CONDOMÍNIO
VENDA DE COISA DEFEITUOSA
CADUCIDADE
ABUSO DE DIREITO
NULIDADE DE SENTENÇA
Sumário

I – Ao contrato de compra e venda de imóvel, em que o vendedor é simultaneamente construtor, aplica-se o regime da caducidade previsto nos artºs 916º e 917º do Código Civil, pelo que o defeito dever ser denunciado no ano seguinte ao do seu conhecimento ou nos cinco anos posteriores à entrega do imóvel.
II – A dissolução da sociedade construtora do imóvel vendido antes de decorrido o prazo de cinco anos sobre a sua entrega não basta para se concluir pela existência de dolo nos termos do art.º 253º do Código Civil.
III – O regime decorrente do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, anterior às introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, nomeadamente o disposto no art.º 5º, em nada contende com o que a aplicação do regime de caducidade do Código Civil (artºs 916ºe 917º).
IV – O reconhecimento de terem existido defeitos e que os repararam, não é suficiente para se concluir por uma conduta redutível ao abuso de direito, na vertente de venire contra factum proprium.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I

Relatório

ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO NO LARGO ..., N.º ..., ... NA L...
Instaurou acção declarativa sob a forma de processo comum ordinário, a correr termos pelo Tribunal Judicial da Comarca da L..., contra:
1- “A”,
2- “B”,
3- “C” e
4- “D”
Alegando, em síntese, o seguinte:
· Os 1º a 3º réus constituíram entre si, por escritura pública, a sociedade denominada ““E” – Construções, Lda., tendo por objecto social a construção civil, compra e venda de propriedades e revenda dos adquiridos para esses fins;
· Por escritura pública de 25-09-1998, os 1º a 3º réus, na qualidade de gerentes e em representação da sociedade “E” – Construções, Lda., adquiriram por permuta para a sociedade o prédio urbano composto por lote de terreno para construção, para ser construído um edifício destinado a habitação e comércio, tendo “F” e mulher “G” recebido em troca uma fracção autónoma a constituir após a conclusão da dita construção;
· A “E” – Construção, Lda. construiu o prédio urbano sito no Largo ..., n.º ..., no ..., freguesia e concelho da L..., o qual foi constituído em regime de propriedade horizontal;
· A construção do prédio ficou concluída em 25-08-2000;
· A construção do referido prédio decorreu sob a responsabilidade técnica do 4º réu;
· A sociedade “E” – Construções, Lda. procedeu à comercialização de todas as fracções do prédio;
· No ano de 2002 venderam-se as quatro últimas fracções;
· Por escritura de 17-12-2002, os 1º a 3º réus dissolveram a sociedade “E” – Construções, Lda.;
· Os 1º a 3º réus não comunicaram a dissolução da sociedade aos proprietários das fracções autónomas, quer à autora;
· Os condóminos do prédio elegeram uma primeira administração do condomínio em 13-09-2003;
· Por notificação judicial avulsa, os réus foram notificados pessoalmente em 29-05-2006, 16-06-2006, 07-06-2006 e 08-06-2006, respectivamente, que a autora procedia à denúncia das anomalias/defeitos existentes nas partes comuns do prédio para que procedessem imediatamente à reparação/eliminação dessas anomalias/defeitos de acordo com relatório junto com a notificação;
· As partes comuns do prédio apresentam anomalias estruturais e anomalias não estruturais.
Concluiu pedindo sejas os réus condenados a:
1) Proceder/realizar ou mandar proceder/realizar, imediatamente, a expensas suas, à reparação/eliminação das anomalias/defeitos assinalados de acordo com a metodologia (estratégia) de intervenção definitiva do relatório/estudo junto;
2) A proceder/realizar ou mandar proceder/realizar, a expensas suas, aos trabalhos de limpeza das partes comuns do prédio, imediatamente após a realização e concretização dos trabalhos mencionados;
3) Não procedendo ou não realizando tais trabalhos, a expensas suas, pagar à autora a quantia necessária para ela mandar efectuar a reparação/eliminação dessas mesmas anomalias/defeitos, remetendo a fixação do montante da indemnização para execução de sentença;
4) Não procedendo/não realizando tais trabalhos, a expensas suas, pagar à autora a quantia necessária para ela mandar efectuar os trabalhos de limpeza das partes comuns do prédio, imediatamente após a realização e concretização dos trabalhos antes referidos.
A autora formulou, ainda, outros pedidos alternativos.


Citados regularmente, os réus contestaram.
Na contestação dos 1º a 3º réus foram invocadas a excepção de ilegitimidade passiva e a excepção de caducidade, para o que alegou, em suma:
· Os defeitos eram do conhecimento da autora muito antes da notificação judicial avulsa e já haviam sido denunciados anteriormente;
· Na interpelação feita em 10-09-2004, a administração do condomínio interpelava para os arranjos das anomalias exteriores do prédio e enunciava que eram causa directa dos problemas verificados nos interiores das fracções, que nessa data já estavam arranjadas;
· Em cartas recebidas pelos 1º e 2º réus, enviadas pelo condómino “C”, em 27 e 25 de Novembro de 2003, já o mesmo denunciava as fissuras na parede exterior do prédio, pelo que tais defeitos tendo já sido denunciados ao 1º e 2º réus encontra-se o exercício desse direito há muito caducado;
· A autora e todos os condóminos tiveram conhecimento dos defeitos desde o ano de 2003 e 2004;
· Em 10-09-2004, por carta registada com aviso de recepção, a autora notificou a sociedade empreiteira da obra para até 30-09-2004 indicar a previsão da execução das obras ao nível dos defeitos exteriores do prédio, que eram origem de infiltrações;
· A fracção “Q” foi entregue ao proprietário antes da obra estar dada como finda, de acordo com carta de 20-10-1999;
· As fracções “M”, “F” e “G” foram entregues a título pessoal aos 1º, 2º e 3º réus.
· Por isso, o prazo de garantia de cinco anos expirou e o mesmo não coincide com a celebração da escritura.
· Toda e qualquer anomalia de obra da responsabilidade dos réus foi arranjada.
Concluíram pela improcedência da acção.

O 4º réu invocou a excepção de ilegitimidade passiva e de caducidade, para o que alegou, em suma:
A última fracção foi recepcionada no início do ano de 2001 (fracção “H”);
As quatro últimas fracções foram entregues antes da obra estar formalmente concluída;
Rejeita qualquer responsabilidade por defeitos no prédio.
Concluiu pela improcedência da acção.

Na réplica, a autora defendeu a improcedência da excepções invocadas pelos réus e defendeu, também, que a invocação da excepção de caducidade é ilegítima por se traduzir em abuso de direito.

Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada procedente a excepção de caducidade da presente acção, absolvendo os réus do pedido.


