COMODATO
RESTITUIÇÃO DE IMÓVEL
RESTITUIÇÃO DE BENS
INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
ABUSO DE DIREITO
Sumário

1. São essenciais à caracterização de um contrato como de comodato: o carácter gratuito, a precariedade, a temporalidade e o dever de restituição.
2. A indeterminação do uso da coisa comodatada, bem como a não estipulação de prazo certo para a restituição, implica para o comodatário o dever de restituir a mesma, logo que o comodante o exija.
3. A privação do uso de um bem é susceptível de constituir, por si, dano patrimonial, visto que se traduz na lesão do direito real de propriedade. E, a supressão da faculdade do proprietário extrair do bem todas as suas utilidades constitui, juridicamente, um dano que tem uma expressão pecuniária e que, como tal, deverá ser passível de reparação.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I . RELATÓRIO

“A” E “B”, residentes em Vivenda ..., Lote ..., ..., ..., Cascais, intentaram contra “C” E “D”, residentes na Rua ..., n.º ..., ..., ..., ..., Cascais, acção declarativa, actualmente sob a forma de processo comum ordinário, através da qual pedem que os réus sejam condenados a:
a) reconhecer os AA. como seus comodatários e, nessa qualidade, declarar os AA. legítimos possuidores do estabelecimento industrial – instalações e equipamentos – sito na Rua ..., n.º ... A, ..., ..., ..., Cascais, enquanto

nele se mantiverem no exercício da actividade de fabrico e comercialização de pão e produtos similares;
b) consequentemente, absterem-se de perturbar os AA., seja de que forma for, no seu direito ao uso, por tempo indeterminado, do referido estabelecimento industrial, designadamente, de se absterem de proferir ameaças ou injúrias contra os AA. e de desligar o quadro de electricidade, assim como o contador da água, pondo em causa a actividade por eles desenvolvida;
c) permitir o acesso aos AA. ao quadro de electricidade e ao contador da água, ficando aqueles obrigados a entregar-lhes uma chave da porta de acesso ao local em que se encontra instalado o quadro de electricidade;
d) verem convertidas em definitivas as demais medidas provisórias cautelares ordenadas no procedimento cautelar que correu termos no 2.º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais, sob o n.º .../09.4TBCSC, designadamente, determinando a autorização aos AA. para requerer a manutenção dos contratos de fornecimento de energia eléctrica e água ao estabelecimento, respectivamente, com os n.ºs ... e ..., os quais apenas poderão ser resolvidos com autorização expressa da A., podendo esta, em alternativa, celebrar novos contratos de fornecimento, respectivamente, com a EDP e as Águas de Cascais, SA, devendo os RR. abster-se de ordenar o cancelamento de tais contratos, enquanto se mantiver em vigor o contrato de comodato respeitante ao estabelecimento;
e) solidariamente, pagarem aos AA. a quantia de € 5.000,00, a título de indemnização pelos danos morais, prejuízos e encargos causados pela turbação de que deles foram vítimas.

Fundamentaram os autores, no essencial, esta sua pretensão da seguinte forma:

1) Os autores dedicam-se à actividade de fabrico e comercialização de pão, no exercício da qual, desde, pelo menos, o ano de 1995, têm o respectivo estabelecimento instalado no local aludido no petitório, sendo proprietários das respectivas instalações os aqui RR., pais da A. mulher, tendo o R. marido anteriormente exercido ali a mesma actividade;
2) Em 1995 os RR. cederam à sua filha, aqui A., a título de empréstimo, o referido estabelecimento (incluindo instalações e equipamento) por tempo indeterminado, pelo que desde então os AA. têm vindo a dedicar-se ali em exclusivo ao fabrico de pão, ampliando a respectiva clientela, sendo, pois, pública e pacificamente, legítimos possuidores do estabelecimento, onde para si trabalham quatro trabalhadores, com um volume diário de vendas de, aproximadamente, € 1.450,00;
3) Porém, principalmente desde meados do ano de 2008, os AA. passaram a ser alvo de diversas ameaças de perturbação da sua actividade por parte dos RR., com o intuito de levar à retirada dos AA. daquelas instalações e lhes devolverem o estabelecimento, mormente através de cortes de fornecimento de energia eléctrica e água ao estabelecimento, o que está ao seu alcance, pois que o quadro eléctrico e o contador da água da padaria são comuns às demais divisões do edifício, incluindo a residência dos RR., aos quais estes, por isso, têm acesso, encontrando-se tal quadro eléctrico situado em divisão anexa às instalações da padaria, tendo os AA. sido privados do acesso ao mesmo pelo R. marido, após o que passaram a ocorrer diversos cortes no fornecimento de energia eléctrica ao estabelecimento, por o dito quadro eléctrico ser reiteradamente desligado, mormente à hora de início diário da laboração;
4) O fornecimento de energia eléctrica é indispensável ao normal funcionamento do estabelecimento, sem o qual a maquinaria de preparação do pão não pode funcionar, sendo que os RR. sempre se recusaram a transmitir aos AA. a titularidade dos contratos de
fornecimento de electricidade e água, cujos consumos os AA. sempre vêm pagando integralmente;
5) Em Novembro de 2008 o R. marido dirigiu-se ao A. marido, dizendo-lhe que só poderia ficar no local até ao final de Dezembro, sendo que no início de Janeiro seguinte os RR. comunicaram aos AA. que estes só estariam no estabelecimento até ao final de Janeiro de 2009, pelo que os AA. começaram a procurar lugar alternativo para exercerem a sua actividade, de cujos proventos vive o seu agregado familiar, incluindo três filhos menores, tendo comunicado ao R. marido que sairiam logo que o pudessem fazer para outro local;
6) Em 16/03/2009, o R. marido comunicou ao A. marido que só o deixaria laborar até ao final desse mês, sendo, porém, que os AA. continuavam a não poder desocupar o local por falta de um espaço alternativo, cabendo-lhes a posse legítima do estabelecimento, pelo que instauraram procedimento cautelar, na pendência do qual, em 31/03/2009, os RR. cortaram o fornecimento de energia eléctrica ao estabelecimento, recusando-se a voltar a restabelecê-lo, o que levou o A. marido a forçar uma porta para restabelecer a corrente eléctrica e poder dar início à laboração do dia, factos que motivaram a intervenção de entidade policial;
7) A situação descrita, de turbação na posse dos AA. como comodatários do estabelecimento, ofende o contrato de comodato celebrado, celebração essa para uso específico da actividade aludida, sem que tenha sido convencionado prazo para restituição, não podendo, por isso, os comodantes exigir tal restituição enquanto os comodatários não findarem o uso determinado do estabelecimento, antes devendo abster-se de actos que impeçam ou restrinjam o uso da coisa pelos comodatários;
8) Acresce que a conduta descrita dos RR. causou prejuízos patrimoniais e danos morais aos AA., a cuja reparação deverão proceder, mediante indemnização no valor peticionado de € 7.500,00.

Citados, os réus apresentaram contestação e, impugnando a factualidade alegada pelos autores, invocaram em síntese:

1) O comodato foi dado em 1995 à A. mulher, e só a esta, devido às dificuldades económicas por que passavam os AA., com a condição de ser o imóvel restituído aos RR. em 30/03/2002, porém, com prorrogação, a pedido dos autores, por mais um ano – não é verdade que o empréstimo fosse por tempo indeterminado – findo o qual os autores se recusaram a proceder a tal restituição, o que motivou o deteriorar das relações entre as partes, após o que os RR. têm vindo a solicitar constantemente a entrega do imóvel;
2) O que ocorreu também para a data de 31/03/2009, tendo os RR. informado os AA. que, se a restituição nesta data não acontecesse, seria efectuado o corte de energia eléctrica, cujo quadro eléctrico está instalado em imóvel contíguo à fábrica do pão em causa;
3) Os RR. informaram os AA. da sua intenção de tirar maior rendibilidade do espaço, uma vez cessado o arrendamento de um outro espaço contíguo e uma vez que os AA. não pagavam qualquer contrapartida aos RR., os quais pretendem assegurar a sua subsistência e velhice, pretendendo proceder a diligências e obras tendentes a instalar no local um supermercado e uma padaria, impondo-se proceder à legalização do estabelecimento que a A. explora, para o que carecem de todo o espaço livre e devoluto;
4) Sendo que, atento o comodato, a posse dos AA. é precária, devendo eles restituir o emprestado, sem que se exija a fixação de um prazo para tal, restituição essa devida logo que a coisa lhes fosse exigida, como foi;
5) Um contrato de comodato sem prazo certo mas com uso determinado para a coisa visa satisfazer necessidades temporárias e pressupõe que a determinação do uso envolve a delimitação temporal da necessidade que o contrato visa satisfazer, pelo que,
se tal determinação temporal não ocorre, nem pode obter-se, o contrato deve ter-se por tempo indeterminado;
6) No caso dos autos, tratando-se de obrigação pura, a restituição devia ocorrer mediante a simples interpelação para tal, a qual teve lugar por diversas vezes, o que logo determina o términus do comodato;

