COIMA
PAGAMENTO VOLUNTÁRIO
IMPUGNAÇÃO
Sumário

I - PODE O IMPUTADO INFRATOR DEFENDER-SE SEM QUAISQUER RESTRIÇÕES, ALEGANDO MESMO A NÃO VERIFICAÇÃO/PRÁTICA DA INFRACÇÃO, AINDA QUE TENHA PROCEDIDO AO PAGAMENTO VOLUNTÁRIO DA COIMA.
II - O ENTENDIMENTO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA DE SOBREVALORIZAR O PEDIDO DE PAGAMENTO VOLUNTÁRIO DA COIMA E DE POSTERGAR O CONCOMITANTE PEDIDO DE AUDIÇÃO COMO ARGUIDO NÃO PODE DEIXAR DE SER CONSIDERADO COMO DETERMINANDO UM ENCURTAMENTO INTOLERÁVEL DAS GARANTIAS EXIGIDAS PELO PRINCÍPIO DA TUTELA

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
1. Nos autos de contra-ordenação com o n.º 4337/07.0ECLSB da 3.ª Secção do 2.º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, “P…, S.A.”, pessoa colectiva n.º 50…, impugnou judicialmente a decisão administrativa da Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e de Publicidade que lhe aplicou, pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 1.º, 5.º, 10.º e 11.º, todos do DL n.º 138/90, de 26-04, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 162/99, de 13-09, numa coima de € 4000 (quatro mil euros).
2. Notificados o Ministério Público e a recorrente nos termos e para os efeitos do disposto no art. 64.º, n.º 2, do RGCOC (DL n.º DL 433/82, de 27-10), e não tendo sido deduzida oposição, foi, em 08-06-2012, proferido despacho Depositado em 11-06-2012 – cf. fls. 135. que, julgando improcedente a impugnação judicial, manteve a decisão recorrida nos seus precisos termos.
3. Inconformada com essa decisão, interpôs a arguida o presente recurso, que termina com as seguintes conclusões (transcrição):
«1. DA NULIDADE DA DECISÃO ADMINISTRATIVA:
I – Em Fevereiro de 2008, a recorrente foi notificada de um auto, por meio do qual lhe era imputada a prática de factos que consubstanciariam uma contra ordenação.
II – Na indicação do assunto, na referida notificação, vinha inscrito o seguinte: Notificação – Direito de Audição e Defesa de Arguido.
III – Continha a aludida notificação o seguinte esclarecimento:
O Notificado é ainda esclarecido de que:
1. a lei lhe faculta a possibilidade de se pronunciar sobre a(s) infracção(ões) referida(s) e sobre a(s) sanção(ões) em que incorre, relativamente aos factos e outras circunstâncias relevantes para a determinação da sanção;
2. tem o prazo de 10 dias úteis a contar da data da assinatura do aviso de recepção, para, querendo, se pronunciar por escrito, utilizando, se assim o entender, a minuta anexa (…);
3. (…)
4 (…)
5. tem a faculdade de requerer o pagamento voluntário da coima pelo mínimo (…), bastando mencionar tal facto;
6. no caso de não optar pela sua defesa por escrito, poderá contactar estes serviços, a fim de ser ouvido como arguido sobre os factos acima referidos, em data, hora e local a indicar.
IV – Estes factos constam dos autos de contra-ordenação, e vão referidos na douta sentença (quarto parágrafo da terceira folha).
V – A Recorrente enviou para a morada da Autoridade autuante a minuta anexa à notificação preenchida e com o seguinte conteúdo:
Exmos. Senhores,
Solicitamos a marcação de uma audiência e para o efeito, caso pretendam, poderão entrar em contacto para o n.º 9… – D… (Secretária da Administração). Aproveitamos a oportunidade para requerer o pagamento voluntário da coima.
VI – A Recorrente nunca foi contactada para ser ouvida, apesar de o ter explicitamente solicitado.
VII – Em Julho de 2009, a Recorrente foi notificada para pagar a coima, e custas, pelo seu mínimo legal. Perante esta notificação, a Recorrente apercebeu-se que a Autoridade Administrativa ignorou o pedido de audição apresentado, tendo atendido apenas e exclusivamente ao pedido de pagamento da coima pelo mínimo.
VIII – Constata-se que a Autoridade Autuante decidiu seleccionar um dos dois pontos requeridos pela Recorrente, o segundo, e apenas dar cumprimento a um deles, ou seja, ao do pagamento da coima pelo mínimo legal.
