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CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE
CONTRATO CONCESSÃO COMERCIAL
DIREITO COMUNITÁRIO
CONCORRÊNCIA
Sumário
1. Distingue-se entre questões e argumentos/razões, para concluir que é vedado à Relação, no âmbito do seu pronunciamento, conhecer de matéria nova, mas não de debater os argumentos avançados pelas partes. 2. A cláusula de exclusividade aposta num contrato de concessão comercial – na medida em que impõe ao concessionário o desenvolvimento da sua actividade apenas numa determinada zona, que pode ser mais ou menos ampla (o país, uma região, uma cidade…) – não é um elemento essencial desse contrato, pese embora a relevância deste tipo de cláusulas nos contratos de cooperação, aos quais usualmente estão associadas. 3. Essa cláusula, pela qual o concessionário ficou adstrito “a vender exclusivamente no concelho de ... SGÁS, confere uma protecção territorial que não inclui restrições às vendas passivas; 4. Do confronto entre o art. 81º do TCE e art. 4º da Lei 18/2003 de 11/06, diplomas em vigor à data em que o contrato foi resolvido – que têm actualmente correspondência, em termos substanciais, respectivamente, com o art. 101º do TFUE e art. 9º da Lei 19/2012 de 8 de Maio –, resulta uma notória convergência entre o Direito Europeu e o Direito Nacional a propósito das regras relativas à defesa da concorrência. 5. A aplicação do Direito Comunitário da Concorrência impõe-se aos Tribunais Nacionais sempre que se mostre verificado o condicionalismo subsumível ao critério enunciado no art. 81º do TCE, isto é, o critério da afectação sensível do comércio entre Estados – Membros. 6. Trata-se de conceito aberto, relevando a conformação que vem sendo feita pela jurisprudência comunitária, a par das Comunicações da Comissão e os Regulamentos, sendo certo que se trata sempre de uma apreciação casuística. 7. Foi com vista a salvaguardar uma aplicação coesa e uniforme do direito comunitário que foi estabelecido o mecanismo do reenvio prejudicial; Não se perspectivando que estejam em causa relações transfronteiriças nem, consequentemente, a aplicação de legislação comunitária, não há fundamento para o reenvio. 8. A inserção da cláusula de exclusividade aludida no contrato de concessão comercial não suporta a afirmação de que “existe uma protecção absoluta” no território da concessão, com o inerente “isolamento total e absoluto do mercado”, uma vez que as restrições não incluem as vendas passivas, nem estão associadas a qualquer estipulação de preços mínimos ou fixos 9. A quota de mercado de uma empresa e o seu posicionamento no mercado, não constituem factos notórios, para os efeitos a que alude o art. 514º, nº1 do C.P.C., impondo-se a sua alegação e prova pela parte a quem aproveitam. 10. Invocando o distribuidor/concessionário a nulidade da cláusula de exclusividade para impugnar a resolução do contrato efectuada pelo concedente (fundamentada na violação das obrigações decorrentes daquela cláusula), compete ao concessionário o ónus de alegação e prova de que o acordo ou prática em causa, concertada entre o produtor e o distribuidor, é susceptível de afectar de forma sensível a concorrência (art. 4º, nº1 da Lei 18/2003 de 11 de Junho). (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa
1. RELATÓRIO
J Lda., com sede no Largo (…), …, instaurou acção de condenação, que segue a forma de processo ordinário, contra P S.A., (…) pedindo a condenação da ré a pagar-lhe:
a) Uma indemnização de clientela, de 62.576,22€;
b) Uma compensação de €191.861,88, equivalente a vinte e quatro vezes a margem média bruta mensal auferida no decurso de 2007;
c) uma indemnização de 50.000,00€ por “danos indirectos, actuais e futuros, certos e eventuais trazidos à sua imagem e credibilidade empresariais resultantes da cessação inesperada do contrato de distribuição”;
d) uma indemnização de 78.000,00€ pelos prejuízos decorrentes de despedimento do pessoal, por via da cessação do contrato de distribuição;
e) os juros de mora sobre as quantias aludidas, à taxa legal, que se vencerem desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Para fundamentar o seu pedido alega em síntese, que foi revendedora dos produtos da ré desde 16/06/66, inicialmente através da firma individual ...P e desde 2005 já com a sua denominação, até 02/04/2008, data em que recepcionou uma carta datada de 13/02/08 em que a ré punha termo ao contrato, resolvendo-o com fundamento na violação reiterada da autora das clausula II do contrato.
Os fundamentos invocados nesta carta não correspondem à realidade, tendo a autora cessado há mais de dois meses de abastecer clientes de outras áreas, conforme acordo com a ré, para além de que outros revendedores da ré revendiam fora das suas áreas de influência, não sendo esta regra inicialmente imposta pela ré observada há muitos anos, como era do conhecimento da ré.
O contrato escrito de 1966 caducou em 16/06/69 e, sendo certo que se mantiveram entre as partes certas características desse contrato, a cláusula da exclusividade não só não era compatível com a realidade à data da resolução, mas era incompatível com a Lei de Defesa da Concorrência nacional (artº 2 nº 1 c) e comunitária (artºs 81 e 82 do tratado da CEE), pelo que em qualquer caso seria nula e ainda contrária à lei.
A ré usou de um tratamento discriminatório pois que podia nomear outro revendedor para a área de …, mas a autora não podia revender fora dessa área e a ré apenas sancionou a autora, o que viola o disposto no artº 2 nº1 e) da Lei da Concorrência.
As razões da resolução teriam de ser comunicadas no prazo de um mês após o seu conhecimento, não tendo a ré comunicado à autora a identificação concreta dos clientes a quem estaria a revender fora do seu território, tendo cessado tais supostas vendas em data muito anterior e, por outro lado, não sendo tais comportamentos de gravidade tal que não seja razoável manter a relação contratual até ao termo do prazo previsto sendo sempre necessário, fora dessa hipótese, interpelar para cumprimento o concessionário.
O contrato celebrado entre as partes está sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais, previsto no D.L. 446/85, violando o disposto nos seus arts. 16 e 17, pelo que esta clausula II e as demais que não se coadunem são nulas.
Com a cessação do contrato a autora sofreu prejuízos decorrentes da cessação da sua actividade, uma vez que a distribuição de gás equivalia a mais de 90 % do seu volume de negócios, da necessidade de despedimento do pessoal, de perda dos investimentos que realizara a pedido da própria ré, da afectação da sua imagem comercial pela forma abrupta como o contrato cessou e deixou de auferir os lucros decorrentes dessa actividade.
A ré contestou impugnando os factos alegados pela autora. Alega, em síntese, que:
Embora os contratos que celebra sejam semelhantes, “porquanto se trata do mesmo negócio, com semelhantes obrigações para ambas as partes, porém, todos os contratos são negociados entre as partes, sendo apostas cláusulas específicas, não podendo qualificar-se os mesmos de “uniformes”, pelo que não estão sujeitos à disciplina das cláusulas contratuais gerais.
As obrigações resultantes do contrato nunca foram cumpridas pela autora (inicialmente …G), nunca tendo esta prestado assistência técnica, nem cumprido os objectivos de venda propostos, nem prestado qualquer informação sobre a clientela por si angariada e também nunca respeitou a área que lhe estava atribuída, o que causou constantes litígios com os demais revendedores, para o que foi constantemente alertada e advertida de que tal conduta poderia dar causa a resolução contratual.
O comportamento da autora, pela sua gravidade e reiteração, são fundamento de justa causa de resolução e a ré nunca beneficiou de qualquer clientela angariada pela autora, que após a resolução passou a vender gás R...
Não estão em causa relações comerciais transfronteiriças ou seja não estão “em causa actos praticados em mais do que um estado membro da União Europeia, ou por operadores de mais de um estado membro”, pelo que não são aplicáveis as normas comunitárias de defesa da concorrência.
Quanto às normas nacionais de defesa da concorrência, não se verifica o condicionalismo a que alude o art. 4º, nº1 da Lei 18/2003 de 11.06, desde logo porque “nunca ao longo da sua petição inicial a A. articula factos passíveis de integrar tal previsão, porquanto a mesma se refere sempre à actuação supostamente discriminatória da R., e só da R.”
Também não existe por parte da ré qualquer conduta discriminatória relativamente aos seus revendedores e muito concretamente relativamente à autora porque “todos os revendedores da R. apenas podem revender numa determinada área geográfica previamente fixada, estando todos sujeitos à cláusula contratual mediante a qual a R. se arroga a possibilidade de nomear outro revendedor para a área que lhes foi atribuída” (art. 244º da contestação).
Em sede de reconvenção peticiona a condenação da autora a devolver o material propriedade da ré, de que de ficou depositária ou, subsidiariamente, a pagar à ré o seu valor, no montante de 14.372,80€, acrescido de juros de mora desde a data de notificação da reconvenção até integral pagamento, à taxa aplicável aos créditos de que são titulares sociedade comerciais.
A autora apresentou réplica e, respondendo à reconvenção, alega que todo o vasilhame foi deixado no mercado e que os novos distribuidores nomeados pela ré já procederam à sua entrega.
