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REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE DE SENTENÇA
Sumário
I-Se o tribunal a quo deixa de equacionar a aplicação do regime penal do DL nº 401/82, de 23 de Setembro, atenta a idade do arguido à data dos factos, ocorre omissão de pronúncia, o que constitui nulidade da sentença, de conhecimento oficioso, nos termos do artº 379º, nº 1, alínea c), do CPP. II-Com a expressa remissão do nº 2 do artigo 379º, para o nº 4 do artigo 414º, do CPP, o suprimento das nulidades da sentença é feito pela 1ª instância, através da reparação da decisão. III-O instituto previsto no regime penal especialmente destinado a jovens adultos corresponde a um dos “casos expressamente previstos na lei”, a que alude o nº 1 do artigo 72º do Código Penal, sendo de aplicar sempre que procedam sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado, sendo a aplicação em tais circunstâncias, obrigatória e oficiosa. IV-O prognóstico favorável à ressocialização terá de radicar na valoração, em cada caso concreto, da globalidade da actuação e da situação do jovem, da sua personalidade, das suas condições pessoais e da sua conduta anterior e posterior ao crime, emergindo a atenuação de um julgamento do caso que incuta na convicção do juiz a crença na verificação de sérias razões de que para o arguido resultam vantagens para a sua reintegração. (CG)
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório
1. No processo comum com intervenção do tribunal singular n.º 1215/06.3PBOER, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Oeiras, o arguido A…, melhor identificado nos autos, foi julgado pela imputada prática, em autoria material, de um crime de “ofensa à integridade física simples", p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do C. Penal, conforme havia sido pronunciado por decisão instrutória de 6 de Março de 2008.
O assistente C… deduziu pedido de indemnização civil, pedindo que o arguido seja condenado a pagar-lhe 25,000,00 €, a título de danos não patrimoniais e 342,87 €, a título de danos patrimoniais, em ambos os casos acrescidos dos juros de mora.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, em 5 de Novembro de 2008, que decidiu nos seguintes termos:
«Por todo o exposto e tendo em conta as disposições legais supracitadas, julgo parcialmente procedente, por parcialmente provada a acusação deduzida pelo Ministério Público e, em consequência, decido:
a) Condenar o arguido, A…, pela prática, em autoria material, dum crime de "ofensa à integridade física simples", p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1, do C. Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
b) Ao abrigo do disposto no art. 50°, n.º 1 e 5, do C. Penal, suspender-lhe a execução da pena de dois anos de prisão por um período de 2 (dois) anos, mediante a condição de, durante este intervalo de tempo, pagar a indemnização, acrescida dos juros de mora, em que foi condenado, ao assistente;
c) Condenar o arguido a pagar ao assistente:
1. O montante de 53,92 €, a título de danos patrimoniais, por gastos efectuados com o tratamento das lesões e deslocações, acrescido dos juros de mora, à taxa legal, desde a notificação e até integral pagamento;
2. O montante de 10.000,00 € a título de danos não patrimoniais, acrescido dos juros de mora, desde o trânsito em julgado, até integral pagamento;
3. Absolver o demandado do demais peticionado;
(…)»
2. Inconformado, o arguido recorreu da sentença para a Relação de Lisboa.
3. Tendo sido invocada (no recurso e na resposta apresentada pelo Ministério Público), como causa de nulidade da sentença por omissão de pronúncia, a falta de ponderação do regime penal especial para jovens previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, o M.mo Juiz reabriu a audiência e proferiu nova sentença, em 24 de Março de 2010, para reparação da nulidade em causa, idêntica à anterior na parte do dispositivo.
4. Na sequência, o arguido interpôs novo recurso, reiterando, em parte, as razões que anteriormente havia invocado.
Apreciando esse recurso, esta Relação, por acórdão de 15 de Dezembro de 2010, declarou nula a sentença proferida pela 1.ª instância e determinou que fosse proferida nova sentença em sua substituição, por motivo de não ter havido pronúncia sobre factos alegados na contestação.
5. Na sequência do referido acórdão, foi produzida prova e proferida nova sentença, datada de 15 de Abril e depositada em 26 de Abril de 2011 que, na parte do dispositivo, condenou o arguido nos mesmos termos das anteriormente anuladas.
6. Desta sentença recorre uma vez mais o arguido, concluindo, nos seguintes termos (transcrição das conclusões):
a)- Quando da ocorrência - em 08/08/2006 - o Arguido, ora Recorrente, tinha a idade de 1 7 anos;
b)- Pelo que se encontrava abrangido pelo Regime Especial para Jovens consignado no Decreto-Lei n.º 401/82 de 23 de Setembro, e, designadamente, no seu art° 4°;
c)- Tal facto - a indicada idade de 17 anos - além de dever ser do conhecimento oficioso do Mmo Juiz a quo, foi, também, expressamente invocado, pelo Arguido, no art° 16° da Contestação;
d)- A Sentença recorrida, ao não contemplar na sua exposição, nem fundamentar a sua falta de recurso, ao citado regime especial, incorreu a nulidade a que se reportam as alíneas a) e c) do n.º do art° 379° do Código de Processo Penal;
e)- Como, também, deixou de se pronunciar sobre esta questão, não obstante expressamente suscitada no art° 16° da Contestação.
