CONTRATO DE TRABALHO TEMPORÁRIO
CONTRATO DE UTILIZAÇÃO DE TRABALHO TEMPORÁRIO
Sumário

1º- Os contratos de trabalho temporário podem renovar-se, sempre e enquanto se mantenha a sua causa justificativa, até ao limite da sua duração máxima, legalmente prevista.
2º- Sendo o contrato de trabalho temporário dependente do contrato de utilização de trabalho temporário e tendo ambos o mesmo fundamento, o prazo de duração daquele deve ser coincidente com o deste, sem prejuízo do disposto no artigo 14º do Decreto-Lei nº 358/89 de 17.10
(Elaborado Pela Relatora)

Texto Parcial

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
AA, residente na Avenida (…), nº …, … 0000-000, Pontinha, com o patrocínio do Ministério Público e com apoio judiciário, propôs contra BB, Lda, com sede na Avenida (…), nº … – …º 0000-000, Lisboa, a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, pedindo que esta seja julgada procedente e que:
I - Seja declarado que o contrato de trabalho temporário existente entre a autora e a ré tinha o seu termo a 31.08.2007 e que, em consequência, seja declarada a ilicitude da cessação do contrato ocorrida na sequência da comunicação que pôs termo ao contrato em 31.01.2007 por caducidade e desse modo condenar-se a ré a pagar à autora
a) a quantia de € 2 122,45 de retribuições vincendas
b) a quantia de €137,13 de compensação.
II- Independentemente da declaração de ilicitude do despedimento deve a ré ser condenada no pagamento da quantia total de € 3 443,03 dos quais:
- € 414,44, a título de diferenças salariais conforme alegado nos arts.28 a 32;
- € 1 100,00, a título de complemento de retribuição, conforme o alegado nos artigos 33 a 35;
- € 1808,64, de prémio de produtividade, conforme o alegado nos art.36 a 41;
- € 98,70, a título de férias, de subsídio de férias e subsídio de Natal, conforme o alegado nos arts.42 a 44;
- € 21,25 de compensação, conforme o alegado nos arts.45 a 47.
III- Seja a ré condenada no pagamento de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, até integral pagamento das quantias em dívida.
Para tanto e, em síntese, invocou que:
- No dia 2 de Março de 2006 celebrou com a ré, empresa de trabalho temporário, um contrato de trabalho temporário nos termos do qual se obrigou a prestar o trabalho inerente à categoria profissional de comunicadora, à empresa utilizadora CC S.A., cumprindo um horário a tempo parcial de 20 horas semanais, mediante a remuneração horária de € 2,23 e média mensal de € 192,95;
- Por carta de 10 de Novembro de 2006, a ré comunicou-lhe a caducidade de tal contrato a partir de 30.11.2006, mas a autora continuou a trabalhar no mesmo local, exercendo as mesmas funções, cumprindo o mesmo horário e auferindo a mesma retribuição horária, tendo a ré apresentado um novo documento titulado de contrato de trabalho temporário com início a 01.12.2006;
- A ré justificou a celebração deste contrato com a celebração de um contrato de utilização de trabalho temporário entre ela e a CC, com início a 01.12.2006;
- Por carta de 8 de Janeiro de 2007, a ré comunicou à autora a caducidade de tal contrato com efeitos a partir de 31.01.2007, sendo que a invocação de tal caducidade deveu-se ao facto de do aludido contrato resultar que o mesmo era celebrado pelo prazo de um mês renovável;
- Face ao exposto na al.g) do nº 1 do artº 19º do decreto-lei nº 358/89 de 17.10, no contrato de trabalho temporário deve ser mencionado qual o termo do contrato de acordo com o disposto no artigo 9ºdaquele diploma dai decorrendo que o termo do contrato de trabalho temporário tem de estar em consonância com o prazo de duração do contrato de utilização de trabalho temporário;
- O contrato de utilização que esteve na origem da celebração deste último contrato de trabalho temporário apenas tinha termo a 31.08.2007, daí que se deva entender que o contrato de trabalho temporário foi celebrado para vigorar até 31.08.2007 e não por um mês;
- Tendo a autora desempenhado, ininterruptamente, as mesmas funções, deve considerar-se como um único contrato e com a carta de 08.01.2007 a ré pôs termo ao contrato de forma ilícita pois o mesmo só poderia ter o seu termo por caducidade em 31.08.2007;
- Tal ilicitude confere à autora o direito a receber as prestações pecuniárias que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo do contrato e onde se incluem as retribuições mensais, quer as férias, subsídios de férias e subsídios de Natal, a que acresce a compensação devida pela caducidade do contrato, sendo que a este título a ré já lhe pagou €174,99, apenas sendo devida a diferença de € 137,13;
- Entre 16.06.2006 e 22.09.2006 a autora passou a trabalhar 35 horas mediante a mesma retribuição, o que traduz o vencimento mensal médio de 338,22 que a ré não lhe pagou, estando, assim, em dívida as respectivas diferenças salariais, além de que a ré também não lhe pagou o valor que os trabalhadores da CC recebiam a título de complemento de retribuição e que lhe é devido, nem o prémio de produtividade cujo montante variava em função do escalão em que fosse integrada, ou seja do escalão 5, tendo-lhe sido pago a este título a quantia de € 523,36, em dívida está quantia de € 1 808,64.