Deduziram ainda os réus reconvenção contra os AA., alegando, ainda, que a conduta descrita dos AA./Reconvindos tem causado ofensas morais aos RR./Reconvintes, cuja reparação não poderá ascender a valor inferior a € 10.000,00 e formularam os seguintes pedidos:

a) seja reconhecido o direito de propriedade dos RR. sobre o estabelecimento de indústria e comércio de padaria sito na Rua ..., n.º ... A, ..., ..., Freguesia de ..., concelho de Cascais, inscrito na Matriz sob o Artigo ... da Freguesia de ..., com o valor patrimonial de € 39.093,60; do local onde se encontra instalado o quadro eléctrico e o contador da água em zona privada e de acesso à residência dos RR.; bem como a propriedade dos RR. sobre todo o equipamento e maquinaria que se encontra no estabelecimento;
b) seja reconhecida a existência do contrato de comodato celebrado entre AA. e R. mulher e este já ter terminado por interpelação dos RR. aos AA. com efeitos retroactivos, pelo menos, a Novembro de 2008;
c) sejam os Reconvindos condenados no pagamento da quantia mensal de € 1.000,00, desde pelo menos Novembro de 2008, e que perfaz na data de dedução da reconvenção € 8.000,00, bem como nas prestações que se vençam até efectiva entrega do imóvel livre de pessoas, a título de contrapartida pela utilização do imóvel;


d) sejam os Reconvindos condenados na entrega do imóvel, livre de pessoas, em perfeito estado de conservação, bem como todo o equipamento e maquinaria que ali se encontrava à data da entrega do imóvel, em perfeito estado de funcionamento, bem como na condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na entrega do imóvel, a partir da decisão que julgue procedente o presente pedido, no montante nunca inferior à taxa diária de € 1.500,00;
e) sejam os Reconvindos condenados, a título de danos não patrimoniais, no montante não inferior a € 10.000,00.

Os autores replicaram, impugnando diversa factualidade alegada na reconvenção e invocando, em síntese, que:

1) O R. marido retirou do estabelecimento uma tendeira, adquirida pelos AA., com um custo que ascende a € 13.200,00, a cuja restituição aquele não procedeu, donde que devam os RR. indemnizar os AA. naquele montante;
2) O R. marido, desobedecendo à decisão proferida no âmbito dos autos de procedimento cautelar apenso, voltou a provocar a paralisação temporária da actividade do dito estabelecimento, causando danos patrimoniais e morais aos AA., a reparar com indemnização no valor de € 10.000,00, a que deve acrescer indemnização equivalente a € 5.000,00 por cada vez que os RR. voltarem a perturbar o funcionamento do estabelecimento, a liquidar em execução de sentença;
3) Os RR./Reconvintes litigam de má fé, alterando reiteradamente a verdade dos factos, devendo ser condenados em conformidade.

Requereram os autores a ampliação do pedido, com adição dos seguintes novos pedidos:



a) serem os RR. condenados a pagar aos AA., a quantia de € 13.200,00 (treze mil e duzentos euros), a título de indemnização pelos danos por eles causados com a retirada do estabelecimento e o descaminho da tendeira adquirida e pertencente aos AA;
b) serem os RR. condenados a pagar aos AA., a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), a título de indemnização pelos danos morais, prejuízos e encargos causados pela turbação de que deles foram vítimas, nos dias 15 e 18 de Junho de 2009;
c) serem os RR. condenados a pagar aos AA., a título de indemnização, a quantia de € 5.000,00 (sete mil e quinhentos euros), a liquidar em execução de sentença, por cada dia em que, infringindo a providência cautelar que se encontra decretada, reincidirem na criação de dificuldades ao normal e pleno funcionamento da actividade do estabelecimento, seja por acção, seja por omissão, designadamente, recusando-se a voltar a ligar a luz ao estabelecimento, sempre que esta, independentemente do motivo, tenha sido cortada;
d) serem os RR. condenados como litigantes de má fé, em multa e a indemnizarem os AA., em quantia a liquidar a final, correspondente ao reembolso de todos custos e encargos com a presente lide, incluindo os honorários advocatícios.

Em novo articulado, vieram os RR./Reconvintes concluir, designadamente, pela improcedência da pretendida ampliação do pedido, por extemporaneidade e ininteligibilidade dos fundamentos respectivos.

Admitida a ampliação da causa de pedir e do pedido formulado pelos autores na réplica apresentada, foi proferido despacho saneador, e procedeu-se à elaboração, por remissão, do elenco dos factos assentes e da base instrutória.


Os réus, por requerimento constante de fls. 283, vieram informar terem os autores deixado o imóvel em causa no dia 16.10.2011, não tendo efectuado, porém, a entrega das respectivas chaves, o que os autores informaram, posteriormente, terem entregado as ditas chaves aos réus, no dia 21.11.2011, dando por terminado o empréstimo das instalações, tendo sido aceite tal entrega pelo reús/reconvintes.

Levada a efeito a audiência de discussão e julgamento, o Tribunal a quo proferiu decisão, julgando a acção nos seguintes termos:
Pelo exposto, e decidindo, julga-se, na parte ainda subsistente, a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, termos em que, em consequência:
a) vão condenados os RR., “C” e mulher, “D”, a reconhecer a validade e plena eficácia do contrato de comodato em causa e, nessa medida, a A. mulher como legítima possuidora do estabelecimento aludido de padaria entre 1995 e 31/03/2009, período durante o qual no mesmo os AA. exerceram a sua actividade de panificação, fim este para o qual o empréstimo foi feito;
b) no mais, na improcedência da acção, por não provada, vão tais RR. absolvidos do contra si peticionado.
E julga-se, por sua vez, a reconvenção parcialmente procedente, por parcialmente provada, termos em que, em consequência:
a) vão condenados os AA./Reconvindos, “A” e marido, “B”:
1. - a reconhecer o direito de propriedade dos RR./Reconvintes sobre o estabelecimento de indústria e comércio de padaria instalado na Rua ..., n.º ... A, ..., ..., Freguesia de ..., concelho de Cascais, inscrito na matriz sob o artigo ....º da freguesia de ..., Concelho de Cascais, sobre o local onde se encontra instalado o quadro eléctrico e o contador da água em zona privada e de acesso à residência dos RR./Reconvintes, bem como sobre o equipamento e maquinaria que se encontrava no estabelecimento aquando da sua entrega à A./Reconvinda mulher;

2. - a reconhecer a existência do contrato de comodato celebrado entre RR./Reconvintes e A./Reconvinda mulher e ter ocorrido extinção desse contrato por interpelação (exigência da coisa emprestada) dos RR. aos AA. com efeitos reportados a 31/03/2009;
3. - a entregar todo o equipamento e maquinaria emprestados, e pelos AA./Reconvindos possuídos e utilizados, em adequado estado de funcionamento;
4. - tendo já ocorrido, por outro lado, a entrega voluntária do imóvel onde funcionava o aludido estabelecimento, pelo que, nesta parte, fica prejudicado o respectivo pedido de entrega, tal como o pedido de condenação em sanção pecuniária compulsória;
5. - a pagar, solidariamente, aos RR./Reconvintes, a título de indemnização por dano não patrimonial, o montante de € 500,00 (quinhentos euros);
b) vai condenada a A./Reconvinda “A” no pagamento, a título de indemnização por dano patrimonial, da quantia mensal que vier a determinar-se (dentro do montante peticionado a este título), em adequado incidente de liquidação, como correspondente aos prejuízos decorrentes da sua mora na entrega da coisa emprestada (os ditos estabelecimento e instalações), desde 01/04/2009 até 21/11/2011;
c) no mais, na improcedência da reconvenção, por não provada, vão tais AA./Reconvindos absolvidos do contra si peticionado.
(…)

Inconformados com o assim decidido, os autores interpuseram recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.

São as seguintes as CONCLUSÕES dos recorrentes:

i. Só pela análise do contrato de comodato, em cada caso, se poderá reconstituir a vontade das partes, como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela – cfr. Código Civil Anotado, Vol. II, 3ª ed., Coimbra Editora, 1986, p.675, ainda que o propósito de diferente questão doutrinal, mas, naturalmente, igualmente válida para a questão sub judice.

ii. São ainda tais mestres que ensinam que, caso não seja fixado prazo para a restituição mas a coisa seja emprestada para uso determinado, só será devida a restituição quando tiver terminado esse uso – Cfr. op. cit. p. 675. Tal como preceitua o nº 1 do artigo 1137º do CCiv, independentemente de interpelação.

iii. E, é igualmente no mesmo sentido que aponta Menezes Leitão, referindo que “no caso de o prazo resultar da determinação do uso, é a sua conclusão que determina o vencimento da obrigação”.

iv. No caso concreto sub judice, tendo o estabelecimento – instalações e respectivo equipamento – sido emprestado pelos RR. à sua filha, por tempo indeterminado, para uso específico da actividade industrial de panificação, a determinação do uso, permite a respectiva determinação temporal.

v. Efectivamente, não sendo a comodatária uma qualquer pessoa colectiva, que, por tal natureza, conferisse um carácter inesgotável à finalidade dada ao empréstimo, e, por conseguinte, tornasse impossível a sua delimitação temporal, mas, antes, tratando-se de uma pessoa singular, finita e dependente das condições de saúde, físicas e psicológicas a que qualquer ser humano está exposto, tal delimitação temporal, é determinável – no limite coincidindo com o absolutamente certo decesso da comodatária -, estando, pois, contida na determinação conferida ao uso.

