EMBARGO DE OBRA NOVA
RATIFICAÇÃO
EMBARGOS
PROCEDIMENTO
INSTAURAÇÃO
EMPREITEIRO
Sumário

I - No embargo de obra nova a providência destina-se a suspender provisoriamente uma obra cuja suspensão definitiva ou cuja demolição possa vir a ser decretada na acção, sendo que têm legitimidade passiva quer o autor material quer o mandante da obra.
II - A tutela provisória quanto ao autor material é obtida e só se torna definitiva com a proposição da acção contra o mesmo. É claro que se a acção não vier a ser proposta também contra ao dono da obra, os recorrentes vêem limitada a sua protecção. Mas isso é da sua livre disponibilidade. O que não pode é ser fundamento de não ratificação pelo tribunal de embargo de obra nova extrajudicial.

Texto Integral

Proc. nº 11599/17.2T8PRT.P1
Juízo Local Cível do Porto - Juiz 5

Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
Os requerentes, B…, C… e D… intentaram procedimento cautelar de ratificação de embargo extrajudicial de obra nova contra a requerida, E…, S.A., solicitando que seja ratificado o embargo extrajudicial de obra nova por eles efectuado.
Alegam, para o efeito, serem proprietários de um bem imóvel, servido unicamente por uma via de acesso, a rua …, e que a requerida, no dia 23MAI2017, efectuou trabalhos de construção civil que vedaram a ligação e o acesso à referida rua, sem autorização dos mesmos.
E uma vez que a requerida não se privou de continuar a executar a obra, mesmo após ter sido concretizado o embargo extrajudicial, pretendem os requerentes a condenação daquela a repor a situação anteriormente existente no que toca à via de acesso ao seu prédio.

A requerida deduziu oposição.
Começou por invocar a sua ilegitimidade passiva, na medida em que se limita, enquanto empreiteira, a executar as instruções fornecidas pelo Dono da Obra, com quem contratou.
Suscitou de seguida a caducidade da providência requerida, porquanto decorreu o prazo de 30 dias a que alude o artigo 397º, nº 1 do Código de Processo Civil.
Também refere que o embargo nunca existiu.
E, no mais, impugnou a factualidade invocada, pedindo a final se julgue improcedente a providência requerida.

Foi então lavrado o seguinte despacho:” Estão reunidos os pressupostos formais de validade da instância, relativos à competência do tribunal, às qualidades e posições das partes e à ausência de exceções ou nulidades impeditivas do conhecimento de mérito.
Nada há a dizer a propósito da ilegitimidade da Requerida, tendo em conta o modo como os Requerentes gizaram a presente providência cautelar e os factos alegados para o efeito, resultando que os Requeridos são os titulares da relação jurídica em questão (artigo 30º, nºs 1 a 3 do Código de Processo Civil). Já a questão de saber se provam ou não essas mesmas alegações assume relevo ao nível da solução jurídica da questão submetida a juízo, mas já não ao nível dos pressupostos da acção, concluindo-se pois pela sua legitimidade.“

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento e foi proferida decisão nos seguintes termos:” Pelo exposto e nos termos dos fundamentos supra mencionados, julgo o presente procedimento cautelar procedente e, em consequência, ratifica-se judicialmente o embargo de obra nova efectuado pelo Requerente D… e determina-se a suspensão imediata das obras efectuadas pela Requerida E…, S.A. no caminho de acesso ao imóvel sito na rua …, nº …, …, Porto, inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o nº 11068 e descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 3646/20030505.”

E…, S.A. interpôs recurso, concluindo:
I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal recorrido, a qual julgou o presente procedimento cautelar de ratificação de embargo extrajudicial de obra nova procedente, ratificando judicialmente o embargo de obra nova efetuado pelo requerente D…, determinando a “suspensão imediata das obras efetuadas pela requerida E…, S.A. no caminho de acesso ao imóvel sito na Rua …, n.º …, …, Porto”.
II. A sentença proferida é nula por omissão de pronúncia e, faz ainda uma incorreta interpretação da prova documental carreada para os autos, fazendo uma errada apreciação e aplicação do direito.
III. A sentença proferida padece de nulidade, por ter deixado de se pronunciar sobre questões a que estava obrigada, designadamente sobre a exceção de ilegitimidade passiva alegada pela aqui Recorrente, sendo por isso a sentença nula, nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º1, alínea d), do C.P.Civ.
