I - Estão abrangidos pelo caso julgado os fundamento factos e questões que se contenham de acordo com a natureza das coisas e a lógica do silogismo judiciário, na resposta dada ao pedido do autor, ficando excluídos do caso julgando os factos instrumentais e as antecedentes premissas (meros juízos sobre pontos de facto e de direito) consideradas no raciocínio do julgador para concluir por tal resposta.
II - Os fundamentos são abrangidos pela força do caso julgado quando pela sua própria natureza (atinente ao objeto da ação) ou por razões de coerência lógico-jurídica (atinente ao processo discursivo da decisão) forem incindíveis do decidido.
III - A apreciação da validade da redução de horário de trabalho, numa ação intentada solicitando a reposição do horário e pedindo os inerentes direitos, é questão incindível do decidido, pressuposto desta e consequentemente deve considerar-se abrangida pelo autoridade do caso julgado, no que respeita ao ano lectivo abrangido.
IV - Não ocorrendo embora a exceção de caso julgado, por falta de identidade do pedido, impõe-se na nova ação a força vinculativa da decisão anteriormente tomada quanto à redução do horário de trabalho naquele ano lectivo.
V - Um pressuposto de uma determinada decisão, impor-se-á noutra ação quando a não aceitação do mesmo, ponha em causa o caso julgado anteriormente formado, o aí decidido, ou crie no contexto de uma mesma relação jurídica, entre as mesmas partes, e para o mesmo efeito decorrente da mesma causa, a possibilidade de soluções contraditórias.
VI - Este efeito positivo do caso julgado como que institui uma relação de prejudicialidade, o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, sendo pressuposto necessário da decisão de mérito a proferir nesta.
A…, intentou ação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum contra Associação …, invocando que foi admitido ao serviço da demandada como professor/formador, lecionando diversas disciplinas ao longo dos anos, mediante o pagamento de retribuição mensal. Vem ainda o demandante invocar que a partir do ano letivo 2014/2015 foi-lhe atribuído pela R. um horário semanal de 5 horas, distribuídas entre as 2ºs e as 3ºas feiras, correspondendo-lhe um salário mensal de € 312,44. Inconformado com esta decisão unilateral da R. o A. intentou ação que correu os seus temos nesta mesma Secção sob o nº 825/15.2T8VRL, na qual foi proferida decisão final, do seguinte teor:
“ Tudo visto e nos termos expostos, julga-se a presente ação procedente por provada e em consequência, condena-se a R. a pagar ao A. a quantia de € 13.196,88 (treze mil cento e noventa e seis euros e oitenta e oito cêntimos) a título de diferenças salariais decorrentes da retribuição liquidada e aquela que lhe era efetivamente devida, até 30/04/2015, acrescida dos respetivos juros de mora, vencidos à taxa legal desde a data da citação e dos vincendos até integral pagamento.
…”
Esta decisão final foi confirmada, em sede de recurso ordinário de apelação, pelo Tribunal da Relação de Guimarães, mas entretanto, em 31/08/2015, o contrato de trabalho que vigorou entre as partes cessou por denúncia apresentada pelo A.
No âmbito da presente lide o A. pede:
1º Seja a R condenada a pagar ao A o montante global de € 10100,56 (dez mil
e cem euros e cinquenta e seis cêntimos), correspondente:
1.1. € 5624,08 a título de diferenças salariais referentes ao período compreendido entre 1 de maio de 2015 e 31 de agosto de 2015;
1.2. € 1145,64, a título de diferença atinente ao subsídio de férias vencido em 1 de janeiro de 2015;
1.3. € 2290,00 a titulo de proporcional de férias e subsidio de férias, correspondente ao período de execução do contrato no ano de 2015, até à data da sua cessação, em 31 de agosto de 2015;
1.4. € 1040,84 a titulo de diferença em divida referente ao proporcional do subsidio de Natal, correspondente ao período de execução do contrato no ano de 2015, até à data da sua cessação, em 31 de agosto de 2015;
2º Seja a R condenada ao pagamento de juros vincendos, à taxa legal, desde a citação até integral e efetivo pagamento;
…
No despacho saneador apreciou-se a questão do caso julgando, decidindo-se que a anterior decisão constitui autoridade de caso julgado entre as partes o que determina a impossibilidade de pendência desta ação ao abrigo dos artigos 619º, 621º e 625º do CPC.
