PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
REQUISITOS
ACÇÃO PRINCIPAL
Sumário

I – O recurso à providência cautelar não especificada é o meio adequado à decretação da abstenção dos administradores de uma sociedade, durante a pendência da acção principal, de vender ou prometer vender ou por outro meio alienar ou prometer alienar, onerar ou prometer onerar, ou dispor a qualquer título, de todos e quaisquer terrenos, participações sociais ou outros activos da mesma.
II – Se no âmbito de uma acção principal de destituição de Administradores por justa causa a Requerente pode pedir cautelarmente a suspensão dos administradores e, até, a nomeação de administradores provisórios - o que tem por efeito a impossibilidade dos Administradores de doravante praticarem qualquer acto enquanto gestores da sociedade - necessariamente pode pedir menos do que isso, que é justamente o que foi pedido na providência cautelar nos moldes acima enunciados.

Texto Integral

Acordam na 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO:
A “O (…) SGPS, SA”, pessoa colectiva nº ..., com sede (…) Lisboa, veio intentar a presente providência cautelar contra:
“P (…) SGPS, SA, pessoa colectiva nº ..., com sede (…) Montijo;
Emídio, residente (…) Montijo;
Carlos, residente (…) Montijo;
Fernando (…) residente em Lisboa, pedindo a intimação dos Requeridos a:
- se absterem de vender, ou prometer vender, ou por outro meio alienar, ou prometer alienar, onerar ou prometer onerar, ou dispor a qualquer título de todos e quaisquer terrenos, participações sociais ou outros activos que sejam directa ou indirectamente da titularidade da mesma “P” sem prévia deliberação da assembleia geral da “P” e
- se absterem também de quaisquer outros compromissos, promessas, declarações ou actuações das quais possa resultar vinculação, compromisso, expectativa ou responsabilidade civil, incluindo responsabilidade civil pré contratual para a “P” em relação a quaisquer terrenos, participações sociais ou outros activos que sejam directa ou indirectamente da mesma “P”;
- deverão ainda ser condenados em outras medidas que o Tribunal subsidiariamente possa entender convenientes e adequadas a evitar a lesão;
- a condenação deverá ser feita sob cominação expressa de que incorrerão no crime de desobediência qualificada, p. p. pelo art.º 348º/2 do Código Penal (CP), com pena de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias, se infringirem a providência.
Alega em síntese que é accionista da “P”, dona de acções representativas de metade das acções não detidas em carteira, correspondentes a metade do seu capital em circulação (tendo desaparecido títulos de acções ao portador tituladas que estavam guardadas no cofre da sociedade, corre termos no Tribunal Judicial do Montijo uma acção especial de reforma de títulos). E que a “P” é dona, directamente ou através de sociedades que controla, de um conjunto de terrenos agrícolas (…), localizados nos concelhos de Palmela, Alcochete e Montijo, com um valor, para efeitos exclusivamente agrícolas, superior a 3 milhões de euros e um valor potencial elevadíssimo, considerando a localização prevista do futuro aeroporto e do traçado do TGV e ainda do futuro parque logístico do Poceirão.
Alega ainda que os accionistas da “P” e em especial a Requerente, estão a tratar do saneamento económico e financeiro da sociedade, sendo de crucial importância que se mantenha incólume o seu importantíssimo património imobiliário, sem o qual fica condenada à insolvência. Que chegou ao seu conhecimento que os administradores da “P” ou alguns deles têm a intenção de vender terrenos e/ou participações sociais importantes ou mesmos totalitárias em sociedades proprietárias de terrenos sem dar cumprimento à deliberação da assembleia geral de 12.07.2012 («Os accionistas estão a tratar activamente do saneamento económico e financeiro da sociedade e do seu futuro e que nesta circunstância os administradores não deverão praticar e mesmo suspender eventuais formalizações com vista a qualquer acto de alienação ou oneração de activos, incluindo terrenos, participações sociais, créditos ou dívidas ou quaisquer outros bens que tenham influência no saneamento da sociedade sem prévia e nova deliberação da assembleia-geral») e contra a sua vontade. O que causará à “P” prejuízos incalculáveis.
Tendo em conta que na realidade existe uma situação de bloqueio entre accionistas de 50% do capital da “P” enquanto a reforma dos títulos desaparecidos não for assegurada judicialmente, requer com esta providência a intervenção do Tribunal até que seja judicialmente nomeada uma administração à sociedade, como forma de acautelar os activos da sociedade.
