CONTRATO DE ADESÃO
ACÇÃO INIBITÓRIA
CLÁUSULA PENAL
CLÁUSULAS NULAS
Sumário

I – No que respeita às cláusulas relativamente proibidas, o intérprete tem de analisar a cláusula no seio de todo o conjunto contratual genericamente predisposto, não sendo de considerar as vicissitudes particulares do negócio individual realizado.
II – Remetendo-nos a lei para o «quadro negocial padronizado», é no interior do regulamento contratual que temos de fazer a ponderação dos interesses em confronto.
(ACC)

Texto Integral

Acordam do Tribunal da Relação de Lisboa
I – Relatório
O Ministério Público instaurou acção declarativa sob a forma de processo sumário ao abrigo do disposto nos art. 25º, 26º nº 1 e 27º nº 2 do DL 446/85 de 25/10 contra N – Serviços de Telecomunicações Lda, pedindo que sejam declaradas nulas as cláusulas contratuais gerais 7.5, 10.3 e 10.5 constantes de impresso análogo ao documento nº 2 da petição inicial, condenando-se a Ré a abster-se de se prevalecer delas e de as utilizar em contratos que de futuro venha a celebrar e ainda na publicitação de tal proibição.
Alegou, em síntese:
- a Ré exerce o comércio de telecomunicações, designadamente de serviços telefónicos, celebrando com os seus clientes contratos que contém cláusulas relativamente às quais não é admissível negociação;
- a cláusula 7.5 é proibida nos termos do art. 18.al c) do DL 446/85 porque exclui de forma directa a responsabilidade da Ré em caso de dolo ou culpa grave, em situações resultantes do não cumprimento definitivo, mora ou cumprimento defeituoso;
- as cláusulas 10.3 e 10.5 são proibidas nos termos do art.º 19.al c), aplicável ex vi do art. 20º do citado diploma legal, pois delas resulta que os clientes terão de pagar a totalidade das prestações correspondentes ao número de meses contratados, no caso de cessação do contrato, contendo uma cláusula penal desproporcionada e excessiva relativamente aos danos que visa ressarcir.

A Ré contestou pugnando pela improcedência da acção e alegando, em resumo:
- a versão do contrato junta com a petição inicial já não é por si utilizada há vários meses;
- o período mínimo de vigência contratual previsto, de 12 meses, baseia-se na necessidade que a Ré tem de assegurar o pagamento de vários custos de activação/amortização que suporta para poder fornecer os serviços, precisando de impor compromissos de permanência para conseguir recuperar os custos incorridos;
- acresce a necessidade de cumprir os descontos negociados com vários dos seus fornecedores, sem que lhe sejam aplicadas penalizações;
- cobra preços aos seus clientes inferiores aos que cobraria de acordo com as regras do mercado, havendo necessidade de um lapso temporal para que recupere o elevado investimento efectuado;
- na eventualidade de o cliente fazer cessar o contrato sem justa causa, previamente ao termo acordado, a Ré terá um prejuízo significativo, já que os proventos percebidos ao abrigo de tal negócio não terão sido de molde a amortizar o investimento inicial por si efectuado.

O Ministério Público respondeu à contestação concluindo como na petição inicial.

Realizada audiência de discussão e julgamento e dadas as respostas à base instrutória, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, nestes termos:
«a) declaro a nulidade da Cláusula 7.5. das Condições Gerais, utilizada por “N – Serviços de Telecomunicações, Lda” no denominado “Contrato de Serviço Telefónico – Portugal, consistindo (impresso versão 009 em uso de 2008 a Maio de 2009) em “No caso de o Serviço ser usado com fins profissionais, a N não será responsável por qualquer perda de lucros, receita, negócio ou poupanças previstas, quer sejam causadas por negligência ou por qualquer outra forma. No caso de o serviço ser usado para fins domésticos, a N não será responsável por qualquer perda de lucros, receitas, negócios ou poupanças previstas, quer sejam causadas por negligência ou por qualquer outra forma, excepto perdas que foram consequência previsível do incumprimento do Contrato pela N.”;
b) e condeno “N – Serviços de Telecomunicações, Lda” a abster-se de utilização futura nas suas relações contratuais de fornecedora, da cláusula indicada na alínea a).
c) e condeno “N – Serviços de Telecomunicações, Lda” a dar publicidade à parte decisória desta sentença, por anúncio publicado em dois números seguidos de um dos jornais de âmbito nacional, publicados diariamente na cidade de Lisboa, com a área não inferior a metade de uma folha de tamanho A4.
d) e absolvo “N – Serviços de Telecomunicações, Lda” dos demais pedidos formulados, de que a absolvo.
e) Custas pela R. na proporção de 1/2, estando o A. isento das mesmas (art. 4º.1. a) RCP).
f) Oportunamente cumpra-se o disposto no artigo 34º do RJCCG.».