Peticiona ainda a condenação da ré por litigância de má fé, em multa e indemnização.
A ré apresentou tréplica defendendo a inadmissibilidade parcial da réplica, mais precisamente dos artºs 1 a 173º, impugnando a invocada litigância de má fé e peticionando a condenação da autora como litigante de má fé, por não ignorar a inadmissibilidade legal deste articulado.
Realizou-se audiência preliminar e proferiu-se o despacho de fls. 309, considerando não escritos os artºs 1 a 173º da réplica e a tréplica à excepção do que se reportava à litigância de má fé.
Foi admitida a reconvenção e procedeu-se ao saneamento do processo, proferindo-se despacho a fixar a matéria assente e base instrutória.
Procedeu-se a julgamento e respondeu-se aos quesitos, sem reclamações.
Proferiu-se decisão, que concluiu nos seguintes termos:
“Pelo exposto, julgo a presente acção improcedente por não provada e, em consequência:
1-Absolvo a R. do pedido formulado pela A.
Julgo a reconvenção procedente por provada e, em consequência condeno a A. a devolver à R.:
- 61 (sessenta e uma) garrafas de gás de 11 Kg, no valor unitário de €14,96 (catorze euros e noventa e seis cêntimos);
- 9 (nove) garrafas de gás de 11 Kg FL, no valor unitário de €14,96( catorze euros e noventa e seis cêntimos );
- 70 (setenta) garrafas de gás 12 Kg (Pluma), no valor unitário de € 20,00 (vinte euros);
- 525 (quinhentas e vinte cinco) garrafas de gás de 13 Kg, no valor unitário de €14,96 ( catorze euros e noventa e seis cêntimos);
- 24 (vinte e quatro) garrafas de gás de 45 Kg, no valor unitário de €39,90 (trinta e nove euros e noventa cêntimos);
- 10 (dez) paletes de transporte G26, no valor unitário de €251,60 ( duzentos e cinquenta e um euros e sessenta cêntimos);
- 2 (duas) paletes de transporte G110, no valor unitário de €299,00 ( duzentos e noventa e nove euros).
xxx
Custas da acção e da reconvenção pela A., nos termos do disposto no artº 446 do C.P.C.
Registe e Notifique”.
Não se conformando, a autora apelou formulando as seguintes conclusões: (…)
Foram apresentadas contra-alegações.
A apelante apresentou o requerimento de fls. 1208 a 1214, invocando e requerendo, em síntese, como segue: “(...) vem muito respeitosamente, ao abrigo do art.º 234º do Tratado, requerer a Vossas Excelências o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia com vista à interpretação e aplicação do art.º 81º (actual 101º) do Tratado e dos Regulamentos (CE) 1/2003, de 16 de Dezembro e 2790/99 de 22 de Dezembro, nos termos e pelos fundamentos seguintes: (...) Desde a primeira hora que a recorrente pugna pela aplicação ao caso concreto das normas do direito nacional e comunitário da concorrência, em especial dos art.ºs 4º e 7º da Lei 18/2003, de 11 de Junho e dos art.º 81º do Tratado. Basta a simples leitura, entre outros, dos art.ºs 106º, 110º, 112º, 114º, 124º, 125º, 126º, 129º, 136º e 139º da p.i., 43º, 44º, 45º, 46º, 47º, 48º, 49º, 50º, 51º, 52º, 53º, 54º, 55º, 58º, 59º, 60º, 61º, 62º, 63º, 74º, 76º, 77º e 118º da réplica, bem como das páginas 12 (a partir do 2º parágrafo) a 20 das alegações sobre o aspecto jurídico da causa, para se chegar à conclusão que o presente recurso não versa sobre “questões novas” e que todas as questões têm a ver com a violação ou não de normas imperativas e fundamentais do direito nacional e comunitário da concorrência. Acresce que o Juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 664º do C.P.Civil), razão pela qual constituindo a questão controvertida uma pura questão de direito, não se percebe a posição da recorrida. De que tem medo a poderosa e insensível recorrida? Naturalmente que a recorrida o que gostaria de ver era a recorrente perder-se a discutir o julgamento da matéria de facto, para o que, provocatoriamente, note-se, até fez chegar ao processo no dia seguinte ao da notificação da sentença um requerimento a pedir as cassetes com a gravação da prova… Desde a 1ª hora que a recorrente sustenta que a resolução do contrato com mais de 42 anos de vigência se deveu à utilização de uma cláusula nula, porque viola frontalmente as normas nacionais e comunitárias da concorrência. Desde a 1ª hora que a recorrente alega factos dos quais se extrai a existência de uma rede de revendedores que abarca o território nacional (V. alíneas D, E e F dos Factos Assentes) e a semelhança dos contratos que unem a recorrida aos seus revendedores espalhados por todo o país (V. n.º 45 dos factos provados/sentença). Desde a 1ª hora que a recorrente fala do efeito global ou cumulativo destes contratos e da repartição do território por eles operada a nível nacional e sobre a susceptibilidade de afectação do comércio entre os Estados-Membros. Se a isto acrescentarmos que o mercado é dominado pela recorrida e pelas suas congéneres …P, R… e E… ― facto de conhecimento geral ― facilmente se percebe que a questão controvertida tem tudo a ver com as normas do direito nacional e comunitário da concorrência e nada a ver com o julgamento da matéria de facto. Dos factos provados resulta ainda que a recorrente foi eliminada da rede de revenda da recorrida e substituída por outro membro dessa rede. Em consequência disso a recorrente cessou completamente a sua actividade (V. respostas aos quesitos 62º e 64º). O que inculca manifesto e grave abuso de dependência económica gerador de responsabilidade civil (violação da alínea b), do n.º 2 do art.º 7º da Lei 18/2003) (Como recentemente decidiu a 4ª Vara Cível do Porto, processo n.º 178/02, num caso idêntico ao presente e já citado na nota de rodapé n.º 4, pág. 6). Todas as questões sumariadas nas alíneas a) a g) da página 2 das contraalegações da recorrida constituem puras questões de direito ou conclusões a extrair dos factos provados. Concessão “fechada” ou “aberta” são conceitos utilizados pela doutrina jusconcorrencial a extrair dos factos provados, nomeadamente das alíneas B), C), D), E) e F) dos Factos Assentes, dos factos provados constantes do n.º 45 do probatório da sentença recorrida e da própria carta de resolução de 13.02.2008 da qual se extrai que a recorrente foi eliminada da rede de revenda da recorrida por vender fora do território concedido, o concelho de C…., nunca é demais recordar. A aplicabilidade directa pelos tribunais nacionais do direito comunitário dos Tratados (art.º 81º), bem como do Regulamento 1/2003, decorre directamente do art.º 8º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa. E o mesmo se diga do Regulamento de isenção por categoria n.º 2790/1999, que limita o prazo de qualquer acordo a 5 anos, nunca é demais recordar. A repartição do ónus da prova e a prova do balanço económico ou da justificação da repartição do território e da controlada distribuição operada pela recorrida em todo o território português, também decorre directamente da lei, isto é, do artigo 2º do Regulamento 1/2003, que mais não traduz do que a regra nacional fundamental da repartição do ónus da prova consagrada no art.º 342º do Código Civil. Esta sempre seria aplicável para se apurar a quem compete a prova dos tais “comportamentospadrão” integradores das alíneas a) a e) do n.º 1 do art.º 4º da Lei 18/2003 e a prova da eventual justificação desses comportamentos a que alude o art.º 5º da mesma lei. Aliás, se só a recorrida tinha legitimidade para suscitar a avaliação prévia junto da AdC, logicamente que também só ela podia fazer prova dentro deste processo dos eventuais efeitos positivos da prática restritiva consubstanciada na imposição aos seus revendedores de não poderem vender fora do território concedido a cada um deles. E, finalmente, o Regulamento 1/2003 destinou-se precisamente a conferir plenos poderes aos tribunais nacionais (v. art.º 6º e 15º) para fiscalizarem directamente o respeito das regras da concorrência, em especial a aplicação do art.º 81º do Tratado. Admitindo a possibilidade de surgirem fundadas dúvidas (O que sinceramente não se concebe e apenas se admite por razões de segurança e certeza jurídicas) na aplicação à hipótese dos autos do art.º 81º do Tratado, bem como os Regulamentos CE n.º 1/2003, de 14 de Dezembro e do Regulamento 2790/1999, requer-se a V. Ex.ªs o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias com vista à interpretação do art.º 81º do Tratado, bem como da aplicação concreta dos art.ºs 1º, 2º, 6 e 15º do Regulamento 1/2003 de modo a apurar-se, entre o mais, se: 1. Um contrato de concessão comercial no âmbito do qual o concessionário actuava em nome próprio e por sua conta e risco, adquirindo previamente os produtos e sendo da sua responsabilidade exclusiva a contratação de instalações, equipamentos, viaturas, pessoal, etc., é considerado para efeitos do direito da concorrência um contrato de agência “não genuíno” e nessa medida se poderá estar abrangido pela proibição do n.º 1 do art.