Inconformado o autor interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:
1º O Tribunal “ a quo” concluiu pela verificação nos presentes autos da exceção de autoridade de caso julgado, julgando a ação improcedente e absolvendo a R da instância.
2º Nos termos do artº 621º do C.P.C. “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga….
…
4º O instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa. A função positiva é exercida através da autoridade do caso julgado. A função negativa é exercida através da exceção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas.
5º A exceção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova ação, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objeto e pedido. A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em ação anterior, que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença.
6º O caso julgado tem como limites os que decorrem dos próprios termos da decisão, pois como estatui o artº 621 do CPC, «a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga».
7º Mesmo para quem entenda que relativamente à autoridade do caso julgado não é exigível a coexistência da tríplice identidade, será sempre em função do teor da decisão que se mede a extensão objetiva do caso julgado e, consequentemente, a autoridade deste.
8º Com efeito, conforme ensina o insigne Mestre Prof. Manuel de Andrade “o caso julgado só se destina a evitar uma contradição prática de decisões, e não já a sua colisão teórica ou lógica. … ( In Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Limitada, Reimpressão, Pág. 317 e 318).
9º Refere ainda o ilustre professor: “ consoante o exposto, o caso julgado só se forma em princípio sobre a decisão contida na sentença. O que adquire a força e autoridade de caso julgado é a posição tomada pelo juiz quanto aos bens ou direitos (materiais) litigados pelas partes e á concessão ou denegação da tutela jurisdicional para esses bens ou direitos”
10º Deste modo, ensina o Prof. Manuel de Andrade: “ Conclui-se pois, que o objeto da ação – e com ele o objeto da decisão e a extensão objetiva da autoridade de caso julgado que lhe corresponde – se identificam através do pedido e da causa de pedir” (In obra citada, pág. 320).
11º Acresce que, o caso julgado incide sobre a decisão e não abrange os fundamentos de facto, conforme orientação doutrinária e jurisprudencial prevalecente.
…
15º Deste modo, a relação material controvertida decidida no âmbito do processo 825/15.2T8VRL e a relação material controvertida submetida á apreciação nos presentes autos não é a mesma, não sendo, por isso, o mesmo objeto processual decidido nos referidos autos e o que ora se submete a apreciação.
16º Com efeito, nos autos 825/15.2T8VRL, o que foi julgado e decidido por sentença transitada em julgado, como dos mesmos consta, foi a condenação da R, no pagamento das diferenças salariais devidas desde 1/09/2013 a 30/04/2015, tendo por base á redução salarial operada pela R ao A, naquele período temporal.
17º Por seu turno, nos presentes autos o que se pretende é a condenação da R no pagamento dos crédito laborais, referentes quer referentes a diferenças salariais, quer a créditos decorrentes da execução e cessação do contrato no período compreendido entre 1 de maio de 2015 e 31 de agosto de 2015, quer com fundamento na redução salarial operada pela R no referido período, quer com o incumprimento das obrigações da R decorrentes da execução e cessação do contrato de trabalho entre a R e o A no aludido período.
18º Aliás, além do período temporal em apreciação nos presentes autos (1/05/2015 a 31/08/2015) e o período temporal apreciado nos autos 825/15.2T8VRL (1/09/2013 a 30/04/2015), serem totalmente diferentes, também nos autos 825/15.2T8VRL., não foi alegada, nem decidida, qualquer matéria referente á denuncia do contrato de trabalho por parte do A, nem relativa ao incumprimento por parte da R, para com o A, das suas obrigações contratuais, designadamente, no que concerne aos créditos laborais decorrentes da cessação do contrato de trabalho na sequência da denúncia levada a efeito pelo A.
19º Deste modo, quer os pedidos, quer a causa de pedir no presente processo e no processo 825/15.2T8VRL., são diferentes, sendo, por isso, diferentes num e noutro processo o objeto da ação.