Inconformado, apelou o Ministério Público, e tendo alegado, formulou as seguintes conclusões:
I - As cláusulas 10.3 e 10.5 do contrato denominado Contrato de Serviço Telefónico – Portugal PT-TSA-009”, a que Ré apelida versão n.º 9, ao estabelecerem um período de fidelização de 12 meses, sem contrapartida, são nulas, por violarem o princípio da boa-fé, nos termos dos Arts. 15º e 16º e ainda o disposto no Art. 19º, c) todos da LCCG;
II - Ambas as cláusulas integram cláusulas penais excessivas e desproporcionadas relativamente aos danos que visam ressarcir;
III - Com estas cláusulas a Ré condiciona o cliente a permanecer vinculado aos referidos contractos por períodos de 12, sem razão que o justifique, já que não resulta do clausulado a existência de qualquer benefício/contrapartida que justifique a referida fidelização;
IV - Com efeito, tal como se alegou na P.I., com estas cláusulas a Ré obtém a totalidade das prestações, como se o contrato tivesse sido integralmente cumprido, com a vantagem adicional de receber as prestações, com antecipação, face aos vencimentos mensais contratados, sem prestar qualquer serviço;
V - Não resulta do clausulado a existência de qualquer benefício/contrapartida da fidelização pelo período de 12 meses para o cliente nem ficou efectivamente provado pela Ré que exista um investimento prévio específico da sua parte que justifiquem a referida permanência;
VI - A própria autoridade reguladora (ANACOM) exige, desde 11 de Dezembro de 2008, que os contractos de prestação de serviços de comunicações electrónicas, caso estipulem períodos de fidelização, contenham as clausulas que indiquem a justificação do período de fidelização;
VII - Na cláusula 10.3 estabelece-se uma penalidade para o consumidor/aderente para o caso de o cliente solicitar o cancelamento do serviço durante o período de fidelização consistente no pagamento do valor das mensalidades até perfazer o número de meses de fidelização acordado;
VIII - Mas, na cláusula 10.5, o desequilíbrio entre o proponente e o aderente ainda é mais gravoso dado que, mesmo havendo resolução do contrato por iniciativa do cliente, este tem que suportar os custos da Assinatura de Linha Telefónica até ao fim do período de notificação e quaisquer outros períodos vinculativos aplicáveis;
IX - É manifestamente inconcebível que o cliente resolva o contrato, necessariamente com fundamento legal (Arts. 432º e seguintes do Código Civil ), como, por exemplo, em caso de incumprimento do contrato por parte da proponente e, ainda assim,
X - por via desta cláusula 10.5, o cliente poderá ter que suportar as assinaturas até ao fim do contrato que se mostra por motivo imputável à proponente, havendo um locupletamento injustificado por parte da mesma;
XI - Deste modo, o MM. Juiz a quo incorreu em erro de julgamento ao analisar indistintamente as cláusulas 10.3 e 10.5;
XII - Na resposta aos quesitos, o MM. Juiz considerou inexistirem elementos de prova sobre valores que facultasse a análise dos custos, retorno e risco quesitados;
XIII - Por sua vez, na sentença decidiu que se impunha ao A. demonstrar com factos, designadamente com exemplos tipo, o desequilíbrio quantitativo/qualitativo que sustenta se verificariam necessariamente nos contractos singulares;
XIV - Concluiu o MM. Juiz a quo que a fidelização, com a respectiva penalidade por incumprimento do cliente, é a contrapartida da diminuição do preço unitário relativamente aos concorrentes proposta pela Ré;
XV - Todavia, resulta de forma inequívoca que o dano potenciado para o cliente, através da inclusão das duas cláusulas em análise, se traduz precisamente na obrigação de pagar, por um período que pode ir até 12 meses, um serviço que não lhe é prestado;
XVI - Por outro lado, incumbiria à Ré - e não ao Autor -a prova de que as cláusulas em análise não importam para o cliente qualquer desequilíbrio quantitativo/qualitativo, mas sim para a Ré se este não cumprir o contrato pelo prazo de 12 meses;
XVII - Somente a Ré dispõe dos respectivos elementos técnicos e económicos de prova, aos quais o Autor não tem acesso;
XVIII - Mas, na verdade, tendo sido intentada uma acção inibitória, é especificidade da mesma a fiscalização em abstracto das cláusulas deste tipo de contractos de adesão, que se encontra a montante de qualquer celebração em concreto de um contrato com base naquele formulário, tal como resulta do disposto no Art. 25º do DL 446/85;
XIX - A compatibilidade da cláusula com a boa-fé pressupõe que esta incida directamente sobre as estipulações que determinam o conteúdo contratual e não das circunstâncias especiais da relação em que a cláusula é invocada;
XX - Assim sendo, a ponderação de interesses do cliente e da proponente é levada a cabo de forma puramente objectiva, colocando em confronto a cláusula pré-disposta com um modelo normativo de uma justa composição de interesses;
XXI - Falece assim qualquer sentido à sentença impugnada quando defende que era preciso concretizar com exemplos o desequilíbrio para o aderente decorrente da subscrição das duas cláusulas postas em crise, tanto mais que na cláusula nº 10.5 o cliente é até obrigado a suportar os custos decorrentes da sua fidelização por 12 meses, ainda que tenha motivo atendível para resolver o contrato antes desse prazo;
XXII - O raciocínio feito na sentença parece subsumir-se a uma apreciação típica à do Art. 812º, nº 1 do Código Civil, que apela para um casuísmo, reportado ao momento em que tem que cumprir-se a cláusula;
XXIII - Raciocínio esse que não se mostra adequado em função do disposto nos Arts. 15º, 16º e 19º, al. c) da LCCG que impõe realidade contrária, uma vez que a fiscalização é levada a cabo ex ante e em abstracto ao momento em que são estipuladas;
XXIV - Por outro lado, o facto dado como provado na alínea O) é genérico e só teria sentido operativo se a Ré alegasse e demonstrasse que, em média, neste tipo de prestação de serviço telefónico, só há lucro/retoma do investimento a partir de um determinado mês da sua vigência, o que não foi feito;
XXV - Acresce que somente a Ré dispõe de tal tipo de informação e não o Autor pelo que falece qualquer pertinência ao segmento da sentença que impõe tal prova ao Autor;
XXVI - Temos ainda que, a fixação de um pagamento em função do montante equivalente ao número de meses que faltariam para completar o período de fidelização de 12 meses descura, por exemplo, o período de utilização efectivo do serviço que poderá ser muito reduzido;
XXVII - Além disso, a exigência ao Autor na acção inibitória de que deveria ter apresentado exemplos, reconduz-se a um exercício de mera especulação e perda de tempo na medida em que a Ré poderia vir contestar, alegando que tais exemplos nem sequer se verificam no contracto em apreço;
XXVIII - Em função da potencial danosidade das cláusulas - que determina a sua fiscalização abstracta - temos a previsão do artigo 30º nº 2 da LCCG que determina a possibilidade de a sentença condenar o vencido a dar publicidade à condenação, o que normalmente se faz através da publicação de anúncio em jornais;
XXIX - Alerta-se, deste modo, a comunidade em geral de que aquelas cláusulas normalmente constantes daquele formulário foram julgadas nulas;
XXX - As características da pré-formulação, generalidade e rigidez das cláusulas contratuais têm de ser analisadas apenas em face do documento (formulário, impresso, minuta) que é proposto aos consumidores;
XXXI - Não resultando dos enunciados contratuais que vantagens comerciais seriam pela Ré concedidas aos clientes para justificar os compromissos de fidelização, não podia o Tribunal deixar de as julgar nulas tais cláusulas penais com fundamento de que não constituem exigências injustificáveis para o aderente, como fez;
XXXII - Ao não declarar nulas as cláusulas 10.3 e 10.5 do clausulado em apreço nos autos conforme peticionado, o MM. Juiz a quo violou o disposto nos Arts. 15º, 16º e 19º c) do DL 446/85 de 25.10 (LCCG).