Há risco grave, alega, de os administradores precipitarem a venda de activos ou de assumirem outros compromissos das quais possa resultar para a “P” responsabilidade civil contratual ou pré-contratual de valor avultado.
Alega que a presente providência é acessória a uma acção que será intentada para a destituição e nomeação judicial dos administradores da “P”, nos termos dos arts. 1484º e segs. do Código de Processo Civil, verificando-se todos os pressupostos legalmente previstos para que a mesma seja decretada.

Citados os Requeridos defenderam a improcedência do procedimento cautelar, alegando em síntese que a gestão da respectiva actividade com as consequentes tomadas de decisões compete em exclusivo ao Conselho de Administração da sociedade, que apenas tem de se subordinar às deliberações dos accionistas nos casos específicos em que a lei ou o contrato de sociedade assim o determinem. E a alienação, aquisição e oneração de bens imóveis são actos de gestão que cabem em exclusivo ao Conselho de Administração. Pelo que o decretamento da providência requerida implicaria a prática de um acto ilegal. Para mais no caso da “P”, atento o seu objecto social, de gestão de participações sociais noutras sociedades. Alega ainda que a lide se tornou supervenientemente inútil, a partir da assembleia geral de 12.07.2012 e da deliberação que nela foi tomada, que surgiu na sequência de uma proposta de aquisição à “P” de aquisição das acções representativas da totalidade do capital social da sociedade de direito holandês “Trasset”, integralmente detida pela “P”, a qual por sua vez é titular do capital social de diversas sociedades portuguesas, através das quais a “P” controla efectivamente um importante património imobiliário.
Proposta essa que foi aceite pelo Conselho de Administração da “P” por deliberação de 10.07.2012, antes portanto de ter sido tomada a deliberação do dia 12 do mesmo mês e de ter sido intentada a presente providência. O que era do conhecimento da Requerente, cujo representante participou na reunião em que a proposta foi aceite. Pelo que a ser decretada a providência, a “P” poderia incorrer em responsabilidade civil. Por outro lado, alega, os grandes projectos de que a Requerente fala encontram-se suspensos, tendo havido uma alteração de circunstâncias, carecendo a “P” de fazer face às despesas em que incorreu com a aquisição dos terrenos e cumprir as suas obrigações, sendo devedora de cerca de €1,5 M às Finanças.

Foi então proferido o seguinte despacho:
Compulsados os autos verifica-se que os mesmos contêm já todos os elementos relevantes para a decisão da causa. Embora não se encontre legalmente prevista a possibilidade de sanear o procedimento cautelar antes da decisão final, entende-se como Abrantes Geraldes (in Temas da Reforma do Processo Civil, Tomo IV, Procedimentos Cautelares Especificados, pgs. 184 e ss.) que, “Não existe qualquer razão para que, apesar de constatada alguma das referidas circunstâncias impeditivas do conhecimento do mérito da providência, se insista na prática de actos que antecipadamente revelam a sua total inutilidade.”
Entende-se, assim, possível o conhecimento nesta sede das questões suscitadas nos autos, já que a sua procedência determinará a total inutilidade da produção de prova, fase seguinte no processado.
Dispõe o art. 381 nº1 do Código de Processo Civil que, “Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado”.
Dispõe por seu turno o art. 387º, nº1 do mesmo diploma que, “A providência é decretada desde que haja probabilidade séria de existência do direito e se mostre suficientemente fundado receio da sua lesão”.
Nos termos das disposições legais citadas, quando alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e de difícil reparação ao seu direito, antes da propositura da acção principal ou na sua pendência, pode requerer, se ao caso não convier nenhum outro dos procedimentos tipificados na lei, as providências adequadas à situação, devendo fazer prova da probabilidade séria da existência do direito invocado e do fundado receio de lesão. Impõe-se, ainda, que o prejuízo resultante da providência não exceda o dano que, com ela, se pretende evitar. Para que a providência seja decretada todos os requisitos têm de se mostrar preenchidos, uma vez que são de verificação cumulativa.
O ponto de partida para o decretamento de uma providência é que o requerente seja titular de um direito ou interesse que possa servir de base à acção principal já que a providência não tem vida própria, não tem autonomia, é sempre dependência de uma outra acção, não podendo ser reconhecido provisoriamente um direito que não possa vir a ser reconhecido definitivamente na acção principal.
