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VALOR DA CAUSA
DIREITOS DE AUTOR
INTERESSE IMATERIAL
Sumário
1. Em virtude do estatuído no art.º 305.º, n.º1 e 2 do C. P. Civil, a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido, ao qual se atenderá para determinar a competência do tribunal, a forma do processo, bem como da possibilidade de recurso das decisões e fixação do valor da taxa de justiça inicial. 2. Se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro será esse o valor da causa; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente ao benefício – art.º 306.º/1 do C. P. Civil. 3. Quando na ação sejam cumulados vários pedidos, o valor processual há de refletir a soma de todos eles, excetuando os pedidos acessórios não vencidos - art.º 306.º/2 do C. P. Civil. 4. Por “interesses imateriais”, para efeitos do disposto no art.º 312.º do C. P. Civil, terá de entender-se os que sejam insuscetíveis de serem reduzidos a mera expressão económica, ou seja, as ações em que estejam em causa relações jurídicas sem expressão pecuniária, sem conteúdo económico, ou em que este é meramente fictícia, nelas se incluindo as que têm por objeto direitos indisponíveis. 5. Conferindo a lei ao produtor de fonogramas ou videogramas o direito exclusivo de autorização para a sua reprodução pública, pretendeu garantir as vantagens patrimoniais resultantes dessa exploração exclusiva, constituindo, do ponto de vista económico, o objeto fundamental dessa proteção legal, o que lhe confere natureza de um direito exclusivamente patrimonial ( art.ºs 176.º e 184.º/ 2 e 3 do C. D. A. D. C). (Sumário do Relator)
Texto Integral
Acordam os juízes da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório.
A – Associação para a gestão e distribuição de direitos, Associação de Utilidade Pública, Pessoa Coletiva número ..., com sede na ..., nº …, …., 0000 - 000 Lisboa, registada na IGAC (Inspeção Geral das Atividades Culturais) sob o número 24 do Livro de Mandatários, intentou a presente ação declarativa condenatória, na forma ordinária, contra P S, Ldª, com sede (…) ..., formulando os seguintes pedidos:
a) deve a Ré ser condenada a reconhecer à Autora o direito exclusivo de autorizar a utilização/execução pública de fonogramas e/ou videogramas no estabelecimento comercial que explora, denominado “B”;
b) deve a Ré ser condenada na proibição de utilizar/executar publicamente fonogramas e/ou videogramas no estabelecimento comercial que explora, denominado “B”, enquanto não obtiver, junto da Autora, a licença P...;
c) deve a Ré ser condenada no pagamento da remuneração de acordo com as tabelas tarifárias da Autora, que vigoraram para 2011, por contrapartida do respetivo licenciamento da P... e que atualmente se cifra em 511,49 € (494,34 € + 17,15 €) correspondente ao capital em dívida e aos juros de mora vencidos e, bem assim, os juros de mora vincendos à taxa supletiva legal sucessivamente em vigor, desde 28 de maio de 2012 (data da entrada da presente ação em Tribunal) até efetivo e integral pagamento;
d) deve a Ré ser condenada no pagamento da remuneração de acordo com as tabelas tarifárias da Autora, que vigoram para 2012, por contrapartida do respetivo licenciamento da P... e que atualmente se cifra em 523,72 € (515,21 € + 8,51 €) correspondente ao capital em dívida e aos juros de mora vencidos e, bem assim, os juros de mora vincendos à taxa supletiva legal sucessivamente em vigor, desde 28 de maio de 2012 (data da entrada da presente ação em Tribunal) até efetivo e integral pagamento;
e) deve a Ré ser condenada a pagar à Autora a quantia de 500,00 € (quinhentos euros) devida a título de indemnização arbitrada pelos danos não patrimoniais causados pela sua conduta omissiva.
f) deve ainda a Ré ser condenada a pagar à Autora a quantia de 500,00 € (quinhentos euros), correspondente ao ressarcimento dos encargos suportados com a proteção dos direitos lesados pela Ré, bem como, com a investigação e cessação da conduta lesiva da mesma;
g) deve também a Ré ser condenada a pagar à Autora a quantia diária de 30,00 € a título de sanção pecuniária compulsória pelo atraso na prática do facto positivo da Ré.
i) Ser dada vista da presente ação ao Ministério Público por forma a que o mesmo promova o competente procedimento criminal, com fundamento da prática pela Ré de um crime de usurpação previsto e punido nos artigos 184º números 2 e 3, 195º e 197º todos do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.
Para o efeito alegou, em resumo, que:
- A Autora é uma pessoa coletiva privada, associação de utilidade pública, sem fins lucrativos, que atua exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições, na defesa dos interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto;
- A A... foi constituída por escritura pública lavrada no ... Cartório Notarial de Lisboa, em 26 de novembro de 2002.
- De igual forma, e com objetivos semelhantes (a gestão coletiva dos direitos conexos mas, desta feita, de artistas, intérpretes e executantes), foi constituída a G... – Cooperativa de Gestão dos Direitos dos Artistas, Intérpretes e Executantes, C.R.L.;
- A Autora, bem como a G..., encontra-se registada na IGAC (Inspeção Geral das Atividades Culturais), sendo a associação, de utilidade pública, quem, nos termos da Lei, tem legitimidade para exercer, pelas vias administrativas e judiciais, os direitos confiados à sua gestão e, por outro lado, exigir o respetivo cumprimento (cfr. artigo 6º números 1, 8 e 9, da Lei 83/01, de 03 de agosto, e artigo 73º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, doravante apenas designado pela sigla “C.D.A.D.C.”).