Além disto,
f)- A Sentença recorrida, identicamente, não só não atendeu aos elementos constantes do Relatório Social de fls. 461, cuja elaboração resultara de determinação do Mmo Julgador a quo, e cuja apreciação poderia, eventualmente, traduzir-se em beneficio do Arguido,
g)- Como, nem sobre a sua existência se pronunciou, o que, igualmente, constitui nulidade que aqui se invoca - art° 379° n.º1 alíneas a) e c) do Código de Processo Penal;
h)- O Tribunal a quo, relativamente à fixação do valor atribuído a título de indemnização por danos não patrimoniais, não usou, salvo o devido respeito, de critério conforme com os ditames dos art°s 494.º e 496.º, ambos do Código Civil.
i)- E, designadamente, não teve na devida conta - até se contradizendo - quanto à matéria apurada em sede de prova e mencionada na Sentença - v.g. " A sua situação social e económica é modesta, sendo primário" e " Condeno o arguido a pagar ao assistente o montante de c€ 10.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora"
j)- A que há que acrescer a idade do Arguido/Demandado, a sua situação social e económica – modesta - o curto período de doença do Assistente ( 13 dias, com alta ao 3° dia e sem quaisquer queixas clínicas ao fim de 10 dias);
1)- E ao fazer acrescer à referida indemnização pelos referidos danos não patrimoniais juros moratórios sobre o montante fixado de € 10.000,00, fê-lo em oposição à orientação da Jurisprudência (v.g. Acórdão do S.T.J. de 07/10/1992
Pelo que,
Deve a Sentença recorrida ser reformada não só quanto à pena e respectiva medida, bem como quanto à indemnização cível fixada,
Com o que será feita a devida Justiça.
7. O Ministério Público junto da 1.ª instância apresentou resposta, em que concluiu no sentido de que a nova sentença, sendo materialmente justa, voltou a incorrer em omissão de pronúncia, pois tal como a 1.ª, omitiu pronúncia sobre o regime penal especial para jovens e sobre o relatório social -, nulidade que, no entanto, deveria ser suprida pelo próprio tribunal recorrido
8. Foi, então, proferida nova sentença, datada de 24 de Maio de 2012 (que, na parte do dispositivo, condenou o arguido nos mesmos termos das anteriores), em que o M.mo Juiz expressamente invocou o mecanismo previsto no artigo 414.º, n.º4, do Código de Processo Penal, para suprir os vícios de omissão de pronúncia apontados.
9. Veio, então, o arguido requerer um esclarecimento, “ao abrigo do disposto no art. 669º n.º1 alínea a) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 4.º do Código de Processo Penal”, a que o M.mo Juiz respondeu por despacho de 18 de Junho de 2012.
10. Por requerimento de 27 de Junho de 2012, o arguido, além do mais, deu “por reproduzidas as alegações oportunamente apresentadas e de fls. 587/602”.
11. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), limitou-se a apor o seu visto.
12. Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, os autos foram à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.
II – Fundamentação
1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do C.P.P., que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido
Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª ed. 2000, p. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, p. 103; entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).
Atentas as conclusões apresentadas, as questões a decidir são: a nulidade da sentença recorrida, nos termos do artigo 379.º, n.º1, alienas a) e c), do C.P.P.; a determinação da pena; a questão do montante indemnizatório e da condenação em juros.
2. Da sentença recorrida
2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1. No dia 8 de Agosto de 2006, cerca das 17,00 horas, o arguido e o assistente, C…, encontravam-se na praia de Paço de Arcos;
2. O ofendido aproximou-se do arguido que se encontrava na companhia de duas jovens e invetivou-o, na sequência doutras discussões anteriores que já teriam ocorrido entre ambos, nomeadamente, tinham chegado a vias de facto;
3. Na sequência dum desentendimento, o arguido exibiu uma navalha, cuja lâmina era de 9,00 cm, que trazia na sua mochila;
4. O ofendido, ao ver a navalha, dirigindo-se ao arguido, disse-lhe: "espeta lá!";
5. O arguido, acto contínuo e sem mais delongas e de surpresa, desferiu um golpe no abdómen do C…;
6. Com tal golpe provocou no assistente:
• Eventração de ansas do delgado, tendo sido sujeito a laparotomia exploradora, com redução da eventração de ansas de delgado e exploração da cavidade peritoneal;
• Hematoma retroperitoneal a nível do meso-sigmóide;
7. Tal lesão determinou que o assistente tivesse sofrido 13 dias de doença, sendo os primeiros 9 dias com incapacidade para o trabalho;
8. Sujeito a intervenção cirúrgica no Hospital S. Francisco Xavier, tendo sido posteriormente transferido para o Hospital de Santa Cruz;
9. Ao agir da forma descrita, desferindo um golpe com uma navalha no abdómen do assistente, provocando-lhe a lesão que acima se refere, o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, com o propósito de lhe causar tal lesão, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei;
10. Do seu c.r.c. nada consta.
11. O assistente, depois de ir para casa, foi assistido pela mãe que lhe fazia a higiene pessoal o que o constrangia, atenta a sua idade, tendo esta faltado ao trabalho para o assistir;
12. O assistente, para tratamentos deslocou-se ao Hospital de Santa Cruz e ao posto clínico de Oeiras, quer para fazer pensos, quer para ser observado;
13. Em deslocações e medicamentos, o assistente gastou 53,92 €;
Do relatório social do arguido, elaborado pelos serviços de Reinserção social, foi obtida a seguinte conclusão:
• A… avalia com sentido crítico a sua trajectória de vida, contextualizando a instabilidade comportamental, adoptada essencialmente em contexto escolar e no período de adolescência, em padrões culturais e necessidades valorizadas pelo grupo de amigos com, quem convivia;
• O arguido denota aptidões sociais e competências que tem favorecido o seu processo de inserção social, mantendo-se profissionalmente integrado.