Não se conformando com aquela sentença, dela recorreu a autora, que nas suas alegações de recurso formulou seguintes “CONCLUSÕES”:
1ª – Vem o presente recurso da decisão que o M. Juiz de primeira instância proferiu em 24/02/2010 (despacho saneador) e que julgou procedente a excepção da caducidade da acção, absolvendo os RR. do pedido;
2ª - Em 29/02/2009 o M. Juiz de primeira instância considerava que a matéria em causa nos presentes autos se mostrava com “relativa complexidade” agora passou a considerar como «a simplicidade da causa», tendo dispensando a realização da audiência preliminar quando a mesma já havia sido anteriormente realizada - precisamente 1(um) ano antes, na sequência aliás do despacho que havia proferido em 12/10/2008;
3ª - Na contestação que apresentaram, os RR. invocaram a excepção de caducidade, contudo não o fizeram nos termos em que a mesma foi decidida no despacho saneador ora recorrido;
4ª - A A. respondeu, em réplica, à excepção de caducidade invocada pelos RR. e inclusivamente referiu que a excepção de caducidade é ilegítima, por se traduzir em ABUSO DE DIREITO. No entanto,
5ª - O M. Juiz de primeira instância não se pronunciou sobre o instituto do ABUSO DE DIREITO oportuna e tempestivamente invocado pela A. (ora recorrente). Vid. artigos 36º a 59º da Réplica;
6ª - Nos termos da primeira parte da alínea d), do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, na redacção em vigor à data, é nula a sentença quando o juiz “deixe de se pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar;
7ª - Os 1º e 3º RR e face ao alegado no artigo 41º da contestação que apresentaram actuando como ainda sócios e gerentes se tratassem da ““E” – Construções, Lda”, apesar da mesma já há muito por eles e por comum acordo, ter sido dissolvida, liquidada e partilhada em 17/12/2002, com a respectiva inscrição que fizeram na Conservatória do Registo Comercial da L... em 16/01/2003, procederam à reparação dos defeitos/anomalias que haviam anteriormente sido denunciados, fizeram essa reparação dos defeitos/anomalias, inclusivamente na parte exterior no edifício, conforme se pode constatar aliás das diferenças de cor existentes no exterior do edifício, resultante aliás dos materiais que foram aplicados;
8ª - Isto que se acabou de mencionar também serve relativamente ao vertido no artigo 41º da contestação do 3º R., pois essas ditas anomalias/defeitos foram reparadas;
9ª - Os 1º a 3º RR. reconheceram a existência de defeitos/vícios de construção e assumiram a responsabilidade pela sua reparação;
10ª - Sucede, porém, que decorrente quer seja da deficiente e/ou má reparação das anomalias/defeitos e por conseguinte do seu reinício e agravamento quer seja também do aparecimento/surgimento de novas anomalias/defeitos, a verdade é que a realidade detectada é a constante no relatório junto aos autos pela A. (doc. 13 junto aos autos com a P.I. e que constituiu fls. 83 e seguintes dos autos);
11ª - Razão pela qual há “venire contra factum proprium” quando os 1º a 3º RR. aceitam perante a A. e os condóminos do prédio a existência de defeitos/vícios de construção, inclusivamente tendo assumido anteriormente a responsabilidade pela sua reparação e depois na acção proposta pela A. invocam a caducidade da garantia;
12ª - Com efeito, sempre a invocação da excepção pelos RR., na contestação, se traduzia um “venire contra factum proprium”, que excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé e, como tal, integra abuso de direito (artigo 334º do Código Civil);
13ª - Daí que essa invocação seja ilegítima, logo inatendível, e que também conduziria à improcedência da excepção;
14ª - Depois, na decisão proferida pelo M. Juiz de primeira instância nem sequer este equacionou a problemática em discussão nos autos e que inequívoca e claramente é causa de pedir na presente acção e que diz respeito à “dissolução, partilha e liquidação da sociedade construtora/vendedora” e ao “dolo”;
15ª - O que mais uma vez, nos termos da primeira parte da alínea d), do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, na redacção em vigor à data, é causa de nulidade da sentença;
16ª - A “dissolução, partilha e liquidação da sociedade construtora/vendedora” e o “dolo” são assim elementos essenciais dos direitos invocados pela A. na acção, pelo que,
17ª - integrando os factos a esse respeito alegados pela A. a noção de dolo dos RR. (artigo 253º do Código Civil e 483º ambos do C.P.C. – vid. nomeadamente artigos 35º e seguintes da petição inicial) e sendo as normas controvertidas nesta fase do processo, nunca poderia o despacho recorrido ter julgado procedente a excepção com fundamento na extemporaneidade da propositura da acção,
18ª - (o prazo seria de 20 anos) ou da denúncia dos defeitos (o que a A. estava dispensada de fazer);
19ª - Em caso de dolo, o comprador está dispensado de denunciar os defeitos e o exercício do seu direito está sujeito às regras gerais da prescrição e por isso ao prazo de 20 anos (ver artigos 298º, nº 1 e 309º ambos do Código Civil e “C.C. Anotado dos Profs. Pires de Lima e A. Varela em anotação ao artigo 916º do Código Civil);
20ª - Sendo profissionais da área, os RR. tinham e têm por obrigação construir e construir bem, devendo assim ser mais responsabilizados pelos defeitos da obra;
21ª - Dá-se aqui por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos o vertido nos artigos 1º a 58º da petição inicial;
22ª - O papel a desempenhar pela jurisprudência será o de fazer uma adequada leitura dos textos normativos com interpretações idóneas a satisfazer as exigências da vida social;
23ª - O Estado nos tempos de hoje não regula apenas a convivência pacífica entre todos os cidadãos. Preocupa-se em actuar a justiça social (artigo 2º da C.R.P.);
24ª - Aliás, basta ter presente a alteração legislativa preconizada pelo D. L. nº 84/2008, de 21 de Maio, em que no seu preâmbulo, se pode ler que decorridos que foram cinco anos sobre a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril, considera-se necessário introduzir novas regras que permitam ajustar o regime à realidade do mercado e colmatar as deficiências que a aplicação daquele diploma revelou, estabelecendo-se também um novo prazo de dois e três a contar da denúncia, conforme se trate, respectivamente, de um bem móvel ou imóvel, para a caducidade dos direitos dos consumidores;
25ª - Naquele decreto-lei estabelece-se, ainda, um prazo de dois anos ou de cinco anos de garantia para o bem sucedâneo, substituto, do bem desconforme se se tratar, respectivamente, de um bem móvel ou imóvel e consagra a transmissão dos direitos conferidos pela garantia aos terceiros adquirentes;
26ª - Face ao disposto no nº 7 do artigo 5º (Prazo de garantia) do Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei nº 84/2008, de 21 de Maio, o prazo de cinco anos, a contar da data da entrega do imóvel, suspende-se a partir da data da denúncia, durante o período de tempo em que o consumidor estiver privado do uso dos bens e o prazo de caducidade da acção referido no nºs 3 do artigo 5º- A (Prazo para o exercício de direitos) suspende-se durante o período em que o consumidor estiver privado do uso do bem com o objectivo da sua reparação ou substituição, bem como durante o período da tentativa de resolução extrajudicial do conflito com o vendedor ou produtor, com excepção da arbitragem (nº 4);
27ª - Foram assim violadas as seguintes normas:
- artigos 256º; 298º, nº 1 e 309º; 916º, nº 1 parte final; 334º; 483º e 1225º todos do Código Civil;
- artigos 508º-A e 508º-B; primeira parte da alínea d), do nº 1 do artigo 668º, todos do Código de Processo Civil na redacção em vigor à data;
28ª - Termos em que a decisão ora recorrida, deve ser substituída por outra em conformidade com o atrás exposto.