- Está ainda em dívida a diferença de retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal no valor de € 98,7, bem como a diferença de 21,25 relativa à compensação pela cessação do contrato
Teve lugar a audiência de partes, não tendo sido obtida a sua conciliação.
Notificada a ré para contestar veio fazê-lo dizendo, em resumo, que, em 01.12.2006, foi celebrado um novo contrato de trabalho no âmbito de outro contrato de utilização, que se fosse condição de celebração do contrato de trabalho temporário a respectiva consonância rigorosa com o prazo de duração do contrato de utilização de trabalho temporário, não seria admissível o contrato de trabalho temporário da autora no âmbito deste CUTT, pois que só teve o seu início no dia 2 de Março de 2006, após dois meses do início do identificado CUTT, que o contrato de trabalho temporário celebrado em 02 de Março de 2006 caducou quando verificado o termo do CUTT e que pagou à autora o trabalho por esta prestado na sequência da informação que a empresa utilizadora mensalmente lhe enviou, não tendo conhecimento de quaisquer outras horas de trabalho da autora para além das constantes dos layouts, fornecidos pela empresa utilizadora.
Pediu que a acção seja julgada improcedente com a consequente absolvição do pedido.
Foi dispensada a realização da audiência preliminar.
Foi proferido despacho saneador e dispensada a selecção dos factos assentes e da base instrutória.
Realizou-se a audiência de julgamento com observância do legal formalismo, conforme decorre da acta que antecede.
Foi proferido despacho sobre a matéria de facto provada e não provada que não sofreu reclamação.
A sentença decidiu, nos seguintes termos:
“Face ao acima exposto:
Julgo a presente acção com processo comum proposta por AA contra BB, Lda, parcialmente procedente e, em consequência:
1-a) Condeno a R. BB, Lda ao pagamento da quantia global de:
- 2.711,88 € (dois mil setecentos e onze euros e oitenta e oito cêntimos), como supra discriminado,
- A que acrescem:
b) juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% ao ano, desde as respectivas datas de vencimento, até efectivo e integral pagamento;
- Absolvo a R. do restante pedido;
3- Condeno a R. e a A. nas custas da acção, na proporção de 3/5 para a primeira e 2/5 para a segunda, sem prejuízo da isenção de que beneficia a A. – art. 446º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil, ex vi do art.1º nº 2 al.a) do Código de Processo do Trabalho.
Valor da acção: € 5 702,61
Registe e notifique”

Inconformada com tal decisão, veio a Ré dela interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
(…)
A recorrida contra-alegou pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
O recurso foi admitido no modo e com o efeito adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

OBJECTO DO RECURSO
O âmbito do recurso é limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts.684º nº 3 e 685º-A do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.660º nº 2 do CPC).
Nos presentes autos não existem questões que devam ser apreciadas oficiosamente.
E as questões a que cumpre dar resposta no presente recurso são as seguintes:
1ª- Se a sentença enferma da alegada nulidade.
2- Se o prazo de duração do contrato de trabalho temporário e o prazo de duração do contrato de utilização de trabalho temporário que lhe subjaz têm de ser coincidentes, seja qual for o prazo que naquele conste.
3- Se os valores em que foi condenada a apelante (2.122,45 € e 174,99€) não estão correctos e devem ser reduzidos para 1.688,30€ e 137,13€.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
(…)

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1- Da alegada nulidade da sentença
A este propósito entende a Recorrente que, sem qualquer fundamento de facto ou de direito, foi decidido condenar a apelante a pagar à apelada a quantia de 414,44€, o que fere de nulidade a douta sentença recorrida.