º 81º; 2. o ex-artigo 81º (actual 101 do Tratado) é susceptível de ser aplicado a tal contrato de concessão comercial celebrado no âmbito de uma rede de revenda de uma marca de gás que abarca todo o território português, em que os revendedores se encontram ligados à marca por uma cláusula que lhes impõe a revenda exclusiva apenas no interior de uma zona geográfica determinada não lhes sendo permitidas vendas fora dessa zona; 3. a expressão “não sendo necessária, para o efeito, uma decisão prévia”, constante do artigo 1º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 1/2003, de 16 de Dezembro, significa que o tribunal nacional pode aplicar directamente a sanção decorrente da violação das práticas restritivas referidas no n.º 1 do Artigo 81º, sem necessidade de uma decisão prévia das autoridades da concorrência comunitárias e/ou nacionais; 4. a expressão “não sendo necessária, para o efeito, uma decisão prévia”, constante do artigo 1º, n.º 2, significa que pode considerar-se válida uma cláusula que embora integre uma prática restritiva tipificada no n.º 1 do artigo 81º do Tratado, mas em que dentro do processo judicial se demonstra que essa prática se justifica e beneficia a concorrência. 5. mediante a prova da cláusula identificada no número dois, supra, isto é, se mediante a prova de que o produtor em causa organiza a distribuição da sua marca de gás em todo o território português de forma a que a cada distribuidor é atribuída uma zona geográfica no interior da qual beneficia do exclusivo da distribuição não lhe sendo permitidas as vendas fora dessa zona, se considera satisfeito, à luz do art.º 2º do Regulamento 1/2003, o ónus de prova da violação das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 81º do Tratado; 6. perante tal prova compete ao produtor, nos termos do referido art.º 2º do Regulamento 1/2003, demonstrar factos dos quais se extrai que tais obrigações de distribuição exclusiva dentro de determinado território são válidas por integrarem algumas das situações previstas no n.º 3 do artigo 81º do Tratado. Posto isto, sempre se dirá que “ O reenvio tem como pressuposto o facto de o juiz nacional, ao aplicar a norma comunitária convocada, ter dúvidas sobre a interpretação ou sobre a validade da concreta norma ou acto de direito comunitário. “Se lhe fosse permitido resolvê-las sozinho e livremente, isso implicaria, a prazo, um fraccionamento do Direito Comunitário, quebrando-se desse modo, a uniformidade que se pretende atingir na interpretação e na aplicação da Ordem Jurídica Comunitária.” (Fausto de Quadros e Ana Maria Guerra Martins, Contencioso da União Europeia, 2.ª ed., pág. 71; ver também Ana Quadros, a Função Subjectiva da Competência Prejudicial do TJCE, pág. 196). Daí que o artigo 234º do Tratado (anterior art.º 177º) disponha que “Sempre que uma questão desta natureza (O Tribunal de Justiça é competente para decidir, a título prejudicial, sobre:a) A interpretação do presente Tratado;b) A validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições da Comunidade e pelo BCE;c) A interpretação dos estatutos dos organismos criados por acto do Conselho, desde que estes estatutos o prevejam. Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados- Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal de Justiça que sobre ela se pronuncie. Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal de Justiça) seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao tribunal de Justiça que sobre ela se pronuncie. E o reenvio, em princípio, seria obrigatório, face ao último parágrafo do artigo, como refere José Luís Caramelo Gomes (O Juíz Nacional e o Direito Europeu, págs. 154 e 155). Mas isso não se justifica quando a questão colocada seja materialmente idêntica a uma questão que já tenha sido objecto de decisão a título prejudicial num caso análogo” (Ana Quadros, ob. cit., pág. 48)― v. douto Acórdão do STJ, de 29.04.2010, Revista n.º 622-08.1 TVPRT.P1.S1 7ª, fls. 875 e 876, num caso em que o signatário era advogado da aí Autora/Recorrida. (www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0/ Relator: Conselheiro Custódio Montes, num caso de competência internacional mas em que se debatia o reenvio no âmbito de um contrato de concessão comercial) Ora, como resulta da análise das seis questões acima referidas e tanto quanto a recorrente conseguiu apurar, nenhuma delas foi objecto de decisão a título prejudicial num caso análogo. Pelo exposto, e por razões de certeza e segurança jurídicas e tendo em vista a realização da justiça do caso concreto, requer-se a Vossas Excelências o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia com vista à interpretação e aplicação do art.º 81º (actual 101º) do Tratado e do Regulamento 1/2003, nos termos referidos nas seis questões acima formuladas”.
A recorrida respondeu, opondo-se ao peticionado.
A apelante apresentou o requerimento de fls. 1229 a 1231 tendo a apelada requerido o desentramento deste requerimento invocando a sua inadmissibilidade (fls. 1234 e 1235).
Cumpre apreciar.
II. FUNDAMENTOS DE FACTO
Releva o seguinte circunstancialismo, que a 1ª instância deu por assente:
(…)
III- FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 684º, nº 3 e 685º-A, nº do C.P.C. – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 664 do mesmo diploma.
No caso, impõe-se apreciar:
. da alegação da apelante: excesso de pronúncia;
. do conhecimento da apelação: questões novas;
. da natureza do contrato de concessão: a zona da concessão;
. da cláusula II do contrato: nulidade por violação “das normas sobre defesa da concorrência tanto comunitárias”; como “nacionais”;
. do reenvio prejudicial;
.da cláusula II do contrato: nulidade por violação da lei da concorrência (art.4º da Lei 18/2003 de 11/06, que aprovou o regime jurídico da concorrência, vigente à data da resolução do contrato);
. da nulidade parcial: vontade hipotética das partes;
1. A apelante apresentou o requerimento de fls. 1208 a 1214, pretendendo que esta Relação submeta ao Tribunal de Justiça da União Europeia, através do mecanismo do reenvio, as (seis) questões que enuncia a fls. 1211 e 1212.
Notificada, a apelada respondeu conforme consta de fls. 1219 a 1226, concluindo pela falta de fundamento material para o reenvio.
Veio então a apelante apresentar o requerimento de fls. 1229 a 1231, requerimento cujo desentranhamento a apelada requer – fls. 1234 e 1235 –, invocando a inadmissibilidade legal daquele.
Vejamos.
Incumbe exclusivamente ao tribunal equacionar o reenvio prejudicial. Sem prejuízo, “na maior parte dos casos são as partes que, invocando a ordem jurídica comunitária e os direitos que dela retiram” chamam a “atenção da jurisdição nacional para a questão de direito comunitário, sugerindo ao juiz que accione o mecanismo do reenvio prejudicial” [ [1] ].
Sendo, pois, legítimo a qualquer das partes suscitar a questão em apreço nesta fase processual, não é admissível que, a coberto dessa pretensão, a parte exceda o âmbito do seu pronunciamento, como aconteceu no caso, de forma manifesta e fazendo-o repetidamente.
Efectivamente, lendo o requerimento de fls. 1208 e seguintes facilmente se conclui que tudo quanto a autora aí alega nas três primeiras páginas mais não traduz senão uma apreciação da apelante incidindo sobre a matéria articulada pela apelada nas contra alegações que juntou, em claro desrespeito pelas regras uma vez que a lei processual não prevê a apresentação de qualquer outro articulado subsequente à apresentação das contra-alegações.
Mas a violação de procedimentos não se queda por aí.
A apelante sabe – não pode deixar de saber uma vez que está representada por profissional do foro – que não pode responder a um requerimento que configura, substancial e processualmente, uma resposta, ressalvadas as hipóteses tipificadas na lei processual e que não relevam para o caso. Colocada a questão do reenvio pela apelante, podia a apelada pronunciar-se, respondendo, como fez, assim se salvaguardando o princípio do contraditório, não sendo admissível a apresentação subsequente pela apelante de qualquer outro articulado, sobre a mesma matéria, desta feita tecendo considerações sobre a resposta da apelada, como aconteceu – requerimento de fls. 1229 a 1231.
Impõe-se, pois, considerar juridicamente irrelevante a alegação da apelante constante de fls. 1208 a 1210, bem como inadmissível a apresentação do requerimento de fls. 1229 a 1231, sendo a apelante responsável pelo pagamento das custas do incidente anómalo a que deu causa.
2. Em sede de contra-alegações, a ré invoca que a apelante introduz “questões novas que extravasam o âmbito dos poderes de cognição” desta Relação, enunciando em concreto tais “questões” (cfr. fls. 1173, sob as alíneas a) a g)).
O direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação [ [2] ], sendo pacífico que não compete ao tribunal superior apreciar de questões nunca antes submetidas à análise dos tribunais de jurisdição inferior, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso.
Distingue-se, no entanto, entre questões e argumentos/razões [ [3] ], para concluir que é vedado à Relação, no âmbito do seu pronunciamento, conhecer de matéria nova, mas não de debater os argumentos avançados pelas partes.