II

- FUNDAMENTAÇÃO

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

Nos termos do art.º 684º, n.º 3, do Código de Processo Civil, o objecto do recurso é limitado e definido pelas conclusões da alegação do recorrente.

Assim, no âmbito do presente recurso de apelação as questões a conhecer são as seguintes:
1) Nulidade da sentença;
2) Caducidade;
3) Abuso de direito.


1. Nulidades de sentença

A apelante invoca que a sentença recorrida violou a norma constante da alínea d) do n.º 1 do art.º 668º do Código de Processo Civil, segundo a qual é “ nula a sentença quando: …d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Segundo a apelante a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia por não se ter pronunciado sobre a excepção de abuso de direito na invocação da excepção de caducidade e por não se ter pronunciado, também, sobre a questão invocada de dissolução da sociedade construtora/vendedora e sobre o dolo, que são elementos essenciais do direito invocado pela autora.

Com efeito, a autora invocou o abuso de direito na alegação da excepção de caducidade e, efectivamente, a sentença conheceu a excepção da caducidade, julgando-a procedente, sem se ter pronunciado sobre aquela invocação.
Verifica-se, assim, nulidade da sentença, pelo que a seguir se passará a conhecer do invocado abuso do direito.

No que respeita à outra invocada nulidade da sentença, consideramos que não assiste qualquer razão à autora.
A apelidada problemática da dissolução da sociedade construtora e do dolo deve ser analisada no âmbito da legitimidade passiva dos réus e não como elemento constitutivo do direito invocado pela autora.
Tal como decorre dos factos constitutivos do direito alegados pela autora e que constituem da causa de pedir, a demandante pretende fazer valer eventuais direitos decorrentes de defeitos de construção do prédio, designadamente das partes comuns, administrado pela autora e que foi construído e vendido por sociedade já dissolvida e liquidada de que os 1º a 3º réus eram sócios e gerentes.
A responsabilidade civil desenhada na presente acção tem toda ela origem contratual e não se trata de qualquer responsabilidade extracontratual no termos dos artºs 483º e segs do Código Civil.
São, por isso, aplicáveis as regras próprias da responsabilidade aplicável ao caso, nomeadamente as relativas à empreitada.
Nos termos do art.º 270º do Código das Sociedades Comerciais, as sociedades por quotas podem ser livremente dissolvidas pela deliberação dos sócios.
A liquidação da sociedade segue as regras do art.º 146º daquele código, e os direitos contra a sociedade podem ser exigidos nos termos dos artºs subsequentes, nomeadamente do art.º 153º do CSC.
A autora não alega factos relativos à responsabilidade extracontratual, nomeadamente que a dissolução da sociedade foi feita com a intenção de prejudicar os direitos dos credores da sociedade, nem que a dissolução e liquidação foi efectuada de forma fraudulenta.
A questão da dissolução da sociedade invocada na acção deve ser vista como eventual fundamento da legitimidade passiva dos réus.

Deste modo, consideramos verificar-se apenas nulidade de sentença no que respeita à omissão de pronúncia sobre o abuso de direito, que adiante se conhecerá.

2. Caducidade

A sentença recorrida julgou procedente a excepção de caducidade do direito invocado pela autora,
Os 1º a 3º réus alegam o seguinte com relevância para o conhecimento da excepção de caducidade:
a) A autora e todos os condóminos tiveram conhecimento dos defeitos desde 2003 e 2004;
b) Em 10-09-2004, a autora notificou a sociedade empreiteira da obra para até 30-09-2004 indicar a previsão da execução das obras ao nível dos defeitos exteriores do prédio;
c) As fracções autónomas foram entregues aos proprietários antes de a obra estar finda;
d) A escritura da fracção “F” só foi realizada em 31-12-2002 por interesse da compradora em realizar obras de beneficiação e ainda não ter decidido qual oi destino a dar à mesma, apesar de lhe ter sido entregue logo após a conclusão da obra.

O 4º réu alegou, no que respeita à mesma excepção, o seguinte:
a) A última fracção foi recepcionada no início de 2001;
b) As quatro últimas fracções foram entregues antes de a obra estar formalmente concluída.

Tendo em conta a natureza da relação contratual estabelecida entre os condóminos do prédio em causa e o facto de a sociedade vendedora ter sido também a construtora do edifício, passamos a expor o regime legal relativo à responsabilidade por defeitos da coisa vendida/construída, com vista à melhor compreensão da questão.

A resolução deste problema exige a qualificação dos acordos invocados pela recorrente e o exame das consequências jurídicas que a lei associa ao mau cumprimento ou ao cumprimento defeituoso das obrigações que desse acordo emergem para os apelados.