vi. Ou, naturalmente, antes da morte da comodatária, tão logo a mesma deixasse de utilizar a coisa emprestada, no fabrico de pão, independentemente do motivo que o determinasse.

vii. Nem pode, com o devido respeito, entender o julgador, no caso concreto dos autos, que se esteja em presença de actos genéricos de execução continuada, na medida em que ficou manifesto que o uso da coisa emprestada, teve por finalidade, precisa e continuadamente, de actos concretos de execução, inerentes ao fabrico de pão.


viii. É este, também, o sentido e alcance que se retira do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa – Procº nº 2875/2008-1, de 14-10-2008, assim como, dos doutos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Procº nº 7232/04.0TCLRS.L1.S1, de 16-11-2010 e Procº nº 03A1323, de 13-05-2003.

ix. Donde, a obrigação de restituição da coisa emprestada, só nasce na esfera jurídica do comodatária, no momento em que nela pôs fim ao uso subjacente ao contrato de comodato, nos termos do nº 1 do artigo 1137º do Código Civil.

x. A decisão tirada pelo tribunal a quo, não tem a mínima correspondência com a letra do nº 2 do artigo 1137º do CCiv, norma que na sua facti species prevê, exactamente, a situação contrária à que os autos evidenciam.

xi. E não tem correspondência com a letra da lei, como igualmente não a tem com o seu espirito, tal como o evidencia o pensamento do legislador de 1966 - supra citado -, mesmo, naturalmente, tendo em conta as condições específicas do tempo em que é aplicada.

xii. Na interpretação da lei exige-se que o sentido e alcance da mesma extraída tenha um mínimo de correspondência com a respectiva letra, por força do nº 2 do artigo 9º do Código Civil.

xiii. O comodato de um estabelecimento industrial e respectivas instalações, cedido a uma filha para aí construir a sua vida e ao mesmo tempo, assegurar a continuidade do negócio ali instalado e desenvolvido pelos pais, que estes, pacificamente aceitam e mantêm durante mais de 13 anos, não pode ser configurado como um qualquer comodato precário, ao qual, esse sim, seria aplicável a disposição do nº 2 do artigo 1137º do Código Civil.


xiv. Ainda que se reconhecesse o direito aos comodantes de a qualquer momento e sem justa causa exigirem da sua filha a restituição da coisa emprestada, fazendo-o depois de decorridos mais de 13 anos sem qualquer indício sério do exercício de tal direito, muito pelo contrário, reforçando e incentivando os estímulos iniciais que levaram a comodatária à aceitação do comodato, sempre o exercício de tal direito seria feito em manifesto abuso de direito, por violação dos mais elementares limites impostos pela boa fé.

xv. Abuso de direito consubstanciado, ainda, no facto de o comodante não retirar qualquer benefício económico da restituição do estabelecimento, pois o mesmo não é arrendável, por não dispor da necessária licença camarária e porque quer para obter rendimentos, quer para arrumações, como os RR, chegaram a alegar, dispunham e dispõem estes de outro estabelecimento contíguo, este sim, licenciado, e devoluto desde 2006.

xvi. Não pode considerar-se razoável, como o faz a decisão recorrida, o prazo de 15 dias concedido à comodatária, feito depois de diversos ultimatum e sua retratação, num empréstimo em que a restituição da coisa emprestada, compromete decisivamente as condições de sobrevivência da comodatária e respectivo agregado familiar, para além, naturalmente das demais obrigações inerentes à actividade económica exercida e sem que, ao menos, tivesse havido alegação de motivo que justificasse tal urgência.

xvii. O contrato de comodato celebrado em 1995 entre os RR/Reconvintes e a A./Reconvinda, manteve a sua plena validade e eficácia enquanto os AA. mantiveram o exercício da actividade industrial de panificação nas instalações que para o efeito aqueles lhe emprestaram, o que ocorreu, ininterruptamente, pelo menos, até 15 de Outubro de 2011.

xviii. A não ser confirmada a decisão recorrida, como se apela e espera, relativa à duração do contrato de comodato e ao momento em que o mesmo se tem por terminado, fica desde logo prejudicada a condenação dos autores/
Reconvindos, na justa medida em que nenhum ilícito, ou violação contratual por eles foi cometido, ficando assim por preencher os pressupostos da responsabilidade civil.

xix. Não obstante, pelo menos no que respeita aos danos patrimoniais, não se mostram preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade contratual, ónus a cargo dos Recorridos, nos termos do nº 1 do artigo 342º do Código Civil.

xx. Só depois de se mostrar provada a existência de dano, e faltando, apenas determinar a sua quantificação, o tribunal a quo poderia decidir-se pela condenação genérica dos AA./Reconvindos.

xxi. Apenas e tão só ficou provado um conjunto de meras intenções dos RR, o que não basta para mostrar, designadamente, que o espaço físico se encontra dotado de valor locativo, que está apto a albergar um estabelecimento industrial, ou que os RR. poderiam dali obter algum rendimento.

xxii. É público e notório que tais intenções dependiam, a primeira e determinante da segunda de os RR. apresentarem e obterem deferimento na entidade licenciadora, os adequados pedidos de autorização e só depois, da necessidade de abandono do local pelos AA..

xxiii. Os RR. não provaram que o facto de o estabelecimento emprestado se encontrar em laboração, impedia a elaboração dos projectos que se tornassem necessários ao processo de licenciamento das intencionadas alterações.

xxiv. Donde, ainda que o estabelecimento emprestado aos AA. lhe tivesse sido devolvido, como a douta sentença declara, em 31/03/2009, nenhuma vantagem patrimonial com isso os RR. obteriam, a não ser, tal como desde 2006 sucede com o imóvel contíguo, poderem ter devolutas, não uma, mas duas padarias.

xxv. Não pode o tribunal a quo bastar-se com a prova de meras intenções, para considerar natural que a privação daquele espaço físico, tenha causado danos aos RR./Reconvintes.

xxvi. Não mostrando os autos que aquele espaço físico está devida e legalmente habilitado- quer no respeitante à utilização do imóvel, quer no respeitante à actividade industrial nele instalada ou a instalar-, não pode o tribunal a quo presumir que o mesmo se encontra dotado de valor locativo.

xxvii. Não dispondo da necessária licença de utilização, o estabelecimento emprestado aos AA., não pode ser objecto de arrendamento, não tendo, pelo menos até à data em que os AA. dele tiveram posse, 21/11/2009, qualquer valor locativo.

xxviii. Consequentemente, não ficou provado que a alegada demora na restituição do estabelecimento e dos respectivos equipamentos aos RR/Reconvintes, concretizada pelos AA./Reconvindos, em 21 de Novembro de 2011, tenha produzido dano na esfera jurídica dos RR.

xxix. E, não se mostrando provado o dano - primeiro e essencial requisito da obrigação de indemnização - não podem os AA/Reconvintes ser condenados nos termos em que o são na sentença recorrida.

xxx. Decidindo como decidiu, a sentença recorrida violou os artigos 9º, 334º, 804º, nº 1 e 1137º, nº 1 do Código Civil.

Pedem, por isso, os apelantes, que seja revogada a decisão recorrida, e substituída por outra que condene os réus a reconhecer a validade e plena eficácia do contrato de comodato em causa e, nessa medida, a autora mulher como legítima possuidora do estabelecimento aludido de padaria, desde 1995 e até 21.11.2012, período durante o qual no mesmo os autores exerceram a sua actividade de panificação, fim para o qual o empréstimo foi feito, absolvendo os autores de todo o pedido reconvencional contra si deduzido, com todas as legais consequências.

