ACIDENTE DE VIAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS
DANOS MORAIS
ACTUALIZAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO
Sumário

I - Ao arbitrar-se indemnização pelo dano patrimonial futuro deve ter-se em consideração, não apenas a parcela de rendimentos salariais directa e imediatamente perdidos em função do nível de incapacidade laboral do lesado, calculados através das tabelas financeiras correntemente utilizadas, mas também o dano biológico sofrido pelo lesado, com relevantes limitações funcionais, implicando um esforço acrescido no exercício da actividade e gerando uma irremediável perda de oportunidades na evolução previsível da respectiva carreira profissional, alicerçada em curriculum profissional sólido e capacidades pessoais já amplamente reveladas.
II - No domínio dos danos não patrimoniais, atendendo a que a reconstituição natural não é possível, o legislador manda logo julgar de acordo com a equidade, devendo o juiz procurar um justo grau de compensação de alcance significativo, e não meramente simbólico.
III - De acordo com a orientação do Acórdão Uniformizador de 9-5-02, é inadmissível a acumulação de juros de mora desde a citação com a actualização da indemnização em função da taxa da inflação.
III - Não resultando da decisão recorrida qualquer referência à actualização do valor indemnizatório à data do encerramento da discussão em 1ª instância ou à data da decisão, antes pronunciando-se expressamente no sentido de contar os juros desde a citação, indeferindo a pretensão dos AA. que ia no sentido de tais juros serem contabilizados desde a data do acidente, entende-se que são devidos juros de mora, a partir da citação da Ré.
(FG)

Texto Integral

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I – RELATÓRIO
Nuno e Joana pedem a condenação da Companhia de Seguros A P, S.A., no pagamento de 202.687,57 €, acrescidos de juros de mora desde a participação no sinistro, a título de indemnização compensatória de danos patrimoniais e não patrimoniais de acidente de viação.

A Ré aceitou a responsabilidade do seu segurado mas impugnou alguns dos factos relativos à fixação da indemnização.

Foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente o pedido dos autores e condenou a Ré a pagar ao autor a indemnização de cem mil euros e à autora a indemnização de sessenta mil euros, acrescida de juros de mora à taxa supletiva para as obrigações civis contados desde a citação da ré até ao pagamento.

Recorre a Ré da sentença, tendo, no essencial, formulado as seguintes conclusões:
1. O presente recurso tem por objecto a reapreciação das questões que a seguir se enunciam: determinação da indemnização a satisfazer pela Recorrente aos Recorridos a título de danos futuros e danos não patrimoniais e da forma como devem ser contados os juros referentes ao ressarcimento dos danos não patrimoniais.
2. No que à primeira das questões concerne constata-se que o A. Nuno tinha à data do acidente 28 anos de idade auferia a remuneração de € 1.656,36 e ficou afectado de uma incapacidade parcial permanente de 14% (considerado o dano futuro).
3. Como se constata que a Autora Joana tinha, ainda à data do acidente, 25 anos de idade, auferia uma retribuição de € 150 e ficou afectada de uma IPP de 10,5%.
4. Dadas as lesões sofridas o que se constata, em relação ao Recorrido Nuno, é que as sequelas das lesões sofridas originaram uma diminuição da condição e capacidade física e da necessidade de um esforço suplementar para a obtenção dos mesmos resultados.
5. O que justifica, em termos de equidade, uma indemnização a título de dano futuro de € 35.000.
6. Já que se não trata de determinar um capital ressarcitório de perdas salariais mas tão somente compensador de uma diminuição da condição e capacidade física e da necessidade de um esforço suplementar.
7. Consequentemente, não o entendendo assim, a douta sentença recorrida fixando a indemnização por dano futuro em relação ao A. Nuno em € 75.000 violou o disposto nos artigos 483º, 562º, 564º e 566º do Código Civil os quais deveriam ter sido interpretados no sentido que se deixou referido.
8. Por sua vez, no que concerne à Autora Joana, cuja situação no foro laboral é idêntica já que das sequelas das lesões sofridas não resultou qualquer diminuição  salarial, por aplicação dos mesmos princípios que se deixam referidos nas conclusões 4ª, 5ª, 6ª e 9ª destas alegações deve a indemnização por danos futuros ser quantificada em € 3.000.
9. Ao fixar tal indemnização em € 10.000 a douta sentença recorrida violou, por inadequada interpretação de tais normas, os preceitos dos artigos 483º, 562º, 564º e 566º do Código Civil.
10. No que respeita ao dano não patrimonial importa, igualmente, ter em consideração os padrões de indemnização geralmente adoptados pela jurisprudência e que o “dano morte” é o prejuízo supremo, a lesão de um bem que sobreleva todos os outros bens imateriais ou não patrimoniais.
11. No que ao A. Nuno se refere vem, em síntese, demonstrado que era jovem e saudável e por causa das lesões no acidente perdeu um dente, fracturou dois e teve luxação de outros três, ficou com cicatrizes na face, o que certamente lhe causou dores e angústias próprias deste tipo de lesões a que acresce o grau de IPP que lhe foi determinado de 14%.
12. Considerando os princípios que se deixam enunciados e os factos que vêm provados, em equidade, é adequado fixar-se a indemnização por danos não patrimoniais a satisfazer ao A. Nuno em € 15.000.
13. Não o entendendo assim, e fixando esse dano não patrimonial em € 25,000, a douta sentença ora sob recurso violou o disposto nos artigos 483º, 496º nº 3 (na redacção ao tempo em vigor), 562º e 566º do Código Civil.
14. Por sua vez, em relação à A. Joana, demonstrou-se, em resumo, que esta sofreu uma fractura exposta da tíbia esquerda, outra da clavícula, ficou com cicatrizes na perna, cotovelo e ombro, em locais visíveis do corpo e fez cirurgias, tratamentos e fisioterapia, sendo igualmente de considerar as dores e sofrimentos inerentes, para além do grau de IPP que a afecta.
15. À face dos princípios que se deixam referidos e dos factos que se provaram é adequado, ponderando-se tais lesões e sequelas, fixar-se a indemnização por danos não patrimoniais em € 25.000.
16. A douta decisão ora sob recurso, ao determinar para o ressarcimento do dano supra referido € 50,000 violou, consequentemente, o disposto nos artigos 493º, 496º nº 3 (na redacção ao tempo em vigor), 562º e 566º do Código Civil em relação aos quais se impunha a interpretação que acima se deixa enunciada.
17. Finalmente, ainda que tal não venha expressamente referido, é manifesto, pelos seus valores, que os montantes condenatórios que se reportam aos danos não patrimoniais se encontram actualizados à data da prolação da sentença pelo que só devem vencer juros desde essa mesma data.
18. Não o entendendo assim, a douta sentença ora sob recurso violou o disposto nos artigos 805º nº 3 do Código Civil na interpretação que consagrada ficou pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2002.
19. Em resumo, deve conceder-se provimento ao recurso e, em consequência, proferir-se Acórdão em que se fixe as indemnizações por dano futuro e dano não patrimonial a satisfazer ao A. Nuno em € 35.000 e € 15.000, respectivamente, e as indemnizações por dano futuro e dano não patrimonial a pagar à Autora Joana em € 3.000 e € 25.000, respectivamente, devendo os juros que incidem sobre os danos não patrimoniais a ambos devidos iniciarem o seu vencimento na data da prolação da sentença e confirmar-se no mais a sentença recorrida.