IV. Acerca da arguida ilegitimidade passiva da requerida, refere o Mm.ª Juiz a quo que “nada há a dizer”, tendo em conta o modo como os requerentes gizaram a ação, resultando que a recorrente é titular “da relação jurídica em questão (art.º 30º, nºs 1 a 3 do Código de Processo Civil)”. Remetendo o Mm.º Juiz a quo para a prova a produzir por forma dar solução jurídica da questão submetida a juízo.
V. Ora, na análise da factualidade indiciariamente provada, para o que aqui nos interessa, o Mm.ª Juiz a quo dá como provado os factos constantes nos pontos 10, 14 e 21 da oposição, donde resulta que a Recorrente é meramente executora das instruções fornecidas pelo Dono de Obra, que esta não é proprietária de qualquer prédio nas imediações do prédio dos recorrentes.
VI. Assim como resulta dos documentos juntos aos autos, a fls…, designadamente contrato de empreitada, certidões de registo predial, autorização camarário e pedidos de licenciamento camarários, que a dona da obra e proprietária dos prédios nas imediações do prédio dos Requerentes, é a sociedade F…, S.A., NIPC ………, que contratou a execução dos trabalhos à Recorrente.
VII. Não obstante essa prova, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a exceção de ilegitimidade passiva arguida, motivo pelo qual, é nula a sentença proferida.
VIII. Acresce ainda que, o embargo ratificado perante a Recorrente, apenas a impede a si, de executar trabalhos, o que não impede o dono de obra de contratar outro empreiteiro para os executar.
IX. Ao dar como provado que a recorrente não é titular de qualquer direito de propriedade de qualquer prédio nas imediações do prédio dos Requerentes e que apenas é executora da empreitada, resulta, de forma inequívoca, que a Recorrente não tem qualquer interesse em contradizer a presente demanda, devendo por isso, ser procedente a exceção dilatória invocada por esta.
X. A parte com interesse em contradizer a demanda, e cuja ratificação poderá surtir efeitos, é ao dono de obra e não ao empreiteiro, aqui Recorrente.
XI. Da mesma forma que a ação principal contra a recorrente de que dependem os presentes embargos, será totalmente inútil, uma vez que a reivindicação da posse pelos recorridos perante a Recorrente, será inócua, já que não existem direitos de propriedade conflituantes, nem é alegado que a Recorrida tomou posse de qualquer parcela de terreno dos recorridos com o animus possidendi de o fazer seu.
XII. Por esse motivo, exige a lei que o embargo seja efetuado/ratificado perante o dono de obra e não perante o empreiteiro, cfr. art.ºs 397.º, n.ºs 1 e 2, 400.º ss. do C.P.Civ.
XIII. Resulta do disposto nesses normativos que a legitimidade passiva do procedimento cautelar de embargo de obra nova pertence ao dono da obra e não ao empreiteiro aqui recorrente, porque o dono de obra é aquele sob cuja direção é executada a obra, o trabalho ou o serviço novo ofensivos do direito de que o requerente do embargo se arroga titular, por isso é parte legítima (art.º 30.º, nºs 1 e 2 do C.P.C.).
XIV. Assim concluímos que:
i.A legitimidade passiva do procedimento cautelar de embargo de obra nova pertence ao dono da obra. ii. E dono da obra é aquele sob cuja direcção é executada a obra, o trabalho ou o serviço novo ofensivos do direito de que o requerente do embargo se arroga titular.
iii. A obra pertence a quem decide e ordena a sua execução, que é quem tem interesse directo em contradizer o procedimento cautelar de embargo de obra nova, pois que é a ele que a suspensão da obra vai prejudicar. Por isso é parte legítima.”
iv. Os presentes embargos devem ser julgados totalmente improcedentes.
XV. Além do que supra se expôs, refira-se ainda que o embargo cuja ratificação judicial é requerida, não existiu!
XVI. Nunca os recorridos nunca fizeram a diligência prevista no artigo 397º do C.P.Civ., que exige que o interessado no embargo de notificar: “verbalmente, perante duas testemunhas, o dono da obra, ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir para a não continuar.“
XVII. O que sucedeu foi precisamente aquilo que resulta do Auto Policial junto pelos Requerentes, que dele querem fazer o auto de embargo!, onde se refere que “o proprietário informou (os agentes da autoridade e a aqui Requerida na pessoa do engenheiro) que pretendia embargar…”
XVIII. Os Recorridos não efetuaram qualquer embargo extrajudicial, antes informaram a Requerida de que o pretendiam vir a fazer!