Os réus apresentaram contra-alegações, formulando as seguintes CONCLUSÕES:

i. Não assiste qualquer razão aos Recorrentes;

ii. Em relação à questão da aplicabilidade do art.º 1137.º/1 do Código Civil ao caso em apreço, bem andou o Digníssimo Tribunal em aplicá-lo, em detrimento do art.º 1137.º/2 do Código Civil;

iii. A matéria de facto dada como provada não merece qualquer reparo, até porque não foi objecto de qualquer reclamação;

iv. Os próprios Recorrentes admitem que o contrato de comodato foi celebrado sem prazo e sem delimitação temporal, pelo que conforme ensina a Jurisprudência contida em Acórdãos do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, proferida no âmbito dos processos n.º 2875/2008-1, 7232/04.0TCLRS.L1.S1 e 03A1323, respectivamente, “Não se estipulando prazo, nem se delimitando a necessidade temporal que o comodato visa satisfazer, o comodante tem direito a exigir, em qualquer momento, a restituição da coisa, denunciando o contrato, ao abrigo do disposto no n.º 2 do citado art.º 1137º.”

v. Não será de acolher a teoria segundo qual o facto de o contrato não prever a sua limitação temporal não relevar para os efeitos previstos no referido art.º, com o argumento de que, apesar de não determinada, a mesma seria determinável, porquanto o contrato sempre terminaria com a morte da Comodatária, pois tal seria uma total perversão do instituto do comodato que se qualifica como temporário e finito;


vi. Assim, dúvidas não restam, que a falta de delimitação da necessidade temporal da coisa, implica que o uso para o qual a mesma coisa foi emprestada, não seja determinado, e como tal, à luz dos factos constantes nos presentes Autos, a solução jurídica a dar ao caso teria sempre de passar pela aplicação do art.º 1137.º/2 do Código Civil, como aplicou e bem o Digníssimo Tribunal a quo, e não o art.º 1137.º/1 do Código Civil, como erroneamente pretendem aplicar os Recorridos.

vii. O que de outra maneira não poderia deixar de ser, se não, todos os empréstimos em que não fosse estipulado prazo e existisse um qualquer fim para o mesmo (o que na prática seriam todos pois ninguém empresta bens pelo prazer de emprestar, havendo sempre um uso qualquer), seriam eternos, ou pelo menos durariam até os comodatários entenderem que o mesmo estaria terminado, o que desvirtuava todo o sentido lógico do comodato, quase que se esquecendo os Recorrentes que a propriedade da coisa é do comodante e não do comodatário;

viii. Além disso, tal interpretação não merece qualquer acolhimento na letra da Lei;

ix. Não será igualmente de colher a teoria do Abuso de Direito porquanto não ficou provado nem sequer foi alegado que tenha existido algum tipo de incentivo por parte dos Recorridos ao comodato;

x. Não ficou igualmente provado que alguma expectativa tenha sido criada;

xi. Não ficou também provado que o prazo dado para a restituição do bem tenha sido curto, porquanto os Recorridos iniciaram a sua demanda para a recuperação do bem em 2008, fizeram o ultimato final em Março de 2009, e os Recorrentes apenas abandonaram as instalações em finais de 2011;

xii. Ainda que tudo o supra dito não relevasse, o que apenas por hipótese académica se admite, o art.º 1137.º não contempla qualquer prazo para a

restituição, apenas referindo que a mesma deva ser imediata, pelo que também por aí não colheria a posição dos Recorridos;

xiii. Em relação à indemnização por factos ilícitos, não têm os Recorridos razão ao alegar que o requisito do “dano” não se encontra preenchido;

xiv. Ficou provado que desde Março de 2009 até Outubro de 2011, os Recorrentes ocuparam abusiva e ilicitamente o imóvel pertencente aos Recorrentes;

xv. Ficou igualmente provado, por confissão dos Recorrentes, que a padaria em questão não só estava apta a funcionar (sendo os próprios Recorrentes a prova viva de tal facto pois a exploraram até a abandonarem), mas também que a mesma poderia ser uma alta fonte de rendimentos, estando admitido que a mesma padaria facturaria uma média de € 43.500,00 por mês (visto os Autores terem confessado que a Padaria em questão facturaria aproximadamente € 1.450,00, o que se multiplicarmos por todos os dias do mês, temos que a referida padaria significava um rendimento mensal médio de € 43.500,00), sem qualquer encargo por conta das instalações (renda ou empréstimo bancário);

xvi. Assim, ficou provado que os Recorridos tiveram um dano pela privação do uso do referido imóvel, fosse para arrendar ou para explorar, dano esse que será futuramente liquidado em sede de Incidente de Liquidação de Sentença;

xvii. Aliás, deu o Digníssimo Tribunal como provado que os Réus, aqui Recorridos tinham intenção de proceder a obras no imóvel, tendo a Câmara Municipal de Cascais exigido um projecto de alterações (vide facto GG),

xviii. Mais deu como provado no facto LLL que: “Têm os RR como projecto ter os dois imóveis livres e devolutos de modo a retirar a maior rentabilidade dos espaços que passava por pedir autorizações camarárias para que num dos espaços (onde vigorou o arrendamento) instalar um supermercado e no imóvel onde funcionava a Panificadora, manter o fabrico e instalando uma Padaria – resposta à matéria do art.º 23.º da contestação/reconvenção”.

xix. E no facto MMM que: “Para o efeito, seria necessário não só entregar os projectos de arquitectura na generalidade e na especialidade, como realizar obras de adaptação que passam pela construção de divisórias, demolição de paredes, alteração da estrutura de paredes e chão, construção de casas de banho – resposta à matéria dos art.ºs 24.º e 25.º da contestação/reconvenção”.

xx. Concluindo no facto NNN que: “Sendo imperativo para estas alterações o abandono do local pelos AA e a entrega devoluta de pessoas, aonde se encontra actualmente a Padaria – resposta à matéria do art.º 190.º da contestação/reconvenção.”

xxi. O que demonstra claramente a vontade dos Réus em rentabilizar o imóvel abusivamente ocupado pelos Autores.

xxii. Por fim, os Recorrentes não deram cumprimento ao disposto no art.º 685.º-B/1 e 2 do CPC, porquanto não lograram proceder à especificação dos concretos meios probatórios que impunham Decisão de facto diversa, além do que, e por a prova ter sido gravada, estariam obrigados a identificar precisa e separadamente os depoimentos, nos termos do art.º 522.º-C/2 do CPC, indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda ou proceder à sua transcrição;

xxiii. Por todo o exposto, deverá o Recurso apresentado ser julgado totalmente improcedente e em consequência ser mantida a Douta Sentença nos seus exactos termos e fundamentos.


Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


***

II . ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 684º, nº 3 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação dos recorrentes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:

i) DO CONTRATO CELEBRADO ENTRE AS PARTES:
Noção e características do contrato de comodato, por forma a apurar se a coisa foi emprestada para uso determinado;

E caso assim se não entenda, ponderar sobre:

ii) A FIGURA JURÍDICA DO ABUSO DO DIREITO
por forma a verificar se o exercício do direito dos réus de exigirem a restituição da coisa emprestada viola os limites impostos pela boa fé.

iii) DA INDEMNIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS DECORRENTES DA NÃO RESTITUIÇÃO DA COISA, FINDO O CONTRATO DE COMODATO.

***

III . FUNDAMENTAÇÃO


A - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Foram dados como provados na sentença recorrida os seguintes factos:

1. Os AA. dedicam-se, há largos anos, à actividade de fabrico e comercialização de pão (facto assente do art.º 1.º da p. i.).

2. No exercício da sua actividade de panificação, desde, pelo menos, o ano de 1995 que têm o respectivo estabelecimento industrial, denominado “Padaria ...”, de “A”, instalado na Rua ..., n.º ...-A, no ..., ..., freguesia de ..., Concelho de Cascais (facto assente do art.º 2.º da p. i.).

3. Instalações de que são proprietários os RR., pais da ora A. mulher (facto assente do art.º 3.º da p. i.).

4. E nas quais, durante algum tempo, após a respectiva edificação, o R. marido, exerceu, igualmente, a actividade que os AA. nele vêm exercendo, desde, pelo menos 1995 (facto assente do art.º 4.º da p. i.).

5. Ano em que os RR. cederam à sua filha, aqui A., a título de empréstimo, o referido estabelecimento – instalações e respectivo equipamento (facto assente do art.º 5.º da p. i.).

6. Cedência essa acordada por tempo indeterminado (resposta à matéria controvertida do art.º 5.º da p. i.).

7. Desde então – 1995 – a A., juntamente com o seu marido, tem-se dedicado em exclusivo, nas referidas instalações, ao fabrico de pão (facto assente do art.º 6.º da p. i.).

8. No estabelecimento explorado pelos AA. trabalham, para tais AA., conjuntamente com o A. marido, no fabrico diário do pão, 4 trabalhadores – resposta à matéria do art.º 8.º da p. i..

9. Assegurando, diariamente, de 2.ª Feira a Domingo, a satisfação das encomendas dos seus clientes, em quantidades médias diárias não apuradas – resposta à matéria art.º 9.º da p. i..

10. Fornecimento que, atento o tipo de produto, não pode sofrer a mínima interrupção (facto assente do art.º 10.º da p. i.).

11. Ou mesmo qualquer irregularidade no fornecimento diário, sob pena de perda imediata da confiança dos clientes e a consequente mudança de fornecedor (factualidade assente dos art.ºs 11.º e 12.º da p. i.).

12. A declaração a que alude a cópia de fls. 27 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido, foi subscrita pelo R. marido – resposta à matéria do art.º 14.º da p. i..

13. Desde há algum tempo, com maior incidência a partir desde meados de 2008, os RR. têm abordado os AA. (factualidade assente do art.º 18.º da p. i.).

14. Com o intuito, por eles várias vezes declarado, de os AA. se retirarem daquelas instalações e lhes devolverem o estabelecimento (facto assente do art.º 19.º da p. i.).

15. Como forma de pressão, foram-se sucedendo as ameaças de corte da energia eléctrica e da água fornecidas ao estabelecimento (facto assente do art.º 20.º da p. i.).

16. Corte que está efectivamente ao seu alcance, na medida em que quer o quadro eléctrico quer o contador da água da padaria, são comuns às demais divisões do edifício, incluindo a residência dos RR., sita exactamente por cima da padaria (facto assente do art.º 21.º da p. i.).