- A Autora A... é a entidade de gestão coletiva que se encontra devidamente constituída, registada e mandatada para representar os produtores Fonográficos/Videográficos em matérias relacionadas com a cobrança de direitos, e está também mandatada para promover o licenciamento e cobrança das remunerações devidas aos artistas, intérpretes e executantes;
- É a Autora que licencia a utilização por parte dos eventuais interessados, da quase totalidade (cerca de 98%) do repertório da música gravada, nacional ou estrangeira, comercializada e utilizada em Portugal;
- A execução pública de fonogramas/videogramas editados comercialmente, além de carecer de autorização dos respetivos produtores, confere, nos termos da lei, o direito a estes e aos artistas, intérpretes e executantes a receber uma remuneração equitativa;
- A Autora é a entidade legalmente constituída e devidamente mandatada para proceder ao licenciamento, mas também, à correspondente cobrança da remuneração devida a produtores e artistas, (sejam estes intérpretes ou executantes) sempre que a sua música gravada ou os seus vídeos musicais sejam difundidos ou utilizados em espaços públicos ou abertos ao público;
- A Autora assume, nos presentes autos, a defesa dos interesses patrimoniais e não patrimoniais de todos os artistas, intérpretes e executantes e produtores de fonogramas lesados pela conduta da ora Ré, por não ter procedido ao licenciamento da P...;
- O Restaurante/Snack-Bar, denominado “B”, sito na Avenida ..., ..., na ..., explorado pela Ré P S, Lda., é um estabelecimento comercial aberto ao público;
- Através de ações de verificação levadas a cabo por colaboradores da Autora, tomou esta conhecimento, que no referido estabelecimento, se procede, de forma habitual, continuada e reiterada, à execução pública de fonogramas e videogramas sem a competente licença e autorização;
- Durante uma das mencionadas fiscalizações que teve lugar no passado dia 22 de julho de 2011, período em que o estabelecimento se encontrava aberto ao público, estava a ser efetuada a execução pública de fonogramas/videogramas, nomeadamente e a título meramente exemplificativo:
Música: Artista: Produtora:
Price Tag Jessie J ft. B.o.B. Universal
Torn Natalie Imbruglia Son
- Os mencionados produtores fonográficos/videográficos e, logo, titulares do direito de autorizar a execução pública de tais fonogramas/videogramas, são associados da Autora, pelo que, a representação daqueles por esta decorre dessa qualidade de associados (cfr. artigo 73º do C.D.A.D.C.).
- O mencionado estabelecimento encontra-se aberto ao público e a funcionar diariamente, sendo certo que procede à execução pública de fonogramas e/ou videogramas do repertório entregue à gestão da Autora, em qualquer desses dias.
- A Ré não possuía, como não possui, qualquer autorização dos produtores de fonogramas/videogramas ou dos seus representantes, designadamente da Autora A..., para proceder à execução ou comunicação pública, no referido estabelecimento, de fonogramas editados comercialmente ou de reproduções dos mesmos (que, ainda assim, deveriam ser também elas autorizadas) – cfr. artigo 184º número 2 do C.D.A.D.C..
- Acresce que, jamais pagou a remuneração equitativa devida à Autora em virtude da referida atividade de execução ou comunicação pública de fonogramas/videogramas (cfr. artigo 184º número 3 do C.D.A.D.C.).
- Na sequência da primeira verificação efetuada, foi enviada, em 28 de julho de 2011, carta a informar a Ré da necessidade de obter a respetiva licença e de pagar os direitos conexos devidos pela utilização de música gravada e editada (fonogramas/videogramas musicais) na atividade do mencionado estabelecimento;
- Apesar de devidamente interpelada com o envio da mencionada missiva, e bem como, através de toda a campanha informativa e de sensibilização levada a cabo junto dos utilizadores sobre esta temática, através dos vários meios de comunicação social, a verdade é que, até hoje, a Ré, não obteve o correto e devido licenciamento P... junto da Autora.
- Acrescendo ainda que, a Ré com tal atividade comercial ilícita - violação dos direitos conexos que tem perpetuado - causa graves prejuízos patrimoniais e não patrimoniais à Autora.
E indicou o valor processual de €30.000,01.
Na contestação apresentada, a Ré não se opôs ao valor processual indicado pela Autora.
Após os articulados, a Senhora Juíza proferiu o seguinte despacho (parte decisória): “Por todo exposto, de harmonia com o preceituado nos artigos 306.º,308.º, 315.º, 319.º e 462º., todos do CPC, fixo em 2.035,21 Euros o valor da presente ação, devendo, em consequência, corrigir-se a distribuição efetuada, tendo em vista a forma de processo sumário”. Deste despacho veio a Autora apresentar o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. O presente recurso foi interposto pela Autora A... – Associação Para a Gestão e Distribuição de Direitos, ora Apelante, da douta sentença, proferida em 08 de outubro de 2012 (Refª. 7131), que julgou verificado o incidente de valor conhecido oficiosamente e, em consequência fixou o valor da ação no montante de € 2.035,21.
2. O recurso merece – com o devido respeito – inteiro provimento, pois que a decisão do Mmo. Juiz a quo, ao julgar procedente o incidente de valor e fixar tal valor à presente ação, não foi, na perspetiva da mesma, e com o devido respeito, a mais acertada.
3. Desde logo, porque a decisão do Mmo. Juiz a quo, contida na douta decisão recorrida, teve (na ótica da Apelante) por base uma errada interpretação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis em face dos factos alegados na petição inicial, bem como, dos pedidos aí formulados.
4. Pois, contrariamente ao que é sustentado na douta decisão recorrida, se impunha que fosse verificada e decretada a manutenção do valor atribuído pela Autora à presente ação (€ 30.000,01).
5. Ora, dispõe o artigo 306º.2 do CPC que “Cumulando-se na mesma ação vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles…”.
6. Pelo que, a todos os pedidos corresponde um determinado valor, o qual representa a sua utilidade económica.
7. Pois bem, como resulta da petição inicial, para além dos pedidos referentes às remunerações devidas à Autora a título de indemnização por danos patrimoniais, bem como, à quantia peticionada a título de indemnização por danos não patrimoniais e a quantia relativa ao ressarcimento dos encargos por si suportados quer com a proteção dos direitos lesados pela Ré, bem como, com a investigação e cessação da conduta lesiva do mesmo, a Autora formulou outros pedidos.
8. Nomeadamente, a condenação da Ré a reconhecer à Autora o direito exclusivo de autorizar a utilização/execução pública de fonogramas/videogramas no estabelecimento comercial que explora, denominado “B”, bem como, que seja condenada na proibição de utilizar/executar publicamente fonogramas/videogramas naquele enquanto não obtiver, junto da Autora, a licença P....
9. Direito exclusivo de autorização este, que se trata de um direito imaterial pois não têm valor pecuniário e visa realizar um interesse não patrimonial.