• A sua vinculação a modelos sociais positivos e a retaguarda familiar de que dispõe, constituem-se, em nosso entender, como factores de protecção favoráveis à manutenção de um padrão comportamental consonante com valores normativos;
• Numa eventual condenação, parece-nos que o cumprimento de medida de execução na comunidade, eventualmente sujeita a acompanhamento pela DGRS que privilegie a vertente de controlo e com a obrigação de prosseguir desempenho laboral regular poderá surtir efeitos positivos na prossecução de projectos de vida socialmente valorizados.
14. O arguido é solteiro;
15. É empregado de armazém, auferindo cerca de 742,00 €;
16. Vive com a mãe;
17. Tem o 9° ano de escolaridade;
18. É considerado no seu meio social e laboral, um jovem exemplar;
19. Nada consta do seu C. R. C.
2.2. Quanto a factos não provados ficou consignado na sentença recorrida (transcrição):
Não se provou que:
• O ofendido tenha aparecido por trás, inopinadamente e que tenha dito: "agora é que vamos resolver as coisas".
2.3. O tribunal recorrido fundamentou a sua convicção nos seguintes termos (transcrição):
A convicção do tribunal, no que respeita aos factos dados como provados, assentou, após análise crítica da prova produzida em audiência, fazendo uso das regras de experiência comum, no depoimento do arguido que confessou integralmente e sem reservas, embora, nas suas declarações, tenha querido justificar a sua acção com a provocação do assistente.
Ouvida a prova da defesa, a mesma referiu-se ao facto de não ter havido qualquer provocação, sendo certo que quase todas com um ataque de amnésia, só uma delas que tinha começado a depor e por se entender que confissão, nos termos do art. 344.º, n.º 2 alínea c), do C. P: penal; impedia a continuação da provados factos, depois de bastante instada pelo tribunal referiu que, na verdade, o ofendido aproximou-se e, não acreditando que o arguido lhe espetaria a navalha, lhe disse o que se deu como provado.
As restantes ou não se lembravam ou, como aconteceu com o amigo do arguido que dizia a barriga para baixo e outra referia que estava com a barriga para cima.
Por fim, uma última questão que se prende com a postura do arguido em audiência e que tem a ver com as suas últimas declarações, após as alegações, dirigindo-se ao tribunal, sem um mínimo de censura no que respeita aos factos, diz, com um ar displicente: "isto é um bocado mau", referindo-se à sua conduta.
No que respeita aos danos patrimoniais, nas declarações das testemunhas e nos documentos juntos aos autos pelo assistente com o seu pedido cível, nomeadamente, os documentos n.º 13 e 14.
No que respeita às lesões sofridas, nas declarações do senhor perito médico, ouvido me audiência, que declarou que só por sorte o assistente não morreu, uma vez que não lhe acertou em órgãos vitais e, ainda, no relatório médico-legal de fls. 88, bem como nos documentos juntos aos autos com o pedido cível.
Assentou, ainda, nas suas declarações, no que respeita à sua situação económica e social e, ainda, no documento de fls. 77, no que respeita aos seus antecedentes criminais.
3. Apreciando
3.1. O relatório do presente acórdão sintetiza os passos deste processo, desde a sentença proferida em 5 de Novembro de 2008.
Constata-se que tendo o tribunal recorrido proferido nova sentença, em 24 de Março de 2010, para reparar uma nulidade da primeira, tal sentença veio a ser anulada pela Relação de Lisboa com fundamento noutras razões.
Porém, na nova sentença, datada de 15 de Abril de 2011, o tribunal recorrido, lamentavelmente, incorreu na mesma omissão de que enfermava a sentença de 5 de Novembro de 2008 e que pretendeu reparar através da sentença de 24 de Março de 2010, ou seja, não ponderou a aplicação do regime penal especial para jovens.
Repare-se que o que estava em causa, no recurso que a Relação havia apreciado, era a sentença de 24 de Março de 2010, como resulta com toda a clareza dos autos, designadamente do acórdão desta Relação de Lisboa, de 15 de Dezembro de 2010.
Pois bem: do mesmo modo, tendo o tribunal de 1.ª instância voltado a incorrer numa omissão de pronúncia quanto à aplicação do regime penal especial para jovens (em que já antes incorrera e “reparara” na sentença de 24 de Março de 2010), na sequência do que veio a proferir nova sentença, para reparação dessa omissão, em 24 de Maio de 2012, não temos dúvidas de que o recurso passa a incidir sobre esta nova sentença e nesse sentido deve ser compreendido o requerimento de fls. 642 e 643 ao manter nos seus precisos termos o recurso interposto, “o que por identidade de razão se aplica à nova edição que se contém a fls. 615/627 dos autos” (cfr. fls. 643).
3.2. No recurso, o arguido/recorrente invocou a nulidade da sentença por falta de pronúncia quanto à aplicação do regime penal especial para jovens previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, e por não terem sido considerados os elementos constantes do relatório social.
3.2.1. É certo que a sentença datada de 15 de Abril de 2011 (contrariando a sentença de 24 de Março de 2010) omitiu pronúncia sobre essa matéria, como foi invocado.