17. E aos quais os RR. têm acesso (facto assente do art.º 22.º da p. i.).

18. O referido quadro eléctrico, encontra-se instalado numa divisão anexa às instalações da padaria, à qual os AA. desde há cerca de dois anos foram privados de ter acesso (facto assente do art.º 23.º da p. i.).

19. Pois o R. mudou a fechadura da porta de acesso à referida divisão, recusando-se a dar qualquer chave aos AA. (facto assente do art.º 24.º da p. i.).

20. Por vezes, à hora de início da laboração, o quadro eléctrico encontrava-se desligado, obrigando a pedir ao R. marido que o fosse ligar, com as inerentes perdas de tempo e perturbação daí decorrente, inclusive com intervenção de entidade policial, para o efeito chamada ao local, como resulta do documento de fls. 85 a 87 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido – resposta à matéria dos art.ºs 25.º a 27.º da p. i..

21. O fornecimento de energia eléctrica é indispensável ao normal funcionamento do estabelecimento (facto assente do art.º 28.º da p. i.).

22. Sem electricidade, a maquinaria de preparação do pão – maceiras, tendeiras, etc. – não poderá funcionar (facto assente do art.º 29.º da p. i.).

23. Retirando, consequentemente, qualquer hipótese de fabrico do pão (facto assente do art.º 30.º da p. i.).

24. Desde que os AA. tomaram de empréstimo o estabelecimento de fabrico de pão, foram eles que sempre pagaram integralmente as facturas mensais da electricidade – que são emitidas em nome da A. – mediante débito bancário em conta de que é titular (facto assente do art.º 31.º da p. i.).

25. A titularidade do contrato de fornecimento – contrato n.º ... – mantém-se em nome do R. marido (facto assente do art.º 32.º da p. i.).

26. O mesmo sucedendo com o contrato de fornecimento de água – contrato n.º ... (facto assente do art.º 33.º da p. i.).

27. Contratos cuja titularidade os RR. sempre se recusaram transmitir aos AA. (facto assente do art.º 34.º da p. i.).

28. Há, pois, mais de 13 anos que os RR. vêm pagando, não só a energia e a água por si consumida com o funcionamento da padaria, como a energia e água consumida pelos RR. na sua residência (facto assente do art.º 35.º da p. i.).

29. No mês de Novembro de 2008, o R. “C”, dirigiu-se ao A. “B”, dizendo-lhe “tenho uma notícia má para te dar, só podes estar aqui até ao final de Dezembro” (facto assente do art.º 40.º da p. i.).

30. Imediatamente questionado pelo A. dos motivos da referida má notícia, respondeu que “tem que sair das instalações porque a Câmara me exigiu um projecto das alterações efectuadas nas instalações. Portanto, vocês tem que sair daqui” (facto assente dos art.ºs 41.º e 42.º da p. i.).

31. O A. procurou fazer-lhe ver que era impensável e impossível sair dali sem que, acto contínuo, pudesse instalar o estabelecimento industrial noutro local (facto assente do art.º 43.º da p. i.).

32. Passado o final do ano, os RR., no início de Janeiro seguinte (ano de 2009), foram a casa dos AA. para lhes fazerem a advertência de que só estariam no estabelecimento, exactamente, até ao final do mês de Janeiro do ano de 2009 (facto assente do art.º 44.º da p. i.).

33. A partir do dia 31 de Janeiro, não mais lhes permitiriam que continuassem a trabalhar nas referidas instalações (facto assente do art.º 45.º da p. i.).

34. Referindo que precisavam do local para arrumar diversas coisas que iriam retirar da outra padaria que têm nas traseiras desta (facto assente do art.º 46.º da p. i.).

35. Desgastados com a atitude e a agressividade dos RR., os AA. começaram a equacionar sair das referidas instalações, tão logo encontrem outro local alternativo (facto assente do art.º 47.º da p. i.).

36. Para o qual possam transferir toda a sua actividade (facto assente do art.º 48.º da p. i.).

37. Só que não poderão fazê-lo enquanto não encontrarem a necessária alternativa (facto assente do art.º 49.º da p. i.).

38. Pois que todo o sustento do seu agregado familiar, depende, em exclusivo, dos rendimentos obtidos com a actividade de panificação (facto assente do art.º 50.º da p. i.).

39. Actividade a que sempre, ao longo da sua vida, se tem dedicado e terão que continuar a dedicar-se (facto assente do art.º 51.º da p. i.).

40. Única fonte de sustento dos AA. e dos seus 3 filhos menores, respectivamente, de 18, 12 e 6 anos (facto assente do art.º 52.º da p. i.).

41. O mais velho, entrado este ano [2009] para a Faculdade, com tudo o que isso representa, em termos de orçamento e encargos familiares (facto assente dos art.ºs 53.º e 54.º da p. i.).

42. Os AA. suportam as responsabilidades e encargos com o pessoal ao seu serviço – resposta à matéria do art.º 55.º da p. i..

43. E as obrigações e a necessidade de satisfazer e manter – ainda por cima nesta conjuntura de crise – toda a actual clientela – resposta à matéria do art.º 56.º da p. i..

44. Dias antes do final do mês de Janeiro de 2009, aproximando-se o prazo fixado, o A. marido procurou o R. marido, a fim de lhe comunicar que seria impossível devolver-lhe as instalações até ao final desse mês, mas que podia ficar tranquilo que assim que pudessem sairiam (facto assente dos art.ºs 58.º e 59.º da p. i.).

45. Perante tal comunicação, o R. marido, decidiu retirar o ultimatum, parando a partir daí com as interferências e as ameaças à actividade dos AA. (facto assente do art.º 60.º da p. i.).

46. No dia 16 do mês de Março de 2009, sem que nada o fizesse perceber, o R. marido, em tom agressivo e de exaltação, dirigiu-se ao A. marido dizendo, alto e bom som, que só o deixaria laborar até ao final desse mês (facto assente do art.º 61.º da p. i.).

47. Pois a partir daí mandaria cancelar os contratos de fornecimento de energia eléctrica e de água ao estabelecimento (facto assente do art.º 62.º da p. i.).


48. Os AA. requereram o procedimento cautelar que correu termos no 2.º Juízo Cível deste Tribunal, sob o processo n.º .../09.4TBCSC, cujos autos a estes se encontram apensos (facto assente do art.º 68.º da p. i.).

49. No dia 31 de Março de 2009, os RR. desligaram os disjuntores da padaria no respectivo quadro de electricidade – resposta à matéria do art.º 69.º da p. i..

50. Recusando-se a voltar a ligá-los quando, à hora de início da laboração, 23:00 horas, para tanto foram solicitados – resposta à matéria do art.º 70.º da p. i..

51. Perante o que o A. marido forçou a referida porta, para, dessa forma, restabelecer a corrente eléctrica ao estabelecimento e dar início ao respectivo fabrico – resposta à matéria do art.º 71.º da p. i..

52. Por via de tais factos ocorreu a intervenção da autoridade policial a que alude a participação NPP n.º .../2009, registada sob o n.º .../09, da ....ª Esquadra - ..., da Polícia de Segurança Pública, como consta de fls. 86 e seg. resposta à matéria do art.º 72.º da p. i..

53. O empréstimo foi feito para uso específico da actividade industrial de panificação que no mesmo local vinha a ser exercida pelos RR. (facto assente do art.º 79.º da p. i.).

54. O conflito com os RR. causa angústia e insónias a AA. e RR. – resposta à matéria do art.º 85.º da p. i..

55. Esse imóvel contíguo, sito na Rua ..., n.º 1, com entrada pela Praceta ..., Lote 10, ..., ... – ..., descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o n.º ..., inscrito na Matriz sob o Artigo ..., tinha instalada uma padaria, dada de arrendamento – resposta à matéria do art.º 15.º da contestação/reconvenção.

56. Tendo o arrendamento cessado, com entrega do imóvel em 2006, que se encontra devoluto desde então – resposta à matéria do art.º 16.º da contestação/reconvenção.

57. Têm os RR como projecto ter os dois imóveis livres e devolutos de modo a retirar a maior rentabilidade dos espaços que passava por pedir autorizações camarárias para que num dos espaços (onde vigorou o arrendamento) instalar um supermercado e no imóvel onde funcionava a Panificadora, manter o fabrico e instalando uma Padaria – resposta à matéria do art.º 23.º da contestação/reconvenção.

58. Para o efeito, seria necessário não só entregar os projectos de arquitectura na generalidade e na especialidade, como realizar obras de adaptação que passam pela construção de divisórias, demolição de paredes, alteração da estrutura de paredes e chão, construção de casas de banho – resposta à matéria dos art.ºs 24.º e 25.º da contestação/reconvenção.

59. Sendo imperativo para estas alterações o abandono do local pelos AA e a entrega devoluta de pessoas, aonde se encontra actualmente a Padaria – resposta à matéria do art.º 190.º da contestação/reconvenção.

60. Como tal, e após a interpelação em meados de 2008, durante mais de 6 meses consentiram, contra a sua vontade, os Reconvintes, que os Reconvindos ali permanecessem e usufruíssem das instalações – resposta à matéria do art.º 191.º da contestação/reconvenção.