“A dificuldade está em saber o que deve entender-se por questões, para efeitos do disposto nos artigos 660, n.º 2 e 668, n.º 1, d), do CPC. A resposta tem de ser procurada na configuração que as partes deram ao litígio, levando em conta a causa de pedir, o pedido e as excepções invocadas pelo réu, o que vale por dizer que questões serão apenas, como se disse no já citado acórdão de 21.9.2005, "as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, tendo em conta a pretensão que se visa obter." Não serão os argumentos, as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções (vide acórdãos deste tribunal de 7.4.2005 e de 14.4.2005” [ [4] ].
No caso, a apelante não invoca questões novas, antes aduz argumentos novos, para justificar a tese que já vem da petição inicial, a saber, que a cláusula II do contrato celebrado é nula, sendo esta invalidade invocada como forma da autora contestar a resolução do contrato operada pela ré/apelada, exactamente com fundamento na violação da obrigação decorrente daquela cláusula.
No entanto, tem de reconhecer-se que a amplitude das alegações de recurso contrasta flagrantemente com os parcos elementos (de facto e de direito) aduzidos na petição inicial para fundamentar a aludida tese, sendo certo que na réplica a autora insistiu na argumentação aludida, mas trata-se de alegação imprestável porquanto por despacho judicial já transitado foram declarados como “não escritos os art. 1 a 173 da réplica” (fls 309 dos autos). Assim, ou essa ampliação se reconduz à invocação de matéria de facto e é irrelevante – matéria a que adiante aludiremos –, ou se reconduz simplesmente à invocação do direito aplicável e nessa estrita medida sempre esta Relação o deve conhecer oficiosamente (art. 664º do C.P.C.)
Por último, convém lembrar que o tribunal não está adstrito à apreciação de todos os argumentos apresentados pelas partes – leia-se, pela apelante –, mas tão somente aqueles que forem relevantes mo contexto da acção, ponderando o pedido formulado e a causa de pedir invocada (na petição inicial), sem que daí decorra qualquer omissão de pronúncia, como repetidamente se vem afirmando.
3. Não é objecto de controvérsia a qualificação jurìdica do contrato celebrado em 16 de Junho de 1996, entre J – a quem a autora sucedeu na actividade (nºs 16 e 17 dos factos provados) – e a ré – à data, …gás – contrato vertido no documento junto a fls. 53 a 56 dos autos, a que as partes sempre aludem, reflectindo a relação estabelecida entre a apelante e a apelada esses (mesmos) termos, como decorre dos nºs 10 a 13 dos factos assentes (cfr., ainda os nºs 16 a 26).
O contrato configura, pelas suas cláusulas, caracteristicamente, um contrato de concessão comercial [ [5] ].
Em sede de recurso, aceitando tal qualificação – que foi a proposta na petição inicial e a que a 1ª instância, profusamente, aludiu –, a apelante coloca o acento tónico em alguns aspectos do contrato, insurgindo-se contra os mesmos e invocando a ilicitude de algumas cláusulas que se reconduzem, na sua essência, à imposição de deveres de non facere (exclusividade), numa dupla vertente:
- na medida em que se proibe o concessionário de vender esse produto fora da respectiva “zona de influência”, fixada contratualmente (cláusula II do contrato, nº 11 alínea a) e nº 25 dos factos assentes);
- na medida em que se proibe o concessionário de vender gás que não seja aquele fornecido pelo concedente (cláusula III do contrato, nº 11 alínea c) dos factos assentes);
Paralelamente, a apelante alude ainda à política de preços praticada, indagando se as empresas “não devem ser livres para praticar preços tão baixos quanto queiram” e argumentando que “afinal, preços baixos é justamente o objectivo da política da concorrência” – cfr. fls. 10 das alegações de recurso.
Parece-nos que a cláusula XIII do contrato (nº 12, alínea j) dos factos provados), se contém ainda no âmbito da aludida exclusividade, estando directamente ligada à cláusula II, assegurando-lhe efectividade. Como refere José Alberto Vieira “a protecção territorial tornada possível em função da exclusividade acordada é susceptível de ser reforçada. Com efeito, a prática demonstrou a facilidade de iludir os mecanismos de exclusividade num dado sector. Um concessionário de uma zona vizinha praticava preços mais baixos, detinha um melhor acolhimento à clientela, por hipótese. O consumidor era levado a adquirir os produtos objecto da concessão não ao concessionário da zona onde residia, mas ao outro da circunscrição vizinha” [ [6] ].
Assim sendo, não se justifica qualquer análise autónoma da referida cláusula, análise que, diga-se, em bom rigor, a apelante também não invocou dever ser feita, nem em sede de recurso nem na petição inicial.
Sem prejuízo, considerando até que a principal questão colocada nos autos se prende, essencialmente, com a defesa da concorrência, tem de salientar-se que não há qualquer elemento no processo que permita conluir que a ré concedente fixou à autora concessionária preços mínimos de revenda do produto ou que, de alguma forma, tenha imposto preços mínimos. Efectivamente, pouco se retira da cláusula aludida, que é genérica e vaga – obrigação da autora “seguir as instruções da S… em tudo quanto respeitar aos preços de venda bem como à concessão de créditos e de descontos (cláusula XIII)” –, não tendo a autora invocado em concreto, na petição inicial, em que se consubstanciou essa política de preços. Sabe-se, no entanto, que a autora efectuou vendas estabelecendo preços diferentes para os seus clientes pelo que alguma liberdade teve na fixação dos preços de revenda – cfr. a factualidade assente sob os nºs 91 e 92, olvidando a autora que, pelo menos para o consumidor final, essa sua política de “preços baixos” não teve qualquer mais valia, configurando apenas uma forma da autora atrair o retalhista.
A autora também nunca questionou na petição inicial a validade da cláusula III do contrato.
Efectivamente, lendo a petição inicial verifica-se claramente que a mesma é omissa quanto a qualquer invocação de invalidade dessa cláusula, limitando a autora apelante a sua argumentação à invocação de ilicitude da cláusula II – e mesmo assim de forma muito limitada, porque feita siubsidiariamente, como adiante se verá.
Aliás, mesmo em sede de recurso a cláusula III é referida a latere, sem que a apelante suscite, de forma fundamentada, qualquer (outra) questão específica, como resulta das conclusões apresentadas – cfr. a conclusão 8ª, em que se alude à “exclusividade na compra e venda do gás”.
Assentamos, pois, que é sobre a cláusula II e as suas implicações que fundamentalmente tem de incidir a análise desta Relação, justificando-se uma breve referência à matéria alusiva à natureza das cláusulas de exclusividade inseridas nos contratos de concessão comercial.
*
A concessão comercial processa-se, necessariamente, num espaço geográfico, o território da concessão, ao qual são reportadas as obrigações assumidas pelas partes e é em atenção a este espaço que se fixará as quotas de venda, ou o coeficiente de penetração, a actividade promocional do concessionário, etc. (local do cumprimento) [ [7] ].
A questão que se coloca é saber se a cláusula de exclusividade – na medida em que impõe ao concessionário o desenvolvimento da sua actividade apenas numa determinada zona, que pode ser mais ou menos ampla (o país, uma região, uma cidade…) – é um elemento essencial e caracterizador do contrato de concessão, impondo-se, em nosso entender, responta negativa. Admitindo-se a relevância deste tipo de cláusulas nos contratos de cooperação, aos quais usualmente estão associadas, parece-nos no entanto que não se trata de elemento definidor do contrato, acompanhando-se Alberto Vieira quando o autor refere que “o contrato de concessão comercial não perde os seus traços básicos pela falta de exclusividade “ [ [8] ] [ [9] ]. Ou seja, estamos perante cláusula que é acessória, não fazendo parte do núcleo que define o contrato, o que não quer dizer que, no âmbito da relação negocial estabelecida entre as partes, tal cláusula não possa configurar um elemento determinante do negócio, sem o qual porventura este não teria sido concluído, avaliação que só pode ser feita perante a hipótese que concretamente se depara ao julgador, tratando-se de uma análise casuística.
O contrato em causa rege-se, em primeiro lugar, pelo programa definido pelas partes, depois, na falta de um regime próprio fixado na lei e atenta a proximidade das figuras negociais (analogia), no leque dos contratos de cooperação – enquanto contrato de distribuição –, aplicam-se as regras do contrato de agência [ [10] ]. Salienta-se que, precisamente no âmbito do contrato de agência a delimitação territorial ou subjectiva da actuação do agente deixou de ser um dos elementos essenciais do contrato, como decorre do art. 1º, nº1, do Dec. Lei 178/86 de 3 de Julho e por força das alterações introduzidas pelo Lec. Lei 118/93 de 13 de Abril [ [11] ].
Por último, considerando o tipo de acordo em causa situamo-nos no domínio da integração económica vertical: os acordos verticais envolvem agentes cuja actividade se processa nas diversas fases ou níveis da cadeia produção e comercialização do produto, no caso, um acordo de compra e venda de bens concluído entre a ré produtora e a autora distribuidora, aí se fixando os termos e condições em que as partes podem adquirir e revender determinado produto.