Tem-se por assente que entre os proprietários que constituem o condomínio administrado pela recorrente, por um lado, e a sociedade de que os 1º e 3º recorridos eram sócios e gerentes, por outro, foram celebrados vários contratos de compra e venda (artºs 874º e 875º do Código Civil).
Do contrato de compra e venda emergem, no direito português, três efeitos primordiais: o efeito translativo do direito; a obrigação de entrega da coisa e a obrigação de pagamento do preço (artºs 408º, n.º 1, e 879º do Código Civil).
Não oferece dúvida, a qualificação deste contrato como bivinculante, sinalagmático e oneroso: do contrato derivam obrigações para ambas as partes, como contrapartida uma das outras e ambas suportando esforço económico.
As obrigações de entrega da coisa, a cargo do vendedor, e de pagamento do preço, a cargo do comprador, são obrigações simples.
Mas sendo obrigações simples, elas surgem sempre acompanhadas de deveres acessórios (cfr. Manuel A. Carneiro da Frada, Contrato e Deveres de Protecção, Coimbra, 1994, págs. 55 a 92).
Entre os deveres acessórios específicos da compra e venda e que derivam de lei expressa, contam-se, naturalmente, os deveres legais atinentes á responsabilidade por vícios ou defeitos da coisa.
O vendedor, adstrito ao dever de entregar a coisa objecto mediato do contrato, pode violar esse seu dever de prestar por uma de duas formas: ou pelo puro e simples incumprimento ou impossibilitando a prestação (artºs 798º e 801º, n.º 1, do Código Civil).
Existe, no entanto, uma terceira possibilidade, que, relativamente ao contrato de compra e venda, é objecto de previsão específica: a de ter havido um cumprimento defeituoso ou inexacto (artºs 913º e segs. do Código Civil).
O vendedor não está só adstrito à obrigação de entregar certa coisa; ele encontra-se ainda vinculado a entregar uma coisa isenta de vícios e conforme com o convencionado, quer dizer, sem defeitos (art.º 913º Código Civil).
Coisa defeituosa é, portanto, aquela que tiver um vício ou se mostrar desconforme com aquilo que foi acordado.
O vício corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal de coisas daquele tipo; a desconformidade representa uma discordância com respeito a fim acordado (cfr. Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, Coimbra, 1994, pág. 185; João Calvão da Silva, Estudos Jurídicos (Pareceres), Almedina, Coimbra, 2001, págs. 335 e 336).
Quando não houver acordo das partes acerca do fim a que a coisa se destina, atende-se à função normal de coisas da mesma categoria (art.º 913º, n.º 2, do Código Civil).
Há, portanto, um padrão normal relativamente à função de cada coisa: é com base nesse padrão que se aprecia a existência de vício.
Por exemplo, pressupõe-se que no prédio vendido não haja humidade nem fissuras nas paredes, que as chaminés procedam à exaustão dos fumos, etc.
Apesar de apenas a propósito do contrato de empreitada a lei se referir aos defeitos ocultos e aos defeitos aparentes ou reconhecíveis, esta distinção deve valer também para a compra e venda, desde que se admita, como se deve – sob pena de se premiar a negligência do comprador - o dever deste de proceder, no momento da entrega da coisa, á verificação do defeito (art.º 1218º do Código Civil; Pedro Romano Martinez, Compra e Venda e Empreitada, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil, e dos 25 anos da Reforma de 1977, vol. III, Coimbra Editora, págs. 246 e 247 e Contratos em Especial, UCP, Lisboa, 1996, pág. 128; João Calvão da Silva, obra citada, pág. 336).

No contexto da compra e venda, defeito oculto é, portanto, aquele que, sendo desconhecido do comprador pode ser legitimamente ignorado, pois não era detectável através de um exame diligente, i.e., não era reconhecível pelo bonus pater famílias (vide Acórdão da Relação de Lisboa de 21-02-91, CJ, XVI, I, pág. 161); defeito aparente é aquele que é detectável mediante um exame diligente, de que o comprador se poderia ter apercebido usando de normal diligência (vide Acórdão da Relação do Porto de 17-11-92, CJ, XVIII, V, pág. 224).
De qualquer modo, o defeito da coisa prestada só faculta ao comprador os meios jurídicos enunciados se o desconhecer sem culpa.
Por outras palavras: a responsabilidade emergente da prestação de coisas defeituosas só existe em caso de defeito oculto.
Aos vícios supervenientes, i.e., sobrevindos após a celebração do contrato de compra e venda e antes da entrega da coisa, como de resto, à venda de coisa futura ou de coisa genérica, manda a lei aplicar as regras relativas ao não cumprimento das obrigações (art.º 918º do Código Civil).
A lei assinala à prestação de coisa defeituosa, várias consequências jurídicas que assentam num plano comum: a culpa, ainda que meramente presumida do vendedor: a responsabilidade deste pelo cumprimento defeituoso é necessariamente subjectiva (art.º 799º, n.º 1, do Código Civil).
Presume-se, porém, que o cumprimento defeituoso procede de culpa do vendedor (art.º 799º, n.º 1, do Código Civil).

Assim e em primeiro lugar, a venda de coisa defeituosa faculta ao comprador não o exercício da faculdade de requerer a anulação do contrato, mas de promover a resolução dele e que, portanto, não trata de um problema de erro mas de incumprimento (art.º 905º, ex-vi art.º 913º, n.º 1, do Código Civil; cfr., v.g., Pedro Romano Martinez, Contratos em Especial, UCP, Lisboa, 1996, págs. 129 e 130; Acs. do STJ de 26-06-95, CJ (STJ), II, pág. 143; da RC de 28-03-89 CJ XIV, II, pág. 47 e da RP de 13-05-93, CJ, XVIII, III, pág. 201).
Em segundo lugar, reconhece-se ao comprador a possibilidade de exigir a reparação do defeito, caso esta seja possível, ou a substituição da coisa defeituosa, naturalmente se esta for fungível e se a entrega de coisa substitutiva não corresponder a uma prestação excessivamente onerosa para o vendedor, atento o proveito do comprador (artºs 914º e 921º do Código Civil).
Em terceiro lugar, atribui-se ao comprador o direito de reclamar a redução do preço convencionado (art.º 911º ex-vi art.º 913º, n.º 1, do Código Civil).
Por último, concede-se-lhe a faculdade de pedir uma indemnização (art.º 911º, ex-vi art.º 913º do Código Civil).

Os diversos meios jurídicos facultados ao comprador no caso de prestação de coisa defeituosa, não podem ser exercidos em alternativa, estando entre si numa ordem lógica: em primeiro lugar o vendedor está adstrito a eliminação do defeito da coisa; depois à sua substituição; frustrando-se estas pretensões, o comprador pode reclamar a redução do preço e, por fim, a extinção do contrato.
Mostrando-se a coisa prestada pelo vendedor defeituosa, o direito primeiro que a lei reconhece ao comprador é o de exigir a eliminação do defeito (art.º 914º do Código Civil).
Na verdade, tendo este direito sido estabelecido no interesse de ambos os contraentes, não é lícito ao comprador impedir o cumprimento dessa obrigação do vendedor, mesmo no caso de já mostrar constituído, no tocante a ela, na situação de mora.
À semelhança do que ocorre com o contrato de empreitada, a não eliminação do defeito não confere ao comprador o direito de, por si ou por terceiro, eliminar o defeito ou refazer a obra, reclamando, depois – ou mesmo antecipadamente – do vendedor - o reembolso da despesa correspondente (cfr. João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, págs.106 a 110; Acs. STJ de 19-10-94, CJ, STJ, II, III, pág. 93, RE de 26-09-96, CJ XXI, IV, pág. 282 e RC de 02-10-01, CJ XXVI, IV, pág. 24).
Só assim não ocorrerá, à semelhança do que sucede no contrato de empreitada, no caso de incumprimento definitivo daquela obrigação do vendedor de eliminação do defeito ou em caso de comprovada urgência (artºs 339º, n.º 1, e 808º, n.º 1, do Código Civil); cfr. João Cura Mariano, obra citada, págs. 114 e 115; Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, Coimbra, 2001, pág. 346, e Direito das Obrigações (Parte Especial). Contratos. Compra e Venda. Locação. Empreitada, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2001, pág. 483; Acs. da RP de 22-01-96, CJ XXI, I, pág. 202, e da RC de 10-12-96, RLJ Ano 131, pág. 113).
É claro que a eliminação dos defeitos, para além de poder ser exigida, pode ser oferecida pelo responsável, podendo, portanto, dizer-se que para além do dever, este último tem igualmente o direito de proceder à eliminação dos defeitos.
Realmente, ainda que dentro de certos limites, o devedor tem o direito de cumprir a prestação e, nessa medida, pode impor a eliminação do defeito, sob pena de, em caso de recusa injustificada, se extinguir a sua responsabilidade. Mas essa extinção não é, evidentemente, automática: deve exigir-se, em primeiro lugar que o credor se constitua em mora, e, em segundo lugar, que tenha decorrido o prazo razoável assinado pelo devedor, para aceitar a eliminação do defeito. Reunidos estes dois requisitos, a obrigação do devedor deve ter-se por extinta (artºs 813 e, por aplicação analógica, 808 do Código Civil).
Tendo sido proposta a reparação, o comprador ou o dono da obra, conforme o caso, não se devem opor a essa oferta, se a recusa correspondente contrariar a boa-fé (art.º 762º, n.º 2, do Código Civil).
Desde que a eliminação seja adequada e o credor não tenha perdido – objectivamente – o interesse na prestação, a proposta do devedor não deve ser recusada (art.º 808º do Código Civil).
Caso o seja, a responsabilidade do devedor deve ter-se por cessada (Ac. da RP de 14-01-92, CJ, XVII, I, pág. 222).