Termos em que, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que declare a nulidade das referidas cláusulas 10.3 e 10.5 do clausulado sob contrato PT-TSA-009 – versão n.º 9 nos termos dos Arts. 15º, 16º e 19º c) do DL 446/85 de 25.10 (LCCG), condenando ainda a Ré, em consequência, nos pedidos 2 e 3 da P.I.
Vossas Excelências, porém, decidirão como

A Ré não contra-alegou.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 684º nº 3 e 685º-A nº 1 e 660º nº 2 do CPC), pelo que a questão a decidir é esta:
- se devem ser declaradas nulas as cláusulas 10.3 e 10.5 do contrato de prestação de serviço telefónico PT-TSA-009 – versão nº 9

III – Fundamentação
1. Na sentença recorrida vem dado como provado:
A) A Ré é uma sociedade por quotas, com o NIPC nº 507038690 e encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa.
B) A Ré tem por objecto a actividade de “Prestar e vender serviços de telecomunicações. Desempenhar a gestão de outras sociedades e outras empresas e aconselhar e prestar serviços a essas empresas e sociedades. Adquirir, usar e/ou transmitir direitos de propriedade intelectual e industrial e imóveis”.
C) No exercício da sua actividade a Ré tem de assegurar o pagamento de vários custos de activação/amortização que suporta para poder fornecer os serviços, designadamente, como custos permanentes o pagamento ao seu fornecedor do preço (grossista) do próprio serviço, e os custos relativos aos recursos humanos e aos meios tecnológicos.
D) O mercado das comunicações electrónicas é altamente concorrencial, facultando efectivas deslocações de Clientes de uns operadores para outros, em função das condições oferecidas.
E) Quando o Cliente assume o compromisso de permanecer na rede por um determinado período de tempo, a Ré, justamente de acordo com esse pressuposto, adapta a sua capacidade operacional às expectativas de utilização de serviço de todos esses Clientes.
F) (e no caso provado em E)) a Ré faz os investimentos adequados, incluindo quanto ao dimensionamento das equipas de suporte aos Clientes.
G) No exercício da sua actividade a Ré procede à comercialização do (designado) “Contrato de serviço telefónico – Portugal”, tendo-se para o efeito servido dos impressos documentos 2 e 3 juntos à petição inicial, fls 13 e fls 14/18.
H) No período de 2008 a Maio de 2009, a R. disponibilizou aos interessados que com ela pretendessem contratar, impressos com o teor dos documentos juntos à petição inicial sob os nºs 2 e 3, fls 13, e 14/18, identificados como versão nº 9, o que significa naqueles o campo em que refere “PT -TSA-009”.
I) Quando da utilização pela Ré do impresso análogo ao junto à petição inicial como documento nº 2, com o teor de fls 13, os interessados na sua posse limitam-se a preencher os espaços em branco relativos ao cliente particular/cliente empresa, endereço, serviços de telefone, plano de chamadas, tipo de factura, autorização, data, assinatura e pré-selecção da Sonaecom.
J) Constando em Anexo (com o teor do documento 3 junto à petição inicial, fls 14/18), cláusulas previamente elaboradas pela Ré, e apresentadas, já impressas, aos interessados na celebração do contrato (Termos e Condições Gerais).
L) Naquele documento (versão nº 9), dispõe a Cláusula 7.5 das Condições Gerais: “No caso de o Serviço ser usado com fins profissionais, a N não será responsável por qualquer perda de lucros, receita, negócio ou poupanças previstas, quer sejam causadas por negligência ou por qualquer outra forma.
No caso de o serviço ser usado para fins domésticos, a N não será responsável por qualquer perda de lucros, recitas, negócios ou poupanças previstas, quer sejam causadas por negligência ou por qualquer outra forma, excepto perdas que foram consequência previsível do incumprimento do Contrato pela N.”
M) Naquele documento (versão nº 9), estabelece a Cláusula 10.3 das Condições Gerais: “O Cliente reconhece que caso tenha optado pelo ‘Serviço de Assinatura de Linha Telefónica’ e, após o período de 14 dias referido no número anterior, pretenda cancelar a prestação do ‘Serviço de Assinatura de Linha Telefónica’ durante os primeiros doze (12) meses seguintes à data de entrada em vigor deste Contrato, será responsável pelo pagamento à N do custo de cancelamento, que será cobrado uma só vez, equivalente ao total das quantias referentes à ‘Assinatura de Linha Telefónica’, tal como se a N continuasse a prestar-lhe tal serviço durante o referido período de 12 meses.”