Vejamos:
Dispõe o art. 77º do CPT que “A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.”
A citada norma do CPT encontra a sua razão de ser na circunstância da arguição das nulidades serem, em primeira linha, dirigidas à apreciação pelo juiz do tribunal da 1ª instância e para que o possa fazer. Radica no “princípio da economia e celeridade processuais para permitir ao tribunal que proferiu a decisão a possibilidade de suprir a arguida nulidade” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20-2-2006, in www.dgsi.pt, proc. nº 0515705 e jurisprudência ali citada).
A propósito desta questão, escreve o Supremo Tribunal de Justiça, no Ac de 23-04-1998: “I – No processo de trabalho há uma norma especial segundo a qual a arguição de nulidade da sentença é feita no requerimento de interposição do recurso e não nas alegações radicando a razão de ser dessa norma no princípio da economia e da celeridade processuais para permitir ao tribunal que proferiu a decisão a possibilidade de suprir a arguida nulidade.” (cfr. BTE, 2ª série nº4-5-6/99, pág. 711)
E neste domínio, a jurisprudência vem entendendo que, não sendo a nulidade arguida no requerimento de interposição de recurso mas apenas nas alegações, a mesma não pode ser conhecida pelo tribunal de recurso por ser extemporânea (cfr, entre outros, Acórdão do STJ de 17.06.2010, in www.dgsi.pt, e António Santos Abrantes Geraldes em “Recursos no Processo de Trabalho”, pág. 61).
E das nulidades previstas nas alíneas a) a e) do nº 1 do art. 668º do CPC, só a primeira é do conhecimento oficioso (neste sentido, vide o Acórdão do STA de 14.07.1994, www.dgsi.pt).
No caso em apreço, a Recorrente, no requerimento de interposição de recurso, não anuncia a intenção de arguir a nulidade da sentença, nulidade que apenas invoca no corpo das alegações e onde a motiva, embora não o fazendo de modo destacado, o que levou a que o Mmº Juiz do tribunal a quo não se tenha pronunciado sobre ela.
Ou seja, a Recorrente, no que se refere à arguição da nulidade da sentença não observa a tramitação a que alude o art. 77º nº1 do CPT, sendo certo que, como já dissemos supra, a referida nulidade não é de conhecimento oficioso.
Assim e porque o objectivo visado com o artigo 77º do CPC não foi, de qualquer modo, atingido, por ter sido omitida, de todo, a formalidade a que alude o artigo 77º do CPT, não conhecerá o tribunal da invocada nulidade.
*
Apreciemos, agora, a segunda questão suscitada e que se traduz em saber se a duração do prazo do contrato de trabalho temporário e a duração do prazo do contrato de utilização de trabalho temporário que lhe subjaz têm de ser coincidentes, seja qual for o prazo que naquele conste.
Previamente, refira-se que no presente recurso apenas está em causa o segundo contrato de trabalho temporário celebrado entre a Recorrente e a Recorrida, com data de 1 de Dezembro de 2006 e termo em 31 de Agosto de 2007 e que findou em 31 de Janeiro de 2007, pois conforme se lê na sentença recorrida “ Ora no caso dos autos, o primeiro contrato de trabalho temporário celebrado pela A. teve o seu início em 2/03/06 e termo em 1/04/04, renovável por iguais períodos. E, com efeito tal contrato, veio a ser renovado até 30.11.2006 – data do termo do contrato de utilização de trabalho, com o que se cumpriu o disposto no art.9º nº 5 do referido Decreto-Lei. Assim, quanto a este contrato, nada há a apontar, pois a sua duração, com as renovações”
Ora, conforme já referido na sentença recorrida, tendo o contrato em causa se iniciado em 1 de Dezembro de 2006 e ocorrendo o seu termo em 31 de Janeiro de 2007, são-lhe aplicáveis as disposições do Decreto-Lei nº 358/89 de 17 de Outubro com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei nº 146/99 de 1 de Setembro, bem como o disposto no Código do Trabalho de 2003 (CT/2003)
Nos termos da al.d) do artigo 2º do citado Decreto-Lei, o contrato de trabalho temporário é “o contrato de trabalho celebrado entre uma empresa de trabalho temporário e um trabalhador, pelo qual este se obriga, mediante retribuição daquela, a prestar temporariamente a sua actividade a utilizadores”, enquanto que a al.e) do mesmo artigo define o contrato de utilização de trabalho temporário como sendo o “contrato de prestação de serviço celebrado entre um utilizador e uma empresa de trabalho temporário pelo qual esta se obriga, mediante retribuição, a colocar à disposição daquele um ou mais trabalhadores temporários”.