Neste contexto, a dúvida que se levanta é a de saber se, não tendo a primeira tentativa do devedor de eliminação do defeito sido eficaz, o credor, não obstante manter interesse na prestação, deve aceitar a proposta de uma segunda tentativa de eliminação.
Nesta conjuntura, a resposta que se tem por exacta é a de que o credor – o comprador ou o dono da obra, conforme o caso – não tem o dever de conceder ao responsável uma segunda oportunidade: nesse caso, a obrigação deste deve considerar-se definitivamente incumprida (cfr. Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, cit., pág. 383, e Direito das Obrigações, (Parte Especial), (Contratos), cit., pág. 485; João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro, pelos Defeitos da Obra, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2011, pág. 101; Ac. da RC de 18-01-11, http://www.dgsi.pt).

O quadro jurídico das pretensões que o comprador pode alicerçar na venda de coisa defeituosa, que corresponde ao regime clássico da garantia edilícia, tem notória e directamente em vista os vícios intrínsecos, estruturais da coisa vendida, que a tornam imprópria para o seu destino, e os danos decorrentes de qualquer desses vícios lesivos do interesse na prestação – danos na própria coisa, danos directos, imediatos do vício ou danos da imperfeição do cumprimento, v.g., despesas com a reparação ou com a indisponibilidade da coisa.
Contudo, é evidente que o modo como tal garantia é construída na nossa lei civil não exclui os danos indirectos sofridos pelo comprador em bens pessoais – vida, saúde, integridade física – ou patrimoniais consequentes ao vício intrínseco, estrutural e funcional da coisa comprada (Ac. da RL de 08-05-90, CJ, III, pág. 112; João Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Conformidade e Segurança, Almedina, Coimbra, 2001, págs. 44 e 45; João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro, pelos Defeitos da Obra, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2008, págs. 91 a 93).
Reforça-se esta mesma ideia recorrendo-se às expressões danos circa e danos extra rem, o que significa que quando da prestação de coisa defeituosa emergem danos na própria coisa vendida, por exemplo, diminuição do seu valor ou da sua utilidade, fala-se no primeiro tipo; quando da imperfeição da prestação decorrem danos pessoais sofridos pelo comprador ou ocasionados no seu património, o dano diz-se do segundo tipo (cfr. Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, cit., pág. 260 e segs. e Direito das Obrigações, (Parte Especial) Contratos, Compra e Venda, Locação, Empreitada, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2003, págs. 139 e 140; Acs. RC de 31-05-94, CJ, XIX, III, pág. 22, da RL de 6-12-88, CJ, XIII, V, pág. 114, RE de 31-01-91, CJ, XVI, pág. 292, de 20-02-92, CJ XVII, I, pág. 237 e STJ de 31-05-94, BMJ nº 356, pág. 349).
A existência de várias qualificações do dever de reparação tem enorme relevância prática num ordenamento jurídico como o nosso, no qual os regimes legais de responsabilidade contratual e delitual não são inteiramente coincidentes.
A regulamentação dessas responsabilidades diverge em pontos tão importantes como, por exemplo, a determinação do ónus da prova, dado que enquanto na responsabilidade delitual a regra é a da prova da culpa pelo lesado e a excepção é a presunção da culpa do agente e na responsabilidade contratual o princípio é o da presunção de culpa do devedor (artºs 487º, n.º 1, 491º, 492º, n.º 1, e 493º do Código Civil); a medida da culpa, porque na responsabilidade aquiliana é suficiente a negligência do infractor e na responsabilidade extra contratual é exigida, nalguns casos, o dolo do devedor remisso (artºs 487º, n.º 2, 494º, 814º, n.º 1, 915º, 957º e 1134º do Código Civil); no prazo prescricional, que na responsabilidade ex delicto é de três anos e na responsabilidade contratual é, em regra, o prazo ordinário de vinte anos; e na quantificação da prestação indemnizatória, para quem entenda – contra o que se deve – que apenas na responsabilidade extracontratual a reparação contabiliza os danos não patrimoniais (artºs 309º, 494º e 498º do Código Civil).
A realização simultânea da responsabilidade contratual e da responsabilidade delitual verifica-se, em regra, nas situações em que o incumprimento da prestação também constitui uma ilicitude delitual.
Mas sendo uma dimensão mais comum e vulgar dessa eventualidade, a verdade é que as relações entre a ilicitude aquiliana e a responsabilidade contratual são objecto de controvérsia.
Para uma corrente, o problema resolve-se no plano do concurso de normas, considerando-se a responsabilidade contratual como especial perante a ilicitude aquiliana (Mário Júlio de Almeida e Costa, O Concurso da Responsabilidade Civil Contratual e Extracontratual, Ab Uno Ad Omnes, 75 anos da Coimbra Editora, 1998, págs. 555 e segs. e Direito das Obrigações, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 1998, págs. 477 e 478): como a responsabilidade contratual é aplicável em exclusivo a uma vinculação contratual, essa aplicação afasta necessariamente a subsunção dessa ilicitude à responsabilidade delitual; para outra, assente na constatação de que as qualificações da ilicitude como contratual e delitual regulam simultaneamente uma mesma pretensão, o problema da dupla realização de uma e outra previsão de ilicitude deve ser deslocado para o plano do concurso de pretensões indemnizatórias, embora se discuta se esse concurso deve ser qualificado como uma pluralidade de pretensões ou como uma única pretensão (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, O Concurso de Títulos de Aquisição da Prestação, Almedina, Coimbra, 1988, págs. 150 a 159).
A violação contratual positiva pode, portanto, conjugar a infracção do dever de cumprimento da prestação com a violação de um dever acessório de preservação ou de protecção do património do credor e atinge, por isso, um interesse contratual e um interesse extracontratual.
Esta violação contratual não coincide, por isso, com o âmbito do cumprimento defeituoso, dado que na lógica da lei, esse cumprimento inexacto é considerado como originando a indemnização de um interesse contratual, normalmente apenas o interesse negativo – o que remete implicitamente a reparação dos eventuais danos extracontratuais para os regimes da culpa in contraendo ou da responsabilidade extra contratual (artºs 908º e 909º, ex-vi art.º 913º, 227º e 483º, n.º 1, do Código Civil).
É claro que esta perspectiva supõe resolvido o problema de saber se relativamente aos danos que transcendem o simples interesse da prestação, a responsabilidade é obrigacional ou aquiliana.
Admitindo-se a contraposição entre uma e outra responsabilidade, deve ponderar-se qual dos regimes é mais consentâneo com os valores em jogo e, depois, fazer a qualificação (António Menezes Cordeiro, Cumprimento Imperfeito do Contrato de Compra e Venda, Parecer, CJ, XII, IV, págs. 39 e segs).
Nessa qualificação deve, porém, ter-se presente que as modalidades de responsabilidade se distribuem em consonância com o interesse atingido pela acção ou omissão ilícita e não segundo a origem contratual ou extracontratual do acto ilicitamente realizado ou omitido: se o dano afecta o interesse contratual, a responsabilidade é sempre obrigacional (art.º 798º do Código Civil); se o prejuízo atinge um interesse extracontratual, a responsabilidade é sempre delitual.
Contudo, qualquer destas modalidades de responsabilidade é conjugável com a outra dessas formas de ilicitude, quer porque a violação do interesse contratual pode implicar responsabilidade delitual do lesante, quer porque a infracção do interesse extracontratual pode envolver um interesse contratual.
Ainda assim, nenhuma destas formas de responsabilidade consome a outra responsabilidade, nem sequer através de uma relação de especialidade, porque, na sistematização legal, a cada uma dessas responsabilidades corresponde um interesse atingido.
Isto é especialmente saliente na qualificação delitual da responsabilidade originada pela omissão de um dever contratual e na distinção entre o regime da responsabilidade do comitente pelos actos do comissário e a regulação da responsabilidade do devedor pelos actos dos seus auxiliares (artºs 486º, 500º e 800º do Código Civil).
A violação dos deveres de prestação pelo vendedor envolve a sua responsabilidade delitual sempre que além do interesse contratual positivo, são afectados outros valores patrimoniais ou pessoais, por exemplo, do comprador; os terceiros apenas são titulares de uma pretensão indemnizatória contra o vendedor se a violação obrigacional representar simultaneamente uma ilicitude delitual.
Deste modo, não é apenas a posição do terceiro perante a relação contratual que implica a qualificação delitual da responsabilidade do vendedor perante esse lesado, mas também a ilicitude delitual que se corporiza objectivamente, nos parâmetros gerais da responsabilidade aquiliana, na violação do dever de protecção.