IX – Decidindo, unilateralmente, e sem solicitar qualquer esclarecimento à Recorrente, que esta prescindia do seu direito de ser ouvida acerca dos factos que lhe eram imputados, uma vez que, depois de solicitar essa audiência, requereu o pagamento voluntário da coima pelo mínimo – isto, apesar de a Recorrente ter expressamente solicitado uma audiência para exercício de defesa oral.
X – Atente-se, ainda, que o artigo 50.º-A do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas [RGCOC] prevê que o pagamento voluntário possa suceder até à decisão condenatória, o que é o mesmo que dizer que a audição da Recorrente não coarctaria a possibilidade de execução do pagamento voluntário.
XI – Pelo que, sempre poderia a Autoridade Autuante ter ouvido a Recorrente, tal como esta o requereu, nos termos do artigo 50.º do RGCOC, uma vez que não poderia aquela tomar nenhuma decisão sem proceder à audição da mesma.
XII – Verifica-se, então, que a Autoridade Autuante, de modo infundado e ilegal, não respeitou o direito de defesa da Recorrente.
XIII – Perante tal facto, a Recorrente invocou a nulidade da notificação referida acima em VII, pelos motivos acima indicados, de modo a que a mesma tivesse oportunidade de se pronunciar sobre os factos que lhe foram imputados.
XIV – Todavia, a Autoridade Autuante, ao invés de garantir o constitucionalmente garantido direito de defesa da Recorrente, entendeu não existir a nulidade arguida, condenando a Recorrente.
Ao antedito, acrescenta-se ainda o seguinte:
XV – A douta Decisão Administrativa em crise conclui o seguinte:
4. Em face do pedido de pagamento voluntário, o entendimento da ASAE, constante de fls. 33, foi de que a Pronuncia da arguida visava apenas a extinção do procedimento, conforme art.º 50.º-A do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas.
Com efeito, mais não era concebível, uma vez que da notificação feita à arguida constava expressamente que a Pronuncia que poderia apresentar em sua Defesa, teria a forma escrita, o que fez, utilizando o documento que lhe foi enviado e que consta de fls. 9 dos autos.
XVI – Olvida a Autoridade Administrativa duas coisas: desde logo, que a notificação que enviou à Recorrente, ao apresentar o vertido no ponto seis, coloca à Arguida a escolha pela defesa por escrito ou oral, pois diz expressamente: em caso de não optar pela sua defesa por escrito, poderá contactar estes Serviços, a fim de ser ouvido como arguido.
XVII – Por outro lado, em nenhum local da notificação vem indicado que ao requerer o pagamento da coima pelo mínimo a Recorrente arca com a consequência imediata de assumpção dos factos imputados em auto de notícia, e a qualificação jurídica dos mesmos.
XVIII – Note-se que a Recorrente apresenta, sequencialmente, dois pedidos: o primeiro para se defender e o segundo para pagar a coima pelo mínimo.
XIX – A decisão da Autoridade Administrativa de ignorar um dos pedidos (curiosamente o que faria prolongar o processo e não conduziria à entrada rápida de dinheiro nos cofres), dando relevo apenas a outro, viola indubitavelmente o direito de defesa da Arguida.
XX – Tendo por consequência a nulidade de todo o processo, a partir da notificação de fls..
XXI – Ao não ter atendido a nenhum dos fundamentos legais acima alegados, que constavam da Impugnação Judicial da decisão administrativa, e ao ter confirmado que a Autoridade Administrativa não violou o direito de defesa da Recorrente, a sentença em crise violou o artigo 50.º do RGCO.
XXII – A certo trecho, é assim dito na douta sentença: se a Recorrente pretendia pagar voluntariamente pelo mínimo, significa que não quer colocar em causa a infracção, e que não pretende que chegue a ser proferida decisão final.
XXIII – Mas, pergunta-se, porque razão não é feito o raciocínio contrário: se a Recorrente declarou que pretendia ser ouvida sobre os factos que lhe eram imputados, significa que não quer pagar a coima pelo mínimo, ou então, ainda que o quisesse, teria até ao momento em que fosse proferida a decisão final oportunidade para tomar tal decisão definitivamente.