61. O conflito entre AA. e RR. tem provocado aos RR. desgosto, tristeza, decepção e preocupações – resposta à matéria do art.º 220.º da contestação/reconvenção.

62. No dia 21/11/2011 os AA./Reconvindos entregaram as chaves do espaço em causa aos RR./Reconvintes, dando por terminado o empréstimo das ditas instalações, perante o que os RR./Reconvintes, por sua vez, disseram aceitar tal entrega.

***


B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

i. DO CONTRATO CELEBRADO ENTRE AS PARTES:
- noção e características do contrato de comodato


Ficou apurado nos autos que os réus, pais dos autores, são proprietários das instalações onde os autores exercem, desde 1995, a sua actividade de panificação, actividade antes ali exercida pelo réu, e que, nessa data, os réus cederam à autora, filha daqueles, a título de empréstimo, o referido estabelecimento industrial instalado na Rua

..., n.º ...-A, no ..., ..., freguesia de ..., Concelho de Cascais (instalações e equipamento) – v. Nºs 1 a 5 da Fundamentação de Facto.

Verifica-se que entre a autora e os réus foi, efectivamente, celebrado um contrato de comodato, qualificação dada na sentença recorrida e que as partes aceitaram.

Este, é um contrato típico e nominado, cuja definição legal e respectiva disciplina constam dos artigos 1129º a 1141º do Código Civil.

Trata-se de um contrato gratuito pelo qual, e de acordo com o artigo 1129º do Código Civil, uma das partes entrega à outra certa coisa móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir. E, apesar do comodato poder incidir sobre coisa imóvel, não requer forma escrita.

Normalmente, na base do contrato de comodato estão relações de cortesia, de gentileza, marcadas pela disponibilidade gratuita, concedida pelo dono da coisa.

Apesar da gratuitidade do contrato de comodato, estabelece o artigo 1135º do Código Civil que dele decorrem algumas obrigações também para o comodatário. Porém, nenhuma delas se apresenta como contrapartida pela utilização da coisa, o que significa que tais obrigações a cargo do comodatário não constituem o correspectivo da atribuição efectuada pelo comodante. Não tem este direito a qualquer retribuição pelo uso que o comodatário faça da coisa. Trata-se, portanto, de um contrato não sinalagmático ou bilateral imperfeito.

Conforme referem PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. II, 2ª edição, em anotação àquele normativo (nota 4):
(...) Apesar de gratuito, o comodato não deixa de ser em regra um contrato

bilateral imperfeito: o contrato envolve obrigações, não só para o comodatário, mas também para o comodante. Não há, porém, entre umas e outras, a relação de interdependência e reciprocidade que, através do sinalagma, define os contratos bilaterais ou sinalagmáticos (perfeitos)...

Com efeito, caso existisse uma obrigação que se traduzisse num correspectivo do direito de gozo da coisa, dar-se-ia uma transformação do contrato de comodato num outro tipo contratual, designadamente na locação. Todavia, tal não significa que o comodato não seja compatível com a assunção, por parte do comodatário, de certas obrigações, desde que estas, na economia do contrato, e segundo a vontade das partes, não surjam como correspectivo – v. a propósito JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES, Do contrato de Comodato, Cadernos de Direito Privado, Nº 17 (Janº-Março 2007), 14, com citação de vários arestos do Supremo Tribunal de Justiça.

Daí que, no caso concreto, pese embora se haja provado que os réus vêm pagando a energia consumida – v. Nº 28 da Fundamentação de Facto – tal não afasta a qualificação do contrato dada pelo Tribunal a quo e assumida pelas partes.

De resto, e como refere JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES, ob. cit., 23, o comodatário deve suportar, segundo a maior parte da doutrina, as despesas inerentes ao uso normal da coisa, durante o período em que teve essa faculdade, o que transparece no artigo 1138º, nº 2, relativamente ao empréstimo de animais.

O comodato é um contrato real na sua constituição (quoad constitutionem), que significa que não basta para a sua perfeição o acordo das partes, exige-se ainda, como elemento constitutivo do negócio, a entrega da coisa, móvel ou imóvel, a fim de que a pessoa a quem o seu gozo é cedido se possa servir dela, sendo, no entanto, a eficácia do contrato puramente obrigacional.


É um contrato de natureza pessoal (constituído intuitu personae), já que é celebrado apenas no interesse ou benefício do comodatário e que caduca com a morte do comodatário, como expressamente estabelece o artigo 1141º do Código Civil.

Essenciais à caracterização de um contrato como de comodato são portanto: o carácter gratuito, a precariedade, a temporalidade e o dever de restituição – v. Ac. STJ de 13.11.2007 (Pº 07A3580), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt.

O comodato é um contrato de execução continuada ou periódica, por prolongar a utilização da coisa pelo comodatário até que seja obrigado a restitui-la.

E, de entre as obrigações do comodatário a que antes se fez referência ressalta a aludida na alínea h) do referido artigo 1135º do Código Civil, i.e., a de restituir a coisa ao comodante logo que findo o contrato.

Como salienta JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES, ob. cit., 20, é da essência do comodato que dele resulta para o comodatário um direito de uso temporalmente limitado. Esse limite pode resultar do acordo das partes – a casa emprestada por dois meses - ou pode resultar indirectamente, como decorre do nº 1 do artigo 1137º, da circunstância de a coisa ter sido emprestada para um uso determinado: o carro emprestado para a lua-de-mel ou para uma viagem de estudos.

Muito embora o contrato de comodato possa extinguir-se, nos termos gerais, por resolução (artigo 1137º do C.C.), a caducidade e a denúncia são as causas mais frequentes de extinção do contrato (artigos 1141º e 1137º do C.C.).



Neste conspecto, estabelece o nº 1 do artigo 1137º do Código Civil que: "se os contraentes não convencionarem prazo certo para a restituição da coisa, mas esta foi emprestada para uso determinado, o comodatário deve restitui-la ao comodante logo que o uso finde, independentemente de interpelação".

E, decorre do nº 2 do citado normativo que "se não for convencionado prazo certo para a restituição nem determinado o uso da coisa, o comodatário é obrigado a restitui-la logo que lhe seja exigida".

Assim, o contrato de comodato cessa ou termina necessariamente:

a) Com o vencimento do prazo, se este tiver sido convencionado;
b) Não havendo prazo certo, logo que finde o uso determinado para que foi concedido, independentemente de interpelação;
c) Não havendo prazo certo nem uso determinado, quando o comodante o exija.

Consagra a lei, neste último caso (nº 2 do artigo 1137º do C.C.) a figura do chamado comodato precário (precarium) que, como esclarece RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código Civil, - anotação ao artigo 1137º, é o comodato sem determinação de data, expressa ou tácita, que no direito romano se não considerava verdadeiro comodato, conservando o concedente do uso o direito de cessação do contrato “ad nutum”.

No caso em apreço, ficou provado que as partes acordaram que a cedência, a título de empréstimo, das instalações onde os autores exercem a sua actividade de panificação, bem como o respectivo equipamento, seria efectuada por tempo indeterminado – v. Nº 6 da Fundamentação de Facto.



Não convencionaram as partes, por conseguinte, prazo certo para a restituição ou para o uso da coisa.

E será que determinaram o uso da coisa, como defendem os apelantes na sua alegação de recurso ?

Vejamos,

Dada a natureza do contrato, tal como acima e de forma perfunctória, foi caracterizado, vem constituindo entendimento dominante, designadamente na jurisprudência, que o conceito de “uso determinado” só está preenchido se se encontrar delimitada, em termos temporais, a necessidade que o comodato visa satisfazer.

Tal significa que o uso determinado da coisa comodatada deve estar expresso de modo claro, por forma a não ser confundível com figuras jurídicas afins, mormente a doação, e deve conter em si a definição do tempo de uso.

E, nesse caso, será devida a restituição, esgotado o período temporal estabelecido para esse uso, ou seja, como esclarecem PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, ob. cit. Vol. II, 596, nota 3, nos exemplos ali apresentados: - empréstimo de um livro para figurar numa exposição bibliográfica, ou de um automóvel para certa viagem - logo que se esgote o tempo de duração da exposição e esta seja encerrada, ou a viagem termine.

Como se refere no sumário do Ac. STJ de 31.05.1990 (Pº 077043), acessível no citado sítio da Internet … não pode confundir-se o fim a que a coisa emprestada se destina com o seu “uso determinado” a que se alude no artigo 1137º do Código Civil, constituindo este uma sua espécie de que aquele seria o género.


Não pode, portanto, considerar-se como “determinado” o uso de certa coisa, se não se souber por quanto tempo vai durar, ou seja, se for concedido por tempo indeterminado. O que, de resto, se entende e concilia perfeitamente na medida em que, assente em relações de cortesia e gentileza, o comodato visa satisfazer necessidades temporárias – v. neste sentido, ampla e consensual jurisprudência dos Tribunais Superiores, apenas se citando, exemplificativamente, os Acs. STJ de 16.02.1983 (Pº 070496); de 01.07.1999 (Pº 99B344); de 13.05.2003 (Pº 03A1323); de 16.11.2010 (Pº 7232/04.0TCLRS.L1.S1); de 15.12.2011 (Pº 3037/05.0TBVLG.P1.S1) e ainda Ac. R.L. de 14.10.2008 (Pº 2875/2008-1) e Ac. R.C. de 14.09.2010 (Pº 1275/05.4TBCTB.C1), todos acessíveis no supra citado sítio da Internet e nos quais se incluem os dois arestos mencionados pelos apelantes nas suas alegações, cujas conclusões não apontam no sentido por estes preconizado.