Ora, tendo em vista a idade do arguido à data dos factos, o tribunal a quo não podia deixar de equacionar a aplicação do regime penal do Decreto-Lei n.º401/82, pelo que, omitindo qualquer referência a esta questão, ocorreu omissão de pronúncia, o que constitui nulidade da sentença, de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 379.º, n.º1, alínea c), do C.P. Penal (cfr. os Acórdãos do S.T.J. de: 15 de Outubro de 1997, Colectânea de Jurisprudência, STJ, Ano V, III, pp. 191 a 193; 7 de Dezembro de 1999, Colectânea de Jurisprudência, STJ, Ano VII, III, pp. 237; 6 de Fevereiro de 2002, Processo 01P4106; 31 de Março de 2005, Processo 05P896; 4 de Janeiro de 2006, Processo 05P3801; 14 de Junho de 2006, Processo 06P2037; 18 de Outubro de 2006, Processo 06P3045; 11 de Outubro de 2007, Processo 07P3199, todos estes disponíveis para consulta em www.dgsi.pt. Nos SASTJ – Secções Criminais, disponíveis na página do STJ, encontramos nos mesmo sentido, entre outros, os Acórdãos: de 10 de Março de 2005, Processo 644/05 – 5.ª; de 30 de Março de 2005, Processo 4557/04-3.ª; de 18 de Maio de 2005, Processo 4189/02-3.ª; de 7 de Dezembro de 2005, Processo 3904/05-5.ª; de 28 de Fevereiro de 2007, Processo 2037/06-5.ª).
3.2.2. Dispõe o n.º2 do artigo 379.º, do C.P.P., que as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414º.
Por seu turno, dispõe o n.º 4 do artigo 414.º que, se o recurso não for interposto de decisão que conheça, a final, do objecto do processo, o tribunal pode, antes de ordenar a remessa do processo ao tribunal superior, sustentar ou reparar aquela decisão.
Foi com base nestes preceitos que o M.mo Juiz a quo, tendo em vista suprir a invocada nulidade que reconheceu existir, proferiu a sentença “corrigida” de 24 de Maio de 2012.
Discute-se o alcance do n.º2 do artigo 379.º, quando se refere à possibilidade do tribunal suprir as nulidades da sentença.
Há quem entenda que cometida omissão de pronúncia numa sentença penal e arguida a respectiva nulidade em recurso, esta só pode ser conhecida pelo tribunal ad quem, sem que o tribunal recorrido possa proceder ao seu suprimento (cfr. acórdão da Relação do Porto, de 10.02.2010, processo 35/09.8JAPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt, como todos os que sejam citados sem outra indicação), o que, a nosso ver, esvazia de sentido o preceito em causa.
A nosso ver, com a expressa remissão do n.º 2 do artigo 379.º para o n.º 4 do artigo 414.º, do C.P.P., o suprimento das nulidades da sentença é feito pela 1ª instância, através da reparação da decisão.
Quanto à forma como pode o juiz da 1.ª instância reparar a decisão, há quem entenda que deve fazê-lo através de nova sentença (cfr. acórdão da Relação de Coimbra, de 21.10.2009, processo 161/06.5GCSAT.C1), enquanto outros se bastam com a prolação de despacho (cfr. acórdão da Relação de Coimbra, de 6.05.2009, processo 601/08.9GAVGS.C1).
No caso, o tribunal recorrido proferiu nova sentença.
Repare-se que também o Código de Processo Civil (C.P.C.) prevê casos de nulidade da sentença, estabelecendo o procedimento a observar para o seu suprimento,
Dispõe o artigo 668.º, do C.P.C. (na redacção do Dec. Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro):
“1 – É nula a sentença quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
(…)
4 – As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”.
Por sua vez, dispõe o artigo 670.º do mesmo código:
“1 – Nos casos previstos no n.º 4 do artigo 668º e no artigo 669º, deve o juiz indeferir o requerimento ou emitir despacho a corrigir o vício, a aclarar ou a reformar a sentença, considerando-se o referido despacho como complemento e parte integrante desta.
2 – Do despacho de indeferimento referido no número anterior não cabe recurso.
3 – O recurso que tenha sido interposto fica a ter por objecto a nova decisão, podendo o recorrente, no prazo de 10 dias, dele desistir, alargar ou restringir o respectivo âmbito, em conformidade com a alteração sofrida, e o recorrido responder a tal alteração, no mesmo prazo.
4 – O recorrido pode interpor recurso da sentença aclarada, corrigida ou reformada, no prazo de 15 dias a contar da notificação de despacho referido no n.º 1.
5 – O despacho previsto no n.º 1 é proferido com aquele que admite o recurso e ordena a respectiva subida, devendo o relator, se o juiz omitir aquele despacho, mandar baixar o processo para que seja proferido.”
Não discutiremos, por desnecessário, a aplicabilidade ao processo penal destas normas do processo civil, ex vi artigo 4.º do C.P.P., sendo certo que o M.mo Juiz recorrido não se limitou a proferir despacho a suprir a nulidade em causa – que, nos termos do processo civil, passaria a considerar-se complemento da sentença, passando a fazer parte integrante dela (como preconiza o acórdão da Relação de Coimbra, de 6.05.2009) -, mas antes optou por proferir nova sentença (em consonância com o acórdão da Relação de Coimbra, de 21.10.2009).
Em todo o caso, o recurso interposto, tendo em vista a posição posteriormente assumida pelo recorrente, não pode deixar de ter como objecto a nova decisão, apesar daquele não ter apresentado novo requerimento de interposição, nem ter alargado ou restringido o respectivo âmbito, em conformidade com a alteração sofrida, como, a nosso ver, podia ter feito.
Assim sendo, saber se a fundamentação agora aduzida para afastar a aplicação do regime penal especial para jovens é consistente ou não prende-se já com a bondade da decisão e não com a nulidade em questão, porquanto, passando a constar da sentença a menção a esse regime e ao relatório social, suprida ficou a nulidade invocada.
Nulidade que, assinale-se, tem enquadramento legal no mencionado artigo 379.º, n.º1, alínea c), do C.P.P. e não na alínea a) do mesmo n.º1, ao contrário do referido pelo recorrente que invoca, sem razão, ambas as alíneas.