Vem em síntese pedido que os Requeridos sejam intimados a absterem-se de vender, ou prometer vender, ou por outro meio alienar, ou prometer alienar, onerar ou prometer onerar, ou dispor a qualquer título de todos e quaisquer terrenos, participações sociais ou outros activos que sejam directa ou indirectamente da titularidade da mesma “P” sem prévia deliberação da assembleia geral da “P”, bem como a absterem-se de quaisquer outros compromissos, promessas, declarações ou actuações das quais possa resultar vinculação, compromisso, expectativa ou responsabilidade civil, incluindo responsabilidade civil pré contratual para a “P” em relação a quaisquer terrenos, participações sociais ou outros activos que sejam directa ou indirectamente da mesma “P”.
As providências cautelares são sempre dependentes de uma acção principal que tenha por fundamento o direito acautelado, na qual vai ser apreciado em definitivo a questão sumariamente decidida no procedimento, sendo função da providência precisamente, evitar o perigo da demora na decisão da acção principal. Do que se extrai que não pode alcançar-se, através de um procedimento cautelar, um efeito modificativo, constitutivo ou extintivo que esteja dependente de sentença a proferir na acção principal.
Nas palavras de A. Geraldes, “Atenta a natureza instrumental do procedimento cautelar e a sua dependência do resultado a alcançar através da acção principal, é óbvio que não é o efeito definitivo correspondente ao exercício do direito potestativo que pode ser alcançado imediatamente através do procedimento cautelar. (...) Por isso, mesmo quando através da providência cautelar se antecipam certos efeitos da decisão a proferir na acção principal, sempre a provisoriedade continua a pairar sobre aquela medida, cuja manutenção pressupõe a posterior confirmação judicial do direito sumariamente apreciado.” (in Temas da Reforma do Processo Civil, III Vol., 2ª ed., p. 77).
No caso sub judice alega a Requerente que irá intentar uma acção de destituição e nomeação judicial de administradores da “P”, nos termos dos arts. 1484º e ss. do Código de Processo Civil. Acção essa de que a presente providência é acessória.
Ora, a providência adequada a acautelar a efectividade do direito ameaçado, no caso da acção principal que a Requerente alega ir intentar, é a de suspensão dos administradores da sociedade e eventual nomeação provisória de outros administradores. Isto porque, o que vai ser decidido na acção principal, a proceder, é a destituição e a nomeação de administradores. Sendo função da providência precisamente, como dissemos já, evitar o perigo da demora na decisão da acção principal, cautelarmente – até ao trânsito em julgado da decisão da acção principal – o que a Requerente pode pedir que seja decretado é a suspensão do exercício de funções dos administradores. E no caso, analisado o requerimento inicial, não contém o mesmo a necessária alegação de factos para tanto.
E depois, vejamos: o que a Requerente pretende obter nesta providência não é uma decisão provisória mas antes uma decisão final que não estaria dependente de qualquer acção a propor. Impedindo os Requeridos de praticar os actos que enuncia, ficaria esgotado o thema decidendum. A prática desses actos, impedida pelo decretamento, numa análise sumária, da providência cautelar, nunca iria ser definitivamente apreciada numa acção principal.
Termos em que se conclui já, pelos factos alegados e os pedidos formulados, que esta providência cautelar não pode ser decretada, devendo ser julgada improcedente.
Decisão
Pelo exposto, tudo visto e ponderado, julgo improcedente a presente providência cautelar intentada por “O (…) SGPS, SA”.

O(…) SGPS, SA, inconformada com o teor da decisão, veio dela interpor o competente recurso, concluindo da forma seguinte:
A. A decisão recorrida decidiu que a providência que poderia acautelar o direito ameaçado seria (diferentemente daquela que foi interposta) a de suspensão dos administradores da porque o que vai ser decidido na acção principal de que a providência é dependente é, justamente, a destituição dos administradores e a nomeação de novos. A relação de dependência entre acção principal e processo cautelar determina, no entender da decisão recorrida, a insusceptibilidade de ser decretado aquilo que a Recorrente peticionou nestes autos cautelares.
B. Parece-nos uma análise pouco rigorosa da questão.
C. Na providência cautelar e na acção de que a mesma depende está em causa a protecção de um mesmo direito substantivo. O que acresce à providência cautelar, e a justifica, é a necessidade de antecipar a protecção desse direito porque a demora e a execução da providência definitiva a tomar na acção principal podem implicar o perigo de «lesão grave e dificilmente reparável» nesse mesmo direito.