Contra-alegaram os AA. para concluir que deve ser negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente, devendo ser mantida, nos seus exactos termos, a sentença proferida pelo Tribunal a quo.

Corridos os Vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
Por outro lado, o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Está em questão essencialmente decidir
- do quantum da compensação devida por danos patrimoniais (lucros cessantes) e não patrimoniais.
- da actualização da indemnização por danos não patrimoniais

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO ([1])
1. No dia 29 de Maio de 2001, pelas 22h10m, na Avenida Torrado da Silva, Pragal, Almada, junto à entrada do Hospital Garcia de Orta, ocorreu um acidente de viação. (Art. 5.º, PI)
2. No referido acidente de viação intervieram o veículo automóvel com a matrícula NX-(…) (adiante designado por veículo 1) – conduzido por Salvador (…) – e o motociclo da marca Honda, modelo NT 650 Deauville, com a matrícula (…)-ML (adiante designado por veículo 2) – conduzido pelo Autor e transportando a Autora. (Art. 6º, PI)
3. O condutor do veículo 1 havia celebrado contrato de seguro com a Ré, ao qual correspondia a Apólice n.º .../.... (Art. 8º, PI)
4. O Autor, à data do acidente, tinha 28 anos de idade e auferia a remuneração mensal de € 1.656,36. (Art. 9º, PI)
5. A Autora, à data do acidente, tinha 25 anos de idade e auferia uma remuneração mensal de € 150,00. (Art. 10º, PI)
6. Os Autores circulavam na supra referida Avenida Torrado da Silva, no sentido Nascente/Poente, a velocidade não superior a 40 Km/hora. (Art. 11º, PI)
7. O condutor do veículo 1 seguia nessa mesma avenida mas em sentido oposto (Poente/Nascente) (Art. 12º, PI)
8. No momento em que os Autores passavam junto à entrada do Hospital Garcia de Orta e sem que nada o fizesse prever, o condutor do veículo 1, tal como se pretendesse entrar para o recinto do Hospital Garcia de Orta, guinou súbita e inesperadamente para a sua esquerda. (Art. 13º, PI)
9. Atravessando-se, em velocidade excessiva, na faixa de rodagem onde seguiam os Autores. (Art. 14º, PI)
10. Sem para tanto ter accionado o sinal luminoso de mudança de direcção. (Art. 15º, PI)
11. Sem se ter aproximado do eixo da via e sem se certificar que, em sentido contrário, não circulava qualquer veículo com o qual houvesse o perigo de colidir. (Art. 16º, PI)
12. Sem abrandar a sua marcha. (Art. 17º, PI)
13. Sem, por último, respeitar o sinal de “stop” existente no local e que obrigava a sua paragem. (Art. 18º, PI)
14. Como consequência do acidente ambos os Autores sofreram ferimentos que obrigaram o seu internamento hospitalar imediato. (Art. 25º, PI)
15. Concretamente, o Autor sofreu as seguintes lesões:
a) Rotura longitudinal completa do Menisco Externo, com fragmento luxado em asa de cesto;
b) Hipertrofia da Sinovial (Sinovite) com Bridas associadas;
c) Hipertrofia da gordura de Hoffa (Hoffite);
d) Perda do dente 21 (que é um dos incisivos centrais);
e) Fractura nos dentes 22 e 23;
f) Luxação dos dentes 11, 12 e 22 (Docs. 4 a 6);
g) Escoriações várias, incluindo na face, onde se criaram cicatrizes gelóides. (Art. 26º, PI)
16. Como consequência dessas lesões, o Autor foi submetido a:
a) Relativamente às lesões sofridas no joelho esquerdo, meniscectomia subtotal externa (ablação do menisco exterior), sinovectomia parcial com exerese das bridas associadas, remoção da gordura de Hoffa e lavagem articular);
b) Relativamente às lesões sofridas nos dentes, exodontia do dente 21 (extracção completa do dente), desvitalização dos dentes 11, 22 e 23, cirurgia peridontal (II Quadrante), cirurgia para colocação de implante na posição do dente 21, cirurgia para colocação de pilar sobre implante, reconstituição da gengiva, colocação de prótese provisória no dente 21, colocação de prótese provisória dos dentes 11, 22 e 23 e colocação de coroas definitivas em cerâmica dos dentes 11, 22 e 23;
c) Tratamentos laser na face;
d) Tratamento continuado de fisioterapia. (Art. 27º, PI)
17. Por sua vez, a Autora sofreu as seguintes lesões:
a) Fractura exposta da tíbia esquerda;
b) Fractura da clavícula direita;
c) Escoriações várias;
d) Cicatrizes gelóides na perna esquerda, cotovelo esquerdo e ombro direito (Art. 28º, PI).
18. Como consequência dessas lesões, a Autora foi submetida a:
a) Encavilhamento de Grosse da tíbia esquerda com aparafusamento distal;
b) Sutura das feridas, imobilização da perna esquerda com colocação de tala;
c) Tratamentos laser;
d) Tratamento continuado de fisioterapia. (Art. 29º, PI)
19. Em suma, face à natureza e gravidade dos ferimentos por si sofridos, os Autores foram submetidos a intervenções cirúrgicas, bem como a tratamento continuado de carácter medicamentoso, fisioterapêutico e estético. (Art. 30º, PI)
20. Todas as referidas lesões, suas consequências e a necessidade de tratamento continuado causaram dor, sofrimento e angústia aos AA. (Art. 31º, PI)
21. Saliente-se que, enquanto não ficaram concluídos os tratamentos odontológicos e estéticos, o Autor não tinha um dos dentes da frente e apresentava uma cicatriz de significativa dimensão na face, o que lhe causou angústia. (Art. 32º, PI)
22. Por seu turno, a Autora, ainda hoje sofre e vive angustiada pelas marcas/cicatrizes das lesões sofridas (sequelas) na sua perna e clavícula, de resto, com extensão relevante e visíveis perfeitamente a olho nu. (Art. 35º, PI)
23. Com efeito, as referidas sequelas são causa de constrangimento para Autora, maxime na sua intimidade e durante a época balnear. (Art. 36º, PI)
24. O autor ficou afectado com uma incapacidade permanente parcial de 14%. (Art. 40º, PI)
25. A autora ficou afectada de uma IPP de 10,5%. (Art. 54º, PI)