20º A decisão proferida no processo 825/15.2T8VRL., nada tem a ver com a decisão a proferir nos presentes autos, sendo sobre a decisão que incide o caso julgado e a extensão objetiva da autoridade de caso julgado que lhe corresponde.
21º Deste modo, a relação ou situação jurídica material definida nos autos 825/15.2T8VRL, não é alterada, nem contraditada, nem definida de modo diverso, por qualquer sentença que venha a ser proferida nos presentes autos, pois são relações materiais totalmente distintas e diferentes.
22º Acresce que, salvo o devido respeito, na sentença recorrida parece pretender atribuir-se força de caso julgado aos fundamentos de facto autonomizados da decisão proferida nos autos 825/15.2T8VRL, o que, salvo o devido respeito, como vem dito, não pode acontecer, pois que os fundamentos de facto da sentença proferida nos autos 825/15.2T8VRL, autonomizados desta, não adquirem eficácia de caso julgado, sendo o caso julgado apenas formado pela decisão.
23º Transpor os factos provados numa ação para a outra constituiria, pura e simplesmente, conferir à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado que não tem, ou conceder ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que manifestamente não possui.
24º Deste modo, não se verifica nos presentes autos a exceção de autoridade de caso julgado e a demonstra-lo, desde logo, o facto da própria R não ter invocado quer a exceção de caso julgado, quer a exceção de autoridade de caso julgado.
25º Salvo o devido respeito, o Tribunal “ a quo” violou, interpretou ou aplicou incorretamente, além de outros, o disposto nos art.º 580, 581, 595, 596, 619 e 621 do CPC.
O Emº PGA deu parecer no sentido da improcedência.
A factualidade é a decorrente do precedente relatório e ainda:
• O A. possui como habilitação académica uma licenciatura do Curso de Ensino de História e Ciências Sociais, concluída em 07/06/1999.
• Em 28/04/2010 o A. realizou as provas de Mestrado em Turismo – Recursos Locais, Animação e Desenvolvimento, tendo sido aprovado com a classificação de Muito Bom.
• Em 12/03/2015 concluiu na Universidade do Minho, o curso de Mestrado em História, com a classificação de 16 valores.
• O A. foi admitido ao serviço da R. em 01/09/1999 para exercer sob as suas ordens, direção e fiscalização e mediante o pagamento de retribuição, as funções correspondentes à categoria de professor/formador.
• Em 01/09/2002 o A. celebrou com a R. um contrato de trabalho para sob as suas ordens, direção e fiscalização continuar a exercer as funções acima descritas.
• Desde o início da relação laboral com a R. em 01/09/1999 e até 31/08/2013 o A. sempre praticou um horário letivo semanal completo nunca inferior a 22 horas letivas, com consequente contagem de 365/366 dias de tempo de serviço por cada ano letivo.
• Em 31/08/2013 o A. auferia a retribuição mensal ilíquida de € 1.718,46.
• A partir do ano letivo de 2013/2014 o A. passou a ter um horário letivo de 21,5 horas letivas semanais, distribuídas de 2º a 6ª feira.
• No ano letivo 2014/2015, a partir de 01/09/2014, foi atribuído pela R. ao A. um horário semanal de 5 horas, distribuídas de 2º a 3ª feira, tendo a sua retribuição passado a ser de € 312,44.
• A R. pagou ao A. as seguintes retribuições: - de 01/01/02009 a 31/08/2013 - € 1.718,46; - de 01/09/2013 a 31/08/2014 - € 1.658,16 e a partir de € 01/09/2014 a 31/08/2015 € 312,44.
• O A. intentou contra a R. ação declarativa, sob a forma de processo comum, que correu os seus termos nesta mesma Secção, sob o nº 825/15.2T8VRL. peticionando a condenação da R. no pagamento das diferenças salariais devidas desde 01/09/2013 a 30/04/2015 e que ascendiam ao valor global de € 13.196,88.
• Foi proferida sentença que julgou a ação procedente por provada nos termos constantes do documento de fls. 30 a 33 vº, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.
• A sentença em apreço foi integralmente confirmada por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, transitado em julgado, tal como constante do documento de fls. 34 a 42 vº, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido, não tendo a R. procedido até à data de instauração da presente ação ao pagamento da quantia ali fixada.
