PROCEDIMENTOS CAUTELARES
REPETIÇÃO
CASO JULGADO
Sumário

I. Por efeito da regra da proibição da repetição da providência, consagrada no n.º 4 do art. 381.º do Código de Processo Civil, não pode a parte, depois da providência cautelar ter sido julgada improcedente ou tiver caducado, requerer de novo a mesma providência, na dependência da mesma causa, ainda que baseada em factos diferentes.
Embora pelo efeito do caso julgado nada obstasse a novo requerimento de arresto, em virtude da alegação de novos factos, que traduzem uma distinta causa de pedir, já o disposto no n.º 4 do art. 381.º do CPC obstava a que se instaurasse novo arresto, no âmbito da mesma ação declarativa de efetivação de responsabilidade civil, nomeadamente quando o arresto anterior foi julgado injustificado.

Texto Parcial

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
B – Concessão Rodoviária, S.A., instaurou, em 15 de fevereiro de 2012, no Juízo de Grande Instância Cível da Comarca de Lisboa-Noroeste, contra E – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, representado pela ESAF, (…), S.A., procedimento cautelar especificado, pedindo que fosse decretado o arresto dos imóveis identificados, para garantia de um crédito, no valor de € 7 801 034,98, resultante dos danos causados pelo desabamento de terras, provenientes de um prédio do Requerido, que invadiram a auto-estrada A9/CREL, impedindo o trânsito de veículos, e cujo crédito corre o risco de não ser satisfeito.
Realizada a audiência, para a produção da prova, em 3 de abril de 2012, foi proferida decisão a decretar o arresto.
O Requerido veio, depois, deduzir oposição, concluindo pela revogação do arresto decretado ou pela sua redução. Para tanto, alegou, em síntese, a repetição do procedimento cautelar, a inexistência de caso julgado quanto à aparência do direito de crédito, a falta desse direito, a falta de demonstração do risco de perda da garantia patrimonial e ainda o arresto ser manifestamente desproporcional em relação ao crédito a garantir.
Realizada nova audiência com produção de prova, foi proferida, em 8 de outubro de 2012, decisão a manter o arresto decretado.

Não se conformando com essa decisão, recorreu o Requerido e, tendo alegado, formulou essencialmente as seguintes conclusões:
a) Foi violado o disposto no art. 381.º, n.º 4, do CPC, pois o arresto não é mais do que a repetição do arresto requerido a 7.4.2010.
b) Não se verificam os pressupostos legais para o decretamento do arresto, existindo uma clara contradição entre a decisão e a matéria de facto provada.
c) A apreciação feita no acórdão do TRL de 17.11.2011, quanto ao requisito da probabilidade da existência do crédito, não formou caso julgado, tendo sido violado o disposto nos arts. 407.º, n.º 1, 671.º, n.º 1, e 673.º, todos do CPC.
d) Foi ainda violado o disposto no art. 387.º, n.º 1, do CPC, por abstenção na indagação factual do preenchimento do requisito do fumus boni iuris.
e) Desconsiderou-se o acórdão do TRL de 24.1.2012, transitado em julgado, e que admitiu a intervenção na ação dos anteriores proprietários do prédio, violando-se o disposto nos arts. 407.º, n.º 1, 497.º, n.º 1, 498.º, n.º 1, 672.º e 673.º, todos do CPC.
f) A sentença enferma de erro de julgamento, violando o caso julgado do acórdão do TRL de 17.11.2011, na parte em que baseou o arresto no factos dos prédios estarem hipotecados e serem facilmente transacionáveis, violando os arts. 406.º, n.º 1, 407.º, n.º 1, 671.º, n.º 1, e 673.º, todos do CPC.
g) As frações alienadas eram apenas arrecadações e o valor das vendas é insignificante.
h) Os factos provados demonstram que a venda do prédio constitui um ato de gestão prudente do Recorrente, que permite salvaguardar a respetiva solvabilidade e é vantajoso para qualquer dos seus credores.
i) O receio da perda da garantia patrimonial deve ser aferida com base nos factos concretos indiciariamente provados.
j) O arresto decretado poderá conduzir, num curto, prazo, à dissolução do Fundo, sendo os danos sofridos pelo Recorrente muitos superiores aos que a Recorrida pretende evitar.
k) O valor de € 40 000 000,00 excede claramente o crédito que se visa garantir, violando o arresto decretado o disposto nos arts. 387.º, n.º 1, 406.º, n.º 1, 407.º e 408.º, n.º 2, todos do CPC.
Pretende, com o provimento do recurso, a revogação da decisão recorrida.