No caso dos autos, a duração do contrato não foi expressamente convencionada, não tendo sido estipulado prazo certo para a restituição das instalações e equipamento, nas e com o qual, os autores exercem a sua actividade de panificação.
Não se provou que as partes hajam convencionado o “uso determinado” do imóvel pertencente aos réus, pois não se lhe associou qualquer delimitação no tempo para o gozo do mesmo.
Nada permite determinar quando temporalmente findaria o seu uso e se tornaria exigível a sua restituição.
E, assim sendo, tal uso por tempo indeterminado não permite delimitar a necessidade temporal que, para o efeito, o comodato visa satisfazer.
Em face das considerações acima aduzidas, há que concluir que as instalações e equipamento pertencentes aos réus não foram por estes emprestadas à autora para uso determinado.

A indeterminação do uso da coisa comodatada, bem como da não estipulação de prazo certo para a restituição, acarreta para a autora/apelante, na qualidade de comodatária, o dever de restituir a mesma, logo que os réus, enquanto comodantes o exigiram.

Tal exigência, por parte dos réus, começou a ser abordada a partir de meados de 2008. No início de Janeiro de 2009, os réus advertiram os autores que o contrato se manteria até final do mês, concedendo, todavia, novo prazo bem mais alargado, anuindo a que estes continuassem a exercer a sua actividade nas instalações emprestadas e com o equipamento igualmente emprestado até ao fim de Março de 2009 – v. Nºs. 13, 14, 29, 32, 44, 45 e 46 da Fundamentação de Facto.

Bem andou, pois, o Tribunal a quo em julgar procedente a obrigação dos autores de restituir aos réus as instalações e equipamentos emprestados, em considerar razoável o prazo dado pelos réus para a restituição, e de a autora se ter constituído em mora, a qual se manteve entre 01.04.2009 e 21.11.2011, o que leva à improcedência, nesta parte, da alegação dos recorrentes (Conclusões i. a xiii.).


**

ii. A FIGURA JURÍDICA DO ABUSO DO DIREITO
por forma a verificar se o exercício do direito dos réus ao exigirem a restituição da coisa emprestada viola os limites impostos pela boa fé.


Existem no Direito conceitos indeterminados, moderadores, extraídos de princípios gerais que percorrem e iluminam todo o sistema jurídico e que funcionam como sua válvula de segurança, adaptando a lei ao facto, quando se chocam. Tal é o caso do abuso de direito.

O abuso de direito, como figura geral, está consagrado no artigo 334º do Código Civil que preceitua “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico desse direito”.

A complexa figura do abuso do direito é, portanto, uma cláusula geral, uma válvula de segurança, que visa obstar à injustiça gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico que prevalece na comunidade social em que, por circunstâncias especiais do caso concreto, redundaria o exercício de um direito, pese embora validamente conferido por lei.

O princípio enunciado neste preceito legal é um princípio geral que domina todo o direito, já que no moderno pensamento jurídico os direitos subjectivos sofrem vários limites - de ordem moral, teológica e social - sendo a ofensa destes que constitui o abuso de direito.

Como esclarece ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. I, 436-438, para que o exercício do direito seja abusivo, é preciso que o titular exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar. E, para determinar os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, há que atender às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade, à consideração do fim económico ou social do direito, fazendo apelo aos juízos de valor positivamente consagrados na lei.

Não basta, pois, que o titular do direito exceda os limites referidos, sendo necessário que esse excesso seja manifesto e gravemente atentatório daqueles valores.

Como tem sido entendimento jurisprudencial, há abuso de direito quando, suposta a sua existência, ele é exercido com clamorosa ofensa da justiça, em termos que manifesta e intoleravelmente brigam com o sentimento jurídico dominante na colectividade, o que torna

ilegítimo o seu exercício - v. Acs. STJ de 08.11.84, BMJ 341, 418; de 25.06.86, 358, 470 e de 20.10.87, BMJ 370, 559.

Também MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral das Obrigações, 64 e 65 considera abusivo o exercício de um direito sempre que o comportamento do respectivo titular se mostre, no caso concreto, gravemente chocante e reprovável para o sentimento prevalecente da colectividade.

Refere ainda ANTUNES VARELA, RLJ 114, 75, que o abuso de direito é o exercício do poder formal realmente conferido pela ordem jurídica a certa pessoa, em aberta contradição seja com o fim económico e social a que esse poder se encontra adstrito, seja com o condicionalismo ético-jurídico – boa fé, bons costumes - que em cada época histórica se reconheça.

Em tais casos, a proibição com base no abuso de direito obsta a injustiças “que o próprio legislador não hesitaria em repudiar se as tivesse vislumbrado” - v. MANUEL DE ANDRADE, RLJ 87º, 307.

Adoptou a lei, no citado artigo 334º do Código Civil, uma concepção objectiva de abuso de direito, uma vez que não é necessário que o agente tenha consciência da contrariedade do seu acto à boa fé, aos bons costumes ou ao fim social ou económico do direito conferido, bastando que se excedam esses limites – v. PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., 289 e MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 69 e ss.

O abuso de direito existe, portanto, quando admitido um certo direito como válido em tese geral, no caso concreto, o mesmo é exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça.


Como é sabido, agir de boa fé, no contexto do citado normativo, significa agir com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contraparte, e ter um comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança e expectativa dos outros.

Como refere MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, ob. cit., 76, por bons costumes há-de entender-se um conjunto de regras de convivência que, num dado ambiente e em certo momento, as pessoas honestas e correctas aceitam comummente. Logo, o exercício de um direito apresenta-se contrário aos bons costumes quando tiver conotações de imoralidade ou de violação das normas elementares impostas pelo decoro social.

O fim social ou económico do direito corresponde ao interesse ou interesses que o legislador visou proteger através do reconhecimento do direito em causa.

A censura do exercício abusivo do direito não pretende, em certos casos e circunstâncias, suprimir ou extinguir o direito, mas apenas impedir que o seu titular use tal direito. Pretende-se, ao cabo e ao resto que, em certas circunstâncias concretas, um direito não seja exercido de forma a ofender gravemente o sentimento de justiça dominante na sociedade.

São variadas as formas através das quais se pode manifestar o abuso de direito.

Da tipologia de actos abusivos enumerada por MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, Tomo 1, 198-213 encontram-se a exceptio doli, o venire contra factum proprium, as inalegabilidades formais, a supressio e a surrectio, o tu quoque e o desequilíbrio no exercício.

E, nesta última categoria de comportamentos abusivos, constituída pelo desequilíbrio no exercício de posições jurídicas, pode ainda estar em causa:

i) O exercício danoso inútil;
ii) A exigência do agente daquilo que a seguir deva restituir;
iii) A desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem.

Há então que aplicar estes ensinamentos ao caso em apreço e em função dos factos provados, por forma a apurar se os réus/apelados, com a sua actuação, excederam manifestamente os limites impostos pela boa fé.

É verdade que ficou demonstrado que a cedência gratuita à autora, por parte dos réus/apelados, das instalações e equipamentos nos quais os autores/apelantes exercem a sua actividade industrial, foi efectuada por tempo indeterminado e que estes delas vêm usufruindo desde 1995 – v. Nºs 4 a 6 da Fundamentação de Facto.

Porém, nada se provou que aponte para a susceptibilidade de a autora poder, fundadamente, concluir que o empréstimo das instalações e equipamentos se iria manter durante toda a sua vida profissional.

De resto, infere-se precisamente o inverso da circunstância de ter ficado demonstrado que os réus sempre se recusaram a transmitir aos autores a titularidade dos contratos de fornecimento de electricidade e de água – Nºs 24 a 27 da Fundamentação de Facto – o que significa que os réus sempre terão mantido o propósito de exercer os seus direitos como comodantes, maxime, fazer terminar o contrato, exigindo a sua restituição.

Acresce que não é possível enquadrar, dentro da supra enunciada tipologia de actos abusivos, o direito exercido pelos réus, de exigir a cessação do contrato de comodato, não relevando a alegação dos apelantes ao referirem que os réus não retiram qualquer benefício económico da restituição do estabelecimento … (Conclusão xiv.), tanto mais que tal não está demonstrado.

Do que fica dito, desde logo resulta que os réus, ao exercerem o seu direito à restituição da coisa comodatada, não excederam manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico e social desse direito, o que acarreta, também nesta parte, a improcedência da apelação (Conclusões xiv. a xviii. )

**

iii. DA INDEMNIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS DECORRENTES DA NÃO RESTITUIÇÃO DA COISA FINDO O CONTRATO DE COMODATO


Formularam os réus, na reconvenção, o pedido de indemnização, por danos patrimoniais, que quantificaram em € 1.000,00, por cada mês e durante o período da mora na entrega do imóvel, a título de contrapartida pela sua utilização, durante esse período.