10. O qual, contudo, poderá ter uma “expressão pecuniária”.
11. Posição esta com acolhimento jurisprudencial e doutrinal, entre nós.
12. Ora, as ações sobre interesses imateriais consideram-se sempre de valor equivalente à alçada da Relação e mais € 0,01, ou seja, atualmente, € 30.000,01.
13. Deste modo, o direito de autorizar ou proibir na sua vertente negativa (existente na esfera jurídica dos produtores no que concerne à execução pública e reprodução dos seus fonogramas e/ou videogramas) é algo bem diferente da contrapartida patrimonial legalmente devida por tal autorização, bem como, a sua natureza jurídica.
14. Sendo que, o pedido formulado pela Autora no reconhecimento do seu direito exclusivo, foi formulado a título principal e autónomo.
15. Pedido este, que não tem consistência material pois, objetivamente não se mostra possível avaliar quanto vale o direito exclusivo de autorização da Autora.
16. Correspondendo o valor atribuído à presente ação pela Autora (€ 30.000,01), a utilidade económica imediata e global dos pedidos formulados na petição inicial.
17. Considerando tudo o exposto, e o mais que, doutamente, será suprido, a decisão recorrida violou, por erro de interpretação e de aplicação, nomeadamente o disposto nos artigos 305º, 306º, 312º do Cód. Proc. Civil e, ainda, o artigo 184º do CDADC.
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Não houve contra-alegações.
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo (fls. 28).
Colhidos os vistos, e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir. ***
II – Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 660º, nº2, 661º, 672º, 684º, nº3, 685º-A, nº1, todos do C. P. Civil, constata-se que o thema decidendum consiste em saber qual o concreto valor processual da presente ação.
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III – Fundamentação fáctico-jurídica.
1. Sendo a matéria de facto a que consta do relatório, vejamos então se o valor processual atribuído pela Senhora Juíza desrespeita, ou não, os critérios legalmente fixados para o efeito.
Defende a recorrente resultar “da petição inicial, para além dos pedidos referentes às remunerações devidas à Autora a título de indemnização por danos patrimoniais, bem como a quantia peticionada a título de indemnização por danos não patrimoniais e a quantia relativa ao ressarcimento dos encargos por si suportados quer com a proteção dos direitos lesados pela Ré, bem como, com a investigação e cessação da conduta lesiva do mesmo, a Autora formulou outros pedidos, nomeadamente, a condenação da Ré a reconhecer à Autora o direito exclusivo de autorizar a utilização/execução pública de fonogramas/videogramas no estabelecimento comercial que explora, denominado “B”, bem como, que seja condenada na proibição de utilizar/executar publicamente fonogramas/videogramas naquele enquanto não obtiver, junto da Autora, a licença P...”.
E sustenta que o direito exclusivo de autorização é um direito imaterial, pois não têm valor pecuniário e visa realizar um interesse não patrimonial, o qual, contudo, poderá ter uma “expressão pecuniária”, pelo que as ações sobre interesses imateriais consideram-se sempre de valor equivalente à alçada da Relação e mais € 0,01, ou seja, atualmente, € 30.000,01.
Entende, pois, a apelante, que face aos diversos pedidos formulados na sua petição inicial e à sua respetiva natureza, o valor correto a atribuir à ação terá de ser o por si indicado na p.i, ou seja, €30.000,01.
A Senhora Juíza fundamentou a sua decisão nos seguintes termos: “A autora atribui à presente causa o valor de 30.000,01 Euros, assim seguindo os termos do processo ordinário. Esse valor foi tacitamente aceite pela ré (artigo 314.º, n.º4 do CPC). A atribuição de tal valor terá por base o fundamento de que a presente ação versa sobre interesses imateriais, aplicando-se-lhe portanto o disposto no artigo 312.º do CPC. Conforme dispõe o artigo 315.º, n.º 1 do CPC, compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes. …. Apreciando e decidindo. Os dois primeiros pedidos que a autora formula na petição consistem: 1) na condenação da ré a reconhecer à autora o direito exclusivo de autorizar a utilização/execução pública de fonogramas/videogramas no estabelecimento comercial que explora; e 2) na condenação da ré na proibição de utilizar/executar publicamente fonogramas/videogramas no estabelecimento comercial que explora, enquanto não obtiver, junto da autora, a licença P.... Quanto aos demais pedidos, os mesmos respeitam ao pagamento de remuneração vencida e juros de mora, indemnização por danos não patrimoniais, ressarcimento dos encargos suportados pela autora e sanção pecuniária compulsória. Ora, a questão que se suscita nos presentes autos prende-se com a natureza daqueles dois primeiros pedidos, ou seja, se os mesmos se reportam a interesses imateriais e, nessa medida, são insuscetíveis de tradução pecuniária, ou se, à semelhança dos demais pedidos, eles ainda se inscrevem num contexto patrimonial que deve relevar para efeitos de determinação do valor da causa. Conforme dispõe o artigo 305.º, n.º 1, do CPC, a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido. A utilidade económica imediata do pedido avalia-se através da análise do fim ou objetivo da ação, procurando-se aí a equivalência económica desse objetivo (Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civi/ vol.3º, Coimbra Editora, 1946, p591). Tendo em vista a determinação da utilidade económica do pedido para efeitos de valor da causa, a lei processual civil estabelece um conjunto de critérios gerais e especiais a que a fixação de tal valor deve obedecer (artigos 306.º a 311.º). Tratando-se, contudo, de ações sobre interesse imateriais, ou seja, aquelas cujo objeto não tem valor pecuniário, porquanto visam «a declaração ou efetivação dum direito extrapatrimonial, estranho ao valor da matéria)) (Acórdão do STJ de 5-7-1 977, disponível na Internet em <http:I/www.dgsi.pt >), o artigo 312.º, n.º 1 do CPC determina que o seu valor será sempre equivalente à alçada da Relação e mais 0,01 Euros. É sabido que o direito de autor abrange direitos de caráter patrimonial e direitos de natureza pessoal, denominados direitos morais. Tal resulta, aliás, expressamente do disposto no artigo 90.