A Requerente contra-alegou, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Neste recurso está em causa, essencialmente, a proibição da repetição da providência e a falta de verificação dos requisitos do arresto.

II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Pela 1.ª instância, foram dados como provados, designadamente, os seguintes factos:
(…)

2.2. Delimitada a matéria de facto provada (com os n.º s 1 a 86 a corresponderem ao anterior procedimento cautelar, os n.º 87 a 134 ao procedimento cautelar atual e a partir do n.º 135 os resultantes da oposição ao arresto), que não vem impugnada, importa então conhecer do objeto do recurso, definido pelas suas conclusões, e cujas questões jurídicas emergentes foram já anteriormente especificadas.
Desde logo, ressalta a questão da inadmissibilidade da providência do arresto, por alegadamente constituir a repetição de outra anterior, instaurada em 7 de abril de 2010, julgada improcedente pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de novembro de 2011 (Processo n.º 3705/11.7T2SNT-D.L1-6), transitado em julgado, e levando o Apelante a concluir ter havido violação do disposto no n.º 4 do art. 381.º do Código de Processo Civil (CPC).
Dispõe o art. 381.º, n.º 4, do CPC (na redação dada pelo DL n.º 180/96, de 25 de setembro):
Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado”.
Antes do DL n.º 180/96, nomeadamente no art. 387.º, n.º 1, do CPC, prescrevia-se:
Se a providência for julgada injustificada ou caducar, o requerente (…) não pode requerer outra providência como dependência da mesma causa.”
A interpretação da norma do n.º 4 do art. 381.º do CPC, porém, não tem sido consensual.
Por um lado, há quem entenda que a mesma proíbe a repetição da providência, ainda que alicerçada em factos diferentes (LOPES DO REGO, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, 2004, pág. 381).
Por outro, há quem sustente a repetição da providência, desde que não tenha o mesmo conteúdo e o mesmo fundamento de facto (J. LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2001, pág. 12, e M. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1997, págs. 245/246).
Sobre esta matéria pronuncia-se também A. ABRANTES GERALDES, citado pela Apelada, mas em termos que se consideram pouco claros. Na verdade, começando por afirmar que o requerente não pode formular nova pretensão de conteúdo idêntico, dentro da mesma ação, ainda que sejam outros os factos alegados como fundamento (Temas da Reforma do Processo Civil, III volume, 3.ª edição, 2004, pág. 124), acaba, depois, por excluir do âmbito do art. 381.º, n.º 4, do CPC, as situações em que a providência solicitada foi indeferida por falta de prova ou por qualquer outro motivo, sujeitando-as apenas ao efeito do caso julgado (Ibidem, pág.125).