D. Na situação dos autos, o referido denominador comum - ponto de partida da providência cautelar e ponto de chegada da acção de que aquela dependerá – é o direito que assiste à Requerente de ver os Administradores da Sociedade Participada destituídos dos seus cargos pelo reconhecimento judicial de que a decisão que tomaram, enquanto administradores, de venda de activos ao arrepio do deliberado em AG pelos Accionistas e contra o interesse da sociedade é ilegal, é objectivamente lesiva da sociedade e violadora dos seus deveres enquanto gestores criteriosos.
E. Ora, esse direito, pode ver parte do seus efeitos provisoriamente antecipados, até que venha a ser definitivamente julgada a questão na acção principal, justamente através da imposição de uma medida cautelar que inibe os administradores provisoriamente da prática de determinados actos, e até que a decisão judicial da acção principal seja tomada.
F. Se a acção principal vier a declarar que o decidido pelos Administradores é legalmente admissível, a providência cautelar perde os seus efeitos e, acto contínuo, os mesmos administradores passam a poder executar a decisão de venda dos activos. Se, como se espera, a acção principal vier a considerar ilegais as deliberações dos Administradores e, consequentemente, os vier a destituir dos seus cargos com esse fundamento, então, ficou acautelado o efeito útil da acção, que foi justamente o de, até à decisão definitiva, esses activos não serem alienados nem desaparecerem, por a sua venda ter estado provisoriamente decretada.
G. Da acção principal de destituição dos administradores por ilegalidade da sua decisão de vender aqueles activos da sociedade resulta, por definição, a afirmação daquele direito substantivo da requerente de impedir (provisoriamente) que os mesmos executem essa decisão através da sua venda, e justamente como forma de garantir a manutenção dos activos na sociedade enquanto a acção principal é dirimida. O que demonstra, à saciedade, a existência da relação de dependência.
H. Relação de dependência que, ao contrário do decidido, em relação à acção de destituição dos administradores não é, nem pode ser, apenas, a da sua suspensão provisória. Outras medidas há, como a dos autos, e até menos lesivas dos direitos destes, que cumprem adequadamente o fim em vista e, ainda assim, se encontram dentro a relação de dependência, tal como o artigo 383º do CPC a define e prevê.
I. Mais ainda. O tribunal recorrido não considerou que o princípio geral de direito de que quem pode o mais necessariamente pode o menos lhe imporia uma leitura mais rigorosa do regime do artigo 383º do CPC.
J. Se no âmbito de uma acção principal de destituição de Administradores por justa causa a Requerente pode pedir cautelarmente a suspensão dos administradores e, até, a nomeação de uns administradores provisórios - o que tem por efeito a impossibilidade dos Administradores de doravante praticarem qualquer acto enquanto gestores da sociedade - necessariamente pode pedir menos do que isso, que é justamente o que foi pedido nesta acção cautelar.
K. A Requerente entendeu que, ante o que queria acautelar, não era necessário pedir a suspensão dos administradores, privando-os de até à decisão da acção principal praticarem a generalidade dos actos inerentes à sua função; bastava, ante a ameaça pro si conhecida, impedi-los da prática daquele acto concreto, podendo os mesmos administradores manter-se em exercício quanto à generalidade das suas competências, implicando a medida cautelar pedida uma menor intromissão (lesão) na esfera jurídica destes, pois que não seriam suspensos da sua função.
L. Pareceu à Requerente, no caso concreto, que ante a ameaça de lesão concreta e descrita na pi, não seria necessário suspender os administradores dos seus cargos pois que tutelaria adequadamente o seu direito uma medida cautelar que constitui um minus relativamente à suspensão: os requeridos mantêm-se como Administradores, ficando, contudo, os seus poderes suspensos quanto à prática de apenas uma categoria de actos, e quanto a uma categoria de bens: que é a alienação daqueles activos concretos. Quanto ao demais actos, para a acautelar o seu direito, a Requerente não viu, nem vê, necessidade dos mesmos serem provisoriamente afastados da sociedade por um mecanismo suspensório.
M. No entender da Autora Requerente basta, para acautelar o direito, que provisoriamente, e até que a questão principal fique decidida, que os mesmos sejam inibidos de vender aqueles activos.