3.3. Vejamos, agora, se o tribunal recorrido teve razão ao afastar a aplicação do regime penal especial para jovens.
Disse o tribunal recorrido, a propósito da determinação da pena:
«Há, agora, que encontrar a medida concreta da pena, o que se fará por apelo aos critérios previstos nas disposições conjugadas dos art.°s 70.º e 71°, do C. Penal.
O primeiro daqueles preceitos oferece-nos um critério de opção entre uma pena privativa e outra não privativa da liberdade, quando a norma incriminadora prevê essa possibilidade, desde que esta pena sirva as finalidades da punição.
No que à segunda diz respeito, estabelece um elenco de circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, dever-se-ão ter em conta para a determinação da medida concreta da pena a aplicar, estabelecendo como limite máximo, para além dos limites definidos na lei, a medida da culpa do agente.
Nas circunstâncias a atender e elencadas nas diversas alíneas, há que considerar, entre outras: a intensidade do ilícito e do dolo, as consequências do crime, as condições económicas, pessoais e sociais do agente, a conduta anterior e posterior ao facto e a falta de preparação para manter uma conduta lícita.
O ilícito é de intensidade muito elevada, atento o facto de ter provocado lesões no ofendido que lhe determinaram dias de doença com incapacidade para o trabalho, sem embargo de se ter em conta que uma navalhada na zona onde foi desferida potencia, quiçá, perigo bem maior, ficando sem qualquer possibilidade de defesa, sendo certo que o motivo invocado não deixa de revestir alguma futilidade. Certo é que só por sorte não matou o assistente, sendo certo que, como está desenhada a lei, a acusação e a pronúncia, o tribunal estará limitado na sua acção punitiva.
O dolo é directo e intenso, demonstrando o arguido um carácter perverso, ao desferir, por questões de namoradas, como se aflorou em audiência, uma facada que poderia ter morto o seu antagonista,
Em conclusão, o ilícito é de intensidade elevada e o dolo de intensidade elevada e directo, tendo também em conta as razões de prevenção geral que deverão estar com forte presença em casos como este, devendo tal circunstância ser tida em conta para a medida concreta da pena a aplicar ao arguido.
A sua situação social e económica é modesta, sendo primário. O arguido, à data da prática dos factos tinha 18 anos.
Há, assim, que face ao disposto no art. 4°, do D. L. n.º 401/82, de 23 de Setembro, apreciar se se aplica ao arguido este regime.
Dispõe o citado art. 4°, que: "se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena, nos termos do disposto nos arre 73° e 74, do C. Penal, quando tiver razões sérias para crer que da atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado".
Esta matéria já tinha sido apreciada numa das anteriores sentenças, tendo-se, nomeadamente, reaberto a audiência com vista a aferir da sua aplicação.
Do relatório social e da sua postura em audiência, pese embora, o arguido se mantenha socialmente integrado, não resulta, porém, que tenha intuído a gravidade dos factos que praticou - desferiu uma facada, por motivo fútil, noutro indivíduo que quase o matou - pois, nesta audiência visava-se a reapreciação da pena, à luz da sua juventude e integração.
O arguido limitou-se, com um profundo desprezo, a dizer: "Foi uma coisa realmente má, mas fui provocado"
Entendemos, deste modo que a gravidade dos factos que lhe são imputados e a sua conduta de desvalor dos mesmos, nos levam a afastar o regime que estamos a apreciar.
Mantemos, assim, a pena aplicada, ou seja, face ao exposto, entendemos que o arguido deverá ser condenado na pena de prisão que já se lhe tinha aplicado, pois a nosso ver, é a que se ajusta às necessidades de prevenção geral, satisfaz os fins da punição e à medida da sua culpa, computando a mesma em 2 anos.
Entendemos, ainda assim, atenta a filosofia penal que nos rege e pese embora a gravidade da sua conduta, que este deverá ser condenado em pena alternativa, ou seja, dever-se-lhe-á, ao abrigo do disposto no art. 50°, n.º 1 e 5, do C. Penal, suspender-lhe a execução da pena de dois anos de prisão, pelo período de 2 (dois) anos, porém, mediante a condição de pagar nesse intervalo de tempo (dois anos) a indemnização que se fixar na apreciação do pedido de indemnização que adiante faremos. »
De acordo com o artigo 9.º do Código Penal «Aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial».
Estabelece o artigo 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, que «É considerado jovem para efeitos deste diploma o agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos».
Dispõe o artigo 4.º do mesmo diploma legal que, se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal (artigos 72.º e 73.º após a versão dada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, intocados na revisão operada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro e posteriores), quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
Refere-se no preâmbulo do citado Decreto-Lei – n.º 4 - que “trata-se, em suma, de instituir um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará aquela reinserção”.
E, como se assinala no n.º 7 do mesmo preâmbulo: “As medidas propostas não afastam a aplicação - como ultima ratio - da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a dois anos”.
Como assinala o Acórdão do S.T.J., de 31 de Março de 2011, Processo 169/09.9SYLSB.S1, Rel. Conselheiro Raul Borges (que seguimos de perto), a aplicação do regime em causa suscita em alguns pontos controvérsia na jurisprudência, desde logo na sua caracterização como especial ou geral.
A nosso ver, o instituto previsto no regime penal especialmente destinado a jovens adultos corresponde a um dos “casos expressamente previstos na lei”, a que alude o n.º 1 do artigo 72.º do Código Penal.