• O A. manteve a relação laboral com a R. até 31/08/2015 data a partir da qual cessou o contrato de trabalho entre os aqui intervenientes por denúncia do demandante – cfr. doc. de fls. 44vº, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.
• A R. pagou ao A. a título de subsídio de férias (referente às férias vencidas em 01/01/2015) a quantia de € 572,82.
• A R. não pagou ao A. as quantias referentes aos proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal relativos ao trabalho prestado de 01/01/2015 a 31/08/2015.
Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
Importa saber se se verifica a exceção de caso julgado.
O instituto do caso julgado visa conceder a segurança e certeza necessárias às decisões dos tribunais, para que se possam impor com a obrigatoriedade e prevalência constitucionalmente previstas. Pretende-se assim a salvaguarda da “segurança jurídica e da paz social”, definindo e resolvendo de forma definitiva os conflitos e contendas geradores de instabilidade social.
No caso presente verifica-se desde logo que relativamente aos créditos devidos em virtude da cessação do contrato nunca se colocaria a questão do caso julgado, e sempre a ação deveria quanto a eles prosseguir.
Vejamos quanto ao restante.
Nos termos do artigo 621º do CPC a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.
Os limites do caso julgado resultam do artigo 581º do CPC. No que respeita ao objeto o limite é apontado pela identidade de pedido e causa de pedir. Uma não pode ser separada da outra. Assim é que, a existência de uma decisão absolutória sobre determinada pretensão, não obsta a que a mesma pretensão seja de novo solicitada, desde que seja diversa a causa de pedir – O tribunal pode reapreciar em nova ação a mesma questão, com base em outra factualidade fundante.
Foi já entendimento dominante, ainda hoje por alguns defendido, que o caso julgado se forma sobre a decisão proferida (sobre o pedido, o efeito jurídico pretendido pelo autor), e não sobre a motivação. Os defensores deste entendimento admitem contudo o recurso à parte relativa à fundamentação – de facto e de direito - para interpretar a decisão.
Para a definição do alcance do caso julgado deve atentar-se nas próprias finalidades e objetivos tidos em vista com o instituto.
Na apreciação da questão há que ter em atenção as normas constantes dos artigos 91, 2; 608, nº 2; 581; 609; 607 e 625 do CPC, tendo em atenção o seu sentido jurídico, que é tornar certa e indiscutível uma dada situação que era incerta. O sentido a alcançar há de garantir a indiscutibilidade da situação sobre a qual o tribunal se pronunciou. Tal remete-nos para uma dupla vertente.
- De um lado uma vertente externa, afirmando a força do caso julgado contra todas as situações contraditórias ou incompatíveis com a situação definida;
- De outro uma vertente interna, afirmando a inclusão no seu âmbito e como um todo não cindível, dos fundamentos que são pressuposto necessário do efeito jurídico decidido. É esta segunda vertente que ora nos interessa.
A causa de pedir não adquire de per si, sem relação com o pedido, força de caso julgado. Se adquirisse tal força, garantido estava o autor relativamente a todos os efeitos jurídicos que além do solicitado, tal causa de pedir pudesse fundamentar, já que um determinado conjunto de factos pode servir de fundamento a diversos pedidos – efeitos jurídicos -. Ora, tal situação implicaria um alargamento objetivo da condenação em violação do artigo 609º, nº 1, do CPC.
Igualmente não adquirem de per si força de caso julgado as respostas dadas a questões para as quais não foi solicitado um “julgamento” (embora tenham sido apreciadas como antecedente lógico da resposta dada ao pedido formulado), na medida em que possam servir de fundamento a outros pedidos a outros efeitos jurídicos que não os apreciados. Estendesse-lhes no entanto a força do caso julgado relativamente ao efeito jurídico solicitado nos autos. Para o caso das questões colocadas pelo réu como meio de defesa e incidentes levantados, vd. artigo 91º, nº 2 do CPC.
O decidido relativamente a factos, fundamentos e questões está abrangido pela força do caso julgado enquanto e na estrita medida em que são pressupostos do decidido nos autos.