Perante uma prestação contratual defeituosa que cause danos há, portanto, que distinguir, os danos específicos, ligados à violação positiva do contrato, a que são aplicáveis, tratando-se de contrato de compra e venda, as regras particulares da garantia edilícia (artºs 908º, 909º e 915º do Código Civil) e outros danos a que é aplicável a cláusula geral de responsabilidade civil (art.º 483º, n.º 1, do Código Civil).
Nesta lógica, nada impede, em princípio, que por danos indirectos se possa fazer apelo à responsabilidade delitual ou aquiliana: se com o mau cumprimento se causa ao comprador danos que transcendem o âmbito do contrato, há, naquilo que ultrapasse o cumprimento defeituoso, responsabilidade extra contratual (cfr. António Menezes Cordeiro, Estudos de Direito Civil, vol. I, Almedina, Coimbra, 1987, pág. 134).
Se a ilicitude é simultaneamente contratual e extra contratual, a dúvida que logo ocorre é a de saber se o credor/lesado pode, em tal caso, optar pelo regime da responsabilidade extracontratual, por esta, na situação concreta, melhor o favorecer, apesar do devedor também se mostrar incurso na segunda espécie de responsabilidade.
Repare-se que não se trata de conceder ao credor duas indemnizações, mas antes de arbitrar uma só, embora reconhecendo-lhe o direito de escolher o regime da responsabilidade à luz do qual essa indemnização deve ser arbitrada (Cfr., neste sentido, Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações, (parte especial), Contratos, Compra e venda, Locação e Empreitada, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2003, pág. 140 – ao ponderar que quando a prestação defeituosa causa, em simultâneo, danos circa rem e extra rem, o comprador tem direito a uma prestação indemnizatória, mas há concurso de normas. O concurso não é entre responsabilidades, mas entre normas específicas que estabelecem regimes diversos).
O problema não encontra uma resposta directa na lei, apesar de Vaz Serra o ter equacionado nos trabalhos preparatórios do Código Civil, propondo o reconhecimento ao credor da faculdade de optar por um outro regime ou até de cumular regras de uma e outra forma de responsabilidade (cfr. Responsabilidade Contratual, BMJ nº 85, págs. 208, 230 e 239 e 239).
Perante à lacuna, que foi intencional, a solução maioritariamente proposta pela doutrina e jurisprudência portuguesas para a suprir é a do reconhecimento ao credor da faculdade de opção (cfr. Rui de Alarcão, Direito das Obrigações, Coimbra, 1983, pág. 209; Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, Coimbra, 1970 pág. 411; Mota Pinto e Calvão da Silva, Responsabilidade Civil do Produtor, Coimbra, 1980, págs. 148 e 149; Vaz Serra, RLJ Ano 102, pág. 313; António Pinto Monteiro, Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, Almedina, Coimbra, 2003, págs. 429 a 431 e Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, Coimbra, 1990, págs. 713 e 714; Ac. do STJ de 26-11-90 e 22-10-87, BMJ nºs 301, pág. 404 e 370, pág. 529, respectivamente).