XIX. O artigo 400º do CPC diz-nos como se efetua o embargo.
XX. Ora, não existe no processo qualquer auto de embargo com os requisitos exigidos por esse art.º400.º do C.P.Civ..
XXI. O que existe, conforme é dito nos termos que constam da p.i., que a recorrente“…viu ser-lhe comunicada a intenção de que a obra fosse suspensa na sua execução”.
XXII. os Requerentes não identificam sequer as 2 testemunhas presentes no local, nem a razão da inobservância da hierarquia legal da escolha do notificando!
XXIII. Ora, intenção, não é sinónimo de efetivação!
XXIV. A intenção é a vontade, o desígnio que se pretende alcançar.
XXV. A efetivação é a ação de fazer. A ação ou efeito de executar.
XXVI. In casu o legislador exige que haja uma ação, uma execução, uma descrição minuciosa dos fundamentos do embargo, o que não se compadece com uma mera intenção!
XXVII. Perante o supra exposto e letra da lei, somos forçados a concluir que os embargantes não cumpriram as imposições legais a que estavam adstritos, pois referem que efetuaram o embargo através de uma mera intenção, na pessoa de um funcionário da Recorrente.
XXVIII. A preterição das formalidades legais necessárias acarreta a invalidade do embargo extrajudicial alegadamente praticado pelos Recorridos e, como consequência, implica a impossibilidade do decretamento da providência (de ratificação) requerida, o que desde já se invoca para os devidos efeitos.
Nestes termos e nos demais de direito, como certamente V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, concedendo provimento ao presente recurso.

Os requerentes apresentaram contra-alegações, concluindo:
1.Não padece a sentença recorrida de qualquer nulidade por omissão de pronúncia – art. 615.º, n.º1, alínea d) do C.P.Civil – pois conheceu a exceção e julgou procedente a providência contra a requerida. Sem embargo, sempre se diga que, atentos os factos dados como provados sob os itens 59.º, 60.º, 62.º, 65.º e 66.º da petição inicial e 29.º e 30.º do articulado de resposta dos recorridos, e ainda item 3.º do seu articulado, supra transcritos, e o disposto, quer no artigo 397.º, n.º2, quer no artigo 30.º do C.P.Civil, a recorrente é parte legítima na presente acção, atento seu interesse em contradizer em face do que é alegado pelos recorridos em sede de requerimento inicial e do prejuízo que da causa lhe pode advir, caso proceda.
2- Da factualidade referida no item anterior, maxime, do item 60, resulta demonstrada a existência de um verdadeiro embargo extrajudicial de obra nova.
3- É profundamente errática a interpretação que a recorrente faz, designadamente, dos artigos 30.º, 397.º, 400.º e 615.º, n.º1, alínea d) do C. P. Civil e 236.º do Código.

Nos termos da lei processual civil são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal.
Assim, as questões a resolver consistem em saber se:
- a sentença proferida é nula por omissão de pronúncia;
- houve preterição das formalidades legais no embargo extrajudicial;
- os embargos devem ser julgados totalmente improcedentes por a legitimidade passiva do procedimento cautelar de embargo de obra nova pertencer apenas ao dono da obra.

II – Fundamentação de facto
O tribunal recorrido considerou indiciariamente provados os factos que constam dos artigos 2º, 3º, 4º, 5º, 12º, 13º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 25º (até “requerentes”), 29º, 30º (a partir de “restando”), 31º, 32º, 33º, 34º, 35º (até “causa”), 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º, 42º, 43º, 50º, 53º, 54º, 55º, 56º (até “rua”), 57º, 59º, 60º, 62º, 65º e 66º do requerimento inicial.
E dos artigos 7º, 8º, 9º, 10º, 14º, 21º e 90º da oposição.
Bem como os factos alegados nos artigos 29º e 30º do articulado de resposta dos Requerentes (folhas 77 a 84), nos artigos 1º e 3º do articulado de resposta da Requerida (folhas 89 e 90) e no artigo 3º do articulado dos Requerentes (folhas 105 a 106), ou seja:
- Os requerentes são donos e legítimos proprietários de um imóvel nesta cidade, na freguesia de …, sito na Rua …, n.º …, e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o n.º 11068, conforme resulta de documento anexo que aqui damos por reproduzido para os devidos efeitos legais (cfr. doc.1);
- E descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o n.º 3646/20030506, conforme resulta de documento anexo que aqui damos por reproduzido para os devidos efeitos legais (cfr. doc.2);
- Prédio este adquirido pelos Requerentes, por escritura de doação que lhes foi feita por G… e H…, então proprietárias,
- E cuja aquisição foi devidamente registada, em conformidade com a Ap. 2 de 2003/10/16, aliás referida no teor do documento n.º 2.