4. Como decorre da declaração de resolução do contrato, efectuada pela ré/apelada e vertida na carta que dirigiu à autora/apelante, o único fundamento aí invocado para a resolução [ [12] ] – logo, o único cuja averiguação e análise é pertinente, em nada relevando outras imputações de incumprimento enunciadas na contestação, já que não foram estas que motivaram a cessação do contrato – reconduz-se à violação da cláusula II do contrato.
Por virtude dessa cláusula, ficou o concessionário adstrito “a vender exclusivamente no concelho de …S…GÁS” – cfr. os nºs 8, alínea b), nº 12º, alínea a) e nº 25 dos factos assentes.
Na concreta configuração do contrato e nos moldes em que as partes aludem ao mesmo, vertidos na petição inicial e contestação, só podemos interpretar esta cláusula no sentido de que, através da mesma, o concedente impôs ao concessionário o desenvolvimento da sua actividade apenas no concelho de …, que constituía a sua zona de influência (art. 236º do Cód. Civil).
O contrato de compra e venda, como o de fornecimento, ultima-se com a entrega da coisa e pagamento do preço respectivo, nos prazos e lugares convencionados.
Daí que, necessariamente:
- a autora podia fornecer clientes de qualquer zona do país, desde que a entrega do produto se processasse no concelho de ..; Ou seja, nada impedia a autora de entregar gás a um cliente que se deslocasse às suas instalações ou ao seu armazém, sito em .., não incumbindo à autora indagar do domicílio/residência/estabelecimento do seu cliente;
- a autora não podia distribuir/entregar o produto fora do concelho de .. ainda que, porventura, o cliente estivesse domiciliado/estabelecido no concelho de ….
Parece-nos ser esse o sentido que melhor se coaduna à filosofia da presente concessão comercial, devendo entender-se a venda no sentido de entrega/distribuição – cfr. por exemplo o artigo 100º da contestação.
Nessa perspectiva, tem a apelante razão quando refere que, por força do referido contrato, a ré proibia a autora de revender o gás “em qualquer outro concelho do país”, à excepção de ….
No entanto, essa protecção territorial não incluia restrições às vendas passivas (são consideradas «vendas passivas», aquelas no âmbito das quais são os consumidores que tomam a iniciativa de procurar o distribuidor).
Anote-se que:
- A autora podia também vender a retalhistas e não apenas ao consumidor final – cfr. o nº19 dos factos provados;
- A ré não vendia directamente os seus produtos aos clientes das áreas do concelho confiado à autora – nº 26 dos factos provados;
- Durante os anos da vigência das relações comerciais entre a autora e a ré para o concelho de …, a ré durante esse lapso de tempo não nomeou outro revendedor para esse concelho, pese embora o pudesse ter feito, atento o calusulado – cfr. os nºs 13 e 41 dos factos provados.
5. A apelante invoca que “ao contrato resolvido é não só aplicável a Lei 18/2003, de 11 de Junho, mas também, directamente, os artigos 81º e 82º do Tratado e o Regulamento 1/2003, de 16 de Dezembro que introduziu alterações e modificou drasticamente o procedimento de aplicação desses artigos” – 14ª conclusão.
A aplicação do Direito Comunitário da Concorrência impõe-se aos Tribunais Nacionais sempre que se mostre verificado o condicionalismo subsumível ao critério enunciado no art. 81º do Tratado da Comunidade Europeia (TCE), diploma em vigor à data em que o contrato foi resolvido (Fevereiro de 2008) – que corresponde, em termos substanciais ao actual art. 101º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e, anteriormente, ao que dispunha o art. 85º do Tratado CEE [ [13] ] –, isto é, o critério da “afectação do comércio entre Estados – Membros (EMs)”.
Por força do Regulamento (CE) nº1/2003, publicado no JO em 04/01/2003, que entrou em vigor em 24 de Janeiro de 2003 [ [14] ] [ [15] ], os particulares podem invocar esse regime perante o Tribunal Nacional, sem necessidade de qualquer decisão comunitária prévia – cfr. os arts. 1º e 6º – [ [16] ] [ [17] ], impondo-se ainda que o tribunal atente no disposto no art. 3º [ [18] ] e proceda à aplicação uniforme do direito comunitário da concorrência – art. 16º [ [19] ].
*
Em parêntesis e independentemente da concreta aplicabilidade desse regime, questão a que adiante se aludirá, assinala-se que há uma notória convergência entre o Direito Europeu e o Direito Nacional – justificando, porventura, o recurso sistemático que é feito, nomeadamente pela ANC, aos ensinamentos da jurisprudência do TJ. Assim, e no que ao caso interessa:
O artigo 81.º do TCE, sob o Título VI (“As regras comuns relativas à concorrência, à fiscalidade e à aproximação das legislações”), Capítulo 1 (“As regras de concorrência”), Secção 1 (“As regras aplicáveis às empresas”), dispunha:
1. São incompatíveis com o mercado comum e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-membros e que tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum, designadamente as que consistam em:
a) Fixar, de forma directa ou indirecta, os preços de compra ou de venda, ou quaisquer outras condições de transacção.
b) Limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos.
c) Repartir os mercados ou as fontes de abastecimento.
d) Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência.
e) Subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de prestações suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm ligação com o objecto desses contratos.
2. São nulos os acordos ou decisões proibidos pelo presente artigo.
3. As disposições no n.º 1 podem, todavia, ser declaradas inaplicáveis:
— a qualquer acordo, ou categoria de acordos, entre empresas;
— a qualquer decisão, ou categoria de decisões, de associações de empresas; e
— a qualquer prática concertada, ou categoria de práticas concertadas, que contribuam para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos ou para promover o progresso técnico ou económico, contanto que aos utilizadores se reserve uma parte equitativa do lucro daí resultante, e que:
a) Não imponham às empresas em causa quaisquer restrições que não sejam indispensáveis à consecução desses objectivos.
b) Nem dêem a essas empresas a possibilidade de eliminar a concorrência relativamente a uma parte substancial dos produtos em causa [ [20] ].
Quanto ao direito interno, à data da resolução do contrato estava em vigor a Lei 18/2003 de 11 de Junho, que na SECÇÃO II (“Práticas proibidas”), estabelecia, no artigo 4ª, o seguinte:
1 - São proibidos os acordos entre empresas, as decisões de associações de empresas e as práticas concertadas entre empresas, qualquer que seja a forma que revistam, que tenham por objecto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional, nomeadamente os que se traduzam em:
a) Fixar, de forma directa ou indirecta, os preços de compra ou de venda ou interferir na sua determinação pelo livre jogo do mercado, induzindo, artificialmente, quer a sua alta quer a sua baixa;
b) Fixar, de forma directa ou indirecta, outras condições de transacção efectuadas no mesmo ou em diferentes estádios do processo económico;
c) Limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos;
d) Repartir os mercados ou as fontes de abastecimento;
e) Aplicar, de forma sistemática ou ocasional, condições discriminatórias de preço ou outras relativamente a prestações equivalentes;
f) Recusar, directa ou indirectamente, a compra ou venda de bens e a prestação de serviços;
g) Subordinar a celebração de contratos à aceitação de obrigações suplementares que, pela sua natureza ou segundo os usos comerciais, não tenham ligação com o objecto desses contratos.
2 - Excepto nos casos em que se considerem justificadas, nos termos do artigo 5.º, as práticas proibidas pelo n.º 1 são nulas.
E no art. 5º, sob a epígrafe “Justificação das práticas proibidas”:
1 - Podem ser consideradas justificadas as práticas referidas no artigo anterior que contribuam para melhorar a produção ou a distribuição de bens e serviços ou para promover o desenvolvimento técnico ou económico desde que, cumulativamente:
a) Reservem aos utilizadores desses bens ou serviços uma parte equitativa do benefício daí resultante;
b) Não imponham às empresas em causa quaisquer restrições que não sejam indispensáveis para atingir esses objectivos;
c) Não dêem a essas empresas a possibilidade de eliminar a concorrência numa parte substancial do mercado dos bens ou serviços em causa.
2 - As práticas previstas no artigo 4.º podem ser objecto de avaliação prévia por parte da Autoridade da Concorrência, adiante designada por Autoridade, segundo procedimento a estabelecer por regulamento a aprovar pela Autoridade nos termos dos respectivos estatutos.
3 - São consideradas justificadas as práticas proibidas pelo artigo 4.º que, embora não afectando o comércio entre os Estados membros, preencham os restantes requisitos de aplicação de um regulamento comunitário adoptado ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 81.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia.
4 - A Autoridade pode retirar o benefício referido no número anterior se verificar que, em determinado caso, uma prática por ele abrangida produz efeitos incompatíveis com o disposto no n.º 1 [ [21] ].
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Retomando a análise, a questão que ora se nos coloca é aferir do critério da afectação do comércio entre os Estados – Membros.
Como refere Miguel Sousa Ferro, a aplicação do critério da afectação implica três passos lógicos:
1º deve estar em causa uma actividade económica;
2º o acordo ou prática deve ser susceptível de afectar o comércio entre os Estados – Membros;
3º esta afectação deve ser “sensível” [ [22] ].