Todos estão, porém, de acordo em que a atenuação especial ao abrigo do regime visando os jovens adultos
- não é de aplicação necessária e obrigatória;
- nem opera de forma automática, sendo de apreciar casuisticamente;
- é de conhecimento oficioso;
- a consideração da sua aplicação não constitui uma mera faculdade do juiz,
- mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, sendo de concessão vinculada;
- de aplicar sempre que procedam sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado, sendo a aplicação em tais circunstâncias, obrigatória e oficiosa,
- havendo a obrigação, ou pelo menos, não se dispensando a equacionação da pertinência ou inconveniência da sua aplicação;
- justificando-se a opção ainda que se considere inaplicável o regime, isto é, devendo ser fundamentada a não aplicação (veja-se o citado Acórdão do S.T.J., com abundantes referências jurisprudenciais).
Diferenças já existem quanto à consideração, ou não, na análise e ponderação a realizar, da natureza e gravidade do crime e seu modo de execução, assentando no conflito que emergirá da consideração da prevalência ou não das exigências de prevenção especial sobre as exigências de prevenção geral de integração dos valores plasmados na ordem jurídica penal. Enquanto segundo uma corrente, razões atinentes às necessidades de reprovação e de prevenção do crime poderão precludir o uso e aplicação do regime, designadamente quando a ele se opuserem considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, noutro sentido pronunciam-se os que enfatizam a perspectiva da ressocialização.
Como se diz no mencionado Acórdão de 31 de Março de 2011:
«Noutra linha jurisprudencial que será de solução de compromisso, com a ponderação adequada das duas finalidades da pena, entende-se que no juízo de prognose positiva imposto ao aplicar o artigo 4.º há que considerar a globalidade da actuação e da situação pessoal e social do jovem, o que implica o conhecimento da sua personalidade, das suas condições pessoais, da sua conduta anterior e posterior ao crime, não se podendo atender de forma exclusiva (ou desproporcionada) à gravidade da ilicitude ou da culpa do arguido – neste sentido se pronunciou o acórdão de 01-03-2000, processo n.º 17/00-3.ª, in SASTJ, n.º 39, pág. 53, CJSTJ 2000, tomo 1, pág. 212 e BMJ n.º 495, pág. 59 (citado nos acórdãos de 9-05-2002, processo n.º 628/02-5.ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 12-02-2004, processo n.º 218/04-5.ª, CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 202; de 29-04-2004, processo n.º 1679/02-5.ª, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 177).»
A ser deferida a atenuação especial prevista no artigo 4.º do DL 401/82, terá a medida da mesma de ser concretizada e quantificada de harmonia com o disposto nos artigos 72.º e 73.º do Código Penal, que constituem apoio subsidiário do regime ali previsto, estando-se perante uma situação de atenuação especial fora da cláusula geral do artigo 72.º - cfr. Acórdão do S.T.J., de 12-07-2000, BMJ n.º 499, pág. 199.
Revertendo ao caso concreto.
Sendo obrigatória a ponderação da aplicação do regime em causa, já que o arguido tinha 17 anos à data dos factos (e não 18 como, certamente por lapso, se diz na decisão recorrida), já não o será a sua efectiva aplicação, desde logo porque não é automática, não sendo um mero resultado do factor idade.
O prognóstico favorável à ressocialização terá de radicar na valoração, em cada caso concreto, da globalidade da actuação e da situação do jovem, da sua personalidade, das suas condições pessoais e da sua conduta anterior e posterior ao crime, equacionando-se a questão da aplicação do regime penal em causa, por conseguinte, perante as circunstâncias concretas, emergindo a atenuação de um julgamento do caso que incuta na convicção do juiz a crença na verificação de sérias razões de que para o arguido resultam vantagens para a sua reinserção.
E, como se realçou no citado Acórdão de 31 de Março de 2011, a ressocialização do arguido parte da sua vontade de querer nortear-se pelo respeito dos valores ético-jurídico comunitários e de respeitar os bens jurídicos, postura que tem de manifestar-se em atitudes comportamentais, que objectivamente, elucidem que está realmente interessado no caminho da ressocialização.
No caso, o arguido, de surpresa, desferiu um golpe de navalha no abdómen do ofendido C..., que lhe provocou as lesões descritas no ponto 6 dos factos provados e determinou a sujeição do mesmo a uma intervenção cirúrgica.
Da matéria provada não se infere que o arguido tenha exteriorizado arrependimento, pese embora a confissão, sem que se tenha provado a existência de provocação por parte do ofendido, com a qual o arguido quis justificar a sua acção, assinalando a motivação da decisão de facto que o arguido, «dirigindo-se ao tribunal sem um mínimo de censura no que respeita aos factos diz, com um ar displicente: “isto é um bocado mau”, referindo-se à sua conduta».
Aliás, já na sua contestação o arguido, dizendo lamentar «o resultado da sua conduta inadvertida», não deixou de se justificar com uma legítima defesa (ainda que por excesso), em «retorsão sobre o seu agressor», o que não se demonstrou ter acontecido.
Estamos perante factos que se revestem de incontornável gravidade, pois não se pode desvalorizar a conduta de quem, com uma navalha com 9,00 cm de lâmina, desfere um golpe na zona abdominal de outra pessoa, o que poderia ter tido consequências bem mais graves do que as produzidas.
Neste contexto, pese embora a sua retaguarda familiar e as aptidões sociais e competências que o relatório social refere, sendo o arguido delinquente primário – o que, reconheça-se, é condição que se exige a qualquer cidadão, para mais com apenas 17 anos à data dos factos -, sem que os factos evidenciem que o arguido interiorizou verdadeiramente o mal do crime – pressuposto essencial de uma verdadeira ressocialização -, entendemos não ser de censurar a decisão do tribunal recorrido ao optar pela prisão em detrimento da multa (penas principais) e ao afastar a aplicação do regime penal especial para jovens.