N. Desiderato que é alcançável justamente pela imposição de uma obrigação de non facere. E que é necessariamente provisória, porque se destina a vigorar na pendência do processo cautelar.
O. Está, assim, bem evidente a relação entre acção principal e processo cautelar, tal como definida no artigo 383º do CPC, o que determina a susceptibilidade de ser decretado aquilo que a Recorrente peticionou nestes autos cautelares e que foi a decretação dos administradores “se absterem de vender ou prometer vender ou por outro meio alienar ou prometer alienar, onerar ou prometer onerar, ou dispor a qualquer título, de todos e quaisquer terrenos, participações sociais ou outros activos (…)”. E, como tal, a medida peticionada é susceptível e ser decretada no quadro processual em que nos movemos.
P. A decisão recorrida estatui ainda que, ademais, o que foi pedido na providência cautelar “não é uma decisão provisória mas antes uma decisão final que não estaria dependente de qualquer acção a propor. Impedindo os Requeridos de praticar os actos que enuncia, ficaria esgotado o thema decidendum. A prática destes actos, impedida pelo decretamento, numa análise sumária da providência cautelar, nunca iria ser definitivamente apreciada numa acção principal”. Julgamos existir equívoco quanto ao real sentido do pedido.
Q. Quando a Requerente peticionou o que peitionou nestes autos cautelares, estava, e está, necessariamente, a pedir uma decisão provisória, que se destina a vigorar, apenas e só, na pendência da acção definitiva. Se a acção definitiva vier a ser julgada procedente, a destituição dos administradores será decretada e estes serão destituídos dos seus cargos sem terem podido praticar o acto de execução da sua própria deliberação de venda dos activos; se a acção definitiva vier a ser julgada improcedente, será a mesma levantada e os administradores poderão executar a sua própria deliberação, e concretizar os actos de execução a sua própria deliberação.
R. Assim, sendo, o que é peticionado nestes autos não é “uma decisão final que não estaria dependente de qualquer acção a propor. Impedindo os Requeridos de praticar os actos que enuncia, ficaria esgotado o thema decidendum“. Bem ao contrário, o que peticionado é necessariamente provisório, pois se trata de um non facere apenas durante o tempo em que decorre a acção principal, e que se não esgota com a sua decretação.
S. Aliás, os nossos tribunais decidem todos os dias providências cautelares deste tipo.
T. Por último, diga-se que é totalmente infundado e improcedente o juízo expresso na sentença recorrida de que “a prática destes actos, impedida pelo decretamento, numa análise sumária da providência cautelar, nunca iria ser definitivamente apreciada numa acção principal”.
U. Com efeito, na acção principal de destituição vai-se justamente analisar estes actos – a deliberação e vendas de activos e sua execução – ali como fundamento da destituição, por serem actos, segundo a Requerente, contra o interesse da própria sociedade, e jus-motivadores da destituição dos administradores.
V. É bem evidente que a prática destes actos – a execução da deliberação e vender activos da sociedade - é apreciada e é objecto das duas instâncias: na instância cautelar, como possível lesão, e motivadora de uma inibição provisória da sua prática; na acção definitiva, como acto intolerável e inadequado a um gestor competente e ordenado, que age de acordo com o interesse da sociedade, tendo em conta o interesse dos accionistas.
Conclui pedindo que, por directa violação do regime do artigo 383º do CPC, seja o presente recurso julgado procedente, com as legais consequências, designadamente a revogação do despacho recorrido e a prolação de um acórdão que, em sua substituição, decrete a admissão da presente providência.

Os Requeridos apresentaram contra-alegações, defendendo que a decisão recorrida em apreciação não merece qualquer reparo ou censura, improcedendo, por conseguinte, o recurso interposto pela Recorrente.
Concluem no sentido de dever este Tribunal negar provimento ao recurso interposto pela Recorrente, mantendo integralmente a decisão que julgou improcedente a providência requerida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

QUESTÃO A DECIDIR:
Se a providência deveria ter sido admitida, com eventual produção de prova e prolação de decisão de mérito.

FUNDAMENTAÇÃO:
DE DIREITO
Está em causa o despacho proferido nos autos, que indeferiu a pretensão da Requerente de ver discutida e apreciada em instância cautelar a pretensão requerida nesta sede.