Não oferecendo dificuldade a aferição do primeiro parâmetro enunciado, quanto ao segundo vem a doutrina salientando, tendo por referência a jurisprudência do TJ [ [23] ], que:
- se trata de um critério neutro, isto é, pode ter um efeito benéfico ou prejudicial da concorrência;
- se trata de um critério que pode ser valorado tanto pelo lado da oferta como da procura;
- se pode tratar de um efeito actual ou, ao invés, de um efeito meramente potencial, exigindo-se apenas a prova da possibilidade de se verificar esse efeito;
- se presume a afectação do comércio entre os EMs “sempre que um acordo restritivo da concorrência diga respeito à totalidade do território de um Estado –Membro”[ [24] ];
Por último, a afectação do comércio entre os EMs deve ser sensível – “an appreciable extent”, “de maniere sensible” [ [25] ]–, sendo essa uma condição de aplicação do art. 81º, nº1 do TCE [ [26] ].
Estamos perante um conceito aberto [ [27] ], relevando a conformação que vem sendo feita pela jurisprudência comunitária, a par das Comunicações da Comissão [ [28] ] e os Regulamentos, sendo certo que se trata sempre de uma apreciação casuística, como vem sendo unanimemente entendido.
Assim, e não olvidando os contornos do caso em apreço – estamos perante um acordo vertical, estando em causa avaliar da prática restritiva consubstanciada na cláusula segunda, pela qual o concessionário tinha a sua actividade (revenda de um produto – gás – do concedente) limitada exclusivamente a uma zona do território, o concelho de … –, começamos por salientar a orientação expressa no acórdão do TJUE de 12 de Dezembro de 1967, Brasserie de Haecht/Wilkin, (processo 23/67), no sentido de que essa avaliação implica a necessidade de observar esses efeitos no quadro em que se produzem, isto é, no contexto económico e jurídico no qual esses acordos, decisões ou práticas se inserem e onde podem concorrer, com outros, para a produção de um efeito cumulativo sobre o jogo da concorrência [ [29] ] [ [30] ] [ [31] ].
Depois, relevam as comunicações que ao longo do tempo a Comissão Europeia foi efectuando [ [32]]: a Comunicação da Comissão de 3 de Setembro de 1986, relativa aos acordos de pequena importância que não são abrangidos pelo disposto no nº 1 do artigo 85º do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, in JO nº C 231 de 12/09/1986, depois a Comunicação da Comissão relativa à definição de mercado relevante para efeitos de direito comunitário da concorrência, in JO nº C 372 de 09/12/1997, substituída pela Comunicação da Comissão relativa aos acordãos de pequena importância que não restringuem sensivelmente a concorrência nos termos do nº 1 do artigo 81º do Tratado que institui a Comunidade Europeia (de minimis), in JO nº C368 de 22/12/2001 e presunções aqui estabelecidas [ [33] ], com base na quota de mercado [ [34] ], mantendo-se a definição de mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência que constava da Comunicação anterior [ [35] ], mercado relevante no âmbito do qual se deve apreciar uma determinada questão do ponto de vista da concorrência e que é determinado pela conjugação dos mercados do produto e geográfico [ [36] ][ [37] ].
Refira-se, ainda, a Comunicação sobre orientações relativas às restrições verticais, publicada no JO C- 291 de 13/10/2000 [ [38] ] , nomeadamente o que dispõem os nºs 8 a 11 [ [39] ] e a Comunicação sobre orientações sobre o conceito de afectação do comércio entre os Estados-Membros previsto nos artigos 81º e 82º do Tratado, in JO C 101/07, de 27/04/2004 [ [40] ], em particular o vertido nos nºs 44 [ [41] ], 45 [ [42] ], 46 [ [43] ], 47 [ [44] ], 48 [ [45] ] e 49 [ [46] ], bem como
da presunção negativa elidível (expressa pelo vocábulo “em princípio”) que consta do nº 52 (regra NASC) [ [47] ] e a presunção positiva elidível vertida no nº 53 [ [48] ].
Considerando que estamos perante um acordo vertical [ [49] ], há que atentar no Regulamento (CE) nº 2790/1999 DE 22 de Dezembro de 1999, da Comissão das Comunidades Europeias, publicado in JO L 336 de 29/12/1999, não se nos oferecendo qualquer dúvida que competiria à ré o ónus de alegação e prova do benefício da isenção por categoria, hipótese que não se coloca porquanto a ré nem sequer reconhece estarmos perante hipótese subsumível ao art. 81º, nº1. do Tratado CE [ [50] ].
Assim fixados os parâmetros de aplicação do direito comunitário, passemos agora à questão do reenvio prejudicial.
6. A apelante pretende que esta Relação submeta ao Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia, através do mecanismo do reenvio, as (seis) questões que enuncia a fls. 1211 e 1212.
Foi com vista a salvaguardar uma aplicação coesa e uniforme do direito comunitário que foi estabelecido esse mecanismo, quer para as questões de interpretação quer para as de validade de um acto de direito comunitário [ [51] ], sendo que o reenvio só é obrigatório nos casos em que, verificando-se os demais pressupostos para o reenvio prejudicial, o tribunal está a decidir em última instância [ [52] ].
No caso, entendemos que não tem cabimento o pretendido reenvio, por desnecessidade, tornando-se inútil, portanto, a análise de cada uma das questões sugeridas, algumas notoriamente inadmissíveis porquanto escapam à competência do TJ.
Efectivamente, o processo não fornece qualquer elemento que permita concluir que o caso em apreço configura uma hipótese em que o acordo celebrado entre as partes ou a prática em questão, pelo seu objecto ou efeitos – obrigação da autora vender os produtos do concedente exclusivamente no concelho de … – tenha a virtualidade (susceptibilidade) de afectar o comércio entre os Estados – Membros, na acepção a que supra se aludiu e com os parâmetros indicados, não podendo sustentar-se que estejam em causa relações transfronteiriças.
Consequentemente, não se perspectivando a aplicação de legislação comunitária, não há fundamento para o reenvio prejudicial.
É certo que, em sede de recurso e na tentativa de justificar a aplicação do direito comunitário, a apelante vem aduzir um conjuto de (novos) argumentos que se reconduzem, verdadeiramente, sob a capa de invocação de direito, a factos cuja articulação se impunha ter sido feita em tempo oportuno, aquando da apresentação da petição inicial, o que nos conduz à próxima questão a analisar até porque, pela mesma ordem de razões, se chega a idêntica conclusão aplicando o direito interno, quando se trata de aferir se tal prática tem por objecto e/ou efeito restringir de forma sensível a concorrência, o que não surpreende considerando a convergência dos dois regimes, como se disse.
7. Apreciando da invocada violação das leis de defesa da concorrência, refere a 1ª instância:
“No entanto para que estas clausulas de exclusividade fossem nulas, quer no âmbito comunitário, quer no âmbito do art.º 4 da Lei 18/2003, de 11 de Junho, era necessário que fosse alegado e demonstrado que estas clausulas de algum modo, falseassem, restringissem, impedissem, de forma sensível, a concorrência no mercado nacional ou comunitário.
Ora, nos termos das relações estabelecidas entre A. e R., nomeadamente no que se reporta à supra mencionada clausula II, dela resulta que o concessionário apenas pode vender na área designada (Conselho de …) que não poderá vender gás liquefeito que não lhe tenha sido fornecido pela então S.. e posteriormente pela R., mas que esta se reserva o direito de conceder a terceiros o direito de venda, se assim o julgar conveniente para o desenvolvimento da respectiva actividade.
Ou seja, estando o concessionário obrigado a vender exclusivamente naquela área, a então …, reservou-se o direito de poder nomear um terceiro para a mesma área, se o considerasse conveniente. Diga-se que tal direito constante deste contrato, não foi sequer alegado ter sido exercido e resultou que nunca o foi. De todo o modo, tal estipulação não é em si nula, por contrária à Lei de Defesa da Concorrência, quer nacional quer comunitária.
Nem desta estipulação, nem do alegado, resulta a existência de um acordo entre empresas com vista a falsear, restringir ou impedir a concorrência no mercado nacional (muito menos comunitário), pois que o concessionário, que pese embora actue em nome próprio integra a rede de distribuição do concessionário, está obrigado a todo um conjunto de deveres e obrigações, de entre as quais resulta a obrigação de revender naquela área e acatando as instruções, orientação e fiscalização da própria concedente.
Nem sequer está em causa uma relação transfronteiriça, que implica violação do Tratado CEE, nem sequer se suscita aqui qualquer princípio de defesa da concorrência no mercado comum, nem resultou que a concedente haja explorado abusivamente de uma posição dominante que tenha por objecto ou como efeito impedir, falsear ou restringir a concorrência.” (Ac. da R.L. de 10/02/2011 proferido no Proc. nº 5484/09.9 disponível para consulta in www.dgsi.pt – entendimento defendido no Acs STJ de 21.04.2005 (Pº 04B3868), e de 05.03.2009 (Pº 09B0297), disponíveis igualmente em www.dgsi.pt)
Nem em bom rigor a A. alega factos de onde resulte essa violação, limitando-se a concluir que esta existe porque a impede a ela de vender fora da área concessionada, impedindo ainda os restantes distribuidores de vender noutras áreas, embora não impedisse a concedente de revender na área atribuída à A., designando um terceiro para o efeito.
