ACÇÃO DECLARATIVA
PRAZO PARA CONTESTAR
PLURALIDADE DE RÉUS
Sumário

I - Em caso de pluralidade de réus, se a prorrogação do prazo de defesa for concedida a um deles, ainda que por motivos que só a este digam respeito, tal benefício deve igualmente abranger todos os restantes demandados, nos termos do artigo 569º, nº2, do CPC.
II - Esta imposição de que o prazo de contestação deva terminar na mesma data para todos os réus assenta no princípio da igualdade de armas, o qual deve ser considerado estruturante do nosso ordenamento jurídico, de valor supra - legislativo atento o disposto no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, com a decorrente influência na interpretação das normas processuais.

Texto Integral

Processo 11403/16.9T8PRT

I – Relatório
Recorrente(s): B…, Sociedade de Advogados, ….
Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Cível do Porto
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B…, Sociedade de Advogados, denominada no despacho sob recurso como 2ª ré, viu rejeitada a contestação apresentada no que aos presentes autos diz respeito por ter sido considerada extemporânea a sua apresentação.
Assim, reproduzindo o despacho em causa, temos que:
A contestação de fls. 116 e ss., apresentada conjuntamente pela 2ª Ré e pelo 3º Réu, na data de 28.09.2016, será considerada como apresentada unicamente pelo 3º Réu, já que na referida data de 28.09.2016, há muito tinha decorrido o prazo legal de 30 dias para a 2ª Ré contestar, pelo que a contestação apresentada nessa data é manifestamente extemporânea no que à 2ª Ré diz respeito.
Efectivamente, a 2ª Ré foi citada para a acção, tal como o 3º Réu, em 06.06.2016 (cfr. fls. 73 e 72), sendo que a 1ª Ré foi citada em 08.06.2016 (cfr. fls. 75 e consulta ao site dos CTT), pelo que o prazo legal de 30 dias para a 2ª Ré contestar, considerando o disposto no art. 569º, nº 2 do CPC, terminava em 08.07.2016, podendo ainda a contestação ser apresentada por aquela 2ª Ré, com multa, nos termos do art. 139º, nºs 5 e 6 do CPC, até ao dia 13.07.2016.
Na verdade, aquela 2ª Ré não beneficia nem da dilação prevista no art. 245º, nº 1, alíneas a) e b) do CPC, como é o caso do 3º Réu e da 1ª Ré, respectivamente, nem tão pouco da prorrogação do prazo de 30 dias que foi concedida somente ao 3º Réu, por despacho de 04.07.2016, ao abrigo do disposto no art. 569º, nº 5 do CPC, uma vez que somente por aquele foi solicitada, como resulta de fls. 76-77 (reqº refª 23082255), sendo certo que a prorrogação de prazo concedida ao abrigo de tal preceito legal é “intuitu personae”, em face de um circunstancialismo que é próprio do Réu que a requer e que não é extensivo aos demais co-Réus.
Assim sendo, considero extemporânea a contestação apresentada em 28.09.2016 pela 2ª Ré, a fls. 116 e ss., apenas não se determinando o seu desentranhamento porquanto a mesma também foi apresentada pelo 3º Réu e este apresentou-a dentro do prazo – prorrogado – de que dispunha para o fazer, pelo que a mesma ter-se-á como unicamente apresentada por este 3º Réu, considerando-se como não escrita no que à 2ª Ré diz respeito.
Custas do incidente pela 2ª Ré, com 1 (uma) UC de taxa de justiça.
Notifique.
*
Inconformada a ré em causa deduziu o presente recurso onde formula as seguintes conclusões:
1. O n.º 2 do artigo 569.º do CPC, se estiver na presença da prorrogação do prazo do n.º 5, tem uma aplicação adaptada.
2. Significa isto que a expressão «até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar» se interpreta como «até ao termo do prazo daquela que pudesse ser oferecida em último lugar».
3. Tal resultado interpretativo tem origem em três fundamentos:
i) histórico; ii) teleológico e iii) sistemático.
4. Esta solução é a única que respeita a igualdade de armas e as suas centenárias concretizações nas relações Réus-Autor e Réu-Réu, em caso de pluralidade de Réus.
5. O n.º 2 do artigo 569.º do CPC tem eficácia legal automática por via da sua aplicação adaptada, bem como prevalência e efeitos sobre o n.º 5 do mesmo artigo.
6. O n.º 2 do artigo 569.º do CPC deveria ter sido aplicado e a igualdade de armas ter sido afirmada.