Nos casos de imóveis destinados a longa duração construídos pelo vendedor, a responsabilidade deste pelo mau cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso há que ponderar as regras relativas à responsabilidade do empreiteiro pela prestação de obra defeituosa.
Sempre que o vendedor seja simultaneamente o construtor do imóvel de longa duração, àquela responsabilidade aplicam-se as regras do contrato de empreitada que regem a responsabilidade do empreiteiro pelos defeitos da obra (art.º 1225º, n.º 4, do Código Civil).
De uma maneira deliberadamente simplificadora, pode dizer-se que o empreiteiro, adstrito ao dever de realizar uma obra, pode violar o seu dever de prestar por uma de duas formas: ou pelo puro e simples incumprimento ou impossibilitando a prestação (artºs 798º e 801º, n.º 1, do Código Civil).
Existe, no entanto, uma terceira possibilidade, que, relativamente ao contrato de empreitada, é também objecto de previsão específica: a de ter havido um cumprimento defeituoso ou inexacto (art.º 1218º e segs. do Código Civil).
O empreiteiro não está vinculado apenas à obrigação de realizar uma obra, de obter certo resultado; ele encontra-se ainda vinculado executar uma obra isenta de vícios e conforme com o convencionado, o que significa, sem defeitos (artºs 1218º, n.º 1, e 1219º, n.º 1, do Código Civil).
Obra defeituosa é, portanto, aquela que tiver um vício ou se mostrar desconforme com aquilo que foi acordado.
O vício corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal das prestações daquele tipo; a desconformidade representa uma discordância com respeito ao fim acordado (cfr. Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, Coimbra, 1994, pág. 185; João Calvão da Silva, Estudos Jurídicos (Pareceres), Almedina, Coimbra, 2001, págs. 335 e 336).
Quando não houver acordo das partes acerca do fim a que a obra se destina, atende-se, naturalmente, à função normal das obras da mesma categoria.
Há, portanto, um padrão normal relativamente à função de cada obra: é com base nesse padrão que se aprecia a existência de vício.
Na construção de um edifício, pressupõe-se, por exemplo, que as superfícies exteriores se mantenham agregadas e sejam impermeáveis.
A lei assinala à prestação de obra defeituosa, várias consequências jurídicas que assentam num plano comum: a culpa, ainda que meramente presumida do empreiteiro – a responsabilidade deste pelo cumprimento defeituoso é necessariamente subjectiva (art.º 799º, n.º 1, do Código Civil).
Em caso de cumprimento defeituoso, atribui-se ao dono da obra, além da indemnização, o direito de exigir a eliminação dos defeitos, a realização de nova obra, a redução do preço e a resolução do contrato de empreitada (artºs 1221º, 1222º, 1223º e 1224º do Código Civil).
Mostrando-se a prestação do empreiteiro defeituosa, o direito primeiro que a lei reconhece ao dono da obra é o de exigir a eliminação do defeito (artºs 1218º, n.º 1, e 1221º, n.º 1, do Código Civil).
Na verdade, tendo este direito sido estabelecido no interesse de ambos os contraentes, não é lícito do dono da obra impedir o cumprimento dessa obrigação do empreiteiro, mesmo no caso de já mostrar constituído, no tocante a ela, na situação de mora.
A não eliminação do defeito ou a não repetição da obra não confere ao dono da obra o direito de, por si ou por terceiro, eliminar o defeito ou refazer a obra, reclamando, depois – ou mesmo antecipadamente - do empreiteiro, o reembolso da despesa correspondente (cfr. João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, págs.106 a 110; Acs. STJ de 19-10-94, CJ, STJ, II, III, pág. 93, RE de 26-09-96, CJ XXI, IV, pág. 282 e RC de 2-10-01, CJ XXVI, IV, pág. 24).
Só assim não será, segundo a doutrina que se tem por preferível, no caso de incumprimento definitivo daquela obrigação do empreiteiro de eliminação do defeito ou em caso de comprovada urgência (artºs 339º, n.º 1, e 808º, n.º 1, do Código Civil; cfr. João Cura Mariano, A Responsabilidade, cit., págs. 114 e 115; Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, Coimbra, 2001, pág. 346 e Direito das Obrigações (Parte Especial). Contratos. Compra e Venda. Locação. Empreitada, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2001, pág. 483; Acs. da RP de 22-01-96, CJ XXI, I, pág. 202 e da RC de 10-12-96, RLJ Ano 131, pág. 113).
A comparação do regime da compra e venda, tout court, e da compra e venda de imóveis em que o vendedor do imóvel foi quem o construiu, modificou ou reparou, mostra uma divergência de prazos: no primeiro caso, o limite máximo da garantia pode atingir cinco anos e meio a contar da entrega, dado que aos cinco anos desde a entrega da coisa vendida para a denúncia do defeito, somam-se mais seis meses para interpor a acção judicial (artºs 916º, n.º 3, e 917º do Código Civil); no segundo, esse último prazo é de um ano (art.º 1225º, nºs 2 e 3, do Código Civil).
É, portanto, patente uma convergência fundamental de regimes entre a responsabilidade do vendedor e do empreiteiro, que minimizou as injustiças de tratamento desigual, sem fundamento razoável para essa diferença, entre e um e outro caso.
Mas a equiparação não é total, pois o vendedor que não tenha construído, modificado ou reparado o imóvel responde nos termos dos artºs 917º e segs. do Código Civil, ao passo que aquele que venda o edifício depois de o ter construído, modificado ou reparado, responde na qualidade de empreiteiro, nos termos do art.º 1218º e segs. do mesmo Código.
Note-se que a aplicação deste último regime não tem a virtualidade de alterar a qualificação do contrato: este continua a ser um contrato de compra e venda e são-lhe aplicáveis, excepto quanto àquele ponto, as normas específicas deste tipo contratual.
O Código Civil ao fixar o princípio geral da matéria do ónus da prova apelou, nitidamente, à natureza funcional dos factos perante o direito do autor.
Assim, ao autor cabe a prova dos factos constitutivos dele; a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito, incumbe à parte contrária, aquele contra quem a invocação do direito é feita (art.º 342º, nºs 1 e 2, do Código Civil).
Portanto, se o autor fundado na prestação de coisa ou de obra defeituosa quiser fazer valer o seu direito à eliminação do defeito e à indemnização do dano, incumbe-lhe provar não só os factos que integram o contrato de compra e venda ou de empreitada, mas também os que dizem respeito à existência do defeito ou do vício, dado que é desses factos que emerge qualquer daqueles direitos.
Todavia, a aplicação do regime da responsabilidade do empreiteiro pelos defeitos da coisa imóvel prestada exige a reunião, na mesma pessoa, das qualidades de vendedor e de construtor.
Nos casos em que o dono da obra acorda a construção do prédio com um empreiteiro para o comercializar, só responde nos termos previstos para o contrato de compra e venda de coisa defeituosa pelos defeitos existentes no imóvel vendido a terceiro, podendo, porém, este responsabilizar o empreiteiro contratado pelo dono da obra (art.º 1225º, n.º 1, in fine, do Código Civil).

A autora não questiona que a entrega do imóvel tenha sido feita o mais tardar no início de 2001.
Questiona para efeitos de contagem do prazo é o facto de a sociedade ter sido dissolvida antes do prazo de garantia de cinco anos.
Aplicando o disposto nos artºs 916º e 917º do Código Civil, tendo em conta que se trata de um imóvel, o defeito deveria ter sido denunciado no ano seguinte ao do seu conhecimento ou nos cinco anos posteriores à entrega do imóvel.
Não está em causa a existência de dolo, na medida em que os seus elementos não foram devidamente alegados.
Não basta a alegação que foi feita relativamente à dissolução da sociedade para se concluir pela existência de dolo nos termos do art.º 253º do Código Civil, como também não foi alegada coação que permita a aplicação do invocado art.º 25º do mesmo código.
Portanto, aplicando-se o disposto no art.º 917º do Código Civil, a acção deveria ter sido instaurada no prazo cinco anos, na falta de denúncia dos defeitos, ou cinco anos e seis meses tendo a mesma existido, como atrás já referimos.
Deste modo, a acção deveria ter sido proposto o mais tardar em finais de Julho de 2006.
Tendo a mesma sido instaurada em 21 de Maio de 2007, o direito de acção já havia caducado.