XXIV – Ao sancionar a decisão da Autoridade Administrativa que, perante duas declarações da Recorrente, assume que apenas a que se referia ao pagamento da coima pelo mínimo poderia surtir efeitos, assume como lícito que a primeira das declarações seja preterida definitivamente (pelo menos, até que seja declarada a nulidade dos autos).
XXV – Isto porque, assumindo-se aquela como única declaração, a Recorrente não mais teria oportunidade de se pronunciar sobre os factos que lhe eram imputados.
XXVI – Ao contrário, caso a Autoridade Administrativa tivesse dado cumprimento à resposta dada pela Recorrente, em obediência à notificação que emite, e tivesse ouvido a mesma, como arguida, então, continuaria a ser possível a concretização da segunda das declarações, até que fosse proferida decisão final.
XXVII – A douta sentença, que ignora o antedito, viola igualmente o artigo 50.º do RGCO – pretende que no sistema jurídico se cristalize decisão administrativa que sem nenhum critério justifique a preterição da audição da Recorrente sobre os factos que lhe são imputados e que, alegadamente, integrariam a contra-ordenação que lhe era imputada.
XXVIII – Face ao exposto, deverá ser revogada a douta decisão em crise, substituindo-se a mesma por outra que declare a nulidade do procedimento administrativo, que conduziu à condenação da Recorrente, com todos os seus efeitos legais, nomeadamente de baixa destes autos à Autoridade Administrativa e de concessão de oportunidade da Recorrente para, ali, exercer o seu direito de defesa, como requerido tempestivamente e em local próprio.
2. DA PRESCRIÇÃO
XXIX – A contra-ordenação pela qual a Recorrente foi condenada respeita a factos ocorridas no dia 06 de Novembro de 2007.
XXX – O prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional é de 3 anos (conforme o disposto no artigo 27.º, alínea b) do RGCO, pois que a coima abstractamente aplicável não excede o valor de €48.879,79) e conta-se a partir da prática da infracção.
XXXI – A suspensão do prazo prescricional ocorrida no processo por força da notificação do despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso, não pode ser superior a 6 meses – artigo 27.º-A, número 1, alínea c) e número do RGCO.
XXXII – Mesmo considerando os factos interruptivos e suspensivos da prescrição, esta ocorrerá sempre que, desde a data da prática e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição, acrescido de metade, nos termos do artigo 28.º, número 3 do RGCO.
XXXIII – Vale isto por dizer que a prescrição, em casos como o presente, ocorrerá sempre que sobre a data dos factos decorram cinco anos (prazo de prescrição de 3 anos + metade, 1 ano e 6 meses + prazo máximo da suspensão, 6 meses).
XXXIV – Ora, a 07 de Novembro de 2012, já terão decorrido mais de cinco anos sobre os factos imputados à Recorrente.
XXXV – pelo que, acaso este Ilustre Tribunal da Relação profira douto acórdão a 07 de Novembro de 2012, ou em data posterior, verificar-se-á prescrita a contra-ordenação objecto deste recurso.
XXXVI – A qual se invoca expressamente, com as suas legais consequências, como seja a extinção da responsabilidade contra-ordenacional da Recorrente, nos termos do disposto no artigo 32.º do RGCO e 118.º, número 1 do Código Penal.
Nestes termos e nos mais de direito que Va. Exas., Venerandos juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa mui doutamente suprirão, deverá o presente Recurso ser declarado integralmente procedente e, consequentemente:
a) ser a douta decisão em apreço revogada e substituída por outra que determine a nulidade dos autos de contra-ordenação, desde o despacho de fls.., com as legais consequências;
Sem conceder,
b) acaso este Ilustre Tribunal da Relação profira douto acórdão a 07 de Novembro de 2012, ou em data posterior, declare prescrita a contra-ordenação objecto deste recurso, e consequentemente a extinção da responsabilidade contra-ordenacional da Recorrente, nos termos do disposto no artigo 32.º do RGCO e 118.º, número 1 do Código Penal,
Assim fazendo Vas. Exas., como sempre, inteira e sã Justiça!»

4. Na sua resposta, o Ministério Público junto do Tribunal recorrido pugnou pela improcedência do recurso.
5. O recurso foi admitido, por despacho de fls. 195 dos autos.
6. Nesta Relação, o Senhor Procurador-Geral Adjunto apôs o seu Visto, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 416.º do CPP.
7. Colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (art. 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Em processo contra-ordenacional, o Tribunal da Relação conhece apenas da matéria de Direito (art. 75.º, n.º 1, do DL n.º 433/82 de 27 de Outubro, adiante RGCOC), sem prejuízo do aludido conhecimento oficioso relativamente aos vícios previstos no art. 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP.

A questão que a recorrente coloca é a de saber se, tendo requerido, aquando da notificação que lhe foi efectuada nos termos do disposto no art. 50.º do DL n.º 433/82, de 27-10, a marcação de uma audiência e o pagamento voluntário do valor da coima, pelo mínimo legal, a entidade autuante violou os seus direitos de defesa consagrados naquele preceito legal ao deferir unicamente a segunda das pretensões por ela formuladas.
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2. Da decisão recorrida
Previamente à apreciação da questão suscitada, vejamos qual a fundamentação que consta da decisão recorrida, na parte que ora importa.
«Da Questão de Facto
Discutida a causa, e de relevante para a decisão da mesma, provaram-se os seguintes factos:
1- No dia 06 de Novembro de 2007, cerca das 12.00 horas, a arguida, P…, S.A.”, no seu estabelecimento de prestação de serviços de reparação de telemóveis, denominado “N…”, sito na P… Lisboa, exercia a respectiva actividade comercial, sendo que o estabelecimento em causa era constituído por duas áreas distintas.
2- No circunstancialismo descrito em 1), uma das áreas do estabelecimento era uma loja com uso publicitário exclusivo da marca “N…”, constituída por três postos de atendimento ao público que possuíam afixada, de forma visível e legível ao público consumidor, uma tabela de serviços fora da garantia, encontrando-se impresso em tal tabela a seguinte informação “aos valores apresentados, incide o IVA à taxa legal em vigor”, verificando-se que os preços dos serviços ali afixados não se encontravam com o IVA (imposto sobre o valor acrescentado) incluído, pelo que sobre os referidos preços ainda seria repercutido o valor do IVA, não tendo, assim, o público consumidor conhecimento do montante exacto a pagar.
3- No circunstancialismo descrito em 1) e 2), a outra área do estabelecimento que, apesar de estar fisicamente separada, pertencia à arguida, era constituída por um balcão de atendimento, onde se exercia a prestação de serviços de reparação de telemóveis da marca “S…”, não se encontrando afixada a tabela dos serviços prestados.
4- Ao actuar conforme descrito em 1) a 3), a arguida agiu representando a realização dos factos como consequência directa da sua conduta, sabendo ser a mesma proibida e punida por lei.
5- A arguida apresentou a título de rendimentos, referentes ao exercício do ano de 2006, o resultado líquido negativo de € -969,38.
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Estes os factos provados e nada mais, de relevante para a decisão da causa, se provou.
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Fundamentação da Decisão de Facto
O Tribunal baseou-se, para dar como provados os factos acima referidos, sob os números 1 a 5 (inclusive), tendo em atenção que a arguida não os colocou em causa, no auto de notícia de fls. 2, nos documentos de fls. 3 a 5, na notificação de fls. 6, nos documentos de fls. 8 a 32, 36 e 41 a 46, dos autos.
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DA QUESTÃO DE DIREITO
A materialidade fáctica provada e fixada supra, verificados em concreto os elementos constitutivos do “tipo”, integra a prática pela arguida, “P…, S.A.”, de uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 1º, nº 5, 10º e 11º, todos do Dec.-Lei nº 138/90, de 26/04, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei nº 162/99, de 13/09.
Na verdade, conforme resulta da matéria de facto provada, resultaram apurados todos os elementos objectivos e subjectivo do tipo contra-ordenacional, em causa, pelo que e sem mais delongas, porque desnecessárias, até porque a arguida não colocou em causa nenhum dos seus elementos, mais não resta do que condenar a arguida, em conformidade pela prática da referida contra-ordenação.
Na sua impugnação, a arguida, não coloca em causa a prática da contra-ordenação, dos autos, nem tão pouco a ela se refere, limitando-se a invocar a nulidade da decisão proferida pela entidade administrativa.
Efectivamente, foi a arguida notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 50º, do RGCO, conforme resulta de fls. 6, dos autos, na sequência do que requereu a marcação de uma audiência e o pagamento voluntário da coima pelo mínimo, juntando cópia do IRC, bem como da escritura de constituição da sociedade, tudo nos termos de fls. 8 a 32, dos autos.