Como antes ficou dito, a autora constituiu-se em mora a partir de 01.04.2009 até 21.11.2011, altura em que procedeu à entrega das chaves do imóvel.

Tendo findado o contrato de comodato em 31.03.2009, operou-se a extinção do direito de gozo que, para a recorrente, emergia daquele contrato.


Os apelantes deixaram, a partir desse exacto momento, de ter qualquer título de ocupação das instalações em causa, violando, de forma ilícita, o direito real de propriedade sobre as mesmas. E, esta violação é adequada a provocar danos, verificados que estejam os demais pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito, acarretando a sua ressarcibilidade.

Colocam os apelantes em causa a demonstração da ocorrência de danos.

Esta questão pressupõe a ponderação sobre a problemática da reparabilidade do dano da privação do uso, cuja solução não tem sido unívoca, quer na doutrina, quer na jurisprudência, com maior incidência a propósito da responsabilidade civil automóvel. Os mesmos argumentos e valores podem ser aduzidos às situações decorrentes da violação do direito de propriedade e derivadas da prática de facto ilícito.

Mas, a clivagem jurisprudencial, não se limita à qualificação da natureza do dano de privação do uso, como dano não patrimonial ou patrimonial, já que mesmo quando se aceita a sua natureza patrimonial, existe dissensão.
É que, para uma corrente de opinião, basta, para que seja reparável, a demonstração do não uso do bem atingido, já que a indemnização é quase co-natural a essa mesma privação, defendendo-se que a simples privação do uso é causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que pode servir de base à determinação da indemnização, constituindo ainda a opção pelo não uso uma manifestação dos poderes do proprietário, também afectado pela privação do uso – v. a propósito ANTÓNIO S. ABRANTES GERALDES, Temas da Responsabilidade Civil – Indemnização do dano da privação do uso, 2.ª Edição, Almedina.

Também para LUÍS M. T. DE MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume I, 4.ª Edição, 317o simples uso constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano.
Considerou-se, designadamente, no acórdão do STJ de 12.01.2010 (Pº 314/06.6TBCSC.S1), acessível em www.dgsi.pt, que: “O proprietário
privado por terceiro do uso de uma coisa tem, por esse simples facto e independentemente da prova cabal da perda de rendimentos que com ela obteria, direito a ser indemnizado por essa privação, indemnização essa a suportar por quem leva a cabo a privação em causa. A privação do uso do veículo constitui um dano indemnizável, por se tratar de uma ofensa ao direito de propriedade e caber ao proprietário optar livremente entre utilizá-lo ou não, porquanto a livre disponibilidade do bem é inerente àquele direito constitucionalmente consagrado (art. 62.º da CRP) – Cfr. em idêntico sentido Acs. STJ de 28.09.2011 (Pº 2511/07.8TACSC.L2.S1) e de 06.05.2008 (Pº 08A1279), todos acessível em www.dgsi.pt.

Para outra corrente, é insuficiente essa demonstração, sendo ainda necessária a prova de um autónomo ou específico dano patrimonial.
Defende-se no Acórdão do STJ de 18.11.2008 (Pº 08B2732), no mesmo sítio da internet que: “A mera privação do uso de um imóvel, decorrente de ocupação ilícita, por ofensiva do direito de propriedade do reivindicante (artº 1305º nº1 do CC), não confere a este, sem mais, direito a indemnização em «quantum» correspondente ao do apurado valor locativo daquele, ou outro, mesmo apelando às regras da equidade, ao autor, antes, sopesados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual que pretende efectivar e o exarado nos artºs 342º nº1, 483º nº1, 487º, 562º a 564º e 566º, todos do CC, cumprindo alegar e provar facticidade donde ressaltem danos consectários da mora na restituição da coisa sua pertença.


A privação do uso de um bem é susceptível de constituir, por si, dano patrimonial, visto que se traduz na lesão do direito real de propriedade correspondente, assente na exclusão de uma das faculdades que, de acordo com o preceituado no artigo 1305º do Código Civil, é lícito ao proprietário gozar, i. e., o uso e fruição da coisa.

A supressão dessa faculdade, impedindo o proprietário de extrair do bem todas as suas utilidades constitui, juridicamente, um dano que tem uma expressão pecuniária e que, como tal, deverá ser passível de reparação – v. Acs. R.L. de 12.10.2006 (Pº 6600/2006-6) e de 15.12.2011 (Pº 1470/09.4TCNT-L1-8) e Ac. R.P. de 13.10.2009 (Pº 3570/05.3TBVNG.P1), todos em www.dgsi.pt.

É certo que já se defendeu na jurisprudência do STJ que:
· A privação injustificada do uso de uma coisa pode constituir um ilícito susceptível de gerar obrigação de indemnizar, uma vez que, na normalidade dos casos, impedirá o respectivo proprietário do exercício dos direitos inerentes à propriedade, impedindo-o de usar a coisa, de fruir as utilidades que ela normalmente lhe proporcionaria e de dela dispor como melhor lhe aprouver, violando o seu direito de propriedade (…). Competindo ao lesado provar o dano ou prejuízo que quer ver ressarcido, não chega alegar e provar a privação da coisa, pura e simplesmente, mostrando-se ainda necessário que o autor alegue e demonstre que pretendia usar a coisa, ou seja, que dela pretende retirar as utilidades (ou algumas delas) que a coisa normalmente lhe proporcionaria se não estivesse dela privado pela actuação ilícita do lesante (Ac. de 16.03.2011 (Pº 3922/07.2TBVCT.G1.S1), ou,

· A privação do uso de uma coisa pode constituir um ilícito gerador da obrigação de indemnizar, uma vez que impede o seu dono do exercício dos direitos inerentes à propriedade, isto é, de usar, fruir e dispor do bem, nos termos genericamente consentidos pelo art. 1305.º do CC. Não é suficiente, todavia, a simples privação em si mesma: torna-se necessário que o lesado alegue e prove que a detenção ilícita da coisa por outrem frustrou um propósito real – concreto e efectivo – de proceder à sua utilização. A privação do uso é condição necessária, mas não suficiente, da existência de um dano correspondente a essa realidade de facto - Ac.de 03.05.2011 (Pº 2618/08.6TBOVR.P1), acessíveis em www.dgsi.pt.

No caso vertente, provado ficou que os réus pretendiam retirar rentabilidade, quer desse espaço, quer do imóvel contíguo, cujo arrendamento havia cessado, para ali efectuarem obras e procederem à instalação de um supermercado e de uma padaria, sendo necessário, para tanto, o abandono do local pelos autores – v. Nºs 55 a 59 da Fundamentação de Facto.

Ora, mesmo que se entendesse que a mera supressão da faculdade do proprietário usar e fruir a coisa não seria passível de reparação, a verdade é que, in casu, igualmente se provou que a verificada mora na entrega do imóvel implicou um atraso nas obras que os réus pretendiam encetar, frustrando, desse modo, um propósito real, concreto e efectivo de proceder à utilização desse espaço, através de uma melhor rentabilização.

Considerou-se, por isso, na sentença recorrida que imóvel que havia sido emprestado aos autores era necessariamente dotado de um valor locativo e que a privação ilícita do mesmo causou danos aos réus – posição com a qual se concorda.

Como é sabido, sempre que se formula um pedido específico, como sucedeu no caso em apreço, e não haja elementos para fixar o objecto ou a quantia, o Tribunal deverá condenar no que vier a ser liquidado, como decorre do artigo 661º, nº 2 do CPC.


Para que alguém possa ser condenado a pagar a outrem o que se vier a liquidar em momento ulterior, necessário se torna que o julgador tenha perante si duas certezas. Por um lado, que a primeira pessoa tenha causado danos à segunda. Por outro lado, que o montante desses danos não esteja averiguado na acção declarativa, desde logo por não haver elementos para fixar o objecto ou a quantidade.

Tal pressupõe que só é possível relegar para liquidação em momento ulterior – incidente de liquidação a processar nos termos do artigo 378º, nº 2 do CPC - a fixação de danos provados na acção, embora a sofrerem uma aclaração ou concretização de pormenores.

Da conjugação do nº 3 do artigo 566º do Código Civil com o artigo 661º, nº 2 do C.P.C., não pode o Tribunal fazer uma apreciação equitativa dos danos, enquanto houver a possibilidade de esse valor ser averiguado em liquidação ulterior (anterior liquidação em execução de sentença) - cfr. neste sentido VAZ SERRA, RLJ 114º, 288 e Ac. STJ de 6.03.1980, 295º, 369.

Assim, e por carecer de elementos para fixar a indemnização, a esse título, e por considerar que haveria possibilidade de averiguar o valor exacto desses danos, bem andou o Tribunal a quo, atentas as supra citadas disposições legais, em relegar o seu apuramento para liquidação ulterior.

Soçobra, por conseguinte, e in totum, a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Os apelantes serão responsáveis pelas custas respectivas nos termos do artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

***

IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Condenam-se os apelantes no pagamento das custas respectivas.

Lisboa, 11 de Outubro de 2012

Ondina Carmo Alves - Relatora
Pedro Maria Martin Martins
Eduardo José Oliveira Azevedo