III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Delimitada a matéria de facto provada importa conhecer das questões substantivas que emergem das conclusões da apelação.
A Ré circunscreve o presente recurso ao segmento da sentença, que, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelos AA., fixa os respectivos montantes, a título de lucros cessantes (danos patrimoniais) e de danos não patrimoniais, que a Recorrente considera exagerados.
1. Do quantum fixado a título de lucros cessantes
Entende a Recorrente que, relativamente aos lucros cessantes, deve o legislador adoptar sãos critérios de equidade, obedecendo desta forma ao previsto no artigo 566°, n° 3 do C.C., o que não sucedeu, no caso dos autos, quanto às indemnizações que, a este título, foram, fixadas aos AA.
Está em análise a indemnização decorrente da perda de capacidade aquisitiva de ganho por parte do A.
Vejamos.
Determina o art. 566º do C.Civil que, sendo impossível a reconstituição natural, a indemnização, fixada em dinheiro, terá como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (nº s 1 e 2); devendo, caso não seja possível o apuramento exacto dos danos, o tribunal recorrer à equidade dentro dos limites que tiver por provados (nº 3).
Assim, admite-se que, nesta matéria, “dificilmente captável através da rigidez dos instrumentos de prova, possa ser também a indemnização definida equitativamente, com recurso às regras de experiência e segundo o curso normal das coisas, sem esquecer, todavia, que se trata de matéria relativa ao nexo causal, a determinar segundo o método da causalidade adequada” ([2]).
Como vem sendo entendimento de há muito firmado na jurisprudência, a indemnização a pagar pela diminuição da capacidade para o trabalho do lesado (IPP) deve representar um capital que se extinga no fim da vida activa da vítima e que seja susceptível de garantir, durante esta, as prestações periódicas, correspondentes à sua perda de ganho ([3]).
Porque se trata, na espécie, de dano futuro no âmbito de um longo período de previsão, a solução mais ajustada é a de conseguir a sua quantificação imediata, embora com a inerente dificuldade de cálculo, naturalmente com a utilização de juízos de equidade.
Na verdade, têm sido utilizadas para o efeito, no âmbito da jurisprudência, fórmulas e tabelas financeiras várias, na tentativa de se conseguir um critério mais ou menos uniforme, o que, as mais das vezes, não se coaduna com a própria realidade das coisas, avessa nesta matéria a operações matemáticas. Refere, a maioria das decisões que têm adoptado as ditas tabelas financeiras, que estas apenas devem ser utilizadas como instrumento auxiliar de quantificação do montante indemnizatório, devendo o julgador, recorrendo à equidade, corrigir os seus resultados sempre que os considerar desajustados relativamente ao caso concreto ([4]).
“Releva essencialmente o prudente arbítrio do tribunal, nos termos do artigo 566º, n.º 2, do Código Civil, tendo em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida” ([5]).
1.1. Tendo presente o que acima se referiu, com vista a tal cálculo, importa ter em consideração, para além do grau de incapacidade, entre outros, factores como a idade da vítima, o seu tempo provável da sua vida activa, a natureza do trabalho que realizava, o salário auferido, deduzidos os impostos e as contribuições, o dispêndio relativo a necessidades próprias, a depreciação da moeda, a evolução dos salários, as taxas de juros do mercado financeiro, a perenidade ou transitoriedade de emprego, a progressão na carreira profissional.
Numa sociedade em que valores e as coisas são, cada vez mais, medidas patrimonial e monetariamente, onde tudo adquire um valor de troca que o mercado expressa, a quantificação desses danos deve ser feita em função da quantificação da capacidade detectada.
1.2. Quanto ao A. Nuno
Entende a Ré que a indemnização a arbitrar ao A., não deverá ser superior a 35.000€, à luz do princípio da equidade.
A sentença recorrida arbitrou uma indemnização de 75.000€
Vejamos.
O Autor, à data do acidente, tinha 28 anos de idade e auferia a remuneração mensal de € 1.656,36. O autor ficou afectado com uma incapacidade permanente parcial de 14%.
Em suma, o A. apresenta uma deficiência funcional de órgãos do seu corpo, consubstanciadora do denominado “dano biológico”, determinante de uma perda definitiva parcial da sua capacidade laboral genérica, de modo equivalente ao seu desempenho pelas demais pessoas com idêntica função. Além disso, a situação de incapacidade geral permanente parcial de que o A. padece, subsistirá, a título de dano definitivo.
Mesmo que se tenha por adquirido que o A., na sua actividade, aufira o mesmo salário que outrem que não seja portador de deficiência, ainda assim é razoável concluir, que, por força da aludida incapacidade, tem de desenvolver um esforço acrescido, físico e psíquico para atingir o mesmo resultado, em relação à situação em que estaria colocado se não tivesse sofrido o acidente e a outra pessoa que não seja portadora de idêntica sequela.
Assim sendo, a incapacidade permanente parcial determina consequências negativas, ao nível da actividade geral do lesado, que justificam a sua contemplação, no plano dos danos patrimoniais. E é, exactamente, neste agravamento da penosidade, de carácter fisiológico, que deve radicar-se o arbitramento da indemnização por danos patrimoniais futuros. “Trata-se, em suma, de indemnizar, «a se», o dano corporal sofrido (…) e não qualquer perda efectiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação de créditos” ([6]).
E como se escreve no sumério do Ac. do S.T.J. de 21-9-2004:
I – O lesado não tem de alegar perda de rendimentos laborais para o tribunal lhe atribuir indemnização por ter sofrido incapacidade parcial permanente para o trabalho.
II – Apenas tem de alegar e provar que sofreu incapacidade permanente parcial, dano esse cujo valor deve ser apreciado equitativamente pelo tribunal.
III – Com efeito, a incapacidade parcial permanente produz um dano patrimonial, traduzido no agravamento da penosidade para a execução, com normalidade e regularidade, das tarefas próprias e habituais da actividade profissional do lesado, que se repercutirá em diminuição da condição e capacidade física e da resistência para a realização de certas actividades e correspondente necessidade de um esforço suplementar, o que em última análise representa uma deficiente e imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades humanas em geral e um maior dispêndio e desgaste físico e psíquico ([7]).
1.2.1. No que tange ao período de tempo a atender (o da vida útil profissional ou o da esperança de vida), a orientação do Supremo Tribunal tem sido a de considerar a esperança de vida com o argumento que acompanhamos, de que, depois da reforma, persiste a necessidade de subsistência. Assim sendo, deve continuar a atender o período que vai para além do fim da vida activa profissional, atendendo ao acréscimo de penosidade relevante para as tarefas do quotidiano que não podem ser desprezadas na sua patrimonialidade, apesar de não implicarem remuneração (tarefas domésticas, por exemplo, e tantas outras a que, hoje e amanhã, “cada vez mais estão sujeitos os idosos, muitas vezes entregues a si próprios numa sociedade em que a entreajuda familiar se vai esbatendo” ([8]).
Afirma-se a este respeito, no Ac. do S.T.J. de 21-4-2005 ([9]) o seguinte:
O autor, profissional liberal na construção civil, auferindo o rendimento mensal de cerca de 300 contos, completara 32 anos na data do acidente; sofreu, em consequência deste, além do mais, traumatismo torácico com fractura do externo e ferida contusa do joelho direito o que tudo lhe determinou sequelas várias e uma incapacidade laboral permanente de 18%; o trabalho no exercício da sua profissão está-lhe agora dificultado, exigindo esforços acrescidos, pois não consegue pegar em objectos pesados nem realizar esforços mais violentos.