N) Naquele documento (versão nº 9), é a seguinte a Cláusula 10.5 das Condições Gerais:
“O Cliente tem conhecimento de que após resolução do contrato de ‘Serviço conjunto’ por qualquer das partes, o Cliente será responsável por pagar à N os custos da Assinatura de Linha Telefónica até ao fim do período de notificação e quaisquer outros períodos vinculativos aplicáveis.”
O) No “Serviço conjunto” cuja gestão a Ré realiza, a cláusula de fidelização por 12 meses, com a respectiva penalidade por incumprimento do Cliente, é a contrapartida do essencial da diminuição de preço unitário relativamente aos concorrentes (que não adoptem a mesma estratégia de vendas) proposta pela R. quanto aos mesmos serviços.
P) A versão nº 10 com o teor do doc.1 junto à contestação, foi notificada ao ICP - ANACOM por ofício de 29.01.2009, substituiu a versão nº 9, e passou a ser utilizada a partir de Junho de 2009.
Q) Na versão nº 10 do contrato, a Cláusula 7.5 das Condições Gerais, foi alterada (relativamente ao provado em L)) para: “A N não será responsável por lucros cessantes causados a título de mera negligência”.
R) Na versão nº 10 do contrato, a Cláusula 10.3. das Condições Gerais, foi alterada (relativamente ao provado em M)) para: “O Cliente reconhece que caso tenha optado pelo serviço de Assinatura de Linha Telefónica e, após o período de 14 dias referido no número anterior, pretenda cancelar a prestação do serviço de Assinatura de Linha Telefónica durante os primeiros 12 (doze) meses seguintes à data de entrada em vigor deste Contrato, será responsável pelo pagamento à N do custo de cancelamento, que será cobrado uma só vez, equivalente ao total das quantias referentes à Assinatura de Linha Telefónica, tal como se a N continuasse a prestar-lhe tal serviço durante o referido período de 12 meses. Este período mínimo de vigência contratual baseia-se em custos de activação/amortização, bem como em descontos negociados pela N com os fornecedores de serviços, de forma a permitir-lhe oferecer preços mais competitivos ao Cliente”.
S) Na versão nº 10 do contrato, a Cláusula 10.5. das Condições Gerais, foi alterada (relativamente ao provado em N)) na numeração para Clausula 10.6 e no conteúdo para “Cláusula 10.6.: O Cliente tem conhecimento de que após resolução do contrato de serviço conjunto por qualquer das partes, será responsável por pagar à N os custos da Assinatura de Linha Telefónica até ao fim de pré-aviso e de quaisquer outros períodos vinculativos aplicáveis.”

2. É também de considerar que nos impressos juntos com a petição inicial como documentos 2 (fls 13) e 3 (fls. 14/18) a que se reportam as alíneas G) a N) consta o seguinte:
T) No documento 2 (fls. 13), o campo identificado com o algarismo «5» tem por epígrafe «Serviços de Telefone (Seleccione os serviços da N que pretende subscrever)» e indica como serviços «Apenas Pré-Selecção» e Assinatura de Linha Telefónica (analógica) com Pré-Selecção*»; mais consta nesse campo: «*Por favor note que, actualmente, só oferecemos assinatura de linha telefónica para linhas analógicas. A assinatura de linha para linhas RDIS será oferecida no futuro. Por favor note que a assinatura de linha não pode ser solicitada sem que seja também activada a pré-selecção. A assinatura de linha com pré-selecção (serviço conjunto) tem um período mínimo de fidelização de 12 meses. Não existe qualquer período de fidelização para a activação apenas da pré-selecção. Se não seleccionar nenhuma das opções acima indicadas, apenas será activada a pré-selecção, que constitui o nosso serviço base. Os serviços de linha continuarão a ser fornecidos e facturados pelo actual fornecedor. Se desejar adicionar, remover ou mudar estes serviços adicionais, deverá contactar o operador directamente».
U) No documento 3 (fls. 14/18), sob a epígrafe «Termos e Condições Gerais», consta, além do mais – transcrevendo-se agora novamente as cláusulas 10.3 e 10.5 visadas nesta apelação, para melhor compreensão da factualidade sob apreciação:
«Introdução
Estes Termos e Condições são parte integrante do contrato de prestação de serviços de telefone entre o Cliente e a N. No âmbito do presente contrato, a N revende serviços prestados por outros operadores como se estes fossem prestados pela N.