- Efectivamente, o bem identificado em 2 e 3 pertenceu a I… e esposa J…, tendo, por partilha despoletada por morte daquele, conduzido à sua aquisição por G…, à data solteiro, maior, a qual foi registada conforme Ap. 2 de 1898/12/07 (cfr. doc. 2 supra citado),
- Que foi sucedido na sua posse por duas filhas, a saber, G… e H…, entretanto doadoras do mesmo, como vimos, aos aqui Requerentes;
- Que o agricultaram e mandaram cultivar;
- Dele colhendo frutos, fazendo-os seus.
- Que o sempre utilizaram, para os fins tidos por convenientes, tendo inclusive aí erigido uma casa de habitação, anexos e quintal,
- Que dele pagaram impostos;
- Comportando-se sempre como proprietários, praticando os actos inerentes a um normal e diligente proprietário.
- O que fazem, como sempre fizeram, à vista de toda a gente,
- Sem qualquer perturbação,
-.Na convicção de possuírem coisa própria,
-. E sem qualquer interrupção,
- O que sempre fizeram de modo exclusivo e sem oposição de quem quer que fosse.
- Estes actos foram exercitados pelos antecessores e depois seguidamente pelos requerentes
-Entretanto foi parcialmente expropriado, destinado à execução da obra Alameda das Praças das …/ …/ Praça … (Alameda …), tendo envolvido que, da área que lhe foi desafectada, tivesse sido executada a referida Alameda e, bem assim, uma via pública que desta partia, denominada Rua ….
- Passando a ter, presentemente, as seguintes confrontações:
Norte e Nascente: Caminho Público (Rua …); Sul: domínio público
Poente: domínio público
- Derivou desta expropriação que a Rua …, que servia o prédio aqui identificado, passasse a ser uma via pública sem saída, dado que foi cortada na zona de confrontação com a Alameda executada,
- Tendo mantido única e simplesmente a utilidade de servir de acesso ao prédio dos aqui Requerentes, que não beneficiavam de qualquer outro, atendendo aos taludes que bordejam o prédio sobrante de Poente e Sul, que integram o domínio público,
- Utilidade essa que, antes mesmo da expropriação, a dita via já tinha, como melhor o evidencia o teor da planta de trabalho que se junta como documento n.º 3,
- E que por ocasião da obra embargada, melhor infra descrita, foi afectada e é posta em causa;
- Os requerentes, no pretérito dia 20 de maio de 2017, foram surpreendidos quando, pretendendo deslocar-se ao local do seu prédio, constataram que não lhes era possível aceder ao mesmo.
- Nessa ocasião, constataram que no local estavam a ser colocadas um conjunto de chapas, a vedar o terreno que se encontra adjacente ao passeio Nascente da Rua …, as quais estavam igualmente a vedar a ligação desta via à Rua …, por onde aqueles sempre a o requerente,
- D… tentou identificar o dono da obra, no local, o que não conseguiu porque os trabalhadores contactados recusaram-se a fornecer qualquer identificação.
- Perante tal circunstância, os requerentes comunicaram tal facto á Polícia de Segurança Pública, que se deslocou ao local por volta das 18h55m, tendo -se tido, nessa ocasião, oportunidade de constatar que aqueles de facto não podiam aceder ao seu terreno.
- A dita força policial no dia subsequente, pelas 12h45m, voltou novamente ao local, tendo percepcionado, nesse momento, também que a situação de privação de acesso se mantinha (cfr. documento n.º 4 que ao diante se junta e que se dá desde já por reproduzido para os devidos efeitos legais).
- No dia 20 de Maio, o requerente D… quando se apercebeu das obras na Rua …, e que das mesmas poderiam advir prejuízos relativamente ao acesso à sua propriedade, tentou identificar o dono da obra, no local, o que não conseguiu porque os trabalhadores contactados recusaram-se a fornecer qualquer identificação.
- No dia 23 solicitou a presença da autoridade policial a quem deu conhecimento do fim pretendido, e que foi quem entrou na obra e identificou o Eng. K… como responsável da mesma, como no auto se diz, sendo de concluir que o Dono da obra não se encontrava no local, de outra forma o Eng. K… tê-lo-ia dito e a autoridade policial identificado.
- A requerida, sem qualquer autorização ou comunicação prévia aos requerentes, começou, em data que não se conhece, mas próxima daquela em que nos deslocamos ao local, a executar operações de terraplanagem em dois terrenos, um a Norte do prédio dos Requerentes, e outro a Nascente deste, embora ambos confrontando com a Rua … supra identificada.