Entende-se que assiste razão à Requerente quanto aos argumentos tecidos nas respectivas alegações e conclusões de recurso, que se acolhem na íntegra.
Assim, o titular de um direito subjectivo pode lançar mão a meios de tutela dos seus direitos com o fim de acautelar o efeito útil da acção, justamente através de procedimentos cautelares.
A providência cautelar surge como meio de antecipação e preparação de uma providência ulterior, pelo que é um meio, e não um fim, destinando-se a obter medidas que assegurem os efeitos de uma outra providência que há-de definir, em termos definitivos, a relação jurídica litigiosa. Tem, portanto, um carácter instrumental.
A providência cautelar justifica-se atento o periculum in mora, ou seja, com ela pretende-se defender o presumível titular do direito contra os danos e prejuízos que lhe pode causar a formação lenta e demorada da decisão definitiva nos autos principais.
O seu carácter é, assim, provisório, na medida em que supre temporariamente, a falta da providência final.
Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado – art. 381º CC.
Os requisitos da providência cautelar não especificada são: a) a probabilidade da existência do direito tido por ameaçado – objecto de uma acção declarativa – ou que venha a emergir de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor; b) que haja fundado receio de que outrem, antes de proferida decisão de mérito, ou porque a acção não está sequer proposta ou porque ainda se encontra pendente, cause lesão grave ou dificilmente reparável a tal direito; c) que ao caso não se apliquem as demais providências reguladas nos arts. 393º a 427º do CPC; d) que a providência requerida seja adequada a remover o periculum in mora concretamente verificado a assegurar efectividade do direito ameaçado; e) que o prejuízo resultante da providência não exceda o dano que com ela se quis evitar.
3. Na providência cautelar e na acção de que a mesma depende está em causa a protecção de um mesmo direito substantivo. O que acresce à providência cautelar, e a justifica, é a necessidade de antecipar a protecção desse direito porque a demora e a execução da providência definitiva a tomar na acção principal podem implicar o perigo de «lesão grave e dificilmente reparável» nesse mesmo direito.
A resposta à questão que nos ocupa encontra-se na interpretação do disposto no art 383º/1 do CPC e que refere que «o procedimento cautelar é sempre dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado».
«As providências cautelares, no processo civil, são medidas destinadas a remover uma situação de perigo iminente e concreto que ameaça o direito cuja tutela foi ou irá ser solicitada às instâncias do poder judicial, em matéria cível, resultante da duração do processo destinado a realizar essa tutela». (Neste sentido, cfr. Cura Mariano, in “ A Providência Cautelar de Arbitramento de Reparação Provisória, 2ª ed., pág.15”.
Consequentemente, na sua função meramente instrumental, as providências cautelares apresentam necessariamente com a acção principal um denominador comum que se traduz no direito substantivo cuja tutela está em causa.
A tutela desse mesmo direito - comum à providência e à acção - é que se há-de apresentar de tal modo urgente que não se mostrando passível de poder esperar pela solução definitiva da acção, imponha a medida antecipatória ou conservatória em que se traduz a providência cautelar.
Deste modo, na providência cautelar e na acção de que a mesma depende, está em causa a protecção de um mesmo direito substantivo. O que acresce à providência cautelar e a justifica, é a necessidade de antecipar a protecção desse direito porque a demora e a execução da providência definitiva a tomar na acção principal possam implicar o perigo de «lesão grave e dificilmente reparável» nesse mesmo direito.
Na situação dos autos, o referido denominador comum - ponto de partida da providência cautelar e ponto de chegada da acção de que aquela dependerá – é, na perspectiva da Requerente, o direito que lhe assiste de ver os Administradores da Sociedade Participada destituídos dos seus cargos pelo reconhecimento judicial de que a decisão que tomaram, enquanto administradores, de venda de activos ao arrepio do deliberado em AG pelos Accionistas e contra o interesse da sociedade é ilegal, é objectivamente lesiva da sociedade e violadora dos seus deveres enquanto gestores criteriosos.
É manifesto que a Requerente pode ver os seus efeitos provisoriamente antecipados, até que venha a ser definitivamente julgada a questão na acção principal, justamente através da imposição de uma medida cautelar que inibe os administradores provisoriamente da prática de determinados actos, e até que a decisão judicial da acção principal seja tomada.
Vem alegado que os Administradores deliberaram vender activos da sociedade contra expressa deliberação da AG da sociedade, que ainda não concretizaram a sua intenção, mas decidiram fazê-lo.