º, n.º 1 do CDADC. Tem-se, assim, entendido que o «o direito de autor coenvolve direitos exclusivos de caráter patrimonial (disposição, fruição, utilização, reprodução e apresentação ao público com perceção de remuneração) e direitos morais (reivindicação da paternidade e garantia da genuinidade e integridade))) (Acórdão do STJ de 1-7-2008, disponível na Internet em <http:l/www.dgsi.pt>). A presente ação versa sobre direitos conexos ao direito de autor, ou seja, sobre direitos que envolvem uma prestação complementar à obra intelectual pré-existente (artigo 176.º do CDADC). Em concreto, estão em causa neste pleito os seguintes direitos conexos: - direitos dos artistas intérpretes ou executantes; e - direitos dos produtores de fonogramas ou de videogramas. Em geral, em relação aos direitos dos artistas intérpretes ou executantes, os mesmos abrangem direitos de conteúdo patrimonial, que correspondem aos direitos exclusivos elencados no n.º 1 do artigo 178.º do CDADC, onde se inclui o direito de fazer ou autorizar a colocação da sua prestação à disposição do público (artigo 178.º, n.º 1, alínea d) do CDADC). Abrangem também direitos de conteúdo pessoal, cujo alcance é muito mais limitado do que o do direito de autor, consubstanciando-se apenas no direito à menção do nome do artista (artigo 180.º n.º 1 do CDADC), no direito à reivindicação da paternidade da prestação (artigo 180.º n.º 2 do CDADC) e no direito de assegurar a genuinidade e integridade da prestação (artigo 182.º do CDADC) (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito de Autor, Almedina, 2011, pp.256-257). E neste domínio importa sublinhar que «os direitos pessoais são típicos. Qualquer outra faculdade pessoal teria de ser especificamente referida» (José de Oliveira Ascensão, Direito de Autor e Direitos Conexos, reimp., Coimbra Editora, 2012, p.665). Quanto aos direitos conexos dos produtores de fonogramas ou de videogramas, eles são de natureza patrimonial e o seu conteúdo reconduz-se às faculdades consagradas no artigo 184.º do CDADC, onde está prevista a faculdade de autorizar a difusão dos fonogramas ou videogramas por qualquer meio, incluindo a sua execução pública (n.º 2 do citado artigo). … Aliás, o Tratado da Organização Mundial da Propriedade Intelectual sobre Prestações e Fonogramas (WPPT) (1996), ratificado por Portugal em 2009 (DR 1 Série n. 9 166, de 27-08-2009, pp.5635-5646), consagra expressamente no seu artigo 5.ºos direitos morais dos artistas intérpretes ou executantes (direito de exigir ser identificado nas suas prestações e de se opor a qualquer deformação, mutilação ou outra modificação das suas prestações que possa afetar a sua reputação), sendo que nada refere em relação a direitos pessoais ou morais dos produtores de fonogramas, apenas lhes reconhecendo direitos de natureza patrimonial(cf. artigos 11.º a 15.ºdo Tratado). Voltando aos dois primeiros pedidos que a autora formula na presente ação, da sua análise à luz dos direitos e faculdades acima descritas resulta que, quer um, quer outro, se reconduzem a interesses materiais ou patrimoniais que se traduzem num «exclusivo de exploração)). Ora, esse «exclusivo de exploração» tem uma inequívoca expressão económica ou patrimonial e nele se inscreve a remuneração equitativa consagrada no artigo 184.º, n.º 3 do CDADC, enquanto correspetivo da execução pública autorizada. Dos direitos conexos dos artistas intérpretes ou executantes invocados nesta ação não detetamos qualquer referência a algum dos direitos morais cuja titularidade lhes é reconhecida pela lei, versando, ao invés, o pedido sobre o direito de conteúdo patrimonial de fazer ou autorizar a colocação da sua prestação à disposição do público (artigo 178., n.º 1, alínea d) do CDADC). O mesmo sucede com os alegados direitos dos produtores de fonogramas ou de videogramas, sendo certo que, como vimos supra, os direitos conexos que a lei lhes reconhece revestem natureza material ou patrimonial. Do exposto resulta, pois, que, respeitando a totalidade dos pedidos formulados pela autora a interesses materiais ou patrimoniais, ao caso não é aplicável o disposto no artigo 312.º, n.º 1 do CPC, mas sim a disciplina dos artigos 306.º e 308.º do mesmo diploma, à qual deve obedecer a determinação do valor da ação. Considerando o critério enunciado nos n.ºs 1 e 2 do citado artigo 306.º e a relevância do momento da propositura da ação, consagrada no artigo 308.º, n.º1, do CPC, conclui-se que na determinação do valor deste pleito se devem tomar em conta as expressões pecuniárias parcelares indicadas pela autora: 511,49 Euros [pedido da alínea c)], 523,72 Euros [alínea d)], 500 Euros [alínea e)] e 500 Euros [alínea f)]. Não será de considerar neste elenco o pedido formulado sob a alínea g) - fixação de uma sanção pecuniária compulsória -, uma vez que o mesmo se reporta a interesses ainda não vencidos, sendo, por essa via, aplicável o disposto no artigo 306.º, n.º2, parte final, do CPC. A soma dos vários pedidos cumulados, com os valores acima enunciados, ascende a um total de 2.035,21 Euros, devendo ser este o valor a atribuir à presente causa”.
2. Analisemos, pois, a questão suscitada, para saber quem tem razão.
Como flui expressamente do art.º 305.º, n.º1 e 2 do C. P. Civil, a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido, ao qual se atenderá para determinar a competência do tribunal, a forma do processo, bem como da possibilidade de recurso das decisões e a fixação do valor da taxa de justiça inicial ( art.º 11.º do R. Custas Processuais).
A lei processual estabelece, nas suas disposições subsequentes, os critérios gerais e especiais para a fixação do valor da causa, obrigatoriamente a indicar pelo Autor na p.i., competindo ao juiz fixar o valor da causa, em regra, no despacho saneador ( art.º 314.º/3 e 315.º do C. P. Civil.
Assim, se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro será esse o valor da causa; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente ao benefício – art.º 306.º/1 do C. P. Civil. Mas se na ação forem cumulados vários pedidos, o valor da ação há de corresponder à soma de todos eles, com exceção dos pedidos acessórios não vencidos – seu n.º2.