Tal não basta para podermos concluir que efectivamente este acordo e suas clausulas, fossem violadoras das normas de defesa da concorrência”.
Não podemos deixar de acompanhar este raciocínio, sendo inteiramente correcta a conclusão a que chegou o Sr. Juiz quando alude à insuficiência dos factos alegados pela autora/apelante para fundamentar juridicamente a invocada ilicitude da cláusula II – insiste-se, a pretensão dirigida à declaração de nulidade dessa cláusula do contrato, com fundamento em violação do Direito da Concorrência, é feita pelo distribuidor/concessionário para contestar a resolução do contrato efectuada pelo concedente, com fundamento no reiterado incumprimento da cláusula.
Vejamos.
Como refere Miguel Mendes Pereira, é “crucial definir o que se entende por concorrência, pois é esse o bem jurídico tutelado com a norma incriminadora. Em função do modelo de concorrência que se preconize, assim variará o conteúdo normativo do que se entenda ser uma sua restrição e o modo pelo qual esta deverá ser medida”[ [53] ], concordando-se ainda com o autor quando este refere que podemos afirmar “que a concepção actual de concorrência na Europa comunitária se inclina no sentido da concorrência eficaz fundada em preocupações de eficiência económica tendo em vista a maximização do bem estar do consumidor, dentro de limites de atomicidade fixados a priori” [ [54]].
No caso em apreço, está em causa saber se o acordo celebrado entre as partes tem por objecto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência (avaliação alternativa e não cumulativa), nomeadamente se tal acordo se traduz em “repartir os mercados ou as fontes de abastecimento” – art. 4º nº 1 e alínea d) da Lei da Concorrência [ [55] ] – sendo absolutamente evidente que o caso em apreço não tem qualquer aproximação, por mínima que seja, às hipóteses contempladas nas alíneas a) e c) do nº 1 desse preceito. A seguir-se a tese da apelante então a mera celebração do contrato de concessão comercial redundaria em contrato nulo, porquanto, pelo tipo e características desse negócio, tem de admitir-se algum grau de articulação entre o concedente e o concessionário quanto a inúmeros aspectos que vão conformar os contratos a celebrar pelo concessionário, daí que estejamos perante contratos de cooperação – na vertente da distribuição –, sendo essa a mais valia potenciada por esse tipo de contratos, sem prejuízo de se reconhecer que por vezes é ténue a linha de fronteira entre a cooperação e a dependência nos acordos de distribuição [ [56] ].
Volvendo à hipótese que verdadeiramente se coloca – a referida alínea d) do nº 1 do art. 4º –, temos de concluir que a factualidade dada como assente não permite resposta afirmativa.
Ao contrário do que a apelante refere, os factos dados como assentes não suportam a afirmação de que por força desse contrato “existe uma protecção absoluta” no território da concessão, com o inerente “isolamento total e absoluto do mercado”, uma vez que as restrições não incluem as vendas passivas, como atrás já analisámos, nem se provou que estejam associadas a qualquer estipulação de preços mínimos ou fixos, como também não se provou qualquer outro circunstancialismo susceptível de valoração no sentido pretendido [ [57] ] [ [58] ].
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Noutra vertente, atentemos no que a apelante repetidamente invoca nas alegações:
- A ré celebrou contratos de idêntico conteúdo – àquele celebrado com a autora – com todos os seus revendedores ou distribuidores que integram a sua rede de revenda;
- A ré proibiu e eliminou qualquer concorrência entre os membros da sua rede de revenda, que abarca todo o território nacional: cada revendedor ou distribuidor só pode vender na área que lhe foi concessionada pela ré, proibindo a ré toda e qualquer intromissão de qualquer outro seu distribuidor doutra área;
- A ré tem uma posição dominante ou qualificada no mercado da distribuição do gás em Portugal, com uma quota de mercado na ordem dos 36%;
- Existem outras redes paralelas a operar em Portugal, das marcas …P, R…l e E…. principais concorrentes da ré.
Este circunstancialismo não consta da factualidade dada como assente mas a apelante socorre-se do mesmo por via de dois mecanismos, a saber, relativamente a alguma matéria, argumenta que essa é “a única conclusão possível em face dos factos provados” e, quanto a outra, que estamos perante factos notórios. Por comodidade de raciocínio, começemos por este último ponto.
Quanto ao concreto posicionamento da ré apelada no mercado nacional do gás, a apelante alude à notoriedade dos factos, nos moldes que constam de fls. 1116 e 1143-1144 dos autos.
Os factos notórios não carecem de alegação nem prova, devendo considerar-se como tal os factos que são do conhecimento geral – art. 514º, nº1 do C.P.C.
“As doutrinas exactas são as que põem na base do facto notório a ideia do conhecimento. Facto notório é, por definição, facto conhecido. Mas não basta qualquer conhecimento; é indispensável um conhecimento de tal modo extenso, isto é, elevado a tal grau de difusão, que o facto apareça, por assim dizer, revestido do carácter de certeza.
Qual seja esse grau, eis o ponto de discórdia entre os processualistas.
Claro que o facto há-de ser do conhecimento do juiz da causa, dado que é ele que tem de o tomar em consideração. Mas é intuitivo que não pode qualificar-se de notório um facto conhecido unicamente do juiz ou de um círculo restrito ou particular de pessoas.
A notoriedade implica necessariamente a ideia de publicidade. Facto notório é, por essência, facto do conhecimento geral, facto conhecido do público” [ [59] ].
No caso, temos por absolutamente seguro que, abstraindo-nos das considerações genéricas e vagas feitas pela autora/apelante, que são irrelevantes, a quota de mercado da ré e o seu posicionamento no mercado, não constituem factos notórios, impondo-se a sua alegação e prova pela parte a quem aproveitam [ [60] ]. Acresce que, relativamente a esta matéria, não encontramos na petição inicial qualquer referência para além do que consta do art. 111º.
Quanto ao mais, a apelante, enunciando a factualidade dada por assente sob os nºs 4 a 7, 9, 14, 15, 34, 35 e 45 dos factos provados, termina indicando que “estes factos provados combinados com o sentido e alcance dos factos fundamento da resolução, permitem a conclusão absolutamente certa e segura de que a Ré celebrou contratos semelhantes com todos os membros distribuidores que integrem a sua rede de revenda, a qual opera em todo o território nacional”.
Ou seja, a apelante serve-se de um raciocínio presuntivo para firmar um facto desconhecido, fora dos parâmetros em que a lei o permite. As presunções são meios de prova admissíveis (art. 349º do Código Civil), pressupondo-se, no entanto, que o facto em causa tenha sido alegado pela parte a quem aproveita, no articulado respectivo, só assim sendo viável, a posteriori, por via de um juízo de inferência, aquando da produção de prova e subsequente julgamento da matéria de facto, dar tal facto como provado.
Não é esse o caso em apreço, como à evidência resulta da petição inicial. Aliás, a única factualidade vagamente relacionada com a matéria aludida foi levada aos quesitos 2º e 3º, que mereceram resposta restritiva, vertida no nº 45 dos factos provados, sendo certo que essa matéria até foi articulada num contexto completamente diferente, a saber, no âmbito da problemática das cláusulas contratuais gerais e uma vez que a autora invocou que o JGP… se limitou a aderir ao clausulado pre estabelecido pela ré – cfr. os arts. 14º a 16º da petição inicial.
No entanto, é a própria ré que invoca na contestação o seguinte:
“Sucede que todos os revendedores da R. apenas podem revender numa determinada área geográfica previamente fixada, estando todos sujeitos à cláusula contratual mediante a qual a R. se arroga a possibilidade de nomear outro revendedor para a área que lhes foi atribuída, nos termos acima expostos” – art. 244º.
“Pelo que inexiste, por parte da R. qualquer conduta discriminatória relativamente aos seus revendedores e muito concretamente relativamente à A.” – art. 245º.
“E não se diga que a fixação de áreas geográficas para a revenda do …Gás limita as escolhas dos consumidores, porquanto a escolha destes é entre marcas e não entre revendedores” – art. 246º.
Conjugando esta alegação da ré com a factualidade dada por assente sob os números 2 a 6, podemos, efectivamente, partir dos seguintes pressupostos de facto:
- a ré é uma sociedade comercial que se dedica, essencialmente, à pesquisa e exploração de petróleo bruto e gás natural, à refinação de petróleo bruto e seus derivados e ao transporte, distribuição e comercialização de petróleo bruto e seus derivados e gás natural, produzindo e comercializando os combustíveis e o gás que ostentam as marcas … e …. Gás;
- em ordem a organizar a distribuição e comercialização do …Gás, por forma a executar a sua política comercial, libertando-se dos riscos da comercialização, a ré possui uma estrutura de intermediação – “Rede de Revenda” – apta a fazer a colocação do … Gás no mercado de consumo;
- essa rede de revenda estende-se a todo o território nacional (Portugal);
- essa rede de revenda caracteriza-se pela celebração de um conjunto de contratos, associando a ré a uma pluralidade de revendedores (concessionários), cada um dos quais responsável pela distribuição e assistência técnica do … Gás numa área geograficamente delimitada;
- cada um desses revendedores apenas pode revender numa determinada área geográfica, previamente fixada, estando proibidos de revender fora dessa área;
Ou seja, podemos afirmar, como a apelante, que a rede de revenda da ré, espalhada por todo o território nacional, é organizada da mesma forma, tendo a ré celebrado com cada um dos seus revendedores contratos similares àquele objecto de análise, no que concerne à cláusula em causa.