Vejamos se esta análise colide com o regime decorrente do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, na medida em que as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, não são aplicáveis à presente acção.
Ora, o disposto no art.º 5º do Decreto-Lei n.º 67/2003 em nada contende com o que antes expusemos.
O disposto no n.º 5 deste referido preceito legal não tem aplicação no caso dos autos, uma vez que não foram alegados factos relativos à suspensão do prazo ali referida.

Estão, assim, verificados os pressupostos da caducidade do direito de açção da autora.


3. Abuso de direito

A apelante defende o abuso de direito na invocação da excepção de caducidade, com fundamento em que estes reconheceram a existência dos defeitos no imóvel e que servem de base à presente acção e por terem assumido anteriormente a responsabilidade pela sua reparação.

Com efeito, os réus alegam na contestação que toda e qualquer anomalia de obra foi arranjada.

Nos termos do art.º 334º do Código Civil, é “ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”.
São reconduzidos ao abuso do direito, por exemplo, o venire contra factum proprium, quer dizer, a proibição do comportamento contraditório, ou seja, a neutralização de um direito que durante muito tempo se não exerceu, tendo-se criado, pela própria conduta, uma expectativa legítima de que não iria ser exercido, e a supressio (supressão), i.e., o surgimento de um direito por força de um comportamento contraditório qualificado pelo decurso do tempo (cfr. Ac. da RE de 26-11-87, CJ, XII, V, pág. 268 e de 23-01-86, CJ, XI, I, pág. 231, e do STJ de 03-05-90, BMJ nº 397, pág. 454 e de 11-03-99, http://www.dgsi.pt; António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I, Parte Geral, 2ª edição, Almedina, 2000, págs. 250 a 262 e Da Boa Fé no Direito Civil, vol. II, Coimbra, 1984, § 30, págs. 797 e segs.).
Na doutrina portuguesa, a proibição do venire contra factum próprio tem sido localizada dentro dos quadros do abuso do direito.
Como refere Jorge Coutinho de Abreu, a doutrina moderna, sobretudo a alemã, tem vindo a estudar a boa-fé no âmbito de várias figuras, das quais destacamos “a proibição de venire contra factum proprium, impedindo-se uma pretensão incompatível ou contraditória com a conduta anterior do pretendente; aquilo que os alemães designam por Verwirkung, com que se veta o exercício de um direito subjectivo ou duma pretensão, quando o seu titular, por não os ter exercido durante muito tempo, criou na contraparte uma fundada expectativa de que já não seriam exercidos (revelando-se, portanto, um posterior exercício manifestamente desleal e intolerável).” (in Do Abuso de Direito, 1999, pág. 59/60).
Para Fernando Cunha de Sá, “O abuso do direito traduz-se, pois, num acto ilegítimo, consistindo a sua ilegitimidade precisamente num excesso de exercício de um certo e determinado direito subjectivo: hão-de ultrapassar-se os limites que ao mesmo direito são impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo próprio fim social ou económico do direito exercido. Não é, aliás, qualquer excesso a esses limites que confere ao exercício do respectivo direito carácter abusivo, mas somente o excesso que seja manifesto.” (in Abuso do Direito, 2005, pág. 103/104).
Retomemos e esclareçamos o conceito venire contra factum proprium referido por Coutinho de Abreu e atrás mencionado.
De acordo com António Menezes Cordeiro, “só se considera como venire contra factum proprium a contradição directa entre a situação jurídica originada pelo factum proprium e o segundo comportamento do autor.” (in “Tratado de Direito Civil Português”, I – Parte Geral – tomo IV, 2005, pág. 280).
Mais adiante, o mesmo autor refere “… Von Craushaar atesta que ‘O comando de que ninguém deve colocar-se em contradição com o seu comportamento tem a sua origem, finalmente, na protecção da confiança’. Canaris, começando por apoiar a afirmação de Wieacker, …, formula uma construção desenvolvida do venire baseado na confiança. Luhmann, não obstante omitir referências expressas ao venire, associa a necessidade de identidade do comportamento próprio com a confiança. Erman/Sirp escrevem que ‘quando o titular através das suas declarações ou pelo seu comportamento, consciente ou inconsciente, tenha provocado que a outra parte se pudesse confiar em si e, também, que o tenha feito, então não deve esta ser desiludida. Atentaria contra a boa fé e minaria a confiança no tráfego jurídico que o titular se permitisse incorrer em contradição com as suas declarações ou comportamentos anteriores’” (pág. 286), bem como “a doutrina é uniforme em tomar a previsão de venire contra factum proprium por meramente objectiva: não se requer culpa, por parte do titular exercente, na ocorrência da contradição. Não se pode, contudo, ir tão longe nessa via que, ao factum proprium, se dê mais consistência do que ao próprio negócio jurídico: também este, afinal e por maioria de razão, suscita, no espaço jurídico, confiança digna de protecção e, não obstante, cede perante vectores que, em casos determinados, se apresentem com peso maior.” (pág. 287).
Também na jurisprudência, a proibição do venire é também reconduzida ao abuso de direito.
Nem toda conduta contraditória do exercente lhe é redutível.
Exige-se, para tal, um investimento de confiança realizado pela contraparte contra quem o direito é exercido, fundado na expectativa, lícita ou legítima, de que tal exercício não ocorreria, uma qualquer situação de confiança que deva ser protegida contra o exercício do direito pela contraparte.
Assim, em primeiro lugar, reclama-se um comportamento anterior daquele que exerce o direito que seja susceptível de fundar uma situação objectiva de confiança; exige-se, depois, a imputabilidade àquele quer do comportamento anterior quer do comportamento actual; de seguida, há que verificar a necessidade e o merecimento do prejudicado com o comportamento contraditório; por último, há que averiguar a existência do investimento de confiança ou baseado na confiança, causado por uma confiança subjectiva, objectivamente justificada.
O principal efeito do venire é, naturalmente, o da inibição do exercício de poderes jurídicos ou de direitos, em contradição com o comportamento anterior.

No caso, os recorridos apenas reconhecem terem existido defeitos e que os repararam, mas o seu comportamento ao longo destes anos e que se encontra alegada nos autos em nada permitem concluir por uma conduta redutível ao abuso de direito nos termos supra explanados.

Deste modo, improcede mais esta questão do recurso.
Perante o exposto, a apelação terá de improceder.


IV

Decisão

Em face de todo o exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Lisboa, 7 de Fevereiro de 2013

Jorge Vilaça
Vaz Gomes
Jorge Leitão Leal