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INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
INTERVENÇÃO PRINCIPAL
REQUISITOS
Sumário
A intervenção principal de um terceiro na lide pendente pressupõe que seja titular de um interesse litisconsorcial no âmbito da relação jurídica controvertida limitado pela latitude do accionamento operado pelo autor, não podendo intervir quem lhe seja alheio. Os pressupostos da admissibilidade da intervenção principal de um terceiro devem ser aferidos em função dessa relação jurídica material controvertida, tal como configurada pelo autor. (AP)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
A Ré veio deduzir o incidente de intervenção previsto no art. 330° do Código de Processo Civil alegando que em causa estão os danos causados à aeronave fretada à A., danos esses causados por um acto de funcionário da sociedade ora chamada.
Nos termos do acordo celebrado entre A. e Ré, alega a primeira, que a segunda é responsável por quaisquer danos/avarias sofridos pela aeronave, causados por mau uso, abuso, uso anormal por parte da Ré ou de qualquer outra entidade contratada por esta.
Alega a Ré que tendo celebrado contrato de prestação de serviços com a ora chamada nos termos das quais esta última está obrigada a indemnizar a Ré pelos danos causados nas aeronaves quando tais danos sejam causados por conduta negligente ou omissiva da chamada (“G”) tal determina que, caso a A. tenha vencimento na demanda, gozará de direito de regresso sobre a chamada.
Sobre tal, pronunciou-se a A. no sentido de desconhecer o acordo firmado entre a Ré e a chamada.
Em resposta ao requerimento da apelante foi proferido este despacho: "O principal âmbito da intervenção acessória provocada coincide com o direito de regresso decorrente com uma relação conexa com o objecto do processo. Quando entendido no sentido próprio, esse direito de regresso pode decorrer de uma relação de garantia: imagine-se, por ex., que o causador de um dano chama a intervir a companhia de seguros na qual cobriu o risco da sua actividade". Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, "Estudos Sobre o Novo Código de processo Civil, ed., 1997, págs.178 e ss. Daqui decorre que é admissível este incidente, na forma proposta, porquanto é manifestamente esse, o caso dos autos. Cfr. Art.330, nº1, do CPCivil. Por considerar, em face do exposto, da viabilidade da acção de regresso e da sua conexão com a causa principal, admito o chamamento. Cfr. Art.331° do CPCivil. Custas pela requerente com taxa de justiça que fixo no mínimo. In casu, veio a “G”, deduzir ela própria, incidente de intervenção principal espontânea. Tal incidente é manifestamente improcedente, conforme decorre do que se deixou exposto como fundamento da admissão da intervenção acessória. Pelo que se indefere liminarmente, com custas pela requerente. Notifique. Notifique-se, ainda, e para evitar maiores delongas, o ilustre mandatário subscritor do requerimento apresentado pela “G”, para informar nos autos se tem procuração que lhe permita receber citações, caso em que, deverá proceder à sua junção aos autos, em dez dias, a fim de se dar cumprimento ao disposto no art.3322 do CPCivil. Notifique. Lisboa, ds”
É este despacho que a requerente impugna, formulando estas conclusões:
1º- Não é o facto de, na sua defesa, a Ré Air E ter invocado que tem eventual direito de regresso contra a interveniente que se determina a legitimidade e posição processual da “G”.
2- A acção proposta pela Autora O, S.A., tem como objecto a efectivação de responsabilidade civil onde são imputados à interveniente “G” S.A. factos geradores de responsabilidade civil, relativamente aos quais esta tem um interesse directo em contradizer.
3- O interesse da interveniente em contestar a acção é, por isso, manifesto e directo, sendo certo que esse interesse não se esgota na simples contestação dos factos mas se estende até à invocação de cláusulas de exclusão de responsabilidade autónomas, excepcionando inclusivamente a competência internacional do Tribunal Português, o que na posição de assistente da Ré não lhe é permitido.