Alega a Requerente que na acção principal pretende ver apreciada esta conduta e, em consequência, pretende ver os mesmos administradores destituídos com justa causa.
Na providência cautelar, justamente para acautelar o mesmo direito, pretende a recorrente que os mesmos Administradores sejam provisoriamente impedidos de vender esses activos, e até que a acção definitiva seja definitivamente julgada.
Se a acção principal vier a declarar que o decidido pelos Administradores é legalmente admissível, a providência cautelar perde os seus efeitos e, acto contínuo, os mesmos administradores passam a poder executar a decisão de venda dos activos.
Se a acção principal vier a considerar ilegais as deliberações dos Administradores e, consequentemente, os vier a destituir dos seus cargos por isso, então, ficou acautelado o efeito útil da acção, que foi justamente o de, até à decisão definitiva, esses activos não serem alienados nem desaparecerem.
Ora, da acção principal de destituição dos administradores por ilegalidade da sua decisão de vender aqueles activos da sociedade resulta, por definição, a afirmação daquele direito substantivo da requerente de impedir (provisoriamente) que os mesmos executem essa decisão através da sua venda, e justamente como forma de garantir a manutenção dos activos na sociedade enquanto a acção principal é dirimida.
Daqui resulta demonstrada a existência da relação de dependência.
Que em relação à acção de destituição dos administradores não é, nem pode ser, apenas, a da sua suspensão provisória.
No mais, o tribunal recorrido não considerou que o principio geral de direito de que quem pode o mais necessariamente pode o menos, o que lhe imporia uma leitura mais rigorosa do regime do artigo 383º do CPC.
Se no âmbito de uma acção principal de destituição de Administradores por justa causa a Requerente pode pedir cautelarmente a suspensão dos administradores e, até, a nomeação de uns administradores provisórios - o que tem por efeito a impossibilidade dos Administradores de doravante praticarem qualquer acto enquanto gestores da sociedade - necessariamente pode pedir menos do que isso, que é justamente o que foi pedido nesta acção cautelar.
No caso, a Requerente entendeu que, ante o que queria acautelar, não era necessário pedir a suspensão dos administradores, privando-os de até à decisão da acção principal praticarem a generalidade dos actos inerentes à sua função e que bastava, ante a ameaça pro si alegada, impedi-los da prática daquele acto concreto, podendo os mesmos administradores manter-se em exercício quanto à generalidade das suas competências, implicando a medida cautelar pedida uma menor intromissão e lesão na esfera jurídica destes, pois que não seriam suspensos da sua função.
É legítima a opção feita pela Requerente, de que, no caso concreto, ante a ameaça de lesão concreta e descrita na pi, não seria necessário suspender os administradores dos seus cargos pois que tutelaria adequadamente o seu direito uma medida cautelar que constitui um minus relativamente à suspensão.
Deferindo-se a sua pretensão, se se verificarem os respectivos pressupostos, os requeridos mantêm-se como Administradores, ficando, contudo, os seus poderes suspensos quanto à prática de apenas uma categoria de actos, e quanto a uma categoria de bens: que é a alienação daqueles activos concretos.
Quanto ao demais, para a acautelar o seu direito, a Requerente não viu, e este Tribunal também não vislumbra que seja necessário que os mesmos sejam provisoriamente afastados da sociedade por um mecanismo suspensório.
Afirma-se assim ser legitimo o entendimento da Autora Requerente no sentido de bastar, para acautelar o seu direito, que provisoriamente, e até que a questão principal fique decidida, que os mesmos sejam inibidos de vender aqueles activos. Desiderato que é alcançável justamente pela imposição de uma obrigação de non facere. E que é necessariamente provisória, porque se destina a vigorar na pendência do processo cautelar.
Resulta pois demonstrada a relação entre acção principal e o processo cautelar, tal como definida no artigo 383º do CPC.
E por isso, é susceptível de ser decretado aquilo que a Recorrente peticionou nestes autos cautelares e que foi a decretação dos administradores “se absterem de vender ou prometer vender ou por outro meio alienar ou prometer alienar, onerar ou prometer onerar, ou dispor a qualquer título, de todos e quaisquer terrenos, participações sociais ou outros activos (…)”.
E, como tal, a medida peticionada é susceptível de ser decretada no quadro processual peticionado.