A propósito do contrato de trabalho temporário, lemos em Manual de Direito do Trabalho, 1991, pag.602, de Menezes Cordeiro, que a “cessão de trabalhadores, chamada entre nós, por influência francesa, “trabalho temporário”, corresponde a um contrato de trabalho de conteúdo típico, só muito recentemente fixado na lei. Nos seus termos, uma empresa - a “empresa de trabalho temporário” - contrata trabalhadores que irá, depois ceder temporariamente a terceiros - as empresas utilizadoras - com fins lucrativos
E como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.09.2012, in www.dgsi.pt, a situação de trabalho temporário caracteriza-se “por ser uma modalidade atípica de trabalho em que a posição contratual da entidade patronal se desdobra entre a empresa de trabalho temporário (que contrata, remunera e exerce poder disciplinar) e o utilizador (que recebe nas suas instalações um trabalhador que não integra os seus quadros de pessoal, mas que ocupa sob a sua autoridade e direcção.
Esta particular forma de trabalho caracteriza-se pela cisão ou partilha entre duas entidades distintas - a ETT e o Utilizador - da posição jurídica usualmente na titularidade de uma única entidade.
Trata-se de um esquema contratual que liga três sujeitos (o trabalhador temporário, a empresa de trabalho temporário e a empresa utilizadora) através de dois negócios jurídicos: um contrato de trabalho temporário, celebrado entre o trabalhador e a empresa de trabalho temporário, e um contrato de utilização de trabalho temporário”.
Ainda com interesse, veja-se o Acórdão do STJ de 3/12/03, P. 03S2555, segundo o qual “o contrato de trabalho temporário é o negócio jurídico celebrado entre uma empresa de trabalho temporário e um trabalhador, pelo qual este se obriga mediante retribuição daquela, a prestar temporariamente a sua actividade a utilizadores - alínea d) do artigo 2° do Decreto-Lei n.º 358/89,de 17 de Outubro. E, nos termos da alínea e) do mesmo artigo, entende-se como contrato de utilização de trabalho temporário o contrato de prestação de serviços celebrado entre um utilizador e uma empresa de trabalho temporário, pelo qual esta se obriga, mediante retribuição, a colocar à disposição daquele um ou mais trabalhadores temporários.
Como explicita ainda a alínea a) do mesmo preceito, em termos que são reafirmados no n.º 1 do artigo 3°, a empresa de trabalho temporário tem por objecto a "actividade de cedência temporária a terceiros, utilizadores, para utilização de trabalhadores que, para esse efeito, admite e remunera". Sendo certo que é o utilizador que "ocupa, sob a sua direcção e autoridade, os trabalhadores cedidos pela empresa de trabalho temporário (alínea c) do artigo 2° do mesmo diploma).
O trabalhador temporário mantém, pois, um vínculo jurídico-laboral à empresa de trabalho temporário; mas durante a vigência do contrato de utilização temporária, a subordinação jurídica - entendida como a relação de dependência da conduta pessoal do trabalhador face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador - transfere-se para a entidade utilizadora.
É, por sua vez, a existência desse vínculo originário com a empresa de trabalho temporário que justifica que seja esta a efectuar o pagamento das remunerações do trabalhador, auferindo, por sua vez, a retribuição que é devida pelo facto de colocar esse mesmo trabalhador à disposição do utilizador (alíneas a) e e), in fine, do artigo 2º).
Assim se compreende que o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 358/89 apresente o trabalho temporário como um "contrato de trabalho triangular em que a posição contratual da entidade empregadora é desdobrada entre a empresa de trabalho temporário (que contrata, remunera e exerce o poder disciplinar) e o utilizador (que recebe nas suas instalações um trabalhador que não integra os seus quadros e exerce, em relação a ele, por delegação da empresa de trabalho temporário, os poderes de autoridade e direcção próprios da entidade empregadora".