Atendendo, ademais desses factores, à longevidade do homem médio em Portugal localizada hodiernamente na casa dos 70 a 73 anos, e a uma taxa de juro realista face às condições actuais do mercado financeiro da ordem dos 3%, se não menos, tudo no cômputo do capital produtor do rendimento laboral amanhã perdido mercê da incapacidade, mostra-se ajustada à reparação dos inerentes danos patrimoniais futuros, segundo a equidade, nos termos do n.º 3 do artigo 566.º do Código Civil, a quantia de 84.816,80 €, correspondente a 17.000 contos.”
1.2.2. Está em análise a indemnização decorrente da perda de capacidade aquisitiva de ganho por parte do A., que auferia.
Para efeito de cálculo destes danos patrimoniais futuros não pode deixar de entrar-se em linha de conta com os valores remuneratórios médios que o A. auferiria, profissionalmente, ao longo da sua vida, do seu tempo provável de vida profissional activa e da percentagem de incapacidade atribuída.
Cabe, portanto, ponderar tudo quanto exposto fica, tendo presentes os critérios normativos plasmados no art. 566º do C. Civil, por reporte às fórmulas matemáticas de cálculo, mas sem esquecer que as tabelas baseadas em fórmulas matemáticas não são mais que um critério orientador de referência, não podendo o cálculo da indemnização dos danos patrimoniais derivados da IPP de que o Autor ficou afectado, dispensar o recurso à equidade de modo a encontrar a indemnização que melhor se adequa ao caso concreto.
Importa entrar em linha de conta, designadamente com a depreciação da moeda e a possibilidade que o A. teria de progredir na carreira e de auferir outros proventos como pintor da construção civil e também, necessariamente, com o benefício da antecipação que o capital pode de produzir ao longo dos anos. Com efeito, há que ponderar as taxas de capitalização, que devem corresponder à previsível remuneração do dinheiro no período a considerar, afigurando-se actualmente razoável trabalhar com uma taxa na ordem dos 4%, tendo em conta as praticadas no mercado financeiro (taxas de remuneração dos depósitos a prazo ou as dos certificados de aforro).
Por último, há que descontar uma percentagem que a jurisprudência tem fixado entre 20% a 15%, a determinar equitativamente, ponderando os diversos factores nomeadamente que o sinistrado recebe de uma só vez aquilo que, em princípio, deveria receber em fracções anuais.
1.2.3. Face ao que acima se refere, vejamos o caso concreto
O A., ao tempo do acidente, Maio de 2001, tinha 28 anos de idade, pelo que pode dizer-se que o A. tinha uma esperança média de vida de, pelo menos, 45 anos, ponderando que a esperança média de vida, segundo as estatísticas, no nosso país situa-se, actualmente, em 75 anos para os homens e 81 anos para as mulheres.
Com efeito, no que tange aos referidos lucros cessantes correspondentes aos decorrentes da IPP de que ficou a padecer, tal dano deve ser indemnizado mesmo que não tenha levado a uma efectiva diminuição do salário do lesado, uma vez que a incapacidade (e a apurada foi de 14%), obriga necessariamente a efectuar um esforço suplementar para realizar o mesmo trabalho (em comparação com o que sucedia antes da ocorrência do acidente).
Ora, ponderando o que acima se refere, tendo por referência o rendimento anual auferido pelo A. ao tempo do acidente de 1.656,36€ obteríamos um valor aproximado de 20.000€/ano, de (20.000 x 14% x 45) 102.600.
Quanto às taxas de capitalização, afigura-se, como se disse, razoável considerar uma taxa que ronda os 3% a 4%, assim obtendo, aproximadamente, o montante de 105.600€.
Importa, porém, descontar uma percentagem que a jurisprudência tem fixado entre 20% a 15%, donde o valor final a considerar a título de indemnização por lucros cessantes rondaria os 80.000,00€.
Na sentença, no que tange ao cálculo da indemnização relativa a lucros cessantes, a sentença recorrida fixou esta indemnização em 75.000€ que, face ao exposto que considera razoável e equilibrada.
1.3. Quanto à A. Joana
Entende a Ré que a indemnização a arbitrar ao A., não deverá ser superior a € 3.000,00, discordando do valor fixado na sentença, que foi de € 10.000,00.
Vejamos.
O Autora, à data do acidente, tinha 25 anos de idade e auferia a remuneração mensal de € 150,00.
A A. ficou afectada com uma incapacidade permanente parcial de 10,5%.
Valem aqui todas as considerações que a título de danos futuros (lucros cessantes) foram feitas a respeito do A. Nuno.
A A., ao tempo do acidente, Maio de 2001, tinha 25 anos de idade, pelo que pode dizer-se que o A. tinha uma esperança média de vida de, pelo menos, 55 anos, ponderando que a esperança média de vida, segundo as estatísticas, no nosso país situa-se, actualmente, em 75 anos para os homens e 81 anos para as mulheres.
Com efeito, no que tange aos referidos lucros cessantes correspondentes aos decorrentes da IPP de que ficou a padecer, tal dano deve ser indemnizado mesmo que não tenha levado a uma efectiva diminuição do salário do lesado, uma vez que a incapacidade (e a apurada foi de 10,5%), obriga necessariamente a efectuar um esforço suplementar para realizar o mesmo trabalho (em comparação com o que sucedia antes da ocorrência do acidente).
Ora, ponderando o que acima se refere, tendo por referência o rendimento anual auferido pelo A. ao tempo do acidente de 150,00€ obteríamos um valor aproximado de 2.000€/ano, de (2.000 x 10,5% x 55) 12.150,00
Quanto às taxas de capitalização, afigura-se, como se disse, razoável considerar uma taxa que ronda os 3% a 4%, assim obtendo, aproximadamente, o montante de 12.500€.
Importa, porém, descontar uma percentagem que a jurisprudência tem fixado entre 20% a 15%, donde o valor final a considerar a título de indemnização por lucros cessantes rondaria os 10.000,00€, que foi o valor efectivamente fixado na sentença recorrida.
Assim sendo, entende-se que a indemnização de 10.000€, constante da sentença, é razoável e equilibrada.
2. Do quantum da compensação devida por danos não patrimoniais
Diz a Recorrente que o montante indemnizatório pelos danos não patrimoniais, deve ser fixado equitativamente tendo em conta os factores referidos no art. 494.° do CCivil, o que a sentença recorrida não terá respeitado.
2.1. Como é sabido, os danos não patrimoniais indemnizáveis são aqueles que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito (art. 496º nº 1 do CCivil), sendo certo que no seu ressarcimento não se pode falar de uma genuína indemnização. Com efeito, enquanto que esta visa essencialmente preencher uma lacuna no património do lesado, aquela destina-se a permitir que, com essa quantia monetária, o lesado encontre compensação para a dor, a fim de restabelecer um desequilíbrio no âmbito imedível da felicidade humana, o que impõe que o seu montante deva ser proporcional à gravidade do dano, ponderando-se, para tal, nas regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e do criterioso sopesar das realidades da vida, em conformidade com o preceituado no nº 3 daquele art. 496º do CCivil. ([10]).
Na fixação desta indemnização deve também ter-se em conta uma componente punitiva, de reprovação ou castigo, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, da conduta do agente, como vem também sendo salientado pela doutrina e pela jurisprudência.
2.2. Quanto ao A. Nuno
No caso dos autos, sabemos que, com relevância para a determinação do dano patrimonial, que o A. sofreu as seguintes lesões:
Rotura longitudinal completa do Menisco Externo, com fragmento luxado em asa de cesto;
Hipertrofia da Sinovial (Sinovite) com Bridas associadas;
Hipertrofia da gordura de Hoffa (Hoffite);
Perda do dente 21 (que é um dos incisivos centrais); Fractura nos dentes 22 e 23; Luxação dos dentes 11, 12 e 22
Escoriações várias, incluindo na face, onde se criaram cicatrizes gelóides.
E que, como consequência de tais lesões, o 1º A.:
Relativamente às lesões sofridas no joelho esquerdo, foi submetido a  meniscectomia subtotal externa (ablação do menisco exterior), sinovectomia parcial com exerese das bridas associadas, remoção da gordura de Hoffa e lagavem articular).