3.4. A escolha da pena principal de prisão em detrimento da multa não significa que desde logo se opte pela execução ou cumprimento da pena privativa da liberdade, pois entretanto haverá que ponderar a aplicação das penas de substituição que são aplicáveis depois de escolhida a pena de prisão e de concretamente determinado, nos termos do artigo 71.º, o seu quantum.
Assim, dentro da moldura legal, estabelece o artigo 71.º, n.º1, do Código Penal, que a determinação da medida da pena é feita «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». O n.º2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o n.º3 que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, o que encontra concretização adjectiva no artigo 375.º, n.º1, do C.P.P., ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.
Em termos doutrinais tem-se defendido que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade e que, neste quadro conceptual, o processo de determinação da pena concreta seguirá a seguinte metodologia: a partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma sub-moldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela de bens jurídicos e das expectativas comunitárias e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Dentro dessa moldura de prevenção actuarão, de seguida, as considerações extraídas das exigências de prevenção especial de socialização. Quanto à culpa, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a estabelecer (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pp. 227 e segs.).
Na mesma linha, Anabela Miranda Rodrigues, no seu texto O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º2, Abril-Junho de 2002), apresenta três proposições, em jeito de conclusões, da seguinte forma sintética:
«Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistente, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigência preventivas
Volvendo ao caso concreto em apreciação, importa ter em atenção o grau de ilicitude – elevado, tendo em vista o tipo de agressão em causa – com recurso a uma navalha com 9 cm de lâmina - e as suas consequências lesivas - eventração de ansas do delgado, tendo sido o assistente sujeito a laparotomia exploradora, com redução da eventração de ansas de delgado e exploração da cavidade peritoneal; hematoma retroperitoneal a nível do meso-sigmóide; tal lesão determinou que o assistente fosse sujeito a intervenção cirúrgica e tivesse sofrido 13 dias de doença, sendo os primeiros 9 dias com incapacidade para o trabalho; a intensidade do dolo – directo; o ataque surge de surpresa e, por conseguinte, sem possibilidade de defesa por parte do agredido, o que também dimensiona a culpa do arguido/recorrente num patamar elevado.
Tudo ponderado, não esquecendo a condição social e económica do arguido e o tempo decorrido, no quadro do binómio culpa/prevenção, entendemos que a pena concreta foi bem dimensionada pela 1.ª instância no seu quantum de prisão, e bem assim na sua substituição por suspensão da execução da pena de prisão – o que não merece censura, como também não a merece a decisão de subordinar a suspensão ao pagamento do montante indemnizatório, sendo que o prazo para pagar, como é óbvio, jamais poderia exceder o período de suspensão.
Realmente, revela-se ajustado, no plano da reinserção social, que o arguido indemnize o ofendido, reparando, no possível, o mal do crime, ficando a pena substitutiva de suspensão da execução da prisão subordinada ao cumprimento desse dever. Tanto mais que, como bem sabe o arguido, em caso de falta de cumprimento dessa condição, a revogação da suspensão não corre automaticamente e, em todo o caso, sempre implicará a aferição da culpa do condenado nesse incumprimento.
3.4. Diz-se na sentença recorrida, quanto ao pedido civil:
«O assistente deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, pedindo a condenação deste a pagar-lhe, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, o montante de 25.342,87 €.
Nos termos do art. 129°, do C. Penal, as indemnizações por perdas e danos emergentes de crime, regulam-se pela lei civil, remetendo, assim, para o art. 483°, do C. Civil, no que respeita à responsabilidade civil.
Por sua vez, dispõe o art. 483°, n.º 1 do C. Civil que "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrém ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes dessa violação".
São pressupostos da obrigação de indemnizar:
- O facto;
- A sua ilicitude;
- A imputação do facto ao agente;
- O dano; e
- O nexo de causalidade entre o facto e o dano,
Dúvidas não restam que o arguido violou regras penais que tutelam bens jurídicos relevantes como é a integridade física do assistente, como ficou demonstrado, pelo que se constituiu na obrigação de indemnizar, uma vez que se encontram preenchidos os pressupostos da mesma.
Nos termos do art. 496°, n.º I, do C. Civil, os danos patrimoniais e não patrimoniais têm tutela do direito e, in casu, a integridade física, como bem jurídico relevante, preenche os requisitos necessários à verificação da obrigação de indemnizar.
Segundo o princípio geral contido no art. 483°, do C. Civil, só o lesado tem direito a ser indemnizado pelos danos resultantes dos seus direitos absolutos; este princípio, porém, contém excepções, designadamente, as previstas nos art.°s 495° e 496°, n.º 2 e 3, do C. Civil, devendo entender-se em conformidade com o art. 74°, n.º 1, do C. P. Penal.
Estabelece o art. 562°, do C. Civil, que "quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstruir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação", estabelecendo o art. 563°, do mesmo código, que "a obrigação de indemnizar só existe em ralação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, sendo certo que como refere o art. 564°, que o dever de indemnizar abrange não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, podendo atender-se aos danos futuros desde que sejam previsíveis.
No caso dos autos, o assistente e ofendido é quem vem deduzir pedido. de indemnização.
Atentemos, em primeiro lugar, aos danos patrimoniais.
Provou-se que o ofendido gastou, com tratamentos e deslocações, 53,92 €, sendo certo que o demais peticionado, embora se nos afigurasse devido no plano moral, não tem sustentação jurídica, pelo que, nesta parte, vai o demandado absolvido do remanescente.
Vejamos, agora os danos não patrimoniais.
Nos termos do art. 496°, n.º 1, do C. Civil, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam tutela do direito. Dispõe o n° 3 do mesmo artigo que este montante será fixado tendo em conta os critérios fixados no art. 494°, do C. Civil.