Também a propósito deste contrato, relembremos o Acórdão do STJ de 04.05.2011, in www.dgsi.pt que refere que conforme resulta da LTT, o trabalho temporário tem a particularidade de ser um contrato de trabalho triangular em que a posição contratual da entidade empregadora é desdobrada entre a empresa de trabalho temporário e a empresa utilizadora, empresa esta que exerce em relação aos trabalhadores temporários e dentro de certos limites, os poderes de autoridade e de direcção, próprios da entidade empregadora, em relação àqueles trabalhadores.
Ora, é manifesto que entre o trabalhador temporário e o utilizador não existe qualquer contrato, designadamente um contrato de trabalho, pelo que o utilizador não pode ser considerado juridicamente como empregador, salvo as excepções previstas na lei. A actividade prestada por aquele ao utilizador, é feita por conta da empresa de trabalho temporário que o contratou, inexistindo, assim, vínculo laboral entre o utilizador e o trabalhador.
Contudo, o poder de direcção é exercido pelo utilizador por mera delegação da empresa de trabalho, já que “o trabalhador temporário tem como patrão a empresa de trabalho temporário que o contrata, remunera e detém sobre ele o poder disciplinar, embora o trabalho seja prestado sob as ordens e direcção deste. Entre o utilizador e o trabalhador temporário não existe qualquer vínculo laboral” (José de Castro Santos e Maria Teresa Rapoula, in Da Cessação do Contrato de Trabalho e Contratos a Termo – Do Trabalho Temporário, 1990, pag. 226)”.
E quanto às menções que, obrigatoriamente, devem constar do contrato de trabalho temporário dispõe o artigo 19º nº 1 al.g) do Decreto-Lei nº 358/89 de 17.10 que dele deve constar o termo do contrato de acordo com o artigo 9º.
Por seu turno, o artigo 9º nº 2 do mesmo Decreto-Lei que rege as condições gerais de licitude e duração do contrato de utilização de trabalho temporário, estabelece que “os contratos de trabalho temporário, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, podem renovar-se, sempre e enquanto se mantenha a sua causa justificativa, até ao limite da sua duração máxima”.
Nos casos previstos nas alíneas a) e g) do nº 1 a duração do contrato não pode exceder a cessação da causa justificativa; nos casos previstos na al.b) do nº 1 a duração do contrato não pode exceder seis meses; nos casos previstos na al.c) do nº 1 (que contempla o caso dos autos) a duração do contrato não pode exceder 12 meses podendo ser prorrogado até 24 meses, desde que se mantenha a causa justificativa da celebração e mediante autorização da entidade competente; nos casos previstos nas alíneas d), f) e h) do nº 1, a duração do contrato não pode exceder seis meses, sendo permitida a sua prorrogação sucessiva até à cessação da causa justificativa mediante autorização da entidade competente; e nos casos previstos na al.e) do nº 1 é possível o recurso ao trabalho temporário enquanto se mantiver a natureza sazonal ou a irregularidade da actividade económica desenvolvida, não podendo em cada ano a duração do contrato exceder seis meses (nºs 3 a 7 do artigo 9º).
Volvendo ao contrato dos autos verificamos que sob a epígrafe “Duração” ficou consignado o seguinte:
“O presente contrato tem início na presente data e termo a 31 de Dezembro de 2006, podendo nos termos da Lei, ser renovado por igual ou iguais períodos até à data limite do Contrato de Utilização de Trabalho Temporário a 31 de Agosto de 2007.
A última renovação do contrato, nos termos do número anterior, considerar-se-á feita por um período inferior a um mês, se e na medida do necessário para respeitar o período de vigência do respectivo Contrato de Utilização de Trabalho Temporário que termina 31 de Agosto de 2007, data que o contrato de trabalho não pode legalmente ultrapassar”.
No que concerne ao termo do contrato de trabalho temporário, pronunciou-se a sentença recorrida nos seguintes termos:
“ Relativamente ao termo do contrato de trabalho temporário, diz o art.19º nº 1 al.g), que no contrato de trabalho temporário, a celebrar, obrigatoriamente, por escrito, tem que constar o termos do contrato, de acordo com o disposto no artigo 9º, ou seja, de acordo com o prazo estabelecido para o contrato de utilização de trabalho temporário. Para que não restem dúvidas: a interpretação desta norma só pode ser a de que os prazos do contrato de trabalho temporário e do contrato de utilização de trabalho temporário têm que ser coincidentes”.