Como refere Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o novo Processo Civil, Lex, pág. 578ss, “…Não é a decisão enquanto conclusão do silogismo judiciário que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão…”. MS. Ac. STJ de 27/4/04, www.dgsi.pt/jstj, processo nº 04A1060; Ac. STJ de 18/5/04, www.dgsi.pt/jstj, processo nº 04B4286; Ac de 30/9/04, www.dgsi.pt/jstj, processo nº 05B602.
Não significa isto que toda a fundamentação (factualidade e questões – ainda que jurídicos - ou incidentes decididos) esteja a coberto do caso julgado. Abrangidos serão aqueles que se contenham de acordo com a natureza das coisas e a lógica do silogismo judiciário, na resposta dada ao pedido do autor em função do por ele solicitado, ficando excluídos do caso julgando os factos instrumentais e as antecedentes premissas (meros juízos sobre pontos de facto e de direito) consideradas no raciocínio do julgador para concluir por tal resposta. Seja, os fundamentos são abrangidos pela força do caso julgado quando pela sua própria natureza (atinente ao objeto da ação) ou por razões de coerência lógico-jurídica (atinente ao processo discursivo da decisão) forem incindíveis do decidido.
Como resulta do referido, os fundamentos não estão abrangidos pela força do caso julgado em si mesmos, mas tão só na sua incindível ligação com a parte decisória da decisão (como um todo). A força do caso julgado abrange-os tão-somente em relação ao efeito jurídico solicitado e atendido. Quanto ao concreto efeito jurídico, ficam definitivamente assentes. Só por esta via se garante a indiscutibilidade do decidido, se dá cabal satisfação ao direito “ posto em juízo”. Importa pois ter em mente que a relação submetida a julgamento seja a mesma.
Assim e no caso, a apreciação da validade da redução de horário é questão incindível do decidido, pressuposto desta e consequentemente deve considerar-se abrangida pelo caso julgado na medida é pressuposto do decidido.
Mas vejamos da exceção de caso julgado.
No caso presente não há dúvidas quanto à identidade das partes e da causa de pedir, basta confrontá-los, e nem as partes o põem em causa.
Já quanto ao pedido assim não é. Contudo as ações, na parte relativa às diferenças salariais, têm uma particularidade, assentam na mesma violação – da irredutibilidade do salário -, e pretende-se como efeito jurídico o pagamento de diferenças salariais, apenas divergindo quanto ao período temporal a que respeitam, sendo que ambos os períodos respeitam ao mesmo ano letivo. Aliás a defesa da ré é idêntica nos dois processos. Naqueles autos foi discutido, como pressuposto do pedido, a validade da redução do horário letivo em determinado ano, e da correspondente retribuição auferida pelo A..
Não se verifica a exceção do caso julgado pois que não ocorrem as três identidades previstas na norma.
Têm-se distinguido contudo entre a exceção do caso julgado (efeito negativo), que visa obstar à repetição de causas, implicando a identidade similar de sujeitos, pedido e causa de pedir - art. 581º do C.P.C. - e a autoridade do caso julgado (efeito positivo), que tem a ver com a exequibilidade do decidido, que visa a imposição da força vinculativa da decisão anteriormente tomada. No confronto com nova ação traduz-se esta autoridade em ser aquela questão prejudicial subtraída à apreciação do mérito na ação entrada posteriormente.
Mas é a decisão proferida que se impõe, aquela que está abrangida pelo caso julgado, não um pressuposto desta. É que os pressupostos como vimos estão abrangidos apenas na estrita medida em que são pressuposto do decidido nos autos. Castro Mendes, Limites Objetivos do Caso Julgado em Processo Civil”, págs. 178 ss, refere a propósito «O que se converte em definitivo com o caso julgado não é a definição de uma questão, mas o reconhecimento ou não reconhecimento de um bem»”.
Pode dizer-se que um pressuposto se imporá noutra ação quando a não aceitação do mesmo, ponha em causa o caso julgado anteriormente formado, o aí decidido, ou crie no contexto de uma mesma relação jurídica, entre as mesmas partes, e para o mesmo efeito decorrente da mesma causa, a possibilidade de soluções contraditórias.