7. Ao decidir diferentemente, julgando extemporânea a contestação apresentada pela Recorrente, o despacho recorrido, por errada interpretação e aplicação da lei (nos seus elementos literal, histórico, teleológico e sistemático) violou o disposto no artigo 4.º e no n.º 2 do artigo 569.º do CPC.
Termina a apelante entendendo que deve:
a) Ser o presente recurso recebido e julgado procedente;
b) Consequentemente, ser a decisão recorrida revogada e substituída por nova decisão que admita, por tempestiva, a contestação apresentada nos autos pela Recorrente.
II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;
O objecto do recurso é delimitado pelas alegações e decorrentes conclusões, não podendo este Tribunal de 2.ª instância conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais que aqui não relevam.
Deste modo, em causa nos autos estará apurar se a prorrogação de prazo para contestar ao abrigo do disposto no art.º 569º, nº 5 do Código do Processo Civil (CPC) aproveita, ou não, a todos os demais réus.
III) Factos Provados
Devem ser tidos em consideração os factos constantes do relatório que antecede.
IV – Direito Aplicável
Determina o artigo 569º, nº 5 do CPC que “quando o juiz considere que ocorre motivo ponderoso que impeça ou dificulte anormalmente ao réu ou ao seu mandatário judicial a organização da defesa, pode, a requerimento deste e sem prévia audição da parte contrária, prorrogar o prazo da contestação, até ao limite máximo de 30 dias.”
Entende a apelante que muito embora esta prorrogação do prazo contida no n.º 5 do artigo 569.º do CPC tenha natureza “intuitu personae”, tal é irrelevante quando nos encontramos na presença de uma pluralidade de Réus - o que levaria à prorrogação legal automática do prazo para oferecer a contestação relativamente a todos os réus e não somente para aquele que requereu tal prorrogação.
Tal extensão de prazo encontraria guarida legal no nº2 do mesmo artigo 569º que estabelece “quando termine em dias diferentes o prazo para a defesa por parte dos vários réus, a contestação de todos ou de cada um deles pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.”
A jurisprudência divide-se, tal como a doutrina, em relação a esta questão.
Deste modo, o Acórdão da Relação de Lisboa 15 de Maio de 2013, processo nº 293/13.3TVLSB.L1-6, entendeu que de a circunstância prevista no nº 5 corresponde a uma prorrogação concedida pelo juiz em vista da justificação apresentada, a qual tem de constituir motivo ponderoso que só dizem respeito ao Réu que a peça e não deve ser aproveitada pelos demais. Em sentido oposto, o Acórdão da Relação de Coimbra de 12.09.2017, processo 293/13.3TVLSB.L1-6, embora com um voto de vencido, decidiu que, em caso de pluralidade de réus, se a prorrogação do prazo de defesa for concedida apenas a um deles tal benefício deve considerar-se sempre extensivo aos restantes demandados, por aplicação adaptada do regime do artigo 569º, nº2, do CPC.
Igualmente a doutrina se dissocia entre os que consideram que o citado nº2 não se aplica quando o prazo de algum ou de alguns dos réus seja prorrogado nos termos do nº4 ou do nº5 (Lebre de Freitas) e aqueles outros, como Paulo Pimenta, que afirmam que, no caso de pluralidade de réus, se a prorrogação do prazo de defesa for concedida apenas a um deles tal benefício deve considerar-se sempre extensivo aos restantes demandados.
Cruzam-se, a nosso ver, duas visões processuais distintas: uma que confere primazia à excepcionalidade da prorrogação de prazo de contestação concedida a um dado réu por motivo ponderoso que impeça ou dificulte anormalmente a organização da sua defesa de tal modo que a mesma a ele se deve confinar e uma outra que, em nome do princípio da igualdade de armas, entende que, em caso de pluralidade de réus, o prazo de contestação deverá terminar sempre simultaneamente para todos.