1. Definições
(…)
“Pré-selecção da N”: Com esta funcionalidade os clientes podem escolher certas classes definidas de chamadas que tenham sido pré-seleccionadas (fixadas contratualmente), sem terem de marcar prefixos ou efectuar qualquer outro procedimento para encaminhar as chamadas;
“Serviço”: O serviço de telecomunicações conjunto ou singular prestado pela N nos termos deste Contrato tal como definido no formulário acima e alterado pelo Contrato;
“Serviço Conjunto”: Assinatura de linha telefónica da N com pré-selecção da N sendo, neste caso, todas as classes de chamadas encaminhadas pela N;
“Assinatura de linha telefónica da N”: a possibilidade de efectuar ou receber chamadas telefónicas (inclusive a capacidade de enviar ou receber dados, por exemplo, de computadores) e qualquer outra prestação (excepto a pré-selecção de operador N) que a N acorde em fornecer-lhe nos termos deste contrato;
“Serviço Singular”: somente o serviço pré-selecção de operador N;
2. Serviços da N
2.1 Serviço de pré-selecção de operador
(…)
2.2 Serviço de Assinatura de Linha Telefónica com serviço de pré-selecção (serviço conjunto)
O serviço de Assinatura de linha da N é o serviço que permite aos clientes que a sua infra-estrutura de linha fixa analógica, o serviço, a gestão e os custos deixem de estar a cargo da Portugal Telecom ou qualquer outra operadora de serviços de assinatura de linha em Portugal e sejam fornecidos ao cliente pela N. O Serviço de Assinatura de Linha Telefónica da N é fornecido, por linhas analógicas, no continente, Madeira e Açores. Para cada serviço de Assinatura de Linha Telefónica, todos os serviços e características associadas continuarão a ser fornecidos, geridos, activados, desactivados, alterados e facturados pela Portugal Telecom. Com o Serviço de Assinatura de Linha Telefónica da N, a pré-selecção da N é activada, o que assegura que TODAS as chamadas tal como indicadas em 2.1 sejam encaminhadas e facturadas pela N e o Cliente continuará a receber facturas da Portugal de quaisquer outros serviços de rede, excluindo-se os tipos de chamadas mencionados em 2.1. (…) Não é possível subscrever o Serviço de Assinatura de Linha Telefónica da N sem activar também a pré-selecção da N, como serviço conjunto.
3. Condições de acesso ao Serviço
3.1 O Cliente dá autorização à Sonaecom, através da N, para levar a cabo todas as acções/operações para activar o serviço perante a Portugal Telecom ou qualquer outra operadora, relativamente às linhas telefónicas indicadas no formulário constante da primeira página do Contrato.
3.2 Com o serviço de pré-selecção da N, a N estará automaticamente seleccionada como a operadora que encaminha as chamadas do Cliente. (…)
3.3 Com o serviço de Assinatura de Linha Telefónica da N, o Cliente receberá apenas uma factura da N, relativa ao aluguer de linha e às chamadas feitas através do serviço de pré-selecção. A activação do serviço de Assinatura de Linha Telefónica da N sobrepor-se-á a qualquer serviço existente de assinatura de linha de outra operadora e a qualquer serviço de pré-selecção activo.
Quaisquer funcionalidades ou serviços associados que o Cliente tenha com a Portugal Telecom ou outra operadora continuarão a ser automaticamente fornecidos e facturados por aquela operadora. (…)
O equipamento terminal para ligação à rede da Portugal Telecom tem que ter aprovação ou certificação de compatibilidade da autoridade portuguesa competente. (…)
Para o serviço de Assinatura de Linha Telefónica da N, o cliente autoriza expressamente que a N permita à Portugal Telecom fazer os contactos necessários com o cliente no caso de instalação de nova linha ou no caso de ser necessária a intervenção de um técnico da Portugal Telecom, para a resolução de falhas e avarias.
4. Obrigações do Cliente perante a N
4.1 O Cliente deverá:
(…)
4.11 Caso lhe seja fornecido o serviço de Assinatura de Linha Telefónica da N:
4.11.1 não ligue equipamento à rede à qual a N lhe dá acesso, para além da ficha do telefone principal fornecida pela Portugal Telecom, sem a permissão da N;
(…)
9. Serviço de Listas
O Cliente que tenha optado pelo Serviço Conjunto continuará automaticamente a ter a sua informação pessoal gerida, fornecida e actualizada pelos serviços de Listas Públicas da Portugal Telecom. Se o Cliente desejar fazer quaisquer alterações a esta informação ou outras opções legalmente previstas em relação à forma como os seus dados pessoais são geridos neste âmbito, deve contactar a Portugal Telecom directamente. A N não se responsabiliza pela qualidade da informação fornecida e actualizada pela Portugal Telecom.
10. Duração e Cessação do Contrato
10.1 Este contrato é celebrado por prazo indeterminado.
10.2 Tanto a N como o Cliente podem resolver este contrato em qualquer momento, através de notificação por escrito com 30 dias de antecedência [sem prejuízo do seu direito de cancelar o contrato durante os primeiros 14 dias].
10.3 O Cliente reconhece que caso tenha optado pelo serviço de Assinatura de Linha Telefónica e, após o período de 14 dias referido no número anterior, pretenda cancelar a prestação do serviço de Assinatura de Linha Telefónica durante os primeiros doze (12) meses seguintes à data de entrada em vigor deste Contrato, será responsável pelo pagamento à N do custo de cancelamento, que será cobrado uma só vez, equivalente ao total das quantias referentes à Assinatura de Linha Telefónica, tal como se a N continuasse a prestar-lhe tal serviço durante o referido período de 12 meses.”
10.4 Sem prejuízo das cláusulas 5.5 e 10.2 e restantes Cláusulas deste contrato a N poderá suspender o Serviço ou resolver, total ou parcialmente, este Contrato, caso em algum momento:
10.4.1 o Cliente não tenha efectuado o pagamento de qualquer quantia em dívida, (…);
10.4.2 o Cliente esteja em infracção material ou repetida deste contrato (…);
10.4.3 sejam accionados contra o cliente procedimentos de declaração de insolvência ou este esteja declarado insolvente; o cliente entre em acordo com os seus credores; seja nomeado liquidatário judicial para administrar os seus bens ou [caso seja uma empresa] entre em liquidação; ou o seu comportamento comprometa para além do razoável a estabilidade, segurança ou a operatividade do Serviço;
10.4.4 a N seja obrigada a actuar de modo a cumprir uma ordem, instrução ou pedido do Governo, de um serviço de emergência ou de outra autoridade competente;
10.4.5 a N deixe de ser capaz de fornecer o Serviço devido a qualquer causa razoavelmente fora do seu controlo;
10.4.6 como uma precaução em circunstâncias em que a utilização do Serviço indique uso excessivo ou não característico, tal como definido pela N nos termos da Política de Utilização Aceitável;
10.4.7. a N tenha razões suficientes para suspeitar de fraude ou de tentativa de fraude na utilização do Serviço e, em tais circunstâncias, a N poderá suspender o Serviço, continuar a suspensão do Serviço inciada sob a cláusula 12.2 abaixo mencionada, ou terminar o Serviço com ou sem período prévio de suspensão.