4- A interveniente não está numa posição de garante, ou vinculada contratualmente a prestar uma indemnização a terceiros em nome da Ré Air E, por força de um qualquer contrato, facto esse que determinaria, isso sim, a sua posição de interveniente a título acessório e não a título principal.
5- Assim, a ser admitida nos autos como mera interveniente acessória, a ora apelante vê limitados os seus direitos de defesa, porquanto sendo certo que lhe é imputada a responsabilidade pelo dano causado na Aeronave da Autora, com a sua posição acessória não pode organizar a sua defesa socorrendo-se de todos os meios de defesa à sua disposição enquanto parte principal.
A apelada contra-alega, pugnando pela improcedência do recurso.
Os factos com interesse para a decisão da causa
1) “G”, S.A., com sede em (…) México, nos termos do artigo 320, alínea a), do Código de Processo Civil, veio deduzir Incidente de lntervençao Principal Espontânea, nos termos e com os seguintes fundamentos:
2)No dia 16 de Novembro de 2010, a aeronave Airbus ..., com a matrícula ..., encontrava-se a ser operada pela “O”, no âmbito do voo ..., por conta da AIR E.
3) Por volta das 19:45h daquele dia, a aeronave encontrava-se na posição número 40 da plataforma do Aeroporto Internacional de Cancún, México,
4) Quando foi atingida, na secção dianteira inferior da fuselagem, pela parte superior da cabine do tapete de carga n.° 64.
5) A referida cabine e tapete de carga pertenciam à “G”, S.A..
6) Aquando do acidente, o tapete de carga era operado por Pierre, trabalhador da ora Interveniente.
7) A ora Interveniente teve conhecimento da acção proposta por “O”, S.A. e contestada nestes autos por Air E, S.A..
8) Tais danos foram alegadamente causados por um trabalhador da ora Interveniente, durante uma operação de carga da referida aeronave, pelo que a responsabilidade civil pelos danos decorrentes do acidente podem vir a ser imputados à ora Interveniente.
9) “O”, S A propôs a presente acção declarativa de condenação contra Air E SA, pedindo a condenação desta um determinado montante. Para tanto, invoca, em resumo:
a)Entre as duas partes foi celebrado um acordo (Aircraft, Crew, Maintenance and Insurance Agrrement ), cuja cópia consta como doc nº 3 da pi
b) Neste contrato, a A assegura a disponibilização do avião, tripulação, manutenção e seguro; à R cabe a marcação de voos, respectiva cobrança, serviço de handling apoio à tripulação e abastecimento de aeronaves;
c) Daí que a A se tenha obrigado perante a R ao fretamento de uma aeronave “Airbus A 330-200 “, para operações de voos comerciais, durante o período de 1-11 de 2010 a 21-12-2010
d) De acordo com a cláusula Losse and Damages, durante a vigência do contrato, o risco de perda ou deterioração da aeronave corre por conta da A, excepto se estas resultarem da conduta negligente ou culposa da R, dos seus funcionários, directores, agentes, sub-contratados, trabalhadores
e) Ocorreu um acidente com a aeronave ,conforme o acima descrito f) Os danos causados por este acidente prendem-se com a deterioração física do avião e respectiva reparação; prejuízos decorrentes da avaliação; fretamento de aeronaves a fim de assegurar os voos que deveriam ter sido contratados; custos com voos posicionais; cancelamento de voos; redução de lugares nos voos contratados e outros prejuízos como compensações a clientes
Atendendo a que o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (artº 684 nº3), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras ( art. 660 nº 2 CPC ), o que aqui se discute é se há lugar ao incidente de intervenção principal espontânea.
Vejamos
Após a citação do réu, a instância deve manter-se imutável quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, ressalvadas as modificações consagradas na lei - art. 268.º do Cód. Proc. Civil.