Ora, como escreve Pedro Romano Marinez, em Direito do Trabalho, 5ª Edição, pag.736, embora a propósito do regime do contrato de trabalho temporário, regulado no CT/2009, mas cujos princípios são aplicáveis ao caso dos autos, “ o contrato de trabalho temporário pode ser celebrado a termo certo ou incerto. A aposição de um termo certo ou incerto encontra-se na dependência do motivo invocado para a celebração do contrato de utilização, apontando para a prioridade deste em relação àquele. (…) Por outro lado, atendendo à dependência do contrato de trabalho temporário em relação ao contrato de utilização, a duração do contrato de trabalho determina-se pelo prazo em que aquele contrato se estabelece (…); mesmo no caso de se tratar de contrato a termo incerto, dura pelo tempo necessário à satisfação das necessidades temporárias do utilizador…”.
Ainda sobre a duração do contrato de trabalho temporário, lemos in Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais de Maria do Rosário Palma Ramalho, pag.310, que “ o contrato para prestação de trabalho temporário, outorgado entre a empresa de trabalho temporário e o trabalhador temporário, pode ser celebrado a termo (certo ou incerto) ou por tempo indeterminado.
(…) O contrato a termo para a prestação de trabalho temporário está directamente dependente de um contrato de utilização determinado, tendo, aliás, que ter o mesmo fundamento”.
Também sobre a duração do contrato de trabalho temporário escreve Maria Regina Gomes Redinha, in “A Relação Laboral Fragmentada. Estudo sobre o Trabalho Temporário”, em Boletim da Faculdade de Direito, STVDIA IVRIDICA 12, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, Coimbra, 1995, pag. 231-232, que aquela está “indexada à duração do contrato de utilização — artigo 19.º, n.º 1, alínea g). Quer isto dizer que o prazo máximo de vigência do contrato se afasta do regime do contrato a termo para ser, reflexamente, fixado pelo contrato de utilização, excepto na hipótese de cessação ante tempore deste último vínculo”.
Com efeito, o artigo 14º do Decreto-Lei nº 358/89 de 17.10, ressalvando acordo em contrário, prevê a sobrevivência do contrato de utilização quando ocorra a cessação ou suspensão do contrato de trabalho temporário devendo, nesses casos, a empresa de trabalho temporário colocar à disposição do utilizador outro trabalhador para substituir aquele cujo contrato cessou ou se encontra suspenso, o que no dizer da referida autora revela «a primazia do contrato de utilização sobre o contrato de trabalho temporário».
Porém, entendemos que os casos de cessação e de suspensão do contrato de trabalho temporário, embora não determinem a cessação do contrato de utilização de trabalho temporário, de acordo com o referido preceito legal, têm em vista as relações que se estabeleceram entre o trabalhador temporário e a empresa de trabalho temporário, ligados por um contrato de trabalho temporário e sujeito às vicissitudes de qualquer contrato de trabalho no que respeita à sua cessação e suspensão.
E porque assim e na medida em que o contrato de trabalho temporário é dependente do contrato de utilização a que está indexado, não é de admitir, que aquele tenha o seu termo, antes de findar a causa justificativa da sua celebração, que é o mesmo que dizer, antes de decorrido o prazo de duração do contrato de utilização, já que ambos têm o mesmo fundamento.
Sendo assim, como entendemos que é, o prazo do contrato de trabalho temporário, exceptuados os casos de cessação e suspensão do contrato regulados no artigo 14º do DL nº 358/89 de 17.10, norma que tem em vista apenas as relações entre as partes outorgantes do contrato de trabalho (trabalhador e empresa de trabalho temporário) e que não é aplicável ao caso dos autos, pois nenhuma causa de cessação ou de suspensão do contrato se apurou, deverá ser coincidente com o prazo previsto no contrato de utilização.
Na verdade, não fazia sentido fazer cessar o contrato de trabalho temporário, mantendo-se o contrato de utilização e, consequentemente, a causa justificativa da sua celebração, sem que tivesse ocorrido qualquer causa para a cessação daquele contrato ou a sua suspensão.
E repare-se que, no caso dos autos, a Recorrente, fundamentou a caducidade do contrato celebrado com a Recorrida, alegando que tinham deixado de existir as necessidades que determinaram a sua celebração, o que, de modo nenhum, se provou.
Sendo assim, entendemos, não merecer censura a sentença recorrida, neste segmento, improcedendo o recurso, nesta parte.
Debrucemo-nos, agora, sobre a última questão suscitada, qual seja a de saber se os valores em que foi condenada a apelante (2.122,45 € e 174,99€) não estão correctos e devem ser reduzidos para 1.688,30€ e 137,13€.