10.5 O Cliente tem conhecimento de que após resolução do contrato de ‘Serviço conjunto’ por qualquer das partes, o Cliente será responsável por pagar à N os custos da Assinatura de Linha Telefónica até ao fim do período de notificação e quaisquer outros períodos vinculativos aplicáveis.».

3. O Direito
A acção inibitória está prevista no art. 25º do DL 446/85 de 25/10, aí se dispondo: «As cláusulas contratuais gerais, elaboradas para utilização futura, quando contrariem o disposto nos artigos 15º, 16º, 18º, 19º, 21º e 22º podem ser proibidas por decisão judicial, independentemente da sua inclusão efectiva em contratos singulares».
Os impressos juntos como documentos 2 e 3 com a petição inicial (respectivamente fls. 13 e fls. 14/18) utilizados pela Ré N – Serviços de Telecomunicações Lda referente ao denominado “Contrato de Serviço telefónico – Portugal”, versão 009, em uso em de 2008 a Maio de 2009 (contrato PT-TSA-009) contém cláusulas previamente elaboradas pela Ré e apresentadas aos interessados na celebração do contrato, limitando-se estes a preencher os espaços em branco relativos ao “cliente particular/cliente empresa”, “endereço”, “serviços de telefone”, “plano de chamadas”, “tipo de factura”, “autorização”, “data”, “assinatura” e “pré-selecção da Sonaecom”, pelo que estamos no domínio dos contratos de adesão.
Em consequência, é aplicável o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais - cfr art. 1º d) do DL 446/85 de 25/10.
Estabelece o art. 12º desse diploma legal: «As cláusulas contratuais gerais proibidas por disposição deste diploma são nulas nos termos nele previstos».
O art. 15º consagra, como princípio geral, que «São proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé».
Por sua vez, o art 16º determina:
«Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e, especialmente:
a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais gerais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;
b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado».
Portanto, como se pondera no Ac do STJ de 19/10/2010 (Proc. 10552/06.6TBOER.S1 – in www.dgsi.pt), o diploma em apreço criou normas de controlo do conteúdo das cláusulas contratuais gerais, estabelecendo desde logo, um princípio geral de controlo, declarando serem proibidas as cláusulas contrárias à boa fé (art. 15º e 16º) e, de seguida, concretizando, enumera, a título exemplificativo, quatro listas de situações de abuso mais flagrantes, sendo tal proibição absoluta em duas delas (art. 18º e 21º) e relativa em relação às outras duas (art. 19º e 22º).
Nas palavras de Almeno de Sá «(…) as proibições especificadas nos diversos catálogos consagrados na lei não representam senão particulares projecções da intencionalidade normativa que atravessa a cláusula geral de fiscalização. Esta aparece construída sobre o princípio normativo da boa fé, que assim se constitui como a verdadeira regra fundante de todas as proibições e cuja “desenvolução” é mediatizada pelo recurso a critérios instrumentais, como a confiança e o objectivo negocial típico visado pelas partes» (in “Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas”, 2ª ed, pág. 258).
Nesta apelação apenas está em causa a apreciação das cláusulas contratuais gerais 10.3 e 10.5 do “Contrato de Serviço Telefónico – Portugal”, versão 009 (contrato PT-TSA-009), pugnando o Ministério Público pela declaração da sua nulidade com fundamento na violação do disposto nos art. 15º, 16º e 19º c) do DL 446/85.
O art. 19º («Cláusulas relativamente proibidas») prescreve:
«São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que:
(…)
c) Consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir;
(…)»
No que respeita às cláusulas relativamente proibidas o intérprete tem de analisar a cláusula no seio de todo o conjunto contratual genericamente predisposto, não sendo de considerar as vicissitudes particulares do negócio individual realizado (neste sentido Ac do STJ de 12/6/2007 – Proc. 07A1701 e Ac do STJ de 20/1/2012 – Proc. 3062/05.0TMS NT.L1.S1 – in www.dgsi.pt).
Com efeito, e citando Almeno de Sá «O ponto de partida do juízo valorativo é constituído, como vimos, pelos conceitos indeterminados que formam a previsão das proibições singulares em causa. Quanto ao concreto horizonte de referência, remete-nos a lei para “o quadro negocial padronizado”, a significar que a valoração haverá de fazer-se tendo como referente, não o contrato singular ou as circunstâncias do caso, mas o tipo de negócio em causa e os elementos que normativamente o caracterizam, no interior do todo do regulamento contratual genericamente predisposto.
Deste modo, na ponderação aqui pressuposta, não são os interesses individuais dos intervenientes que directamente ganham relevo, mas os interesses típicos do círculo de pessoas normalmente implicadas em negócios da espécie considerada. Torna-se, por isso, essencial a consideração da situação de interesses contratual-típica e não meramente as vicissitudes particulares do negócio individual realizado» (in ob cit, pág. 259/260).
Por outro lado, na valoração de uma cláusula relativamente proibida, é imprescindível «contrapor o interesse da contraparte tipicamente afectado por tal cláusula àquele que por ela é assegurado ao utilizador. Nesta ponderação, haverá de concluir-se por uma violação do escopo da norma singular de proibição, se a composição de direitos e deveres resultantes da conformação do contrato, considerado no seu todo, e tendo em conta o quadro negocial padronizado, não corresponder a “medida” do equilíbrio pressuposto pela ordem jurídica, verificando-se, ao invés, uma desrazoável perturbação desse equilíbrio, em detrimento da contraparte do utilizador.
