RESERVA DE PROPRIEDADE
CONTRATO DE MÚTUO
APREENSÃO DE VEÍCULO
Sumário

I) A cláusula de reserva de propriedade apenas tem sentido quando relacionada com a transferência de propriedade.
II) A menção legal de que a reserva ocorre até ao cumprimento da obrigação não oferece particular dúvida: cumpridas as obrigações do comprador, consolida-se a transferência de propriedade operada pela compra e venda.
III) A previsão legal de que a reserva ocorre até à verificação de «qualquer outro evento» tem de ser entendida no contexto do contrato de alienação, ou seja de evento relacionado com as vicissitudes desse contrato, que «afecte» o contrato de alienação, não podendo exorbitar do seu âmbito.
IV) Esta natureza da reserva da propriedade não é afastada por um mero acto de registo de um acordo que não detenha aquelas necessárias características, sem o que se reservaria a propriedade quem nunca dela foi titular.
V) A cláusula de reserva de propriedade a favor do mutuante não proprietário é inútil, porque estando cumpridas as obrigações do comprador a mesma extinguiu-se e não pode ser actuada.
VI) A cedência da reserva de propriedade ao mutuante, cumprido o contrato de alienação é nula por impossibilidade do objecto.
VII) A interpretação actualista - quer do artigo 409.º, do CC, quer do artigo 18.º, do DL 54/75 - nem se impõe nem é possível.
VIII) Não se impõe face a um diploma que sofreu onze intervenções legislativas, a última das quais em Novembro de 2008, sem que o legislador tenha entendido esclarecer a legitimidade do mutuante para a providência prevista.
IX) Não é possível por não encontrar apoio na letra da lei nem se reportar a realidades inexistentes à data da sua publicação.
X) A liberdade contratual está sujeita a limites quais sejam os do artigo 280.º, do CC, citado, como liminarmente resulta da sua sede legal, o artigo 405.º, n.º 1, do CC.
XI) A sub-rogação do mutuante nos direitos do vendedor implicaria que estes existissem, o que não se verifica após o pagamento do preço, suscitando-se o mesmo obstáculo perante uma eventual cessão da posição contratual.
XIII) A providência de apreensão de veículo apenas pode ser decretada na dependência actual ou futura de acção de resolução do contrato de alienação, antecipando, nomeadamente, o efeito de resolução da transmissão da propriedade operada pelo contrato de alienação.
XIV) As pretensões do mutuante podem ser garantidas pelo instituto da hipoteca e acauteladas nos termos do procedimento cautelar comum, inexistindo lacuna da lei.
(AAC)

Texto Integral

ACORDAM do Tribunal da Relação de Lisboa:

I) RELATÓRIO

F(…) Bank PLC, veio instaurar procedimento cautelar de apreensão de veículo automóvel e documentos ao abrigo do disposto no artigo 15.º, do DL 54/75, de 12 de Fevereiro, contra António (…).
Alegou em síntese ter financiado a aquisição do veículo em causa, estabelecendo o contrato reserva de propriedade do mesmo a favor da vendedora do veículo, para garantia da liquidação do financiamento, que esta cedeu à requerente nos termos do mesmo contrato, conforme registo. O Requerido deixou de pagar as prestações devidas pelo que após interpelação a Requerente resolveu o contrato de mútuo, apesar do que o Requerido não entregou o veículo.
Foi requerido o decretamento da providência sem audição prévia.

O Exmo. Senhor Juiz proferiu decisão liminar de indeferimento, por entender não se verificarem os pressupostos do procedimento requerido uma vez que a reserva de propriedade se relaciona com o contrato de alienação do veículo e não com o mútuo destinado a financiá-la, sendo nula a cláusula de reserva de propriedade.

Desta decisão interpôs recurso a Requerente apresentando as seguintes conclusões:

«A. A Apelante, no âmbito da sua actividade, financiou o veículo automóvel objecto dos presentes autos (veículo de marca Ford Fiesta, com a matrícula (…)) ao ora Apelado através do contrato de financiamento para aquisição a crédito n.º 72528, já junto aos autos como Doc. 1 da petição inicial.

B. Contrariamente ao entendimento plasmado na Sentença recorrida, a reserva de propriedade foi constituída no âmbito do contrato de compra e venda celebrado entre o Apelado e a vendedora Ford Lusitana, S.A., o que de resto resulta claro da certidão narrativa do veículo que se juntou como Doc.2 na Petição Inicial.

C. O efeito jurídico da transferência da propriedade ficou efectivamente condicionado à ocorrência de um evento determinado, neste caso o pagamento integral de todas as prestações acordadas no contrato de financiamento que possibilitou a aquisição do veículo pelo Apelado.