Previamente, há que referir que tendo a Recorrente comunicado à Recorrida a caducidade do contrato com efeito a partir de 31.01.2007, quando aquele só poderia findar em 31 de Agosto de 2007, podemos afirmar, como faz a sentença recorrida, que estamos perante uma cessação ilícita do contrato, por violação do disposto no artigo 9º do Decreto-Lei nº 358/89 de 17.10.
E nessa sequência, face ao disposto no artigo 23º do citado Decreto - Lei que manda aplicar à cessação do contrato de trabalho temporário as normas do contrato de trabalho a termo, considerando o disposto no artigo 440º do CT/2003, temos que, pela cessação ilícita do seu contrato tem a Recorrida direito a receber uma indemnização correspondente às prestações pecuniárias que deixou de auferir desde a data da cessação do contrato até ao termo do contrato (01.02.2007 até 31.08.2007), onde se incluem as retribuições relativas a férias, subsídio de férias e de Natal.
A estas quantias ainda acresce a compensação devida pela caducidade do contrato a que alude o artigo 388º do CT/2003.
Ora, alegou a Recorrente que sentença recorrida, não podia ter condenado a apelante a pagar à apelada as quantias de 2.122,45€ e 174,99€ pois tendo em conta os factos provados indicados sob os nºs 4,7, 8 e 11, aquelas quantias teriam de ser reduzidas para 1.688,30 (remuneração mensal média x 7 + proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal) e 137,13€.
Vejamos:
A propósito das quantias devidas à Recorrida pela cessação ilícita do contrato, a sentença recorrida refere o seguinte: “Assim, considerando tudo o que acima se expôs (a sentença considerou não serem devidas as quantias pedidas a título de prémio de produtividade e de complemento de retribuição) a A. tem direito a haver as seguintes quantias, por referência ao valor de remuneração horária de € 2,3, sendo a remuneração média mensal da autora de 192,95€ (ressalvado o período de 16.06.2006 a 22.09.2006) como se discrimina:
- remuneração desde a data da cessação até ao termo (incluindo-se no total as férias, os subsídios de férias e de Natal----------------------------------------------------------€ 2,122,45
- compensação por caducidade---------------------------€ 174,99
- Diferenças salariais de 16.06.2006 a 22.09.2006-- € 414,44
Total----------------------------------------------------€ 2.711,88
Ora, no que respeita à compensação devida pela caducidade do contrato, invocou a Recorrida que lhe era devida a quantia de € 312,12, mas que a Recorrente lhe pagou € 174,99, tendo pedido, a sua condenação no pagamento da quantia de € 137,13 (€ 312,12- €174,99).
Certamente por lapso, o Mmº Juiz do tribunal a quo subtraíu ao total em dívida o valor de € 137,12, quando deveria ter subtraído o valor de € 174,99, já pago.
Sendo assim, a título de compensação pela caducidade do contrato apenas é devida à Recorrida a quantia de € 137,12 e não de €174,99, como se afirma na sentença recorrida, procedendo, nesta parte, o recurso.
Mas ainda entende a Recorrente que o valor das retribuições vincendas acrescidas dos proporcionais de férias e de subsídios de férias e de Natal não foi devidamente calculado.
Ora, tendo resultado provado que a Recorrida auferia a remuneração horária de € 2,23, sendo a remuneração média mensal de 192,25 euros (ponto 4 dos factos provados), temos que são devidas à Recorrida as seguintes quantias:
- A título de retribuições vincendas – €1.350,65 (€192.95x7)
- A título de proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal – €337,65 (192,95x7:12) = 112,55 x 3 =
- No total é devido à Recorrida o valor de € 2.239,87 (€1350,65 + 337,65 + 137,13 + 414,44), a que acrescem os juros vencidos e vincendos nos termos fixados na decisão recorrida.
Assim, nesta parte, procede parcialmente o recurso.
*
As custas serão da responsabilidade de ambas as partes nos termos já fixados na sentença recorrida, dado que este segmento da decisão não foi posto em causa.

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência, revoga-se parcialmente a sentença recorrida, condenando-se a Recorrente a pagar à Recorrida a quantia total de € 2.239,87 (dois mil duzentos e trinta e nove euros e oitenta e sete cêntimos), mantendo-se, no mais, a sentença recorrida.

Lisboa, 6 de Março de 2006

Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Alda Martins
Paula Santos