Este normativo consagra o princípio da estabilidade da instância, que visa assegurar o andamento normal da causa, por forma a que o tribunal administre, em tempo oportuno, a justiça que lhe é solicitada.
Porém, como é sabido tal princípio é susceptível de ser afectado por virtude de uma modificação subjectiva, seja em consequência da substituição de alguma das partes primitivas, seja por via da intervenção de terceiros.
Essa modificação adjectiva-se através de um incidente processual – típico ou inominado – que, como o seu próprio conceito sugere, pressupõe a pendência de uma causa.
Genericamente, dir-se-á que o conceito de “terceiros” se contrapõe ao conceito de “parte” e insere a ideia de alguém por quem ou contra quem é solicitada, em nome próprio, uma providência judicial tendente à tutela de um direito ([1])
Os incidentes de intervenção de terceiros foram estruturados na base dos vários tipos de interesse na intervenção e das várias ligações entre esse interesse, que deve ser invocado como fundamento da legitimidade do interveniente e da relação material controvertida desenvolvida entre as partes primitivas.
No quadro geral dos incidentes de intervenção de terceiros integram-se a intervenção principal, a intervenção acessória e a oposição.
No primeiro tipo, ou seja, na intervenção principal ([2]) ela integra “…os casos em que o terceiro se associa, ou é chamado a associar-se, a uma das partes primitivas, com o estatuto de parte principal, cumulando-se no processo a apreciação de uma relação jurídica própria do interveniente conexa com a relação material controvertida entre as partes primitivas, em termos de tornar possível um hipotético litisconsórcio ou coligação iniciais”
Compreende-se a assunção desse estatuto de parte principal, visto que está em causa “…um direito próprio, paralelo ao do autor ou do réu” – art. 321.º do Cód. Proc. Civil.
Essa assunção verifica-se a partir do momento em que é admitida a intervenção do terceiro (se ela for espontânea) ou em que ele intervém efectivamente na causa (se for provocada – como importa ao tema do recurso).
A intervenção principal, espontânea ou provocada, não é, naturalmente, admissível se forem contrapostos os interesses substantivos ou processuais do chamado e da parte ao lado de quem se pretende que intervenha. Como não permite que o autor substitua o réu contra quem, por erro, dirigiu a acção.
Na verdade, como a intervenção principal provocada pressupõe que o chamado e a parte à qual pretende associar-se tenham interesse igual na causa, não é de admitir a intervenção apenas destinada a prevenir a hipótese de a parte primitiva não ser titular do interesse invocado.
O requerente da intervenção deve alegar e justificar, sem possibilidade de apresentação de prova, a legitimidade do chamando e que ele está, face à causa principal, em alguma das situações previstas no art. 320º.
Contudo, quanto a este aspecto há que atender a esta perspectiva:
--o preceituado no 320º CPC define quando é que têm lugar a intervenção principal ([3]). Assim, resulta que pela intervenção principal, o terceiro se constitui, supervenientemente, como parte principal, isto é, como autor ou réu, passando a ficar litisconsorciado com o autor, ou com o réu primitivo, ou coligado com o autor (visto que a intervenção principal coligatória só é possível do lado activo como resulta da al b) art 320º), podendo assim resultar dessa intervenção, litisconsórcio sucessivo, necessário ou voluntário, activo ou passivo, ou coligação sucessiva activa.
Mas, sem que se esqueça o essencial na intervenção principal, e que é o que o art 321º CPC designa por “posição do interveniente”, que resulta da circunstância desse terceiro, que espontaneamente vem à causa ou que nela é provocado a intervir, ser titular de um direito próprio, “paralelo ao do autor ou ao do réu”, só essa qualidade justificando que possa apresentar ou fazer seus os articulados da parte a quem se associa, e que, tendo intervindo desse modo no processo, a sentença, não apenas venha a constituir caso julgado para ele, mas aprecie aquele seu direito - art 328º/1 CPC.