Relativamente às lesões sofridas nos dentes, exodontia do dente 21 (extracção completa do dente), desvitalização dos dentes 11, 22 e 23, cirurgia peridontal (II Quadrante), cirurgia para colocação de implante na posição do dente 21, cirurgia para colocação de pilar sobre implante, reconstituição da gengiva, colocação de coroas definitivas em cerâmica dos dentes 11, 22 e 23; Tratamento laser na face; Tratamento continuado de fisioterapia.
Todas as referidas lesões, suas consequências e necessidade de tratamento continuado causaram dor, sofrimento e angústia ao A.
Enquanto não foram concluídos os tratamentos odontológicos e estéticos, o Autor não tinha um dos dentes da frente e apresentava uma cicatriz de significativa dimensão na face, o que lhe causou angustia.
O A. ficou afectado duma incapacidade parcial permanente parcial de 14%.
2.2.1. Ora, foi considerando toda esta factualidade, com especial destaque para as lesões e sequelas, o grau de incapacidade geral permanente parcial global (14%), sendo certo que se trata de um jovem e saudável e por causa das lesões no acidente perdeu um dente, fracturou dois e teve luxação de outros três, ficou com cicatrizes na face, ficou privado do menisco do joelho esquerdo, fez operações, fisioterapia e tratamentos à face, o que certamente lhe causou dores e angústias próprias deste tipo de lesões, a indemnização, pelos danos não patrimoniais sofridos pela A., foi fixada no valor de € 25,000.00.
Mas a Recorrente entende que tal valor não deve ir além de €15.000.
Vejamos.
Nos danos não patrimoniais, "a grandeza do dano só é susceptível de determinação indiciária fundada em critérios de normalidade. É insusceptível de medida exacta, por o padrão ser constituído por algo qualitativo diverso como é o dinheiro, meio da sua compensação" ([11])
«No domínio dos danos não patrimoniais, atendendo a que a reconstituição natural não é possível, como o não é a tradução em números do volume de dores, angústias e desilusões, o legislador manda logo julgar de acordo com a equidade (cfr. art.° 496°, n° 3 do C.C. que remete para o art° 494° do mesmo diploma), devendo o juiz procurar um justo grau de "compensação"» ([12]).
A apreciação da gravidade do referido dano, embora tenha de assentar no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade humana. Com efeito esta sensibilidade não pode ser apanágio exclusivo do julgador que no caso concreto deve fixar o “quantum” indemnizatório, sob pena de situações com estreita afinidade poderem ser tratadas de modos muito díspares emergentes da diversidade individual de cada juiz e sob pena de se violar o artigo 8.º, n.º3 do CCivil.
Sendo certo que o julgador não está, nestes casos, subordinado aos critérios normativos fixados na lei, por uma razão de justiça relativa, deve também procurar casos semelhantes decididos na jurisprudência e ver quais os valores então atribuídos a título indemnizatório, comparando os valores entre si e com o valor pedido no caso dos autos.
A jurisprudência tem vindo a evoluir no sentido de considerar que a indemnização por danos não patrimoniais, para poder constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar.
Mostra-se, por isso, de toda a relevância a observação atenta do que vem sendo decidido pelos tribunais, em especial pelo Supremo Tribunal de Justiça para casos semelhantes, pese embora não existam casos iguais.
Assim, no Ac. do S.T.J. de 13-1-2005 ([13]), tem-se por adequada a compensação por danos não patrimoniais no montante de € 10 000 ao lesado de situação económica modesta que, no momento do embate, com culpa exclusiva do agente, gerador de fracturas trocantéricas à esquerda e à direita e de costelas, e depois dele, sentiu angústia e medo, receou pela própria vida e capacidade permanente, sofreu dores por virtude das lesões e no período da sua consolidação, tratamentos, imobilizações gessadas e vinte sessões de fisioterapia, esteve hospitalizado por duas vezes, uma durante 21 dias, foi submetido a duas intervenções cirúrgicas, uma com osteosíntese, foi afectado por grave infecção dermatológica por ter estado acamado, e uma pleurisia, que sentirá dores na perna para o resto da vida e que isso lhe causa desgosto”.
O Ac. STJ de 14-10-2004 ([14]), que refere ter-se por justa, “em termos de equidade, a atribuição da indemnização de 5.000.000$00 (24.939,89 Euros) a um lesado que, com apenas 18 anos, saudável e alegre, sofreu fractura-luxação da anca direita e fractura exposta dos ossos da perna direita, esteve internado cerca de um mês, foi submetido a diversas intervenções cirúrgicas com o que teve e continuará a ter dores, podendo, a qualquer momento, ter necessidade de substituição ou extracção da prótese, quer por luxação, rejeição ou qualquer acidente, e ficou ainda definitivamente com dor e claudicação na marcha e incapacidade para a permanência de pé por períodos prolongados, não pode pôr-se de cócoras, não pode pegar em pesos, tem dificuldades em subir e descer escadas, não pode cruzar as pernas, tem dificuldade em conduzir veículos automóveis e não pode fazer trabalhos agrícolas, o que o impede de correr, dançar ou fazer desporto e o envergonha publicamente, situação que o leva a passar os dias em casa triste, melancólico e deprimido.”.
No Ac. do STJ de 5.2.2004 ([15]), considerou-se “adequada, segundo um juízo de equidade, a fixação da indemnização por danos não patrimoniais no montante de € 24 939,89 à vítima que sofreu de fractura de perna e mão, de costelas e dentes, de esmagamento de joelho, de traumatismo toráxico e feridas na face e nos lábios, sob dores de grau considerável, e estado internada em hospital por mais de dois meses, submetida a diversas intervenções cirúrgicas e de fisioterapia, ficado com sequelas de rigidez de articulação e movimentos dolorosos e mais acentuados com uma das pernas, flexão plantar anormal, amiotrofia de perna e coxa, e com várias cicatrizes e desgosto em razão dessa situação”.
Atente-se ainda no Ac. do S.T.J. de 7-4-2005 ([16]) refere que não se revela exagerada, “porque proporcional a uma acentuada gravidade objectiva das dores e padecimentos físicos e morais sofridos pela vítima, a indemnização de € 25.000 arbitrada a título de compensação a título de danos não patrimoniais, se, por mor do acidente, o lesado sofreu fracturas do prato tibial externo direito, do terço distal dos ossos da perna esquerda, tendo por isso de ser assistido, internado, tratado, medicado, com 4 intervenções cirúrgicas a ambas as pernas, e teve de ficar imobilizado e acamado, sujeito a fisioterapia, e de andar de cadeira de rodas e com canadianas, mantendo ainda consolidação viciosa das fracturas da coluna com colapso grave dos 2 corpos vertebrais, lombalgias, consolidação viciosa dos ossos da tíbia, incongruência das superfícies articulares fémuro-tibial, sinais de artrose, dores a nível tibio-társico esquerdo, com claudicação e grande dificuldade de locomoção, sequelas permanentes e incapacidades referidas e teve ainda intensas dores físicas e perturbações psíquicas, sendo que antes era um homem saudável.”
Ora, perante todo quadro circunstancial supra descrito, ponderando os valores de indemnizações fixados pelo STJ para casos semelhantes, nos últimos anos, e as razões e fundamentos constantes da sentença recorrida, tendo em conta a natureza das lesões, os tratamentos das mesmas e as sequelas de que o A. é portador, as dores sofridas, o desgosto e angústias, e o período de tempo a atender, considera-se que o montante fixado na sentença recorrida - € 25.000,00 - apresenta-se adequado, sendo certo que vem sendo nos últimos anos que se tem assistido a uma progressiva actualização dos valores atribuídos a título de danos não patrimoniais, e considerando que pese embora o acidente tenha ocorrido em 2001, o valor teve em conta uma data muito mais recente, 2008, mais precisamente a data de citação da Recorrente, para os termos desta acção.
2.3. Quanto ao A. Joana
Ficou provado que, em consequência do acidente a A. sofreu:
Fractura exposta da tíbia esquerda; Fractura da clavícula direita; Escoriações várias; Cicatrizes gelóides na perna esquerda, cotovelo esquerdo e ombro direito.
Como consequência dessas lesões a Autora foi submetida:
Encavilhamento de Grosse da tíbia esquerda com aparafusamento distal; Sutura das feridas, imobilização da perna esquerda com colocação de tala; Tratamentos laser; Tratamento continuado de fisioterapia.
Todas as referidas lesões, suas consequências e a necessidade de tratamento continuado causaram dor, sofrimento e angústia à Autora.
A Autora ainda hoje sofre e vive angustiada pelas marcas / cicatrizes das lesões sofridas (sequelas) na sua perna e clavícula, de resto, com extensão relevante e visíveis perfeitamente a olho nu.
As sequelas são causa de constrangimento para a Autora, maxime na sua intimidade e durante a época balnear.
A Autora ficou afectada de uma IPP de 10,5%.
2.3.1. Ora, considerando toda esta factualidade, com especial destaque para as lesões e sequelas, o grau de incapacidade geral permanente parcial global (10,5%), sendo certo que se trata de uma jovem e saudável e por causa das lesões, teve uma fractura exposta da tíbia esquerda, outra na clavícula, ficou com cicatrizes na perna, cotovelo e ombro, em locais visíveis do corpo, e fez cirurgias, tratamentos e fisioterapia, sendo igualmente de relevar as dores e sofrimentos inerentes, a sentença recorrida fixou a indemnização a título de danos não patrimoniais, no montante de € 50.000. Pese embora a incapacidade seja inferior à sofrida pelo A. Nuno, sempre há que atender a que as lesões sofridas foram mais graves e mais intensas as dores sofridas, sem olvidar o dano estético.
Mas a Recorrente entende que tal valor não deve ir além de € 25.000.
Vejamos.
Todas as considerações que a respeito dos danos não patrimoniais foram feias a respeito do A, Nuno, valem também para a A. Joana. Revestem maior gravidade os danos sofridos por esta A., tal como também a própria Recorrente reconhece.
Ainda assim, pese embora o quadro fáctico descrito aponte para a existência de danos não patrimoniais graves e relevantes e que deixaram sequelas permanentes, tais como as limitações de que padece, as dores sofridas e de que ainda sofre, o desgosto, o dano estético, o período de tempo a atender, o montante fixado na sentença recorrida (€ 50.000,00) afigura-se, porventura, excessivo atendendo aos valores que, para casos semelhantes, a jurisprudência vem fixando, não podendo deixar de ser considerados os padrões de indemnização geralmente adoptados.
À luz destes critérios, ponderando todas as lesões, sofrimento, consequências psicológicas e sequelas irremediáveis e gravosas para o seu padrão e qualidade futura de vida, temos por adequado fixar o valor de 35.000,00€ relativo a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima.
Assim, nesta parte merecendo provimento parcial o recurso interposto pela Ré, fixa-se em 35.000€, o valor da indemnização à A., por danos não patrimoniais sofridos.
3. Da actualização da indemnização: condenação em juros de mora
Afirmam, ainda, ambas as Recorrentes que a sentença violou o disposto no art. 566º n.º2 do C.C., no que respeita à contagem dos juros.
Vejamos, então, a questão relativa à condenação em juros de mora em relação ao dano extra-patrimonial, que os Recorrentes entendem serem devidos apenas desde a prolação da sentença e não desde a citação.
Tem-se assistido a certa divergência jurisprudencial quanto à questão da actualização da indemnização, reportada, essencialmente, aos danos não patrimoniais - pautada pelo valor à data mais recente que puder ter sido considerada pelo tribunal - e a responsabilidade pelo pagamento de juros de mora.
O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 9/5/2002, publicado no DR I-A, nº. 146, de 27/6/2002, veio, em parte, pôr fim à querela jurisprudencial sobre o tema, ao explicitar que «sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº. 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, nº. 3 (interpretado restritivamente) e 806º, nº. 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação».
Ou seja, o referido Acórdão resolveu a questão de que não podia haver cumulação entre a actualização da indemnização, nos termos do art. 566º, nº 2 do CC e o vencimento de juros a partir da citação, nos termos do art. 805º, nº 3 do CC.
Porém, mantém-se alguma controvérsia, que o AUJ não resolve e que tem a ver com a necessidade ou não de, para ser tida como actualizadora, a decisão o proclamar expressamente.
De facto, resulta do nº 2 do art. 566º do CC, que para a fixação da indemnização em dinheiro, o juiz deve atender à data mais recente que as normas de processo lhe permitirem. Também o art. 663º nº 1 do CPC consagra o princípio da actualidade na decisão do litígio, quando refere que a decisão deve corresponder à situação existente no momento do encerramento da discussão.
Sustenta parte da jurisprudência que, atendendo à citada norma, a regra é a da actualização, pelo que de acordo com esta corrente, sempre que o juiz nada diga acerca do carácter actualizador ou não, da sua decisão, deva ela ser considerada actualizada, a menos que, seja óbvia a referência a data anterior.
Uma outra corrente, defende que se mostra necessário que, pelo menos, resulte da sentença a intenção actualizadora de indemnização pelo dano não patrimonial, havendo mesmo quem defenda que a sentença deve sempre referir explicitamente que o valor encontrado é um valor actual ([17]).
De facto, se em relação aos danos patrimoniais, é fácil de ver se o juiz deu cumprimento a este imperativo legal, uma vez que os valores apurados em sede de julgamento são aqueles que correspondem à data em que aqueles danos ocorreram, estando, por isso, em regra, desactualizados, já quanto aos danos não patrimoniais esta diferença entre a data dos danos e a data da decisão pode não ser tão nítida, uma vez que o valor da indemnização encontrado é aqui pautado por critérios mais fluidos, sempre valorando o sentido de equidade ou os padrões da jurisprudência.
Assim, mesmo que seja razoável admitir que o julgador ache, de imediato, um valor actual, podendo e devendo, ao abrigo do art. 566º, nº 2 do CC, dizer quanto entende ser o valor indemnizatório que, no momento da decisão, corresponde a tais danos, terá que resultar da sentença que a indemnização foi objecto de correcção monetária, ao abrigo daquele normativo ([18]).
O legislador, ao alterar, através do DL nº 262/83 de 16/6, o nº 3 do artigo 805º do CC, não ignorava a norma do nº 2 do art. 566º do CC nem o art. 663º, nº 1 do CPC, no sentido de a decisão dever corresponder à data mais recente que pudesse ser atendida pelo tribunal, ou seja, à situação existente no momento do encerramento da discussão, o que leva a concluir que tais normativos não podem, por si só, fazer presumir, que o julgador actualizou a indemnização.
Se não for possível concluir que o juiz procedeu a essa actualização, então, não pode deixar de aplicar-se o nº 3 do art. 805º do CC, nos termos do qual o devedor de crédito emergente de responsabilidade civil por facto ilícito ou pelo risco, constitui-se em mora desde a citação.
3.1. In casu, afigura-se ser de concluir que a sentença recorrida não deu cumprimento ao preceituado nos arts. 566º, nº 2 do CC e 663º, nº 1 do CPC, não procedendo à actualização da indemnização, a título de danos não patrimoniais, dos AA., como resulta da circunstância de a sentença, a propósito do pedido de condenação em juros de mora, explicitamente referir o seguinte:
Foi pedida a condenação em juros de mora desde a data da participação do sinistro.
Os créditos indemnizatórios constituem dívidas de valor sujeitas às regras da interpelação judicial para cumprimento e da mora, previstas nos artigos 804º e seguintes. Ora, sendo ilíquidos os créditos na altura da participação, parece-nos que os juros só podem vencer-se a partir da citação”.
Tenha, ainda, em atenção que a data da citação ocorreu numa data mais ou menos recente (2008), pelo que faz sentido que os valores arbitrados pelo julgador, a título de indemnização por danos não patrimoniais, tivessem em conta essa data, não resultando da sentença que o valor da indemnização por danos não patrimoniais fosse actualizado, pelo que ao valor do capital acrescem os juros desde a citação, tal como decidido.

