.”
Em abono da sua pretensão socorre-se o recorrente dos depoimentos de JOAQUIM PRESTADO EM …/201… e de ANTÓNIO PRESTADO EM …/201…
Ouvidos estes depoimentos constata-se o seguinte.
Joaquim – cabo da GNR na reserva, amigo e vizinho do apelante. Esta testemunha foi duas vezes à loja arrendada. Em conversa de café que situou em 200…, fins de Maio/ princípios de Junho, e atentas as dificuldades financeiras que o apelante manifestava, aconselhou-o a entregar o locado ao apelado e aquele logo telefonou  ..Ouviu o mesmo a falar no telemóvel, sendo que o apelante lhe disse que estava tudo tratado. Pensa que a conversa seria com o apelado porque o apelante falava do locado referindo-se à limpeza do mesmo. Posteriormente ajudou o apelante a remover os seus bens do locado. Na deslocação de regresso o apelante manifestou vontade de devolver as chaves pelo que foi aos CTT de Monte … e enviou as mesmas por correio. Desconhece porque motivo o apelante não devolveu as chaves pessoalmente.
A... – militar na Marinha. Amigo e vizinho do apelante E…. Também aconselhou (em conversa de café) o apelante a tentar acordar com o senhorio a devolução da loja. E também ouviu o apelante a falar ao telefone nesse sentido. O acordo passava pela remoção dos bens da loja, limpeza e devolução das chaves pelo correio. Era para ir (no dia seguinte ao telefonema) mas não foi por motivos de serviço. Não sabe se o outro sócio da sociedade foi ouvido. Nestas conversas de café o E… nunca mencionou o sócio.
A testemunha L..., filho do apelado, e cujo depoimento foi por este invocado para rebater os dois anteriores, depois de referir que as rendas foram sempre pagas com atraso e multa (como se constata dos recibos), disse ainda que nunca receberam quaisquer chaves, ( tendo tentado vários contactos com o apelante mas em vão), sendo que este facto teria permitido a imediata rentabilização do locado ,importante complemento para o rendimento dos seus pais que vivem da reforma….
Ora, depois de ouvidas as testemunhas do apelante cujo depoimento é, essencialmente, o que se consignou, fica instalada a dúvida (que se resolve atento o disposto no art.516º do CPC) quanto à conversa alegadamente havida com o apelado assim como quanto à efectiva devolução das chaves por correio. Não é lógico, ainda que a rescisão tivesse efectivamente sido acordada por telefone, que não fosse acordada uma data com o senhorio para que este pudesse reaver a posse do locado, sem esperar pela remessa das chaves pelo correio. E, ainda que tivesse sido acordada esta forma de devolução das chaves, menos lógica se afigura a actuação do apelante, gerente da sociedade R e seu fiador, no tocante a enviar as chaves sem assegurar o respectivo registo e que não tivesse posteriormente contactado o apelado para se assegurar do recebimento das mesma, uma vez que este nunca poderia ali entra de outra forma.
Acresce que a sociedade R. a arrendatária, dispunha de outro sócio-gerente, o co-réu A… e nada é  referido quanto a qualquer conversa deste com o apelante no que respeita ao arrendamento.
A desconsideração dos depoimentos das testemunhas pela primeira instância não merece qualquer censura.
Não se vislumbra assim qualquer fundamento para alterar o decidido pela primeira instância quanto à matéria de facto.
B
No que respeita ao enquadramento jurídico da decisão diz-se o seguinte.
O recurso do apelante assentava na premissa da rescisão do contrato de arrendamento por mútuo acordo e devolução das chaves ao apelado pelo que não se tendo provado a mesma o enquadramento jurídico da sentença impugnada não carece de ser alterado.
A apelação improcede na totalidade.
Em síntese diz-se o seguinte:
i) Tem efeito suspensivo a apelação interposta da decisão que ponha termo ao processo nas acções em que se aprecie a validade, a subsistência ou a cessação de contratos de arrendamento, com excepção dos arrendamentos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios.
ii) Na reapreciação da prova o Tribunal da Relação deve formar a sua própria convicção, no gozo pleno da livre apreciação da prova .


VI
Considerando o que se acaba de expor julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo apelante.

Lisboa, 2 de Outubro de 2012

Teresa Henriques
Isabel Fonseca
Eurico Reis
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[1] Vide para maiores desenvolvimento Ac STJ de 19/03/2009, proc n.º08B3745(Santos Bernardino)in www.dgsi.pt
[2] AC do STJ de 16/03/2011 proc n.º48/08.7TBVNG.P1.S1(rel Moreira Camilo),vide ainda Ac de: 03.02.2011 (Maria dos Prazeres Beleza), proc n.º 29/04.0TBBRSD.P1.S1; de 24.05.2011, proc n.º376/2002.E1.S1(Garcia Calejo) , disponíveis in www.dgsi.pt