Mas no que respeita às ações sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais, o valor processual será obrigatoriamente o equivalente à alçada da Relação acrescido de €0,01, ou seja, atualmente é de €30.000,01 – art.º 312.º do C. P. Civil.
Por “interesses imateriais” terá de entender-se os que sejam insuscetíveis de serem reduzidos a mera expressão económica, ou seja, as ações em que estejam em causa relações jurídicas sem expressão pecuniária, sem conteúdo económico, ou em que este é meramente fictício, nelas se incluindo as que têm por objeto direitos indisponíveis.
No caso concreto, a recorrente formulou vários pedidos, sendo os dois primeiros concretizados na “condenação da Ré a reconhecer à Autora o direito exclusivo de autorizar a utilização/execução pública de fonogramas e/ou videogramas no estabelecimento comercial que explora, denominado “B”, e na “condenação da Ré na proibição de utilizar/executar publicamente fonogramas e/ou videogramas no estabelecimento comercial que explora, denominado “B”, enquanto não obtiver, junto da Autora, a licença P...”.
E fundamenta a sua pretensão no facto de ser a entidade de gestão coletiva, devidamente constituída, registada e mandatada para representar os Produtores Fonográficos/Videográficos, seus associados, em matérias relacionadas com a cobrança de direitos, bem como para promover o licenciamento e cobrança das remunerações devidas aos artistas, intérpretes e executantes, sempre que a sua música gravada ou os seus vídeos musicais sejam difundidos ou utilizados em espaços públicos ou abertos ao público, imputando à Ré a violação desses direito, por no seu estabelecimento proceder de forma de forma habitual, continuada e reiterada, à execução pública de fonogramas e videogramas sem a competente licença e autorização.
Na decisão recorrida considerou-se apenas os restantes pedidos com expressão pecuniária, concretizados pela apelante, ou seja, os valores pecuniários peticionados a título de indemnização por danos morais e patrimoniais e encargos suportados com a proteção dos direitos lesados pela Ré, correspondendo o somatório de todos eles, nos termos do art.º 306.º/2, do C. P. Civil, a 2.035,21 Euros.
Omitiu, pois, nesse cômputo, os dois primeiros pedidos, por entender que à luz dos direitos e faculdades conferidos aos Produtores Fonográficos/Videográficos, artistas, intérpretes e executantes, se reconduzirem a interesses materiais ou patrimoniais, que se traduzem num «exclusivo de exploração», com inequívoca expressão económica ou patrimonial, previstos no artigo 184.º, n.º 3 do CDADC, enquanto correspetivo da execução pública autorizada.
Assim, e no que respeita ao reconhecimento do “direito exclusivo de exploração e de autorização”, aderimos ao entendimento perfilhado na decisão recorrida, ou seja, trata-se manifestamente de um direito de natureza e conteúdo patrimonial.
3. Com efeito, as prestações dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores de fonogramas e de videogramas e dos organismos de radiodifusão, enquanto direitos conexos, são protegidas nos termos do Título III do CDADC, seu art.ºs 176.º e segs.
O art.º 176.º do CDADC estabelece a noção de “direitos conexos”, considerando-os como “as prestações dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores de fonogramas e de videogramas e dos organismos de radiodifusão”, sendo que “os artistas intérpretes ou executantes são os atores, cantores, músicos, bailarinos e outros que representem, cantem, recitem, declamem, interpretem ou executem de qualquer maneira obras literárias ou artísticas”, e considerando o produtor de fonograma ou videograma a pessoa singular ou coletiva que fixa pela primeira vez os sons provenientes de uma execução ou quaisquer outros, ou as imagens de qualquer proveniência, acompanhadas ou não de sons ( seus n.ºs 1 a 3).
E no art.º 178.º atribui-se ao artista intérprete ou executante o direito exclusivo de fazer ou autorizar, por si ou pelos seus representantes, nomeadamente “a reprodução direta ou indireta, temporária ou permanente, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte, sem o seu consentimento, de fixação das suas prestações quando esta não tenha sido autorizada, quando a reprodução seja feita para fins diversos daqueles para os quais foi dado o consentimento ou quando a primeira fixação tenha sido feita ao abrigo do artigo 189.º e a respetiva reprodução vise fins diferentes dos previstos nesse artigo”- alínea c).
Nos termos do n.º2 do art.º 184.º do CDADC, carecem de autorização do produtor do fonograma ou do videograma a difusão por qualquer meio e a execução pública dos mesmos; mas acrescenta o seu n.º3 que quando o fonograma ou videograma editado comercialmente, ou uma reprodução dos mesmos, for utilizado por qualquer forma de comunicação pública, o utilizador pagará ao produtor e aos artistas intérpretes ou executantes uma remuneração equitativa, que será dividida entre eles em partes iguais, salvo acordo em contrário.
Decorrentemente, tratando-se de fonogramas ou de videogramas editados comercialmente, o utilizador pagará ao produtor e artistas intérpretes ou executantes uma remuneração equitativa.
A distinção entre o n.º2 e o n.º3 desse preceito legal, como é salientado pelo Professor Oliveira Ascenção, “Direito de Autor e Direitos Conexos”, Reimpressão, pág. 570, é a de que se o fonograma ou videograma não for editado comercialmente, a sua difusão pública depende de autorização do produtor; se o for, este tem apenas um direito de remuneração.
Remuneração essa que se mostra, também, expressamente prevista no art.º 15.º/1 do TRATADO DA OMPI SOBRE PRESTAÇÕES E FONOGRAMAS (WPPT) (1996), ([1]), ao referir: “Os artistas intérpretes ou executantes e os produtores de fonogramas gozam do direito a uma remuneração equitativa e única pela utilização direta ou indireta de fonogramas publicados com fins comerciais para radiodifusão ou para qualquer comunicação ao público”. E, bem assim, como consagra aos produtores de fonogramas o “direito exclusivo” de autorizar a reprodução direta ou indireta dos seus fonogramas, de qualquer maneira e sob qualquer forma – seu art.º 11.º.