Concluindo:
I - Ao arbitrar-se indemnização pelo dano patrimonial futuro deve ter-se em consideração, não apenas a parcela de rendimentos salariais directa e imediatamente perdidos em função do nível de incapacidade laboral do lesado, calculados através das tabelas financeiras correntemente utilizadas, mas também o dano biológico sofrido pelo lesado, com relevantes limitações funcionais, implicando um esforço acrescido no exercício da actividade e gerando uma irremediável perda de oportunidades na evolução previsível da respectiva carreira profissional, alicerçada em curriculum profissional sólido e capacidades pessoais já amplamente reveladas.
II - No domínio dos danos não patrimoniais, atendendo a que a reconstituição natural não é possível, o legislador manda logo julgar de acordo com a equidade, devendo o juiz procurar um justo grau de compensação de alcance significativo, e não meramente simbólico.
III - De acordo com a orientação do Acórdão Uniformizador de 9-5-02, é inadmissível a acumulação de juros de mora desde a citação com a actualização da indemnização em função da taxa da inflação.
III - Não resultando da decisão recorrida qualquer referência à actualização do valor indemnizatório à data do encerramento da discussão em 1ª instância ou à data da decisão, antes pronunciando-se expressamente no sentido contar os juros desde a citação, indeferindo a pretensão dos AA. que ia no sentido de tais juros serem contabilizados desde a data do acidente, entende-se que são devidos juros de mora, a partir da citação da Ré.