D. Como se pode observar no Doc.2 junto com a Petição Inicial, o contrato de compra e

venda foi celebrado com reserva de propriedade a favor do vendedor do veículo, para garantia do montante de EUR 18.495,00, exactamente o montante acordado pagar pelo Apelado à Apelante, por conta do financiamento concedido.

E. Conforme alegado na Petição Inicial, para garantia do valor financiado foi constituída uma reserva de propriedade a favor do vendedor do veículo – cfr. cláusula 12 das condições particulares e B das condições gerais do contrato de financiamento.

F. A supra referida cláusula B das condições gerais esclarece que “Nos termos do disposto no artigo 409.º do Código Civil, e até à data em que todas as prestações referidas no número 9 das Condições Particulares hajam sido pagas pelo COMPRADOR à F(…) BANK, a propriedade do veículo é inicialmente reservada para o VENDEDOR REGISTADO, que cedeu ou cederá à F(…) BANK a titularidade de tal reserva de propriedade.”

G. Prevê o artigo 409.º, n.º 1 do C.C., “Nos contratos de alienação é lícito ao alienante reservar para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte, ou até à verificação de qualquer outro evento”.

H. A situação descrita enquadra-se sem qualquer dúvida no conceito de “qualquer outro evento” previsto na parte final do n.º 1 do referido artigo 409.º do C.C, que permite que no mesmo sejam abrangidas realidades como, por exemplo, a satisfação de crédito de terceiro que não o reservatário originário.

I. Tal entendimento é sufragado pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa,

datado de 22.06.2006, e em que é Relator o Exmo. Desembargador Pereira Rodrigues,

consultável em www.dgsi.pt: “No caso de venda de veículo com reserva de propriedade, tal reserva tanto se pode destinar a garantir ao vendedor o preço de compra do veículo como a assegurar perante um terceiro as prestações decorrentes de um contrato de mútuo, celebrado entre este e o comprador do veículo, para financiamento do custo do mesmo veículo. Num caso como noutro estamos em face de obrigações contraídas por efeito da aquisição do veículo e que podem facultar a estipulação da reserva da propriedade”.

J. Esse mesmo é também o entendimento do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo 06A1901, de 12.09.2006 e no qual é Relator o Exmo. Conselheiro Faria Antunes, consultável em www.dgsi.pt: “Para garantia do pagamento desses financiamentos, pela compradora (a requerida), as alienações foram feitas com reserva de propriedade a favor das vendedoras (2ª e 3ª requerentes), até que a requerida liquidasse a totalidade das prestações dos financiamentos contraídos junto da 1ª requerente, reserva essa que as vendedoras registaram. Mercê da reserva da propriedade, as vendas não operaram a transferência imediata do direito de propriedade para a requerida. Ficou ajustado o efeito diferido da transferência do direito de propriedade, dependendo tal transferência, não do pagamento do preço às vendedoras (pois estas receberam-no integralmente), mas da verificação da condição suspensiva do pagamento integral, pela requerida, dos financiamentos que lhe foram concedidos pela 1ª requerente, condição suspensiva lícita à luz do segmento final do nº 1 do artº 409º da lei substantiva.” - bold e sublinhado nosso.

K. Não pode assim o Tribunal a quo limitar o âmbito de aplicação do artigo 409.º do Código Civil, quando a própria Lei, clara e intencionalmente, não o faz.

L. Analisada não só a legislação relativa a esta matéria, mas também a respectiva jurisprudência torna-se forçoso concluir que não existe qualquer nulidade da reserva de propriedade, nos termos em que a mesma foi constituída.

M. Em consequência, esta é assim absolutamente legal, possuindo plena eficácia e validade.

N. Na pendência da venda com reserva de propriedade o vendedor pode dispor do direito de propriedade da coisa vendida, na medida em que, uma vez ainda não cumprida a condição que esteve na origem da constituição da reserva, o bem ainda não se transferiu para a esfera jurídica do comprador.

O. Ao abrigo da liberdade contratual prevista no n.º 1 do artigo 405.º do C.C., e explanada na Cláusula B das Condições Gerais do Contrato de Financiamento junto sob Doc.1, à luz dos artigos 588.º e 591.º daquele diploma, a reserva de propriedade foi cedida pela vendedora do veículo, Ford Lusitana, S.A., à Apelante, ficando esta sub-rogada nos direitos da vendedora.

P. Nos termos da acima mencionada Cláusula B, o ora Apelado, sub-rogou a Apelante nos direitos do vendedor nos termos do artigo 591.º do CC, cumpridos que se encontram todos os requisitos exigidos pelo referido artigo.