Como refere Menezes de Leitão, “Direito de Autor”, 2011, pág. 259, a propósito do direito conexo incidente sobre os fonogramas e videogramas: “ Por esta via se pretendeu tutelar o investimento do produtor contra reproduções não autorizadas de terceiros(…). O direito conexo incidente sobre os fonogramas e videogramas é independente da propriedade sobre os suportes materiais das gravações(…)” E acrescenta, “o seu objeto é assim apenas a prestação empresarial do produtor de fonogramas e videogramas, consistente nos registos resultante da fixação em suporte material de sons ou de imagens ou da cópia de obras cinematográficas ou audiovisuais (art.º 176.º, n.ºs 3 e 4)”.
Idêntico entendimento é defendido pelo Professor Oliveira Ascenção, ob. cit. pág. pág. 568, sublinhando que “ o objeto de proteção são os sons e/ou imagens ínsitos no fonograma ou videograma no seu sentido de veículo, que exprimem normalmente uma coisa incorpórea(…)”. “É sobre certas utilizações desses sons a partir do fonograma ou videograma que se reconhece um direito do produtor.O objeto do direito é a própria coisa corpórea, muito embora este direito nada tenha que ver com a propriedade da coisa corpórea”.
Ora, no que respeita ao direito de autor (não direitos conexos) o art.º 9.º/1 do CDADC define o seu conteúdo, atribuindo-lhe direitos com uma dimensão patrimonial e direitos com dimensão pessoal, dizendo expressamente: “O direito de autor abrange direitos de caráter patrimonial e direitos de natureza pessoal, denominados direitos morais” (nosso sublinhado).
E o seu n.º2 explicita o conteúdo da dimensão dos direitos de natureza patrimonial, concretizando que “no exercício dos direitos de caráter patrimonial o autor tem o direito exclusivo de dispor da sua obra e de fruí-la e utilizá-la, ou autorizar a sua fruição ou utilização por terceiro, total ou parcialmente” ( nosso sublinhado).
Por sua vez, quanto aos direitos morais, adianta o seu n.º3: “ Independentemente dos direitos patrimoniais, e mesmo depois da transmissão ou extinção destes, o autor goza de direitos morais sobre a sua obra, designadamente o direito de reivindicar a respetiva paternidade e assegurar a sua genuinidade e integridade”.
Ora, citando o Professor Oliveira Ascenção, ob. cit. pág. 665, os direitos pessoaissão típicos, têm de estar especificados na lei, “pois não há direitos pessoais que não sejam outorgados por lei”, esclarecendo, no que respeita aos artistas, que a lei só fala em faculdades pessoais nos art.ºs 180.º e 182.º do CDADC, não se lhes podendo “aplicar as regras que determinam o conteúdo essencial do direito de autor, como as regras atributivas de direitos pessoais”.
E realça, ainda, no âmbito dos direitos conexos, que a atribuição dessas faculdades pessoais só se referem ao artista, não indo para além dele, afirmando que “os direitos dos produtores de fonogramas e videogramas tutelam empresas, não havendo outorga de direitos pessoais em benefício de empresas”.
No caso do artista, o direito patrimonial centra-se, assim, no exclusivo de exploração económica da prestação. Quanto ao direito do produtor de fonograma ou de videogramas, “ o que há sempre é um exclusivo, que se reporta a atividades que consubstanciam utilizações da prestação através de instrumentos de comunicação ou da feitura de exemplares da prestação” (Autor cit. pág. 686).
Assim, quanto ao artista, só cabem os direitos pessoais especificados na lei, ou seja, o direito à menção da designação (art.º 180.º) e direito à integridade da prestação (art.º 182.º), sendo estes direitos em menor escala dos que são reconhecidos ao autor, com eles não se confundindo.
E no que respeita ao produtor de fonogramas ou videogramas, não lhe são reconhecidos quaisquer direitos pessoais, mas apenas o direito à exclusiva exploração económica da prestação, isto é, um direito de conteúdo exclusivamente patrimonial.
Como se refere no Acórdão do S. T. J., de 1/7/2008, Proc. 08A1920, disponível em www.dgsi.pt, citando o Professor Oliveira Ascensão (ob. cit. 331), a propósito das teses em confronto sobre a essência do direito de autor (monistas e dualistas), “aderimos a uma concepção pluralista que encontra “não apenas um direito pessoal ou moral ou um direito patrimonial com características que os conservam autónomos, como defendem os dualistas, mas um feixe de direitos pessoais e patrimoniais que se revelariam independentes e com características de comportamento distintas perante as várias vicissitudes sofridas pela situação jurídica a que respeita o direito de autor.”
Porém, quanto aos direitos conexos, incluindo os artistas intérpretes ou executantes, não há que falar em dualismo (direito pessoal/direito patrimonial), mas de uma estruturaunitária, pelo que a outorga de faculdades pessoais não implica que se deva falar de um “direito pessoal do artista”, prevalecendo a concepção monista - Professor Oliveira Ascenção, ob. cit. pág. 666.
Como se vê, o direito exclusivo de autorização para a reprodução pública dos fonogramas/videogramas, bem como para cobrar a remuneração devida, nomeadamente pela execução em espaços abertos ao público e estabelecimentos dos fonogramas e videogramas musicais que incorporem prestações artísticas, em representação da G... – Cooperativa de Gestão dos Direitos dos Artistas, Intérpretes e Executantes, CRL (fls. 75), tem clara e exclusivamente um conteúdo patrimonial.
Na realidade, o direito de autorização concretiza-se com a concessão da respetiva “licença”, tendo como contrapartida o pagamento de uma prestação pecuniária, como decorre das tarifas por si praticadas, juntas a fls. 79, e insere-se no âmbito da dimensão (única) patrimonial do direito, ou seja, o de autorizar a sua fruição ou utilização por terceiro mediante uma remuneração equitativa – o direito exclusivo de exploração económica da prestação - , sendo esta que justifica a proteção legal.