IV – DECISÃO
Termos em que se acorda em alterar a sentença recorrida, apenas no que tange ao montante de indemnização a título de danos não patrimoniais da A. Joana, que se fixam em trinta e cinco mil euros (35.000,00€).
Custas na proporção dos respectivos decaímentos.

Lisboa, 6 de Dezembro de 2012.

Fátima Galante
Manuel José Aguiar Pereira - votei vencido quanto à questão dos juros relativos aos danos morais (Declaração de voto anexa)
Gilberto Santos Jorge

Declaração de voto
Fiquei vencido, à semelhança do que sucedeu em situações semelhantes, no que se refere à questão colocada pela apelante de não serem devidos juros relativos à indemnização por danos não patrimoniais desde a citação, posição que, segundo o entendimento que fez maioria, não foi acolhida.
O presente acórdão dá nota de que se registam na jurisprudência dos tribunais superiores divergências em relação ao momento a partir do qual serão devidos juros de mora nos casos de indemnização por danos não patrimoniais.
Os juros de mora correspondem a uma indemnização fixada na lei para o caso de atraso no cumprimento de obrigações pecuniárias. Destinam-se, pois, a sancionar o não cumprimento atempado daquele obrigado a indemnizar que, ciente da obrigação de pagamento de quantia determinada, ou não podendo ignorar essa obrigação, deixa de a cumprir e de colocar tal quantia indemnizatória na disponibilidade do lesado.
Quando se trata de danos de natureza patrimonial que existam e sejam quantificados na petição inicial, o responsável, uma vez citado, não pode ignorar que sobre ele existe a obrigação de pagar determinada quantia que vier a provar-se corresponder ao dano sofrido.
Colhe aqui, por inteiro, a doutrina do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2002 publicado no DR I Série de 27 de Junho de 2002.
O que acontece no caso da indemnização por danos de natureza não patrimonial é, porém, diferente. Independentemente da interpelação para pagar o valor indicado pelo lesado no pedido de indemnização por danos não patrimoniais – interpelação feita na competente acção de indemnização – o montante da indemnização é sempre o que for fixado pelo Tribunal (artigo 496º nº 3 do Código Civil).     
Assim não existe, por definição, obrigação de pagamento de qualquer quantia determinada, a título de danos não patrimoniais, antes da sentença que quantifique o dano.
Porque in illiquidis non fit mora, não podendo o devedor cumprir antes de estar definido o objecto da sua prestação, a primeira parte do artigo 805º nº 3 do Código Civil, clarifica – e bem – que se o crédito for ilíquido não há lugar a mora, não havendo lugar, consequentemente, à indemnização correspondente aos respectivos juros, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor.
É certo que ao preceito em causa foi adicionada pelo Decreto - Lei 262 / 83, de 16 de Junho, uma segunda parte que estabeleceu que, em caso de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor se constitui em mora desde a citação.
Tal acrescento teve uma dada justificação histórica, como o salienta o já citado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 4/2002, e visou “combater o fenómeno da 'inflação' e os seus efeitos desequilibradores nas relações jurídicas creditícias, designadamente, nas derivadas de facto ilícito ou risco” e constituía não uma nova configuração do direito do lesado mas sim “uma "alternativa" dada ao lesado de pedir indemnização por danos posteriores à data da propositura da acção, consequentes do protelamento da liquidação” como também se escreveu no Assento nº 13/94 do STJ publicado no DR – I Série de 19 de Agosto de 1994 onde se faz uma análise circunstanciada e rigorosa da articulação do artigo 805º nº 3 com o artigo 566º nº 2, ambos do Código Civil.
A norma da segunda parte do artigo 805º nº 3 do Código Civil não tem, numa interpretação actualista e num quadro factual diferente daquele em que foi criada pelo legislador, a virtualidade de ficcionar a existência de mora do devedor antes da definição do concreto montante da obrigação de indemnização por danos de natureza não patrimonial.
Tudo para concluir que nos casos de formulação de pedidos de indemnização por danos de natureza não patrimonial, sendo a determinação do montante da indemnização feita pelo Tribunal no momento da sentença, nunca poderá, por definição, ocorrer obrigação de pagamento e mora, com a consequente obrigação de pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios, em data anterior à do trânsito em julgado da sentença.
Nessa conformidade e interpretando pela forma indicada o artigo 805º nº 3 do Código Civil, votei no sentido de ser dado parcial provimento ao recurso da apelante e alterada a douta sentença impugnada na parte em que condenou ao pagamento de juros relativos aos danos não patrimoniais desde a citação.
Quanto às demais questões votei de forma concordante com a decisão.
Lisboa, 6 de Dezembro de 2012
Manuel José Aguiar Pereira
----------------------------------------------------------------------------------------
[1] A sentença não dá cabal cumprimento ao disposto no art. 659º, nº 3 do CPC, não se afigurando suficiente a mera remessa para os artigos dos articulados. Sanando tal irregularidade, a Relação ex officio reproduz, então, a matéria articulada, de acordo com os factos provados.
[2] Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 2ª edição, Coimbra, 1980, pags. 115 e 116.
[3] Entre outros, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., pág. 549 e Acs. do STJ de 9/1/79, BMJ 283º, p. 260, de 15/12/98, CJ-STJ ano VI, tomo III, pág. 156 e de 6/7/2000, CJ-STJ, ano VIII, tomo II, pág. 144
[4] Entre outros, o Ac. do STJ de 25-06-02, CJ-STJ, Tomo II, pág. 128.
[5] Ac. STJ de 18 de Dezembro de 2003 (Salvador da Costa), www.dgsi.pt.
[6] Ac. STJ de 6 de Julho de 2004, (Ferreira de Almeida), www.dgsi.pt/jstj
[7] Ac. STJ de 21-9-2004 (Azevedo Ramos), www.dgsi.pt/jstj e de 16-12-2004 (Lucas Coelho), www.dgsi.pt/jstj.
[8] Cfr. Ac. RL de 06-10-2005  (Salazar Casanova), www.dgsi.pt/jtrl.
[9] Ac. STJ de 21.4.2005 (Lucas Coelho), www.dgsi.pt/jstj.
[10] Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 9ª ed., pgs. 627 a 630; Dário M. de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, pgs. 274 e segs.
[11] Leite Campos, A Indemnização do Dano Morte, p. 12.
[12] Delfim Maya de Lucena, Danos Não Patrimoniais, Coimbra, 1985, página 22, citado na sentença recorrida.
[13] Ac. STJ de 13-01-2005 (Salvador da Costa), www.dgsi.pt/jstj.
[14] Ac. STJ de 14.10.2004 (Araújo de Barros), www.dgsi.pt/jstj.
[15] Ac. STJ de 05.02.2004 (Salvador da Costa), www.dgsi.pt/jstj.
[16] Ac. STJ de 7.4.2005 (Ferreira de Almeida), www.dgsi.pt/jstj.
[17] Ac. STJ de 22.01.2004, (relator Bettencourt de Faria) e de 27.6.2002, (relator Ferreira de Almeida), in www.dgsi.pt.
[18] Neste sentido, entre outros, o Ac. STJ de 17.12.2002 (relator Afonso de Melo) Ac. RL de 13.11.2003 (Olindo Geraldes), subscrito pela aqui relatora e de Ac. de 20 de Maio de 2004, desta Relação e Secção, também relatado pela aqui relatora