Q. Deste modo, e na respectiva sequência, a ora Apelante passou assim, legitimamente, a ser titular do direito de propriedade – ainda que sob reserva - por transmissão efectuada pelo vendedor e autorizada pelo comprador (ora Apelado).

R. Nestes termos, tendo sido validamente constituída e transmitida à Apelante, a reserva de propriedade que se encontra registada a favor da mesma justifica, juntamente com o preenchimento dos restantes requisitos constantes dos artigos 15.º e 16.º do Decreto-Lei n.º 54/75 de 12 de Fevereiro (que se encontra desde já indiciariamente provado pela documentação já junta aos autos), a procedência do presente Procedimento Cautelar.

S. Ao indeferir o procedimento cautelar requerido o Tribunal a quo violou o Decreto-Lei 54/75, de 12 de Fevereiro, designadamente as normas previstas nos artigos 15.º, n.º 1 e 16.º, n.º 1 do mesmo, bem como os artigos 405.º, n.º 1, 409.º, n.º 1, 588.º e 591.º do Código Civil, e ainda o artigo 9.º do mesmo diploma.
Nestes termos, concedendo provimento ao presente recurso, fareis Vossas Excelências Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa o que é de inteira JUSTIÇA.».

O recurso foi recebido como apelação, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Foram dispensados os vistos.

II) OBJECTO DO RECURSO

Tendo em atenção as conclusões da Recorrente e inexistindo questões de conhecimento oficioso - artigo 684.º, n.º 3, 685.º A, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 660.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC -, cumpre decidir da verificação in casu dos pressupostos do procedimento cautelar de apreensão de veículo automóvel previsto no DL 54/75.

III) FUNDAMENTAÇÃO
1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos a ter em conta são os alegados pela Recorrente, nomeadamente:
A) Entre a Requerente e o Requerido foi celebrado, em 2 de Dezembro de 2009, acordo nos termos do qual a Requerente, financiou ao Requerido a aquisição do veículo automóvel de marca Ford, modelo Fiesta Titan09 5P 82CV, com a matrícula (…), vendido ao Requerido por Ford Lusitana, SA.
B) Do acordo referido em A) consta, para além do mais, a seguinte cláusula: «reserva de propriedade: o presente contrato é celebrado com reserva de propriedade a favor do vendedor registado identificado no número 2 das presentes condições particulares, nos termos e para os efeitos das condições gerais destes contrato constantes da folha 2 do mesmo. O vendedor registado cedeu ou cederá à F(…) BANK a titularidade de tal reserva de propriedade, e o comprador desde já presta o seu consentimento a tal cessão».
C) Das condições gerais do referido contrato, consta que «nos termos do disposto no artigo 409.º do Código Civil, e até à data em que todas as prestações referidas no número 9 das condições particulares hajam sido pagas pelo comprador à F (...) BANK, a propriedade do veículo é inicialmente reservada para o vendedor registado, que cedeu ou cederá à F(…) BANK a titularidade de tal reserva de propriedade. O comprador presta o seu consentimento a tal cessão. Nos termos do disposto no artigo 591.º do Código Civil, o comprador sub-roga a F (...) BANK nos direitos do vendedor registado, decorrentes da reserva de propriedade. As despesas inerentes à constituição, registo e cancelamento da reserva de propriedade são da exclusiva responsabilidade do comprador».
D) Das condições gerais do referido contrato, consta ainda que «a invalidade ou ineficácia do presente contrato repercute-se, na mesma medida, no contrato de compra e venda» e «a invalidade ou revogação do contrato de compra e venda repercute-se, na mesma medida, no presente contrato».
E) Na Conservatória do Registo Automóvel de Lisboa encontra-se matriculado o veículo (…) e inscrita, com data de 9 de Fevereiro de 2010, reserva de propriedade a favor da Requerente.
F) Dos documentos de fls 16 a 19 dos autos resulta que o Requerido e Ford Lusitana SA requereram o registo da aquisição pelo primeiro à segunda da propriedade do veículo referido e que esta última e a Requerente requereram a inscrição da «transmissão da posição reservante» da primeira para a segunda.
G) Estão juntas aos autos cópias de cartas endereçadas pela Requerente ao Requerido solicitando o pagamento de prestações em atraso, concedendo prazo para tal e rescindindo o contrato com fundamento no não pagamento no prazo assinado.

2. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

2.1 A relação jurídica-económica

A realidade contratual de que a Requerente dá conta na petição é a de celebração de um contrato de compra e venda de veículo, entre o Requerido como comprador e entidade terceira como vendedora, e de um contrato de mútuo entre o Requerido e a Requerente destinado a possibilitar àquele o pagamento do preço do veículo.