(…)
Torna-se manifesto que, nesta contraposição de interesses igualmente legítimos, está naturalmente reservado um lugar de destaque para o princípio da proporcionalidade, numa incessante sopesagem e comparação de vantagens, custos, compensação e riscos. Directiva básica será aqui a preocupação de determinar se o utilizador, através da cláusula ou cláusulas consideradas, procura levar a cabo, exclusivamente interesses próprios, sem tomar em consideração, de forma minimamente ajustada e razoável, os interesses da contraparte ou sem, no mínimo, lhe facultar uma adequada compensação» (Almeno de Sá in ob cit, pág. 262).
O teor das cláusulas que o Ministério Público pretende ver declaradas nulas é este:
10.3: «O Cliente reconhece que caso tenha optado pelo ‘Serviço de Assinatura de Linha Telefónica’ e, após o período de 14 dias referido no número anterior, pretenda cancelar a prestação do ‘Serviço de Assinatura de Linha Telefónica’ durante os primeiros doze (12) meses seguintes à data de entrada em vigor deste Contrato, será responsável pelo pagamento à N do custo de cancelamento, que será cobrado uma só vez, equivalente ao total das quantias referentes à ‘Assinatura de Linha Telefónica’, tal como se a N continuasse a prestar-lhe tal serviço durante o referido período de 12 meses.»
10.5: «O Cliente tem conhecimento de que após resolução do contrato de ‘Serviço conjunto’ por qualquer das partes, o Cliente será responsável por pagar à N os custos da Assinatura de Linha Telefónica até ao fim do período de notificação e quaisquer outros períodos vinculativos aplicáveis.»
Sobre estas cláusulas, discorreu-se na sentença recorrida:
«(…) não é evidente do seu teor que correspondam a conteúdos arbitrários impostos por uma das partes ao alvedrio da vontade da contraparte, e aqui impunha-se ao A. demonstrar com factos, designadamente com exemplos tipo, o desiquilíbrio quantiative/qualitative que sustenta se verificariam necessariamente nos contratos singulares. O que verificamos, é (alínea O)) que relativamente à Cláusula 10.5 a cláusula de fidelização por 12 meses, com a respectiva penalidade por incumprimento do cliente é contrapartida do essencial da diminuição de preço unitário relativamente aos concorrentes (que não adoptem a mesma estratégia de vendas) proposta pela R. quanto aos mesmos serviços. E esta ideia de fidelização é a que também imbui a Cláusula 10.3, vista a utilização que delas faz a Ré visa, no mercado altamente concorrencial já referido, estimular/potenciar que o Cliente celebre contratos por prazos mais dilatados (com preços unitários mais baixos), ao mesmo tempo dissuadindo-o com penalizações, para não fazer a cessação antecipada da relação de facto que decorra da esfera de interesses daquele, isto é, à margem da actuação da Ré.
Quer dizer, de toda a factualidade provada, a que nos permite justificar (…) o binómio jurídico-económico da actuação da Ré, não retiramos que o estipulado nestas Cláusula 10.3 e Cláusula 10.5., corresponda a que aquela não haja até ao momento em que ocorre a opção/incumprimento do Cliente, já prestado a este um elenco de serviços que ainda não se mostrem pagos. É que a prestação (principal) do serviço prestado ao cliente individual segundo a relação padronizada em juízo, exige uma estrutura permanente, que responda às exigências do colectivo de clientes, acessória, prévia e necessária relativamente àquela, sendo que a sustentatibilidade económica da mesma poderá ocorrer (assim sucede normalmente pela obsolescência referida) com a amortização (no decurso do prazo do prazo do contrato singular) dos custos investidos naquela pela R., a imputar ao custo do serviço que o cliente não vem a utilizar por sua vontade.
Deste modo, não se demonstra que as exigências da Ré vertidas nestas cláusulas, sejam injustificáveis, sem prejuízo do que numa relação concretizada possa demonstrar-se – incluindo a medida de vantagem (que se admite) para a R., de não ter realizado o serviço (principal) contratado e reter o seu valor – e não mostra a demais factualidade (salvo a Cláusula 7.5), que os critérios de distribuição de encargos e vantagens na relação entre a R. e o Cliente preencham qualquer dos itens de exclusão, limitação, desproporção, privilégio, excesso, alteração, ou exagero, acolhidos nas previsões dos artigos 18º e 19º (ambos ex-vi do artigo 20º), e artigos 21º e 22º do RJCCG, em termos de tal comprometer a confiança que o cliente tivesse no equilíbrio contratual, o que importará o indeferimento nesta parte».
Vejamos.
A cláusula 10.3 estabelece uma fixação antecipada de uma indemnização a pagar pelo cliente no caso de este «cancelar» o contrato durante o período de fidelização, correspondente à totalidade das quantias referentes à assinatura da linha telefónica até ao final daquele período de 12 meses.
A cláusula 10.5 estabelece igualmente que o cliente será responsável por tal pagamento no caso de «resolução» do contrato por qualquer das partes.
Não esclarece o texto do contrato a diferença entre «cancelar» e «resolver».
O art. 432º do Código Civil determina que «É admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção».
Uma das causas de resolução do contrato fundada na lei é o incumprimento definitivo da obrigação pelo devedor (cfr art. 801º do Código Civil).
A cláusula 10.4 enumera diversas situações em que a Nacamunik poderá resolver o contrato, sendo de sublinhar que as mencionadas nos pontos 10.4.4 e 10.4.5 não podem ser configuradas como incumprimento do cliente.