Perante tal, a entidade administrativa, deferiu ao requerido pagamento voluntário da coima, pelo mínimo, conforme despacho de fls. 36, dos autos.
Nada tendo sido pago, a arguida veio junto da entidade administrativa invocar a nulidade dos autos, por violação do seu direito de defesa previsto no artigo 50º, do RGCO, conforme fls. 41 a 46, dos autos.
A entidade administrativa proferiu, então, decisão final condenatória, onde se refere à invocada nulidade.
A arguida impugna tal decisão, invocando a nulidade da decisão administrativa, nos mesmos termos em que se dirigiu à CACMEP aquando do despacho proferido por tal entidade a deferir o pagamento da coima pelo mínimo.
Não nos parece que assista qualquer razão à arguida.
Na verdade, conforme lhe competia e no momento próprio, a entidade administrativa cumpriu o determinado no artigo 50.º, do RGCO.
A arguida no exercício do seu direito de defesa solicitou a marcação de uma audiência e requereu o pagamento voluntário da coima pelo mínimo.
Ora, se a arguida pretendia proceder ao pagamento voluntário da coima pelo mínimo, tal apenas poderia ocorrer antes de ser proferida decisão final, conforme estipula o artigo 50º-A, do mesmo diploma legal.
Pretendendo tal pagamento, porque motivo pretendia, igualmente, a marcação de uma audiência? Desconhece-se, sendo certo que a arguida não fundamentou tal pretensão.
Certo é que não se compreende qual poderia ser o objectivo. Se pretende pagar voluntariamente pelo mínimo, significa que não quer colocar em causa a infracção e que não pretende que chegue a ser proferida decisão final, pretendendo aproveitar a possibilidade de pagar o mínimo da coima. Neste contexto não faz sentido que se requeira, em simultâneo, a referida audição, menos ainda fazendo sentido que se pretenda a declaração de nulidade do processo por tal audiência não ter sido designada.
A entidade administrativa deferiu ao requerido pagamento voluntário da coima. Caso a arguida efectuasse esse pagamento – conforme a própria expressamente requereu – o processo estaria findo.
A não marcação de audiência não se traduz em violação do artigo 50, do RGCO.
Poderia traduzir-se, caso a entidade administrativa não deferisse ao pagamento voluntário da coima, pelo mínimo, em nulidade, uma vez que o processo prosseguia e a arguida, em sua defesa, não tinha requerido outro meio de prova a não ser, exactamente, ser ouvida.
Porém, deferido o já referido pagamento, não haveria defesa a garantir, não teria sentido mais nenhuma diligência.
O artigo 50º, do RGCO foi cumprido e, por parte da entidade administrativa, não foi praticado qualquer acto (ainda que na forma de omissão) que tenha desrespeitado ou colocado em causa a defesa da arguida.
A arguida exerceu esse direito como entendeu e obteve deferimento quanto ao que requereu, com sentido.
Deferir às duas prestações seria, aliás, contraditório.
Pelo exposto, improcede a requerida nulidade do processo contra-ordenacional, por violação do direito de defesa da arguida.
Nada mais tendo a arguida invocado, na sua impugnação, nada mais pode o tribunal fazer do que manter a decisão proferida pela entidade administrativa, nos seus precisos termos.
(…)»
*
3. Da análise dos fundamentos do recurso
Da análise dos autos constatamos que a arguida, por requerimento junto aos autos em 19.02.2008 (cfr. fls. 8) requereu expressamente (transcrição):
“Conforme informação que nos prestaram via telefone, vimos por este meio proceder ao envio do documento “Audição e Defesa de Arguido”, onde solicitamos a marcação de uma audiência e requeremos o pagamento voluntário da coima pelo mínimo”.
A autoridade administrativa entendeu valorizar o pedido de pagamento voluntário da coima e postergar o requerimento para audição de arguido. Na mesma senda veio a sentença recorrida ao afirmar (transcrição):
“A arguida no exercício do seu direito de defesa solicitou a marcação de uma audiência e requereu o pagamento voluntário da coima pelo mínimo.
Ora, se a arguida pretendia proceder ao pagamento voluntário da coima pelo mínimo, tal apenas poderia ocorrer antes de ser proferida decisão final, conforme estipula o artigo 50º-A, do mesmo diploma legal.
Pretendendo tal pagamento, porque motivo pretendia, igualmente, a marcação de uma audiência? Desconhece-se, sendo certo que a arguida não fundamentou tal pretensão.