Tais contratos são celebrados numa estreita conexão, num contexto de crédito ao consumo, que estabelece, por intermédio embora de dois contratos distintos, uma triangulação de interesses: o do comprador em adquirir e dispor de um bem para cujo pagamento não tem disponibilidade imediata, o do vendedor em alienar um bem que já não quer ou que tem como objecto vender e o do financiador em realizar o seu “negócio” de financiamento.

Essa interdependência da realidade económica sub-jacente é expressa juridicamente no clausulado de relação entre os dois contratos de que salientámos o atinente à apreciação em causa: constituição de reserva de propriedade a favor do vendedor; cedência da titularidade de tal reserva de propriedade pelo vendedor com autorização do comprador; sub-rogação do financiador, pelo comprador, nos direitos do vendedor, decorrentes da reserva de propriedade; e dependência dos contratos quanto a invalidade, ineficácia ou revogação.

2.2 O regime do procedimento

O presente procedimento é de apreensão de veículo e louva-se no regime instituído pelo DL 54/75 (diploma que sofreu já 11 alterações, sendo a última versão a resultante da Lei 39/2008).

Nos termos do artigo 15.° do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 178-A/2005, de 28 de Outubro (último diploma que alterou este artigo), em caso de incumprimento das obrigações que originaram a reserva de propriedade «pode o titular dos respectivos registos requerer em juízo a apreensão do veículo e do certificado de matrícula»[1]

O artigo 16.º do mesmo diploma e redacção[2] determina que o juiz ordene a imediata apreensão do veículo quando exista reserva de propriedade e o adquirente não cumpra o contrato.

 E, completando o regime, o artigo 18°, n°1[3], estatui que no prazo de quinze dias após a apreensão «o titular do registo de reserva de propriedade deve propor acção de resolução do contrato de alienação».

Normas de que parece resultar, em suma, que pode requerer a apreensão o titular da reserva de propriedade, quando o adquirente não cumpra o contrato, ficando o requerente da apreensão adstrito a resolver o contrato de alienação nos quinze dias seguintes à apreensão.

2.3 A reserva de propriedade e o contrato garantido

Nos autos, como já referido, encontra-se registada a aquisição do veículo pelo Requerido e a inscrição de reserva de propriedade a favor da Requerente, sendo certo que a certidão apenas se reporta às inscrições em vigor.

A situação registral é porém complementada pelos documentos das apresentações respectivas, ou seja, a declaração de venda de Ford SA ao Requerido e a declaração de transmissão da reserva de propriedade de Ford SA para a Requerente.

Com o que nos defrontamos com um contrato de alienação de um veículo, celebrado entre o Requerido e Ford SA, dona do veículo, com reserva de propriedade a favor desta última, transmitida à Requerente, a quem não foi em momento algum transmitida a propriedade do veículo, do que consta.

A Requerente entende que tal transmissão a constitui titular da reserva de propriedade e, em consequência, a habilita a pedir a apreensão do veículo, nos termos do DL 54/75, em caso de incumprimento pelo comprador, ora Requerido.

A questão é clássica quanto à situação de facto que nos ocupa e enuncia-se como segue: é aplicável o procedimento especial de apreensão de veículo no caso de incumprimento de contrato de mútuo, contraído para aquisição do bem com estabelecimento de reserva de propriedade a favor da mutuante que dessa propriedade nunca foi titular, antes o sendo a vendedora?

Ora duas questões se impõe dilucidar:

- qual o contrato em incumprimento que funda a apreensão;

 - qual a natureza da reserva de propriedade.

A cláusula de reserva de propriedade encontra-se prevista no artigo 409.º do Código Civil, norma com a seguinte redacção:

«1. Nos contratos de alienação é lícito ao alienante reservar para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à verificação de qualquer outro evento.

2. Tratando-se de coisa imóvel, ou de coisa móvel sujeita a registo, só a cláusula constante do registo é oponível a terceiros» (sublinhados nossos).

Norma que se relaciona estreitamente com as dos artigos 408.º, n.º 1, e 1317.º, alínea a), do CC, que estatui que «a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato».

A razão de ser do artigo 409.º é apodítica: face à desprotecção que poderia resultar ao alienante em razão da transferência da propriedade sem cumprimento integral do contrato pelo adquirente, v.g., sem pagamento do preço, a norma permite-lhe reservar a propriedade, só se efectivando definitivamente a transferência com o cumprimento integral das obrigações do adquirente. A reserva asseguraria, nomeadamente, a protecção do vendedor no confronto com outros credores do comprador. Caso típico: a venda a prestações ou outro tipo de convenção de diferimento do pagamento do preço.

Para o caso dos veículos automóveis o legislador estabeleceu, a favor dos alienantes reservantes, um procedimento expedito de apreensão do veículo seguido de resolução do contrato de alienação, o do DL 54/75 que nos ocupa.