Entendemos que será esta segunda opção que deve ser sufragada numa lógica de coerência sistémica e tendo em conta os princípios processuais fundamentais que enformam a nossa lei adjectiva civil, designadamente o “princípio de igualdade de armas” (vide artigo 4º do Código do Processo Civil). Sublinhe-se, aliás, como o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem consagra este principio no contexto da realização do modelo processual equitativo, estando em causa, naturalmente, neste contexto, uma imposição de valor supra - legislativo (vide Acórdão do STJ nº 2/2011 de 27-01-2011).
É certo que o n.º 2 do artigo 569.º do CPC apenas impõe que, nos casos em que termine em dias diferentes o prazo para a defesa por parte dos vários réus, a contestação de todos ou de cada um deles possa ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar. Foi justamente essa circunstância que esteve na origem do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de Maio de 2013 já recenseado em que se entendeu que a prorrogação de prazo por motivo ponderoso não significa um novo prazo que “começou a correr”.
Note-se, porém, desde logo, que estará em causa o prazo daquele réu que requereu a prorrogação do mesmo na medida em que, por força da dilação de cinco dias atribuída à pessoa singular que não assine o aviso de recepção da sua citação (artigos 228.º e 245.º do CPC), foi em relação a si próprio que o prazo começou a correr em último lugar. Deste modo, mesmo numa interpretação literal do nº 2 do artigo 569º, teria que se aceitar estar ainda em tempo a contestação do recorrente; doutro modo, teríamos que repristinar um término de prazo que o próprio tribunal entendeu dever eliminar ao permitir que, para esse concreto réu, o prazo continuasse a correr.
Mas, ainda que assim não fosse, o princípio de igualdade de armas com a já referida dimensão estruturante no âmbito de qualquer processo jurisdicional sempre imporia que o prazo de contestação termine na mesma data para todos os réus.
Admitir solução contrária por força de uma leitura estrita do preceito em apreço e que, conforme decorre das doutas alegações, parece ser desmentida por uma interpretação que se atenha ao elemento histórico, permitiria que, nomeadamente no que concerne aos próprios co-réus, uns tivessem a possibilidade de deduzir a sua argumentação já após conhecer a dos restantes, sendo certo que, em alguns casos, a defesa de uns pode ser divergente, ou mesmo oposta, à de outros.
Aceitar que um dado réu pudesse contestar após conhecer a alegação de um co-réu, sabendo que o seu prazo de contestação apenas terminaria em data necessariamente posterior à do outro, exemplificaria uma desigualdade de armas entre as partes que a teleologia do nosso ordenamento jurídico sempre veria como tendencialmente inadmissível.
Concluímos, portanto, que o carácter “intuitu personae” que esteve na origem de uma dada prorrogação de prazo a um réu não pode pôr em causa o interesse processualmente superior que impõe fazer coincidir na mesma data o prazo de contestação de todos os réus.
Tal asserção implica a revogação da decisão proferida e a procedência do presente recurso.
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Importa agora proceder à sumariação prevista pelo art.663º, nº7 do Código do Processo Civil):
I - Em caso de pluralidade de réus, se a prorrogação do prazo de defesa for concedida a um deles, ainda que por motivos que só a este digam respeito, tal benefício deve igualmente abranger todos os restantes demandados, nos termos do artigo 569º, nº2, do CPC.
II - Esta imposição de que o prazo de contestação deva terminar na mesma data para todos os réus assenta no princípio da igualdade de armas, o qual deve ser considerado estruturante do nosso ordenamento jurídico, de valor supra - legislativo atento o disposto no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, com a decorrente influência na interpretação das normas processuais.
V – Decisão
Pelo exposto, decide-se, na procedência do recurso deduzido, revogar a decisão recorrida e substituí-la por outra que admite, por tempestiva, a contestação apresentada nos autos pela Recorrente.
Sem custas.

Porto, 28 de Novembro de 2017
José Igreja Matos
Rui Moreira
Lina Baptista