Que assim é, veja-se o alegado pelo recorrente na p.i., citando-se, nomeadamente: “estando em causa na presente ação a execução pública, não autorizada nem licenciada, no estabelecimento cuja exploradora é a Ré dos fonogramas e videogramas dos artistas, interpretes executantes e produtores, representados pela Autora…”; “Todavia, esta divisão (pelos diferentes titulares de direitos conexos) respeita apenas às relações “internas” entre as respetivas entidades de gestão coletiva e não aos utilizadores que, nos termos da lei, estão obrigados a solicitar uma única autorização aos produtores dos fonogramas/videogramas que utilizam e a pagar a estes uma única remuneração” (art.º 25.º); A Ré não possuía, como não possui, qualquer autorização dos produtores de fonogramas/videogramas ou dos seus representantes …”; “Acresce que, jamais pagou a remuneração equitativa devida à Autora em virtude da referida atividade de execução ou comunicação pública de fonogramas/videogramas” ( art.ºs 45.º e 46.º); “Na sequência da primeira verificação efetuada, foi enviada, em 28 de julho de 2011, carta a informar a Ré da necessidade de obter a respetiva licença e de pagar os direitos conexos devidos pela utilização de música gravada e editada (fonogramas/videogramas musicais)” (art.º 47.º) – nosso sublinhado.
Não se trata, pois, do exercício, por parte do artista, de um direito pessoal,imaterial e indisponível (atribuídos apenas nos art.ºs 180.º e 182.º), mas do exercício de um concreto direito de natureza patrimonial, disponível, com expressão pecuniária, i. é, que a Ré reconheça que a Autora tem o direito exclusivo de autorizar a utilização/execução pública de fonogramas e/ou videogramas no seu estabelecimento comercial e que se abstenha dessa utilização enquanto dela não obtiver a licença ( [2]).
Dito de outro modo, está em causa a utilização/execução pública de fonogramas e/ou videogramas editados comercialmente, sem o pagamento da tarifa devida, por banda da Ré, sendo que o produtor tem, nestes casos, direito a exigir uma remuneração equitativa (art.º 184.º/3 do CDADC).
Tivesse a Ré obtido a respetiva a licença (autorização) e efetuado o pagamento da tarifa fixada, e a presente ação não teria existido, como facilmente se constata das passagens supra transcritas.
Diremos, pois, como Menezes de Leitão, ob. cit. págs. 121 a 123, “os direitos patrimoniais destinam-se a garantir a exploração económica da obra, enquanto os direitos pessoais se destinam a proteger os aspetos pessoais nela vertidos ou a tutelar a ligação pessoal da obra ao seu autor”. E acrescenta “ os direitos patrimoniais caracterizam-se consequentemente pela sua alienabilidade, renunciabilidade e prescritibilidade…”, isto é, como direitos disponíveis.
A exploração económica da obra pode assumir múltiplas formas, nomeadamente pode ser feita pelo próprio ou por intermédio de um terceiro (art.º 68.º/2 e 3, 73.º, 178.º/1 e 192.º do CDADC), esclarecendo o seu art.º 67.º/2 que “a garantia das vantagens patrimoniais resultantes dessa exploração constitui, do ponto de vista económico, o objeto fundamental da proteção legal” (nosso sublinhado).
Os direito de autor e os direitos conexos podem também ser geridos por entidades de gestão colectiva, cuja constituição, organização, funcionamento e atribuições vêm reguladas na Lei n.º 83/2001, de 3 de Agosto, referindo-se expressamente na alínea a), do seu art.º 3.º, que estas entidades têm por objecto a gestão “dos direitos patrimoniais que lhes sejam confiados em relação a todas ou a algumas categorias de obras, prestações e outros bens protegidos”.
E podem, ainda, “exercer e defender os direitos morais dos seus associados ou cooperadores, quando estes assim o requeiram” – seu n.º2.
Quanto aos direitos patrimoniais, estas entidades têm o dever de informar os interessados sobre os seus representados, bem como sobre “as condições e preços de utilização de qualquer obra, prestação ou produto que lhes sejam confiados, os quais deverão respeitar os princípios da transparência e da não discriminação”.
Resulta, pois, exuberantemente, a essencialidade da finalidade da proteção legal dos direitos conexos aqui em causa, sendo inquestionável que o direito exclusivo de autorizar (licenciar) a utilização/execução pública de fonogramas e/ou videogramas, no estabelecimento comercial explorado pela Ré, insere-se no âmbito do direito de exploração económica, com a consequente obtenção das respetivas vantagens patrimoniais, apresentando-se, por isso, como o exercício de um direito de conteúdo patrimonial, um direito disponível, como acertadamente se justifica na decisão recorrida, e não um direito pessoal ou moral.
E o facto da qualificação dos direitos autorais ou direitos conexos como direitos absolutos – que não se dirigem a um sujeito determinado, antes se impondo erg omnes , e que caracteriza os direitos absolutos, por oposição aos direitos relativos -, não retira a natureza patrimonial desses direitos, pois como é sabido os direitos reais, nomeadamente o direito real de propriedade é um direito absoluto e ninguém questiona ter como objecto mediato bens materiais, um conteúdo exclusivamente patrimonial, como decorre dos art.ºs 1302.º e 1305.º do C. Civil, diploma legal que é subsidiariamente aplicável aos direitos de autor, quando se harmonizem com a natureza desses direitos e não contrariem o regime para eles especialmente previsto – seu art.º 1303.º/2.
Aliás, a recorrente apesar de sustentar a tese oposta, limitando-se a dizer que se trata de um direito em que estão em causa interesses imateriais, em parte alguma os concretiza, i.é, não identifica, não menciona, não concretiza, quais os interesses imateriais que estão em causa. Que interesses são esses?
Em jeito de conclusão, podemos afirmar estar em causa o exercício de direitos de natureza exclusivamente patrimonial, interesses materiais, no aproveitamento das vantagens económicas dessa exploração exclusiva, traduzidos no direito a exigir a remuneração devida à Autora pela reprodução dos fonogramas ou videogramas editados comercialmente, no estabelecimento da Ré, e não direitos pessoais ou interesses imateriais, numa palavra, nos presentes autos discutem-se relações jurídicas com expressão pecuniária.
Este foi, também, o entendimento seguindo pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 17/03/2010, Proc. n.º682/09.8TBPTG-A.E1, in www.dgsi.pt, proferido sobre caso idêntico, aí dizendo que “situando-se a questão em apreço exclusivamente ao nível dos direitos de carácter patrimonial, o valor que deve ser atribuído ao presente procedimento tem de corresponder ao concreto interesse económico que a requerida frustrou, ou seja o recebimento pela requerente da quantia correspondente à licença ".