Neste esquema linear, a vida económica introduziu um novo elemento: o financiador. Elemento que não é totalmente novo pois o vendedor que aceitava diferir o recebimento do preço tinha já a função económica de financiador. Nova é a dissociação entre a pessoa do vendedor e a do financiador[4], em contratos como o dos autos, o vendedor recebe de imediato o preço porque o financiador proporciona o montante que, por sua vez, receberá diferidamente do comprador.

O procedimento em causa, construído para os casos de venda a prestações, em que a vendedora concentra em si também a função de financiadora (exprimindo-se o financiamento na possibilidade de pagamento em prestações ou diferimento do pagamento), é aplicável às situações em que a vendedora e a financiadora são já distintas, exprimindo-se a situação jurídica num contrato de compra e venda celebrado com a primeira, com financiamento do preço obtido pelo mútuo celebrado com a segunda?

A questão reverte à de saber se o contrato de mútuo pode ser incluído na previsão do artigo 18º, nº 1, do Decreto-Lei 54/75, ao referir-se ao contrato de alienação. Porque é esse contrato que está em causa nestes autos e que será apreciado na acção principal[5].

Entende a Requerente[6]: a cláusula de reserva de propriedade a favor do alienante passa a garantir o financiador que assume uma das funções económicas daquele no contrato, justamente a que se pretendia salvaguardar por essa cláusula.

Transmutação da realidade que implicaria a interpretação actualista da norma do artigo 409.º, do CC, no sentido de a reserva de propriedade poder ser estabelecida a favor do financiador ou poder ser-lhe transmitida pelo alienante.

A este respeito cremos que podem discernir-se na jurisprudência[7] duas correntes principais e uma terceira que poderíamos considerar intermédia.

A primeira corrente[8] faz das normas do DL 54/75 uma interpretação actualista, que considera autorizada pela mudança da realidade económica sub-jacente, interpretando a referência ao “contrato de alienação”, no artigo 18.º, do DL 54/75, como abrangendo a alienação e o mútuo com ela conexo. Em consequência, entende poder o financiador actuar o procedimento previsto naquele diploma, pedindo a apreensão do veículo, independentemente da resolução do contrato de compra e venda.

A segunda corrente[9] baseia-se na natureza da cláusula de reserva de propriedade, entendendo-a inelutavelmente ligada ao contrato pelo qual aquele direito real é alienado, concluindo pela inadequação de uma interpretação que a dissocie do contrato de compra e venda para a associar ao contrato de mútuo conexo, considerando mesmo nula esta última cláusula.

Cremos poder distinguir-se uma terceira corrente que admite a utilização do procedimento pelo financiador desde que em conexão com o vendedor, exigindo ou não a resolução da compra e venda.

Aflora-se essa posição no Acórdão do TRL de 26 de Novembro de 2009 proferido no processo 3039/05.6TVLSB.L1-6 (Rel. José Eduardo Sapateiro) sendo que o voto de vencido não se relaciona com o aspecto que indicámos. Do mesmo modo parece admitir o Acórdão do STJ de 9 de Dezembro de 2006 com o n.º convencional 06A1901 (Rel. Faria Antunes), embora fundando tal na vontade expressa das partes. Em suma, exprimindo processualmente a triangulação contratual.

No STJ, com a ligeira diferença que acima anotámos e com o voto de vencido reportado em nota, cremos firmada jurisprudência no sentido da inadmissibilidade de o financiador actuar o procedimento do DL 54/75 baseado na cláusula de reserva de propriedade convencionada[10].

Por diversas razões se nos afigura de seguir esta última corrente.

Na verdade, a cláusula de reserva de propriedade, nos termos legais descritos – artigo 409.º, do CC - apenas tem sentido quando relacionada com a transferência de propriedade operada pela compra e venda. Daí constar da previsão do artigo a sua constituição «nos contratos de alienação».

Dir-se-ia que a cláusula em causa foi constituída no contrato de alienação do veículo (de que apenas consta a declaração de venda e constituição da reserva), estando assim salvaguardada a previsão daquela norma.

Porém, a norma continua estabelecendo que a reserva ocorre «até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à verificação de qualquer outro evento». A menção ao cumprimento da obrigação não oferece particular dúvida: cumpridas as obrigações do comprador, consolida-se a transferência de propriedade operada pela compra e venda.

Mas a lei prevê que a cláusula se mantenha até à ocorrência de «qualquer outro evento». O que sustentaria a possibilidade de ficar subordinada, por exemplo, ao cumprimento do contrato de mútuo conexo.