A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão anteriormente proferida, quando o objeto desta (bem reconhecido) se insere no objeto da ação posterior, visando evitar que a relação ou situação jurídica material já definida possa ser definida de modo diverso. Não é neste caso exigível a a tríplice identidade, no dizer de alguns. Relação de Coimbra, de 28-09-2010, Pº 392/09.6 TBCVL.S1, in www.dgsi.pt
Referem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil, Anotado, Coimbra Editora, vol. II, 2ª edição, pg. 704, que “ a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito … Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há de ser proferida ….”
Voltando à identidade do pedido, em face dos concretos pedidos.
A identidade de pedidos ocorrerá “se existir coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e objeto do direito a tutelar, na concretização do efeito que, com a ação, se pretende obter”. Rc de 6/9/2011, processo nº 816/09.2TBAGD.C1.
No caso presente não existe completa correspondência no pedido, o efeito pretendido em termos teórico/abstratos é o mesmo, mas em concreto não há correspondência. Solicita-se num a e outra ação o pagamento das diferenças salarias, mas correspondendo a períodos distintos.
Importa ter em atenção que o caso julgado tem como limites os que decorrem dos próprios termos da decisão, artigo 621º do CPC - «tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat».
Não se verifica no presente caso o caso julgado no sentido negativo, já que não há identidade de pedidos. Assim sempre a ação deveria prosseguir para apreciação dos alegados créditos salariais, impondo-se na nova ação eventualmente o juízo já efetuado quanto à validade ou não da redução do horário letivo e subsequente redução do salário.
E impor-se-á tal juízo?
A questão da autoridade do caso julgado envolve algumas dificuldades que importa analisar em cada caso. A questão implica com o prestígio dos tribunais, a certeza ou segurança jurídica das decisões judiciais, podendo abalar a imagem do próprio sistema de justiça.
Assim e no caso presente, temos que, como se refere na decisão recorrida, a questão subjacente e que determinou a condenação da ré naquela outra ação, é a mesma, quer dizer, não se trata apenas de considerar certa factualidade ali considerada como assente nestes autos, o que extravasaria do conceito de caso julgado, mas antes, da própria questão jurídica que demanda como consequência a obrigação de pagar os salários a que tinha direito, quer os então peticionados, quer os que forem devidos durante o período que abranja a questão subjacente/pressuposta decidida – o ano letivo 2013/2014, embora quanto a estes não tenha sido formulado pedido, o que bem poderia ter ocorrido.
Aquela decisão ao afirmar a não validade da redução do horário e consequente diminuição remuneratória para o ano letivo de 2013/2014, colide com decisão que viesse a ser proferida nestes autos relativamente a tal validade e para o mesmo ano letivo, importando violação de autoridade de caso julgado anterior quanto a tal especifica questão. Temos as mesmas partes e mesmo contrato, e estamos face a um mesmo e único efeito jurídico, sendo que período contratual que a questão subjacente na pretérita ação abarca, abrange o período de diferenças salariais ora peticionadas (ano letivo 2013/2014); efeito que é o cumprimento da obrigação contratual de pagar o salário na forma devida. A permitir-se a discussão de novo da validade da redução horária para o ano letivo referido, já apreciada, poderiam ficar a valer duas decisões contraditórias, criando-se no contexto de uma mesma relação jurídica, entre as mesmas partes, e para o mesmo efeito decorrente da mesma causa, duas soluções contraditórias, o que o repugna a um sadio direito.
Assim nesta parte é acertada a decisão. Contudo a causa de pedir é complexa, antes de mais implica um dizer, ainda que implícito de não pagamento. Não está pois apenas em causa como pressuposto a validade ou não da redução de horário, sobre a qual haverá que respeitar a autoridade do caso julgado, mas outros pressupostos. E ainda que não estivessem, não cabendo no título executivo que constitui a anterior decisão os créditos ora peticionados, porque ali não considerados, sempre haveria que prosseguir a ação para decisão, levando em consideração como questão já definitivamente assente, a invalidade da redução horária.
Assim e com estes contornos procede a apelação.
DECISÃO:
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a apelação, devendo os autos prosseguir, com respeito pela autoridade do caso julgado relativamente à questão da validade da redução do horário letivo e da correspondente redução da retribuição.
Custas a meias.