Observando a evolução legislativa, ganha prevalência o primeiro entendimento. Com efeito, já antes de 1961, vigorava a regra da proibição da repetição do ato ou da providência (art. 392.º do CPC), justificada pela desnecessidade da providência e pela consideração de que não merece ser protegido quem mostra ter sido descuidado ou negligente (ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3.ª edição, Reimpressão, 1980, 651).
A proibição da repetição da providência manteve-se, depois, no art. 387.º, n.º 1, do CPC, quer a providência fosse julgada injustificada, quer viesse a caducar.
A mesma proibição, ainda que com outro contexto sistemático (art. 381.º, n.º 4, do CPC), conservou-se também com a reforma introduzida pelo DL n.º 180/96, de 25 de setembro. No preâmbulo deste diploma legal, consignou-se mesmo que “estabelece-se que a improcedência ou caducidade de uma providência cautelar apenas obsta à repetição como dependência da causa de igual procedimento (artigo 381.º, n.º 4).”
Em face desta declaração expressa do legislador, ficou então clarificado, perante a controvérsia suscitada, que a proibição de repetição da providência cautelar na dependência da mesma causa se cingia apenas àquela que tivesse o mesmo conteúdo, nada obstando a que pudesse ser requerida qualquer outra providência mas de conteúdo diverso.
Deste modo, a nível de procedimento cautelar, com a proibição da repetição da providência, quis-se apenas impossibilitar a dedução da mesma providência cautelar, na dependência da mesma causa.
Por isso, por efeito da regra da proibição de repetição da providência, consagrada no n.º 4 do art. 381.º do CPC, não pode a parte, depois da providência cautelar ter sido julgada improcedente ou tiver caducado, requerer de novo a mesma providência, na dependência da mesma causa, ainda que baseada em factos diferentes.
Com semelhante regra, efetivamente, ultrapassam-se os efeitos do caso julgado, certamente por se ter entendido não se justificar, no âmbito da mesma ação, o requerimento de igual procedimento cautelar depois do anterior ter sido considerado injustificado ou ter caducado. Daí que, mesmo que existam factos novos, mas escapando aos efeitos do caso julgado, não se admita a repetição do mesmo procedimento cautelar.
Tendo o interessado, no âmbito de uma ação, a possibilidade de prevenir, através de providência cautelar, de natureza provisória, o direito que pretende fazer valer na ação, não fica desacautelada a sua posição, o qual, no entanto, está obrigado a realizar uma adequada ponderação quanto à instauração do procedimento cautelar e, decretada a providência, a agir cuidadosamente na sua conservação.
No sentido para o qual agora se propende, decidiu o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de maio de 2012 (Processo n.º 2737/11.0TBSXL-B.L2-6), acessível em www.dgsi.pt, assim como, mais longinquamente, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de fevereiro de 1996 (Processo n.º 088314), cujo sumário está também acessível em www.dgsi.pt.

Vertendo à situação concreta dos autos, regista-se que a Apelada, no âmbito da ação proposta contra o Apelante, instaurou contra este um procedimento cautelar de arresto, nomeadamente em 7 de abril de 2010, o qual viria a ser julgado improcedente, pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de novembro de 2011, transitado em julgado.
Entretanto, a Apelada, em 15 de fevereiro de 2012, no âmbito da mesma ação declarativa, requereu novo procedimento cautelar de arresto contra o Apelante, onde, para além do crédito invocado ser superior, apenas são novos alguns factos suscetíveis de consubstanciar o requisito do periculum in mora.
Embora pelo efeito do caso julgado nada obstasse a novo requerimento de arresto, em virtude da alegação de novos factos, que traduzem uma distinta causa de pedir, já o disposto no n.º 4 do art. 381.º do CPC, que proíbe a repetição da providência, no caso desta ter sido julgada injustificada ou ter caducado, obstava a que a Apelada instaurasse contra o Apelante novo procedimento cautelar de arresto, no âmbito da mesma ação declarativa de efetivação de responsabilidade civil, nomeadamente quando o arresto anterior foi julgado injustificado.
Nestas condições, estando proibido novo arresto, não pode subsistir o arresto decretado pela decisão de 3 de abril de 2012 e mantido pela decisão de 8 de outubro de 2012.

Perante a procedência da alegação da violação da regra da proibição da repetição da providência, fica prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas na apelação (art. 660.º, n.º 2, do CPC).
Procede, assim, o recurso interposto, o que determina a revogação da decisão recorrida, com o consequente levantamento do arresto decretado.

2.3. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:
I. Por efeito da regra da proibição da repetição da providência, consagrada no n.º 4 do art. 381.º do Código de Processo Civil, não pode a parte, depois da providência cautelar ter sido julgada improcedente ou tiver caducado, requerer de novo a mesma providência, na dependência da mesma causa, ainda que baseada em factos diferentes.
II. Embora pelo efeito do caso julgado nada obstasse a novo requerimento de arresto, em virtude da alegação de novos factos, que traduzem uma distinta causa de pedir, já o disposto no n.º 4 do art. 381.º do CPC obstava a que se instaurasse novo arresto, no âmbito da mesma ação declarativa de efetivação de responsabilidade civil, nomeadamente quando o arresto anterior foi julgado injustificado.

2.4. A Apelada, ao ficar vencida por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em ambas as instâncias, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 446.º, n.º s 1 e 2, do CPC.

III – DECISÃO
Pelo exposto, decide-se:
1) Conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e, em consequência, determinando o levantamento do arresto decretado.
2) Condenar a Apelada (Requerente) no pagamento das custas, em ambas as instâncias.

Lisboa, 31de janeiro de 2013

Olindo dos Santos Geraldes
Fátima Galante
Manuel José Aguiar Pereira