Porém, na cláusula 10.5 impõe-se o pagamento pelo cliente do pagamento dos «custos da Assinatura de Linha Telefónica até ao fim do período de notificação e quaisquer outros períodos vinculativos que sejam aplicáveis» ou seja, até ao fim do denominado “período de fidelização” em caso de resolução do contrato por qualquer das partes, não se excluindo as situações em que a resolução não resulta de facto imputável ao cliente.
Ora, é manifestamente contrária à boa fé, a exigência daquelas quantias no caso de a N proceder à resolução do contrato por causa que não seja o incumprimento do cliente.
Por outro lado, resultando da cláusula 10.5 que mesmo no caso de o cliente proceder à resolução do contrato com fundamento em incumprimento da N, terá de proceder ao pagamento da assinatura até ao final do denominado “período de finalização”, tal cláusula é, também por essa razão, manifestamente contrária à boa fé.
Na verdade, a cláusula penal consiste na fixação, por acordo, do montante da indemnização exigível (art. 810º nº 1 do Código Civil). Mas a obrigação de indemnização pressupõe o incumprimento (cfr art. 798º do mesmo diploma legal). Daí que, seja manifestamente abusiva a exigência do pagamento de quaisquer quantias referentes à assinatura da linha telefónica depois da data da resolução no caso de o cliente resolver o contrato por incumprimento da N ou no caso de esta resolver o contrato por facto não imputável ao cliente.
Apreciemos agora as cláusulas 10.3 e 10.5 no que respeita à fixação de um «período de fidelização» e considerando as situações em que durante esse período o cliente procede à resolução/cancelamento do contrato sem motivo justificativo ou em que a N procede à resolução por causa imputável ao cliente.
Percorrendo o clausulado no contrato nenhuma justificação se vislumbra nele para a fixação de um período de fidelização de 12 meses e bem assim para a fixação de uma indemnização correspondente ao pagamento, de uma só vez, da totalidade das quantias referentes à assinatura de linha telefónica previstas até ao final desse período como se a N continuasse a prestar o serviço. Com efeito, não contém o contrato qualquer cláusula que evidencie um investimento por parte da N que justifique esse período de 12 meses – repare-se até que o serviço é prestado através da infra-estrutura de linha analógica de que o cliente já dispõe fornecida pela Portugal Telecom ou por outra operadora -, ou algum benefício para o cliente como contrapartida do estabelecimento desse período de fidelização e a relação entre esse benefício e a cobrança antecipada daquelas quantias.
Assim, o clausulado do contrato não permite encontrar justificação para que o cliente, apesar de já não beneficiar do serviço, seja obrigado a pagar a quantia correspondente à totalidade das assinaturas e com a agravante de isso lhe ser cobrado de uma só vez.
É certo que na sentença recorrida vem dado como provado o que consta em C), E), F), O). Porém, remetendo-nos a lei para o «quadro negocial padronizado», é no interior do regulamento contratual que temos de fazer a ponderação dos interesses em confronto. Ainda assim, diremos que o conteúdo das citadas alíneas é de tal forma conclusivo que não se encontra justificação para o período de fidelização de 12 meses e para a fixação daquela cláusula penal.
Por quanto se disse, conclui-se que as cláusulas 10.3 e 10.5 do contrato PT-TSA-009 são contrárias à boa fé, ao estabelecerem um período de fidelização de 12 meses e ao consagrarem cláusula penal manifestamente desproporcionada aos danos a ressarcir, sendo por isso nulas, nos termos do disposto nos art. 15º, 16º e 19º al c) do DL 446/85 de 25/10.
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IV – Decisão
Pelo exposto, julga-se procedente a apelação e, em consequência, revogando-se a sentença recorrida na parte correspondente:
a) declara-se que são nulas as cláusulas 10.3 e 10.5 das Condições Gerais, utilizadas pela N – Serviços de Telecomunicações, Lda” no denominado “Contrato de Serviço Telefónico – Portugal, consistindo (impresso versão 009 em uso de 2008 a Maio de 2009) em:
«10.3 O Cliente reconhece que caso tenha optado pelo serviço de Assinatura de Linha Telefónica e, após o período de 14 dias referido no número anterior, pretenda cancelar a prestação do serviço de Assinatura de Linha Telefónica durante os primeiros doze (12) meses seguintes à data de entrada em vigor deste Contrato, será responsável pelo pagamento à N do custo de cancelamento, que será cobrado uma só vez, equivalente ao total das quantias referentes à Assinatura de Linha Telefónica, tal como se a N continuasse a prestar-lhe tal serviço durante o referido período de 12 meses.»
«10.5 O Cliente tem conhecimento de que após resolução do contrato de serviço conjunto por qualquer das partes, o Cliente será responsável por pagar à N os custos da Assinatura de Linha Telefónica até ao fim do período de notificação e quaisquer outros períodos vinculativos aplicáveis»;
b) condena-se a N – Serviços de Telecomunicações Lda a abster-se de utilização futura nas suas relações contratuais de fornecedora, das cláusulas mencionadas em a);
c) condena-se a N – Serviços de Telecomunicações Lda a dar publicidade à parte decisória deste acórdão, por anúncio publicado em dois números seguidos de um dos jornais de âmbito nacional, publicados diariamente na cidade de Lisboa, com a área não inferior a metade de uma folha de tamanho A4.
Custas em ambas as instâncias pela apelada.
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Oportunamente dê-se cumprimento ao disposto no art. 34º do DL 446/85 de 25/10.
Lisboa, 14 de Março de 2013
Anabela Calafate
Ana de Azeredo Coelho
Tomé Ramião