Entendemos que não é assim. Quer se entenda que a reserva tem natureza resolutiva (determinando o facto que a despoleta a resolução do contrato de alienação) quer se defenda que tem natureza suspensiva (determinando o facto a perfeição do negócio), sempre a mesma se encontra ligada às vicissitudes do contrato de alienação, à sua eficácia plena ou à sua resolução. O inominado evento que a poderá despoletar é assim um evento que «afecte» o contrato de alienação porque apenas a afecção deste poderá fazer reverter a propriedade ao alienante.

Dir-se-á: a teleologia da cláusula de reserva de propriedade é a de protecção do direito do credor do preço do bem, face à alienação do mesmo pelo devedor/vendedor ou face aos demais credores do vendedor. Razão de ser que encontra a sua sede, quando haja dissociação entre comprador e financiador, na protecção do financiador.

A reserva de propriedade seria assim um direito real de garantia que se desligaria do contrato de alienação e “seguiria” o bem. Mas tal redundaria em violação da tipicidade que o artigo 1306.º, do CC, impõe[11] face ao que o artigo 409.º estatui.

Refere o STJ em Acórdão de 9 de Outubro de 2008 proferido no processo 3965/07 (uniformização de questão diversa) (Rel. Paulo Sá): «apesar da sua função de garantia de cumprimento de uma obrigação pecuniária, não assume a reserva de propriedade a estrutura de garantia real de cumprimento obrigacional, além do mais, por não fazer parte do respectivo elenco típico (art. 1306.º, n.º 1, do CC)».

De tudo concluímos que o evento a que alude a parte final do artigo 409.º, n.º 1, do CC, não pode exorbitar do âmbito do contrato de alienação.

Assim, visto o disposto no artigo 409º, nº 1, do Código Civil, a reserva de propriedade apenas pode ocorrer por parte do alienante da mesma propriedade. Quer se opte por uma natureza de condição resolutiva ou suspensiva da reserva, parece iniludível que ela apenas possa ocorrer a favor do alienante.

Esta natureza da reserva da propriedade não pode ser iludida por um mero acto de registo de um acordo que não detenha aquelas necessárias características (pareceria, aliás, que o titular activo da reserva de propriedade apenas poderia ser o titular da inscrição de aquisição imediatamente anterior, sendo sujeito passivo o que dele adquiriu, sem o que se afigura algo distorcido o princípio do trato sucessivo[12]).

Caso contrário, as consequências seriam as de se reservar a propriedade quem nunca a adquiriu e de resolver o contrato de alienação quem dele não foi parte. Ou, pior, admitir a resolução desse contrato pela resolução implícita do mútuo com ele conexo e alheio juridicamente à transmissão[13].

Parece-nos que esta tese força a natureza dos institutos jurídicos fazendo-os envergar vestes a essa natureza desadequadas, sem que se veja nenhum especial interesse em que assim aconteça, vista a possibilidade de acautelar os interesses das financiadoras por outros modos mais adequados à garantia do crédito.

Como considerar então a cedência da reserva pelo vendedor ao financiador?

 Cremos que apenas como inútil e nula.

Inútil, porque estando cumpridas as obrigações do comprador enquanto parte do contrato de alienação a mesma extinguiu-se e não pode ser actuada.

Nula, porque tal retira objecto à cedência, que se torna legalmente impossível preenchendo a previsão do artigo 280.º, do CC[14].

Com o devido respeito pelo brilhantismo das decisões que defendem o contrário[15], entendemos que a interpretação actualista nem se impõe nem é possível (quer do artigo 409.º, do CC, quer do artigo 18.º, do DL 54/75).

Não se impõe porque a relação jurídico-económica sub-jacente não se reveste de novidade da vida a exigir resposta em que o sistema jurídico seja omisso: a lei prevê a garantia mediante a hipoteca – artigos 686.º, n.º 1, e 688.º, n.º 1, alínea f), do CC – e o procedimento cautelar comum para apreensão – artigo 381.º, do CPC.

Por outro lado, a vetustez do diploma, que data de 1975, em tempos de vertigem legiferante, não pode impressionar mais do que a recorrente intervenção do legislador nos seus contornos que levou a 11 alterações, a última em Novembro de 2008.

Em nenhum desses momentos de intervenção legislativa o legislador entendeu dever esclarecer a querela jurisprudencial de que demos nota e que justifica o presente recurso. Ou seja, em nenhum desses momentos o legislador entendeu actualizar o regime estendendo o procedimento à protecção do financiador. Não se vê que se verifique a necessidade de interpretação actualista de um regime que o legislador recente não entendeu necessário alterar.

Mas outro argumento parece mais determinante. Assim é que a interpretação actualista não pode alhear-se da letra da lei, antes lhe está submetida, nela incluindo as realidades que no momento da aplicação substituíram as que se verificavam no momento da produção legislativa. Ora a realidade existente no momento da publicação do diploma mantém-se intocada e a realidade que se conexionou com o contrato de alienação, o financiamento, já anteriormente existia. Nada justifica a actualização[16].