Certo é que não se compreende qual poderia ser o objectivo. Se pretende pagar voluntariamente pelo mínimo, significa que não quer colocar em causa a infracção e que não pretende que chegue a ser proferida decisão final, pretendendo aproveitar a possibilidade de pagar o mínimo da coima. Neste contexto não faz sentido que se requeira, em simultâneo, a referida audição, menos ainda fazendo sentido que se pretenda a declaração de nulidade do processo por tal audiência não ter sido designada.
A entidade administrativa deferiu ao requerido pagamento voluntário da coima. Caso a arguida efectuasse esse pagamento – conforme a própria expressamente requereu – o processo estaria findo.
A não marcação de audiência não se traduz em violação do artigo 50, do RGCO.
Poderia traduzir-se, caso a entidade administrativa não deferisse ao pagamento voluntário da coima, pelo mínimo, em nulidade, uma vez que o processo prosseguia e a arguida, em sua defesa, não tinha requerido outro meio de prova a não ser, exactamente, ser ouvida.
Porém, deferido o já referido pagamento, não haveria defesa a garantir, não teria sentido mais nenhuma diligência.
O artigo 50º, do RGCO foi cumprido e, por parte da entidade administrativa, não foi praticado qualquer acto (ainda que na forma de omissão) que tenha desrespeitado ou colocado em causa a defesa da arguida.
A arguida exerceu esse direito como entendeu e obteve deferimento quanto ao que requereu, com sentido.
Deferir às duas prestações seria, aliás, contraditório.”.

Vejamos.
Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado de sentença de condenação, devendo ser julgado…com as garantias de defesa – artº 32º nº 2 da CRP.
E o n.° 10 do mesmo preceito da Lei Fundamental acrescenta que «Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.»
O entendimento de que o pedido de pagamento voluntário da coima traduz uma confissão dos factos apenas pode ser aportada a uma mera presunção – juris tantum – mas não a de que tal pagamento implica necessariamente a presunção inilidível – juris et de jure – do cometimento da infracção.
Até porque só em audiência de julgamento é atribuído à confissão, o seu valor especial de meio de prova e mesmo neste caso, fica sujeita ao controle do tribunal sobre o seu carácter livre, a veracidade dos factos confessados (cfr. Ac do TRC, de 05.11.2008 proc 455%07.2TBFND.C1, in www.dgsi.pt).
Finalmente, o Tribunal Constitucional, em acórdão 45/2008, de 23 de Janeiro, em que decidiu, "julgar inconstitucional, por violação dos artigos 20º/1 e 5 e 268º/4 da Constituição da República Portuguesa, a interpretação do artigo 175.º, n.º 4, do Código da Estrada, na redacção do Decreto Lei 44/2005, de 23 de Fevereiro, segundo a qual, paga voluntariamente a coima, ao arguido não é consentido, na fase de impugnação judicial da decisão administrativa que aplicou a sanção acessória de inibição de conduzir, discutir a existência da infracção", expressa que embora não questionando a possibilidade de o legislador, mesmo em matéria sancionatória (inclusive penal) estabelecer presunções e, portanto, seria lícito fazer presumir do pagamento voluntário da coima a ocorrência da infracção, entendeu-se, contudo, que intolerável é a inilidibilidade dessa presunção, ao proibir-se que o arguido faça prova, perante o tribunal, da sua não verificação.
Em síntese conclusiva, entendemos poder o imputado infrator defender-se sem quaisquer restrições, alegando mesmo a não verificação/prática da infracção, ainda que tenha procedido ao pagamento voluntário da coima.
O entendimento da autoridade administrativa de sobrevalorizar o pedido de pagamento voluntário da coima e de postergar o concomitante pedido de audição como arguido não pode deixar de ser considerado como determinando um encurtamento intolerável das garantias exigidas pelo princípio da tutela jurisdicional efectiva e do processo equitativo, acarretando a derrogação, inconstitucional, do direito de defesa do arguido.

III. Decisão
Em face do exposto, acordam os Juízes da 9.° Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em, concedendo provimento ao recurso interposto pela arguida, "P…, S.A.", anular o correspondente processado e determinar a remessa dos autos à autoridade administrativa para proceder à designação de data para audiência da arguida,
Sem tributação.
Lisboa, 18 de Outubro de 2012
Cristina Branco
Margarida Vieira de Almeida