Havendo que esclarecer que tal como o acentua Lebre de Freitas ([4]) «o termo “direito” não está utilizado (nesta disposição do art 321º) no seu sentido rigoroso, pois o interveniente tanto pode fazer valer um direito (intervenção activa) como pode defender-se perante a invocação de um direito alheio (intervenção passiva). (….) Melhor se diria, pois, que o interveniente principal faz valer um “interesse” próprio». E havendo também que esclarecer que «tão pouco é rigoroso o apelo ao conceito de direito “paralelo” ao do autor ou ao do réu. (…) o interesse “paralelo” que o interveniente faz valer abrange (…) o interesse “igual” do art 320º/a), latamente entendido, e o interesse independente do autor, mas com ele conexo, circunscrito nos termos do art 30º».
Não será pois, exclusiva, e necessariamente, à luz da relação material controvertida tal como resulta configurada pelo autor, que se deverá aferir desse direito (interesse) próprio que o interveniente fará valer na acção.
No entanto, a intervenção na lide de alguma pessoa pressupõe um interesse litisconsorcial no âmbito da relação controvertida, cuja medida da sua viabilidade é limitada pela latitude do accionamento operado pelo autor, não podendo intervir quem lhe seja alheio.
Isto quer dizer que os contributos que o interveniente carreia, têm de se mover na (mesma) relação material controvertida que o autor trouxe aos autos, e não em função de diferente relação material, pois de outro modo, se desses contributos resulta que o interveniente vai fazer valer interesse estranho àquela relação controvertida, não poderá ser admitida a intervenção.
Para esse efeito há que recorrer ao direito substantivo, analisando a relação jurídica material que a A. faz valer na acção.
Ora, a relação jurídica material que a apelante traz aos autos integra factos que podem traduzir ambos os tipos da responsabilidade civil, concluindo por um pedido de indemnização pelos prejuízos de ordem patrimonial e não patrimonial que para ela advieram. E nesse tipo de ambas as responsabilidades o “papel da interveniente “ está contemplado, atento o clausulado, como a prática do facto ilícito e culposo praticado pelo trabalhador do subcontratado da R (segundo alegado )
Deste modo, ainda que não seja exactamente em face da causa de pedir na acção que se devam apreciar os pressupostos da admissão da intervenção principal, mas em função da relação jurídica controvertida que o autor trouxe aos autos – que é um conteúdo mais amplo do que a causa de pedir –não podemos deixar de considerar que assiste total razão à apelante ,porquanto a relação material controvertida diz-lhe respeito ,nos termos do nº1 do artº 27 do CPC
Termos em que procedem todas as conclusões
Concluindo: os contributos que o interveniente principal carreia, têm de se mover na mesma relação material controvertida que o autor trouxe aos autos, e não em função de diferente relação material, pois de outro modo, se desses contributos resulta que o interveniente vai fazer valer interesse estranho àquela relação controvertida, não poderá ser admitida a intervenção.
Para esse efeito há que recorrer ao direito substantivo, analisando a relação jurídica material que a A. faz valer na acção. Ora , a relação material controvertida diz respeito à apelante ,nos termos do nº1 do artº 27 do CPC
Pelo exposto, acordam em revogar o despacho impugnado, pelo que a apelante é admitida a intervir nos presentes autos como interveniente principal à luz dos art/s 320 e segs, todos do CPC
Custas pela apelada
Lisboa, 8 de Novembro de 2012
Teresa Prazeres Pais
Isoleta de Almeida e Costa
Carla Mendes
----------------------------------------------------------------------------------------- [1] Cf. Gama Prazeres, “Dos Incidentes da Instância no Actual Código de Processo Civil”, pág. 102 [2] Que apenas aqui será abordada, por ser esse o objecto do recurso [3] Quer espontânea, quer provocada [4]«Código de Processo Civil anotado», Lebre de Freitas/João Redinha/ Rui Pinto, 567