2.4 A interdependência de contratos

Em contrário da tese que seguimos, é brandido o argumento da liberdade contratual. Porém, a mesma está sujeita a limites quais sejam os do artigo 280.º, do CC, citado, como liminarmente resulta da sua sede legal, o artigo 405.º, n.º 1, do CC[17].

Mesmo que assim não fosse, sempre nos depararíamos no caso dos autos com uma dificuldade. No uso dessa liberdade, as partes estabeleceram uma conexão “resolutiva” entre o mútuo e a compra e venda de sentido único como resulta da alínea D) supra, cujo teor lembramos: «a invalidade ou ineficácia do presente contrato [de mútuo] repercute-se, na mesma medida, no contrato de compra e venda» e «a invalidade ou revogação do contrato de compra e venda repercute-se, na mesma medida, no presente contrato».

Apenas a “revogação” da compra e venda se repercute no mútuo, a deste não se repercute na compra e venda. E é da resolução deste último que se trata.

2.5 A sub-rogação

Como resulta dos factos alegados, o comprador declarou sub-rogar o financiador nos direitos do vendedor.

Nos termos do artigo 591.º, n.º 1, do CC, «o devedor que cumpre a obrigação com dinheiro ou outra coisa fungível emprestada por terceiro pode sub-rogar este nos direitos do credor», estabelecendo o n.º 2 a necessidade de «declaração expressa, no documento do empréstimo, de que a coisa se destina ao cumprimento da obrigação e de que o mutuante fica sub-rogado nos direitos do credor».

No caso dos autos constam dos documentos as referidas declarações expressas.

Porém, o que se referiu a respeito da natureza da reserva de propriedade e da sua ligação ao contrato de alienação implica que se conclua que tal sub-rogação carece de sentido. Na verdade, a sub-rogação nos direitos do credor/vendedor implicaria que estes existissem e o pagamento integral do preço a isso obsta.

O mesmo obstáculo suscita uma eventual cessão da posição contratual.

Também com este argumento não é possível atender a pretensão da recorrente.

2.6 A dependência da acção principal

As normas antes citadas do DL 54/75 estabelecem uma relação necessária entre a providência que prevê, a tramitação ulterior em prazos curtos da venda e a propositura da acção de resolução do contrato de alienação.

O mesmo é dizer que a providência apenas pode ser decretada na dependência actual ou futura de acção de resolução do contrato de alienação, antecipando, nomeadamente, o efeito de resolução da transmissão da propriedade operada pelo contrato de alienação. Regime especial que corresponde ao geral a que alude o artigo 383.º, do CPC[18].

O que também concorre para concluir que a providência pedida não o pode ser pela mutuante, embora com reserva de propriedade inscrita a seu favor, uma vez que essa providência é dependência da acção de resolução do contrato de alienação e não da acção de resolução do contrato de mútuo por incumprimento. Ora a mutuante não tem legitimidade processual para instaurar aquela acção de resolução e à compradora falece a legitimidade substantiva para o fazer com fundamento na falta de pagamento integral do preço[19].

IV) DECISÃO.

Pelo exposto, ACORDAM em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2013

 (Ana de Azeredo Coelho)

(Tomé Ramião)

 (Vítor Amaral)