Ora, o dano indemnizatório deve traduzir uma certa dignificação dos sofrimentos, sem que se caia numa minimização e, muito menos, no simbolismo gratuito; sem dúvida, com as limitações fundadas, por outro lado, em razões ético-jurídicas atendíveis.
Assim, há que atentar num critério de equidade que resulta do disposto nos art.°s 496° e 494°, ambos do C. Civil, sendo certo que, sobre esta matéria, orienta-nos, ainda, o disposto nos art.°s 566°, n.º 2, do C. Civil e 663°, n.º 1, do C. P. Civil.
Teremos, ainda que ter em conta as circunstâncias em que ocorreram os factos.
Na verdade, não era previsível a alguém que vai à praia seja esfaqueado, sem que com isso conte, sabendo-se que se trata de questões que a juventude valoriza, mas que não é espectável que aconteça, apanhando um susto enorme e o próprio risco de vida, para além dos incómodos causados pela incapacidade.
O pedido refere que dever-se-á arbitrar 25.000 € a título de danos não patrimoniais, sendo certo que sofreu dores, teve momentos de dificuldade que o impediram de levar uma vida normal.
Entendemos, assim, atribuir um valor que se estima em 10.000 €, valor este que, se tivermos em conta o rendimento do demandado se ajusta aos critérios previstos no art. 494°, do C. Civil, sendo que a integridade física e o pavor não têm preço.
A tal valor acrescerão os juros de mora, à taxa legal, a partir da prolação da presente sentença.»
Admite-se, sem dificuldade, que tendo o ofendido sofrido um golpe de navalha no abdómen, que provocou «eventração de ansas do delgado, tendo sido sujeito a laparotomia exploradora, com redução da eventração de ansas de delgado e exploração da cavidade peritoneal; hematoma retroperitoneal a nível do meso-sigmóide», tendo sido submetido a cirurgia e internamento hospitalar, com 13 dias de doença, sendo os primeiros 9 dias com incapacidade para o trabalho, seguramente teve o natural sofrimento e limitações decorrentes dessa situação.
Deu-se também como provado que, em casa, careceu da assistência da sua mãe para a higiene pessoal, o que, atenta a sua idade, o constrangia.
Prescreve o artigo 129.º, do Código Penal: «A indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil».
Para a fixação do quantum indemnizatório terá o julgador de se socorrer das regras estabelecidas no Código Civil, designadamente, das contidas nos artigos 483.º e seguintes e 562.º e seguintes.
Nos termos do artigo 483.º do Código Civil, «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem...fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação». Os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito são, pois: a violação de um direito; a ilicitude do facto danoso; o nexo de imputação do facto ao agente; o dano; um nexo de causalidade entre o facto e os danos sofridos pelo lesado.
Dentro dessa obrigação de indemnizar incluem-se, de acordo com o artigo 496.º, n.º1, do Código Civil, os danos não patrimoniais sofridos pelo lesado «que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito».
Os danos não patrimoniais «são prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização» (Maria Amélia Ameixoeira, Indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais fundada em responsabilidade civil decorrente de acidente rodoviário, Revista do CEJ, 1.º semestre, 2007, 6, p. 49).
A feição compensatória da indemnização resulta desta não corresponder a um valor pecuniário equivalente aos danos, mas antes pretender proporcionar ao lesado uma soma pecuniária que lhe proporcione satisfações que de algum modo (o possível) o façam esquecer a dor ou desgosto.
No caso em apreço, não se suscitam dúvidas quanto a ter o demandante civil sofrido danos de natureza não patrimonial que assumem gravidade suficiente para justificar a intervenção reparadora do direito.
O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado, em qualquer caso, segundo critérios de equidade, devendo ter-se em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
Como salienta o S.T.J., em acórdão de 25 de Outubro de 2007 (Processo: 07B3026, www.dgsi.pt), «sendo certo que nestes casos a indemnização não visa propriamente ressarcir, tornar indemne o lesado, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido, é mister que tal compensação seja significativa, e não meramente simbólica. A prática deste Supremo Tribunal acentua cada vez mais a ideia de que está ultrapassada a época das indemnizações simbólicas ou miserabilistas para compensar danos não patrimoniais. Importa, todavia, sublinhar que indemnização significativa não quer dizer indemnização arbitrária. O legislador manda, como vimos, fixar a indemnização de acordo com a equidade, sem perder de vista as circunstâncias, já enunciadas, referidas no art. 494º – o que significa que o juiz deve procurar um justo grau de “compensação”».
No caso, temos como ajustado o valor indemnizatório dos danos não patrimoniais que foi fixado pela 1.ª instância.
Quanto a juros de mora, importa recordar o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2002 de 9/05/2002, DR n.º 164, Série 1-A, de 27/06/2002, que estabeleceu a doutrina de que «Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação».
Partindo do pressuposto de que a decisão que fixa uma indemnização por danos não patrimoniais é uma decisão actualizadora, deveria ser por referência à sentença de 1.ª instância que se contabilizariam os juros moratórios, à taxa legal, devidos ao demandante – estando completamente desactualizada a jurisprudência, em sentido contrário, citada pelo recorrente.
Porém, como a sentença recorrida determinou que os juros sobre o montante da indemnização por danos não patrimoniais se contavam «desde o trânsito em julgado», sendo que o recurso foi interposto pelo arguido/demandado civil, serão desse modo contabilizados os mesmos.
Conclui-se, assim, que o recurso não merece provimento.
III – Dispositivo
Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido R..., confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 4 Ucs a taxa de justiça.
Lisboa, 13 de Dezembro de 2012
(o presente acórdão, integrado por vinte e duas páginas com os versos em branco, foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)