- E, nessa mesma ocasião em que começou a executar obra naquele terreno, promoveu também à colocação de chapa, ao longo da via, Rua …, nos moldes supra descritos, tendo, a propósito, promovido também à vedação da ligação à indicada Rua …,
- Com isto impedindo o único acesso dos requerentes ao seu prédio, que, a par da requerida, seriam os únicos carecidos e interessados na sua utilização.
- É que os requerentes não têm, como nunca tiveram, alternativa de acesso a este prédio, o qual, tanto mais, sempre foi orientado em conformidade com as condições de acesso, designadamente ao nível das suas construções.
- Tanto mais que, a par da vedação colocada (que serve de obstáculo à sua transposição por terceiros que não a requerida, ou pessoas mandatadas por esta), a própria via, em função da evolução operada pela obra que a requerida tem em curso, está totalmente desfigurada;
- A requerida promoveu à destruição, até ao momento parcial, dos muros que bordejavam a Rua …;
- Da mesma forma que intervencionou a sua orografia, em função da movimentação de terras que foi promovendo, com recurso a meios humanos e mecânicos.
- Para que os requerentes pudessem aceder ao seu prédio, careciam de fazê-lo por via daquela rua;
- Pois que se situa no meio da obra, onde a requerida tem máquinas em movimentação, não estando já aquela definida como anteriormente…
- E pese embora a advertência que naquela ocasião lhe foi publicamente feita, a requerida não suspendeu os trabalhos e continuou, entretanto, a executar a obra que ali pretende ver concretizada.
- Em função disso, os requerentes procuraram junto dos serviços camarários promover à consulta do documento titulativo da obra executada pela requerida, que, entretanto, apuraram ser o alvará ….. de 2017 da Câmara M…;
-. Desses registos consultados retira-se que a requerida irá proceder à destruição integral da Rua … e, por essa via, irá incorporá-la, conjuntamente com os dois prédios que está a intervencionar, e de que alegadamente é proprietária, numa obra de maiores dimensões denominada Hospital L1… – L…;
- A requerida é uma empresa que se dedica, maioritariamente, à construção civil e execução de empreitadas de obras públicas e particulares.
- No âmbito da sua actividade detém a seu cargo inúmeras obras em todo o território nacional, assumindo a veste de empreiteira geral.
- Aquando da execução das obras que detém a seu cargo, a requerida é meramente executora das instruções fornecidas pelo Dono de Obra.
-. A requerida não é proprietária de qualquer prédio nas imediações do prédio dos Requerentes.
- Limitou-se a executar uma obra para a qual foi contratada.
- A vedação existente no local destina-se a garantir a segurança da obra e dos equipamentos e é imposta como medida cautelar de prevenção de acidentes.
- No dia 20 de maio, o requerente D… quando se apercebeu das obras na Rua …, e que das mesmas poderiam advir prejuízos relativamente ao acesso à sua propriedade, tentou identificar o dono da obra, no local, o que não conseguiu porque os trabalhadores contactados recusaram-se a fornecer qualquer identificação.
- No dia 23 os requerentes, pela manhã, dirigindo-se de novo ao local, constataram que a situação de privação de acesso ao seu prédio se mantinha pelo que solicitaram, mais uma vez, a presença da autoridade policial que foi quem entrou na obra e identificou o Eng. K… como responsável da mesma, como no auto se diz, sendo de concluir que o Dono da obra não se encontrava no local, de outra forma o Eng. K… tê-lo-ia dito e a autoridade policial identificado.
- E pese embora a advertência que naquela ocasião lhe foi publicamente feita, a requerida não suspendeu os trabalhos e continuou, entretanto, a executar a obra que ali pretende ver concretizada
- Em função disso, os requerentes procuraram junto dos serviços camarários promover à consulta do documento titulativo da obra executada pela requerida, que, entretanto, apuraram ser o alvará ….. de 2017 da Câmara M…;
- Desses registos consultados retira-se que a requerida irá proceder à destruição integral da Rua … e, por essa via, irá incorporá-la, conjuntamente com os dois prédios que está a intervencionar, e de que alegadamente é proprietária, numa obra de maiores dimensões denominada Hospital L1… – L…;
-A propriedade dos imóveis objeto da obra em causa pertence à sociedade F…, S.A., NIPC ………, com sede no …, …, … e …, …, conforme se comprova pelas certidões prediais que ora se juntam como documento nº1 e cujos dizeres aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais.