Refere-se ainda como fundamento da decisão recorrida, que, ademais, o que foi pedido na providência cautelar “não é uma decisão provisória mas antes uma decisão final que não estaria dependente de qualquer acção a propor.
Impedindo os Requeridos de praticar os actos que enuncia, ficaria esgotado o thema decidendum. A prática destes actos, impedida pelo decretamento, numa análise sumária da providência cautelar, nunca iria ser definitivamente apreciada numa acção principal”.
Entende-se que a questão deve ser equacionada de uma outra forma.
Aceita-se ser possível ao Tribunal fazer a leitura de que quando a Requerente peticionou que os Requeridos fossem condenados a:
a. se absterem de vender ou prometer vender ou por outro meio alienar ou prometer alienar, onerar ou prometer onerar, ou dispor a qualquer título, de todos e quaisquer terrenos, participações sociais ou outros activos que sejam directa ou indirectamente da mesma “P” sem prévia deliberação da assembleia geral da “P”;
b. e se absterem também de quaisquer outros compromissos, promessas, declarações ou atuações das quais possa resultar vinculação, compromisso, expectativa ou responsabilidade civil, incluindo responsabilidade civil pré contratual para a “P” em relação a quaisquer terrenos, participações sociais ou outros activos que sejam directa ou indirectamente da mesma “P”;
c. deverão ainda ser condenados em outras medidas que o Tribunal subsidiariamente possa entender convenientes e adequadas a evitar a lesão;
d. a condenação referida em a) a c) deverá ser feita sob cominação expressa de que incorrerão no crime de desobediência qualificada, p. p. pelo art.º 348º/2 do Código Penal (CP), com pena de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias, se infringirem a providência, seguindo-se os demais termos até final, estava necessariamente, a pedir uma decisão provisória, que se destina a vigorar, apenas e só, na pendência da acção definitiva. E mesmo que tal não fosse expresso, só nesses moldes o tribunal o poderia decretar e fazer efectivar.
Partindo de tal entendimento, se a acção definitiva vier a ser julgada procedente, a destituição dos administradores será decretada e estes serão destituídos dos seus cargos sem terem podido praticar o acto de execução da sua própria deliberação de venda dos activos; se a acção definitiva vier a ser julgada improcedente, será a mesma levantada e os administradores poderão executar a sua própria deliberação, e concretizar os actos de execução da sua própria deliberação.
Com tal entendimento deve concluir-se que o que é peticionado nestes autos não é “uma decisão final que não estaria dependente de qualquer acção a propor. Impedindo os Requeridos de praticar os actos que enuncia, ficaria esgotado o thema decidendum“
Bem ao contrário, o que peticionado é necessariamente provisório, pois se trata de um non facere apenas durante o tempo em que decorre a acção principal, e que se não esgota com a sua decretação.
Também se afigura totalmente infundado e improcedente o juízo expresso na sentença recorrida de que “A prática destes actos, impedida pelo decretamento, numa análise sumária da providência cautelar, nunca iria ser definitivamente apreciada numa acção principal”.
Na acção principal de destituição é suposto e pressuposto justamente analisar estes actos – a deliberação e vendas de activos e sua execução – ali como fundamento da destituição, por serem actos, segundo a Requerente, contra o interesse da própria sociedade, e jus-motivadores da destituição dos administradores.
A prática destes actos – a execução da deliberação e vender activos da sociedade – será seguramente apreciada e será objecto das duas instâncias: na instância cautelar, como possível lesão, e motivadora de uma inibição provisória da sua prática; na acção definitiva, como acto intolerável e inadequado a um gestor competente e ordenado, que age de acordo com o interesse da sociedade, tendo em conta o interesse dos accionistas.
Tendo presentes os motivos expostos, a presente providência deveria ter sido admitida e nela produzida prova com vista à prolação da decisão final que apreciasse a pretensão da Requerente.
Na procedência da apelação, impõe-se revogar a decisão objecto de recurso para os fins atrás determinados.

DECISÃO
Nos termos vistos, Acordam os Juízes da 8ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente a apelação, revogando a decisão objecto de recurso, a substituir por uma outra que, admitindo a providência requerida, determine a produção de prova e ulterior tramitação até à prolação da decisão final que aprecie a pretensão da Requerente.
Custas a cargo dos apelados

Lisboa, 31 de Janeiro de 2013

Maria Amélia Ameixoeira
Ferreira de Almeida
Silva Santos