[1] É o seguinte o teor da norma: «1 - Vencido e não pago o crédito hipotecário ou não cumpridas as obrigações que originaram a reserva de propriedade, o titular dos respectivos registos pode requerer em juízo a apreensão do veículo e do certificado de matrícula.
2 – O requerente expõe na petição o fundamento do pedido e indica a providência requerida.
3 – A prova é oferecida com a petição referida no número anterior»
.
[2] Norma que estatui: «Provados os registos e o vencimento do crédito ou, quando se trate de reserva de propriedade, o não cumprimento do contrato por parte do adquirente, o juiz ordenará a imediata apreensão do veículo».
[3] Com o seguinte teor: «Dentro de quinze dias a contar da data da apreensão, o credor deve promover a venda do veículo apreendido, pelo processo de execução ou de venda de penhor, regulado na lei de processo civil, conforme haja ou não lugar a concurso de credores; dentro do mesmo prazo, o titular do registo de reserva de propriedade deve propor acção de resolução do contrato de alienação».
[4] A qual também já ocorria no passado, embora não com a frequência estatística nos tempos actuais.
[5] Não nos ocuparemos por ora da dependência do procedimento dessa acção, diferindo-a para final.
[6] A Requerente e as múltiplas entidades financiadoras que têm trazido aos tribunais a questão, gerando uma miríade de decisões de que daremos resumida parte infra.
[7] Todas as decisões citadas foram consultadas in www.dgsi.pt, apenas com referência aos últimos três anos e a esta Relação.
[8] São de tal exemplo no Tribunal da Relação de Lisboa: os Acórdãos de 15 de Março de 2011 proferido no processo 427/11.2T2SNT.L1-7 (Rel. Graça Amaral) tirado com um voto de vencido, de 12 de Outubro de 2010 proferido no processo 1129/10.2TBBNV.L1-1 (Rel. Anabela Calafate), de 18 de Março de 2010 proferido no processo 4847/09.4TBALM.L1-6 (Rel. Olindo Geraldes) tirado com um voto de vencido e de 3 de Dezembro de 2009 proferido no processo 6212/06.6TVLSB.L1-8 (Rel. Octávia Viegas).
[9] Maioritária nesta Relação, ao que cremos dos Acórdãos publicados, está expressa nos Acórdão de 5 de Julho de 2012 proferido no processo 2490/12.0TJLSB.L1-6 (Rel. Maria Teresa Pardal) tirado com um voto de vencido, de 15 de Maio de 2012 proferido no processo 2261/12.3YXLSB.L1-7 (Rel. Luís Espírito Santo) tirado com um voto de vencido, de 1 de Março de 2012 proferido no processo 472/10.5TVLSB.L1-8 (Rel. Catarina Manso) tirado com um voto de vencido, de 13 de Março de 2012 proferido no processo 1925/11.3TVLSB.L1-7 (Rel. Pimentel Marcos), de 15 de Dezembro de 2011 proferido no processo 2790/11.6TBTVD.L1-7 (Rel. Luís Espírito Santo) tirado com um voto de vencido, de 7 de Dezembro de 2011 proferido no processo 2164/11.9TBGMR.L1-2 (Rel. Pedro Martins), de 12 de Junho de 2011 proferido no processo 1625/11.1TJLSB.L1-7  (Rel. Orlando Nascimento) tirado com um voto de vencido, de 25 de Janeiro de 2011 proferido no processo 39017/03.6YXLSB-A.L1-7 (Rel. Luís Lameiras), de 14 de Dezembro de 2010 proferido no processo 1384/10.8TJLSB.L1-8 (Rel. António Valente), de 4 de Março de 2010 proferido no processo 4614/07.0TVLSB.L1-2 (Rel. Ezagüy Martins), de 25 de Março de 2010 proferido no processo 6336/04.4TJLSB.L1-8 (Rel. Carlos Marinho), de 26 de Novembro de 2009 proferido no processo 1952/09.2 (Rel. Ezagüy Martins). A abundância dos votos de vencido dá bem a noção da divergência de posições.
[10] Vejam-se, a propósito os Acórdãos de 14 de Dezembro de 2004 com o n.º convencional 05B538 (Rel. Araújo de Barros) tirado com voto de vencido, de 2 de Outubro de 2007 com o n.º convencional 07A2680 (Rel. Fonseca Ramos), de 16 de Setembro de 2009 com o n.º convencional 08B2181 (Rel. Alberto Sobrinho), de 7 de Outubro de 2008 com o n.º convencional 08B1480 (Relator Santos Bernardino), de 31 de Março de 2011 proferido no processo 4849/05.0TVLSB.L1.S1 (Rel. Álvaro Rodrigues), de 12 de Julho de 2011 proferido no processo 403/07.0 TVLSB.L1.S1 (Rel. Garcia Calejo).

[11] Referindo-se ao alcance da tipicidade estabelecida na norma, refere o Professor José de Oliveira Ascensão que a mesma se reporta aos direitos reais e não apenas à propriedade, considerando que apenas uma «infeliz» sistemática levou à inclusão do princípio na norma em causa – cf. “Direito Civil – Reais”, Coimbra, 4ª edição refundida, p. 154-155.
[12] Apenas se justificando o registo face ao Parecer n.º 5/2001, de Maio de 2001, publicado no Boletim dos Registos e Notariado, referido no Acórdão de uniformização n.º 10/2008, de 9 de Outubro, proferido no processo 3965/07.
[13] O que as partes aliás não convencionaram, como se dirá infra.
[14] Vejam-se os Acórdãos citados 07A2680 e 08B2181.
[15] Por todos veja-se a declaração de voto no Acórdão 2490 citado.
[16] Acórdãos 07A2680 e 08B1480 citados.
[17] Acórdão 2405 citado.
[18] Acórdão 05B538 citado.
[19] O que funda, nos termos bem explicitados no Acórdão 1625 citado, o indeferimento liminar mesmo num contexto jurisprudencial de controvérsia.