- A requerente da autorização de “escavação e contenção periférica” que são os trabalhos que se encontram a ser executados, é a sociedade F…, S.A., NIPC ………, com sede no …, …, … e …, …, conforme se comprova pelo deferimento emitido pela M…, que ora se junta como documento n.º2 e cujos dizeres aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais
- No local não havia placa identificadora do procedimento identificativo dos trabalhos, dos interessados e das licenças.
O tribunal recorrido considerou indiciariamente não provados os seguintes:
- factos alegados nos artigos 44º a 46º do requerimento inicial e nos artigos 32º, 33º, 83º, 84º parte final, 85º, 86º, 87º, 89º, 91º, 92º, 93º, 94º, 95º, 96º, 97º e 98º do articulado de oposição, ou seja:.
A requerida bem sabia, e não podia desconhecer, que os requerentes eram proprietários do imóvel em causa e de que, sobretudo, careciam deste acesso, para poderem introduzir-se no prédio.
-De há alguns meses a esta parte, a requerida manteve contactos com os requerentes, no sentido de procurar adquirir o imóvel que constitui objecto destes autos.
- Nessa ocasião, porque o valor proposto se revelou exíguo, os requerentes não se dispuseram a aliená-lo, tendo, perante essa sua postura, optado por prejudicá-los conscientemente, prosseguindo o projeto da obra como inicialmente previsto e, por essa via, isolando o terreno dos Requerentes.
- A obra que a aqui requerente vem executando, iniciou-se no dia 18 de Baril de 2017.
- Já antes dessa obra – como os requerentes bem reconhecem – a requerida comunicou-lhes a intervenção a realizar
- Os requerentes têm, sempre tiveram e sempre continuarão a ter (tanto quanto é percebido pela Requerida) acesso ao prédio de que se arrogam proprietários.
- A obra teve início no dia 18 de Abril de 2017. - Para além do mais, a via que os Requerentes dizem que está vedada está perfeitamente acessível e nunca foi vedada pela Requerida.
- O caminho de acesso ao terreno alegadamente propriedade dos Requerentes está integralmente assegurado.
- Os requerentes sempre tiveram acesso ao referido prédio.
- Todo o perfil da estrada está intacto, tendo-se efetuado, aliás, uma limpeza ao terreno. - A Requerida colocou uma rede laranja a sinalizar e delimitar o caminho de acesso ao prédio alegadamente dos aqui requerentes, para delimitar a zona de intervenção da obra e a zona do caminho.
- No local encontra-se em permanência, pelo menos, um vigilante contratado para o efeito pela Requerida,
- Que garante 24 horas por dia o acesso a toda e qualquer pessoa que pretenda aceder ao caminho identificado no Requerimento Inicial.
- E são esses mesmos vigilantes que diariamente ou sempre que assim é solicitado, conferem aos Requerentes acesso total ao caminho em causa.
- Até porque, no prédio alegadamente propriedade dos requerentes existem animais de criação, que são constantemente tratados,
- E um dos Requerentes – pelo menos desde o dia 18 de Abril de 2017 – se desloca assiduamente ao prédio de que os requerentes se arrogam proprietários, para tratar desses animais.
- Para além disso, a única intervenção prevista para aquele caminho prende-se com pequenas melhorias que irão facilitar o acesso ao prédio supostamente dos requerentes.
Até porque, exactamente no local onde se situa esse caminho existe uma linha de média tensão enterrada que não pode ser intervencionada.

III- Fundamentação de direito
Sustenta a recorrente que a sentença proferida é nula por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º1, alínea d), do C.P.Civ, pois deixou de se pronunciar sobre questões a que estava obrigada, designadamente sobre a excepção de ilegitimidade passiva por si alegada.
Vejamos.
Conforme se vê do relatório supra lavrou-se o seguinte despacho:” … Nada há a dizer a propósito da ilegitimidade da Requerida, tendo em conta o modo como os Requerentes gizaram a presente providência cautelar e os factos alegados para o efeito, resultando que os Requeridos são os titulares da relação jurídica em questão (artigo 30º, nºs 1 a 3 do Código de Processo Civil). Já a questão de saber se provam ou não essas mesmas alegações assume relevo ao nível da solução jurídica da questão submetida a juízo, mas já não ao nível dos pressupostos da acção, concluindo-se pois pela sua legitimidade.”
Sabe-se que a legitimidade processual se traduz na titularidade da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor, constituindo, pois, uma questão de forma.