E no mesmo sentido se pronunciou recentemente o Acórdão desta Relação, proferido em 7/2/2013, na Apelação n.º 39/12.3YHLSB-A.L1, em cujo sumário se pode ler: “O direito exclusivo do produtor de fonogramas/videogramas, de autorizar a difusão por qualquer meio, ou a execução pública dos mesmos e a sua colocação à disposição do público, é um direito patrimonial. Em ação versando sobre tal direito do produtor, não cobra aplicação na determinação do valor daquela, o art.º 312º, n.º 1, do Código de Processo Civil”.
4. Mas se assim é, haverá então que computar as utilidades económicas imediatas dos dois primeiros pedidos, com os demais, não se acompanhando, nesta parte, a decisão recorrida, visto que tais pedidos foram desconsiderados para o apuramento global do valor da ação.
Ao considerar, e bem, que tais pedidos têm natureza patrimonial, não configurando interesses imateriais, tinham que ser atendidos para o valor global da ação, não havendo justificação legal para assim não proceder, face ao que vem estabelecido no art.º 306.º/2 do C. P. Civil.
E a questão coloca-se, agora, relativamente ao valor a atribuir a esses dois primeiros pedidos, ou seja, a quantia em dinheiro equivalente aos benefíciosque se pretendem obter com os pedidos de condenação da Ré “no reconhecimento desse direito e na proibição de utilizar/executar publicamente fonogramas e/ou videogramas no seu estabelecimento comercial enquanto não obtiver, junto da Autora, a licença P...” ( art.º 306.º/1, 2.ª parte, do C. P. Civil).
Com efeito, se o recorrente houvesse formulado apenas os dois primeiros pedidos, nenhuma dúvida se colocaria quanto à obrigatoriedade de atribuição de um valor processual.
Porque assim é, então o valor correspondente a esses pedidos há de refletir a sua utilidade económica imediata.
Como ensina A. Reis, C. P. C. Anotado, Vol. I, pág. 409, “quando se pede uma prestação que não consista no pagamento de quantia certa, há que coordenar o pedido com a causa de pedir para se verificar qual a utilidade económica imediata que o autor pretende obter, qual o benefício, expresso em dinheiro, que corresponde à pretensão do autor”.
Assim sendo, o valor adequado terá de representar o direito concreto a reconhecer, ou seja, o valor correspondente ao que é exigido à Ré, pela recorrente, com a autorização/licença para poder utilizar/executar publicamente fonogramas e/ou videogramas no seu estabelecimento comercial.
Por outras palavras, a utilidade económica imediata que o autor pretende obter é justamente a quantia pecuniária que tem direito a cobrar da Ré, correspondente à tarifa por si praticada, devida pela autorização para a execução pública dos fonogramas, o mesmo é dizer, o valor que a Ré devia pagar e não paga.
Nesse sentido, importa considerar o alegado pela recorrente (causa de pedir) na petição inicial, em particular: que fixa e publica os tarifários aplicáveis às várias categorias de direitos conexos e às suas diferentes formas de exploração, cobrados pela mesma, através do licenciamento conjunto com a G..., identificado com a referência P...; que a área da execução pública (utilização de música gravada em espaços abertos ao público) é fixado um tarifário, tendo em atenção a importância da música para a respetiva atividade, a área ou lotação do respetivo espaço, entre outros critérios; que no caso concreto da ora Ré é aplicável o tarifário referente a Restaurantes, que tendo o estabelecimento em causa a lotação aproximada de 80 pessoas e que se encontra aberto ao público 7 dias por semana, a tarifa anual aplicável, referente a 2011, é de 494,34 € , sendo a tarifa anual, referente a 2012, de €515,21.
Por outro lado, o segundo pedido (proibição de utilizar/executar publicamente fonogramas e/ou videogramas no seu estabelecimento comercial enquanto não obtiver, junto da Autora, a licença P...) incorpora o primeiro pedido, este não tem autonomia em relação ao segundo, por ser dele mera consequência, dele depende e nele estar pressuposto, i.é, a proibição de utilizar os fonogramas enquanto não obtiver a licença pressupõe o reconhecimento (existência) do direito a conceder a mesma licença, ou seja, a autorizar essa utilização mediante contrapartida pecuniária.
Ora, considerando tais elementos de facto, constitutivos da causa de pedir, o valor referente aos dois primeiros pedidos terá de corresponder ao valor indicado, ou seja, de €515,21, como a contrapartida da tarifa referente a 2012, por ser esse o valor que expressa e representa a utilidade económica imediata do pedido de proibição de utilizar os fonogramas e videogramas enquanto não pagar a tarifa correspondente.
Dito doutro modo, o que a Autora pretende com essa proibição não é mais nem menos do que obrigar a Ré a pagar esse valor. Obtida a licença, e efectuado esse pagamento, deixa de subsistir o interesse na proibição.
Por essa razão, e dada a cumulação de pedidos, é de fixar à ação o valor processual de €2.550,42 ( dois mil quinhentos e cinquenta euros e quarenta e dois cêntimos) ( € 2.035,21+ €515,21).
IV. Sumariando, nos termos do art.º 713.º/7 do C. P. C.
(…)
V. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, alterando a decisão recorrida, fixam à ação o valor processual de €2.550,42 (dois mil quinhentos e cinquenta euros e quarenta e dois cêntimos).
Sem custas, atenta a isenção que beneficia a recorrente – art.º 4.º/1, alínea f) do R.C.P.
Lisboa, 2013/02/21
Tomé Almeida Ramião
Vítor Amaral
Fernanda Isabel Pereira
----------------------------------------------------------------------------------------- ([1]) Aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 81/2009, publicada no Diário da República, 1.ª série, N.º 166, 27 de agosto de 2009. ([2]) O Professor Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil” Vol. I, 2.ª Edição, pág. 599, enuncia como ações sobre interesses imateriais previstas no C. D. A. D. C., a de reivindicação da paternidade de obra protegida (art.º 9.º/3); a de suspensão de representação, recitação, execução ou qualquer outra forma de exibição de obra protegida que se estejam realizando sem a devida autorização (art.º 209.º), e a de cessação do uso ilegítimo do nome literário ou artístico ou de qualquer outra forma de identificação do autor (art.º 210.º), nelas não incluindo a presente ação, seguramente porque reporta a interesses patrimoniais.