A legitimidade processual distingue-se da legitimidade em sentido material que consiste num complexo de qualidades que representam os pressupostos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que invoque ou que lhe seja atribuído.
A lei e a doutrina falam em legitimidade para designar essas condições subjectivas da titularidade do direito. A falta delas dará lugar, na mesma terminologia, a uma ilegitimidade diferente da legitimidade processual.
Esta legitimidade material é, na verdade, uma questão de mérito pois a falta de legitimidade para a causa equivale à ausência de direito material. Esta condição não pode ser matéria estranha ao mérito porque ao afirmar-se que o autor não tem legitimatio ad causam, denega-se-lhe o bem jurídico a que aspirava.
Posto isto, entende-se claramente que no despacho se considerou a recorrente parte processualmente legítima, entendendo-se que as razões da recorrente se reconduzem à legitimidade substantiva e, portanto, ao mérito da causa.
Advoga também a recorrente que nunca os recorridos fizeram a diligência prevista no artigo 397º do C.P.Civ. que exige que o interessado no embargo de notifique: “verbalmente, perante duas testemunhas, o dono da obra, ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir para a não continuar.“
Não existe no processo qualquer auto de embargo com os requisitos exigidos pelo artigo 400.º do C.P.Civ.. O que existe é que que a recorrente“…viu ser-lhe comunicada a intenção de que a obra fosse suspensa na sua execução”. Os requerentes não identificam sequer as duas testemunhas presentes no local, nem a razão da inobservância da hierarquia legal da escolha do notificando.
Sobre tal ponto apenas se reafirma o que se disse na sentença:” Acresce que os Requerentes interessados usaram da faculdade prevista no nº 2 da disposição legal citada, tendo notificado extrajudicialmente o encarregado, perante duas testemunhas, para não continuar com a mesma obra e instauraram dentro dos cinco dias imediatos o presente procedimento cautelar (artigo 397º, nº 3 do Código de Processo Civil).
Cabe aqui notar que a expressão “notificando”, aludida no nº 2 do artigo 397º do Código de Processo Civil, não está utilizada no sentido técnico de notificação judicial, mas sim no sentido de aviso extrajudicial, fazendo o embargante saber que embarga a obra quando emite uma declaração de vontade destinada a produzir efeitos judiciais. Assim, não se verifica qualquer violação do preceituado em tal disposição, quando o requerente, acompanhado de duas testemunhas e na presença dos requeridos, invocando a sua qualidade de dono do terreno, diz expressamente a estes para pararem os trabalhos, por eles estarem a decorrer naquilo que era seu – assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12JAN1999, Boletim do Ministério da Justiça nº 483, pp. 281.
Nessa medida, também não se verifica a inexistência de embargo extrajudicial, como pretendia a Requerida.”
Argumenta ainda a recorrente que ao dar-se como provado que a mesma não é titular de qualquer direito de propriedade de qualquer prédio nas imediações do prédio dos requerentes e que apenas é executora da empreitada, resulta que não tem qualquer interesse em contradizer a presente demanda. A parte com interesse em contradizer a demanda, e cuja ratificação poderá surtir efeitos, é o dono de obra e não o empreiteiro.
O artigo 397º do C.P.Civil dispõe no seu n.º 1 que “aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de 30 dias, a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente”.
O n.º 2 do mesmo normativo estatui que “o interessado pode também fazer directamente o embargo por via extrajudicial, notificando verbalmente, perante duas testemunhas, o dono da obra, ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir, para a não continuar”.
Resulta assim que o embargo judicial e a ratificação do embargo extrajudicial de obra nova obedecem aos seguintes requisitos, cumulativos:
a) - que o requerente seja titular de um direito de propriedade, de qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou de posse;
b) - que o requerente se julgue ofendido no seu direito em consequência de obra, trabalho ou serviço novo;
c) - que a obra, trabalho ou serviço novo cause ou ameace causar prejuízos ao requerente.
E para além daqueles requisitos, é ainda necessário que o requerente peça a suspensão da obra no prazo de 30 dias a contar do conhecimento da mesma. O requerente pode também fazer o embargo directamente, por via extrajudicial, notificando verbalmente, perante duas testemunhas, o dono da obra ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir para a não continuar, devendo, neste caso, requerer a ratificação judicial do embargo no prazo de cinco dias, sob pena de o embargo ficar sem efeito, cfr. n.ºs 2 e 3 do citado preceito legal.
A alegação e a prova da verificação desses requisitos compete ao requerente, nos termos do disposto no n.º 1 do artigoº 342.º do C.Civil.
No caso, verificam-se todos os requisitos de que depende o procedimento da ratificação de embargo de obra nova, ou seja:
- os requerentes são titulares de um direito de propriedade;
- julgam-se ofendidos no seu direito em consequência de obra, trabalho ou serviço novo;
Como dissemos esta é uma ratificação de um embargo de obra nova efectuado extrajudicialmente. Neste caso a ordem da suspensão, do embargo pode ser dirigida, na falta da do dono da obra, ao encarregado ou quem o substituir.
Trata-se aqui de confirmar, validar; autenticar pelo tribunal esse embargo efectuado. Assim sendo, verificados os requisitos definidos na lei, o tribunal ratifica e os requerentes obtêm a tutela cautelar.
No nosso direito as providências cautelares distinguem-se entre conservatórias e antecipatórias.
As providências conservatórias visam manter inalterada a situação de facto que pré-existe à acção, tornando-a imune à possível ocorrência de efeitos prejudiciais. As providências antecipatórias visam obstar ao prejuízo decorrente do retardamento na satisfação do direito ameaçado, através de uma provisória antecipação no tempo dos efeitos da decisão a proferir sobre o mérito da causa. (cfr. Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, pág. 275.
É sempre necessário que o direito que se visa acautelar no âmbito do procedimento cautelar seja o fundamento da causa principal e, salvo casos excepcionais, não pode o primeiro substituir a segunda, característica que a doutrina designa por instrumentalidade entre aquele e esta.
Caracterizam-se sempre as providências por uma composição provisória, apenas exigem uma apreciação perfunctória ou sumária (summaria cognitio) da relação jurídica substancial através de uma estrutura simplificada para que a decisão provisória seja concedida com celeridade, justificando-se até que possam ser decretadas providências cautelares sem ser ouvida a contraparte.
Esta distinção da provisoriedade da tutela cautelar diferencia-se da tutela antecipada consagrada no direito brasileiro pela Lei 8.952, de 13 de Dezembro de 1994. Característica essencial da antecipação de tutela, diferentemente da tutela cautelar, é que não tem cunho de acessoriedade ou garantia, nem é pleiteada em processos distintos. É uma tutela efectiva de mérito, satisfativa do direito em litigio, desde que preenchidos os seus requisitos de admissibilidade. O juiz antecipa a tutela para, antes do momento reservado ao normal julgamento do mérito, conceder à parte um provimento que, de ordinário, somente deveria ocorrer depois de exaurida a apreciação de toda a controvérsia e prolatada a sentença definitiva. Esta não deixa de ser uma tutela urgente mas não é cautelar é satisfativa na medida que a decisão não é provisória. No nosso ordenamento jurídico algo de parecido surge no processo especial Tutela da personalidade consagrado nos artigos 878.ºe ss. do NCPC.
A dificuldade que mais fundamenta a posição da recorrente tem a ver com a instrumentalidade da providência na medida em que a mesma tem de ser, em regra, fundamento da causa principal
É nesta medida que diz que a legitimidade passiva tem de pertencer ao dono da obra.
Salvo o devido respeito assim não entendemos.
Como se vem considerando na jurisprudência, procedimento cautelar nasce para ser posto ao serviço dum processo principal, a fim de dar ensejo a que este processo siga o seu curso normal sem o risco de a decisão final chegar tarde e ser por isso ineficaz. No embargo de obra nova a providência destina-se a suspender provisoriamente uma obra cuja suspensão definitiva ou cuja demolição possa vir a ser decretada na acção, sendo que têm legitimidade passiva quer o autor material quer o mandante da obra - (crf. Ac. da Relação de Lisboa de 08 de Novembro de 1994).
E o autor da obra é quem contrata outrem para fazer uma obra, sob a sua direcção e fiscalização, ou aquele que contrata com outrem para que lhe faça a obra, por empreitada, sendo, assim, portanto, ou podendo ser, eventualmente, o autor da obra e o dono da obra duas entidades distintas.
É que a tutela provisória quanto ao autor material é obtida e só se torna definitiva com a proposição da acção contra o mesmo. É claro que se a acção não vier a ser proposta também contra ao dono da obra, os recorrentes vêem limitada a sua protecção. Mas isso é da sua livre disponibilidade. O que não pode é ser fundamento de não ratificação pelo tribunal de embargo de obra nova extrajudicial.
Pelo exposto, delibera-se julgar totalmente improcedente a presente apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Porto, 27 de Novembro de 2017
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues
Maria Cecília Agante