Ainda assim, continuamos sem ter a dimensão desse mercado – nomeadamente as quotas de mercado e volume de negócios, bem como a posição dos vários interessados no mercado, nem em que moldes concretamente se processa a rede de revenda, para além do que acontece nos concelhos a que alude o nº 8 dos factos assentes –, ou seja, não temos elementos que permitam aferir da percentagem do mercado relevante abarcada pelo alegado efeito cumulativo desse conjunto de acordos [ [61] ].
E, assim sendo, não podemos afirmar que o acordo em causa ou a prática concertada entre a autora e a ré, pelo seu objecto ou pelos seus efeitos, restringiu de forma sensível a concorrência, traduzindo-se numa repartição de mercados a nível nacional ou local.
A apelante tem, notoriamente, essa consciência, tanto assim que termina as suas alegações de recurso da seguinte forma: “b) Para a hipótese de este Venerando Tribunal da Relação de Lisboa necessitar de informações ou parecer sobre questões relativas à aplicação das regras comunitárias de concorrência, nomeadamente sobre acordos de protecção do mercado nacional, quotas de mercado da Recorrida e das suas concorrentes congéneres, etc., a Recorrente requer expressamente e ao abrigo do art.º 15º do Regulamento 1/2003, a cooperação da Comissão e da Autoridade da Concorrência com este Tribunal”.
Com todo o respeito, a questão não se coloca a esse nível, nem se justifica minimamente que esta Relação determine que inicie nova fase de produção de prova, já que é verdadeiramente essa a dimensão da pretensão da autora quando alude “às quotas de mercado da Recorrida e das suas Congéneres”, elemento de análise que se nos coloca no domínio das questões de facto e não das questões de direito - no mais, ponderando o que se expôs a propósito da insuficiência de elementos que permitam concluir pela inaplicabilidade do Direito Comunitário ao caso em apreço, não tem sentido usar desse mecanismo de cooperação.
Efectivamente, não tem cabimento averiguar factos que nunca foram invocados pela autora na petição inicial.
A autora vem, em sede de recurso, articular factos novos – factos que, por isso mesmo, nunca foram objecto de ponderação pelo Sr. Juiz –, construindo a sua argumentação com base nesses factos e conformando a instância de forma substancialmente diferente daquela que resultava da petição inicial. Sendo a autora livre de enunciar os factos que integram a causa de pedir – auto responsabilidade das partes na recolha do material fáctico do processo –, deve no entanto fazê-lo no momento processual adequado, sob pena de preclusão desse direito [ [62] ]. Aliás, a mera leitura da petição incial é elucidativa quanto aos termos em que a autora estruturou a acção: começou por referir que não obstante as vendas dos revendedores G Lda, P Lda e da autora estarem limitadas às áreas de determinados concelhos, esta regra, imposta pela ré, não era observada há muitos anos, o que era do conhecimento da ré – arts. 53º, 54º, 96º a 98º, 105º –, chegando a afirmar que cada uma das zonas em causa é, como a ré indica um “concelho de influência”, donde “influência significa domínio, predomínio, concorrer…” (art. 108º), “não significa, pois, exclusivamente no sentido de só o revendedor desse concelho de influência nele exercer a sua actividade” (art. 109º), concluindo que “ainda que o contrato escrito de 1966 não tivesse caducado e se encontrasse em vigor, o que, aliás, apenas se admite por mera hipótese de raciocínio, sem conceder, a cláusula sobre exclusividade estaria há mais de 15 anos derrogada pelas circunstâncias da vida. Em 1966 não existia a actual Lei da Defesa da Concorrência” (art. 110º).
A indicação (cautelar) que por vezes é feita nesse articulado, de que a “cláusula escrita” em causa “viola há mais de 15 anos a Lei de Defesa da Concorrência e o Direito Comunitário” (art. 112º), para além do que decorre dos termos do acordo feito e da execução do mesmo, está contextualizada nos arts. 124º a 137º da petição inicial – em paralelo com a invocação de que a ré também não cumpriu o contrato, o que não releva para esta análise e nem sequer se mostra espelhado na factualidade assente.
Em suma, os elementos constantes dos autos não permitem concluir, com a mínima margem de segurança, que o acordo ou prática em causa, concertada entre o produtor e o distribuidor, é susceptível de afectar de forma sensível a concorrência (art. 4º, nº1 da Lei 18/2003 de 11 de Junho), sendo que competia à autora o ónus de alegação dos factos pertinentes, que fundamentam a causa de pedir, ónus que não logrou satisfazer.
Assim sendo, mais não resta senão confirmar a decisão da 1ª instância.
8. Considerando o que se expôs, é irrelevante apreciar da invocada nulidade parcial do contrato – na perspectiva da pretendida redução do negócio –, sem prejuízo de nos parecer absolutamente evidente que, também quanto a esta matéria, a apelante se limita a tecer juízos valorativos que não estão alicerçados em factos, uma vez que da factualidade considerada assente nada consta de relevante quanto a esta matéria, em ordem a apurar da vontade hipotética dos contraentes.
Conclusões:
1. Distingue-se entre questões e argumentos/razões, para concluir que é vedado à Relação, no âmbito do seu pronunciamento, conhecer de matéria nova, mas não de debater os argumentos avançados pelas partes.
2. A cláusula de exclusividade aposta num contrato de concessão comercial – na medida em que impõe ao concessionário o desenvolvimento da sua actividade apenas numa determinada zona, que pode ser mais ou menos ampla (o país, uma região, uma cidade…) – não é um elemento essencial desse contrato, pese embora a relevância deste tipo de cláusulas nos contratos de cooperação, aos quais usualmente estão associadas.
3. Essa cláusula, pela qual o concessionário ficou adstrito “a vender exclusivamente no concelho de … ….GÁS, confere uma protecção territorial que não inclui restrições às vendas passivas;
4. Do confronto entre o art. 81º do TCE e art. 4º da Lei 18/2003 de 11/06, diplomas em vigor à data em que o contrato foi resolvido – que têm actualmente correspondência, em termos substanciais, respectivamente, com o art. 101º do TFUE e art. 9º da Lei 19/2012 de 8 de Maio –, resulta uma notória convergência entre o Direito Europeu e o Direito Nacional a propósito das regras relativas à defesa da concorrência.
5. A aplicação do Direito Comunitário da Concorrência impõe-se aos Tribunais Nacionais sempre que se mostre verificado o condicionalismo subsumível ao critério enunciado no art. 81º do TCE, isto é, o critério da afectação sensível do comércio entre Estados – Membros.
6. Trata-se de conceito aberto, relevando a conformação que vem sendo feita pela jurisprudência comunitária, a par das Comunicações da Comissão e os Regulamentos, sendo certo que se trata sempre de uma apreciação casuística.
7. Foi com vista a salvaguardar uma aplicação coesa e uniforme do direito comunitário que foi estabelecido o mecanismo do reenvio prejudicial; Não se perpectivando que estejam em causa relações transfronteiriças nem, consequentemente, a aplicação de legislação comunitária, não há fundamento para o reenvio.
8. A inserção da cláusula de exclusividade aludida no contrato de concessão comercial não suporta a afirmação de que “existe uma protecção absoluta” no território da concessão, com o inerente “isolamento total e absoluto do mercado”, uma vez que as restrições não incluem as vendas passivas, nem estão associadas a qualquer estipulação de preços mínimos ou fixos
9. A quota de mercado de uma empresa e o seu posicionamento no mercado, não constituem factos notórios, para os efeitos a que alude o art. 514º, nº1 do C.P.C., impondo-se a sua alegação e prova pela parte a quem aproveitam.
10. Invocando o distribuidor/concessionário a nulidade da cláusula de exclusividade para impugnar a resolução do contrato efectuada pelo concedente (fundamentada na violação das obrigações decorrentes daquela cláusula), compete ao concessionário o ónus de alegação e prova de que o acordo ou prática em causa, concertada entre o produtor e o distribuidor, é susceptível de afectar de forma sensível a concorrência (art. 4º, nº1 da Lei 18/2003 de 11 de Junho).
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Por todo o exposto, acordam os juízes desta Relação:
1. Julga-se juridicamente irrelevante a alegação da apelante constante de fls. 1208 a 1210, desde a expressão “Com profundo espanto fica a recorrente” até “vender fora do território concedido a cada um deles”;
2. Julga-se inadmissível a apresentação do requerimento de fls. 1229 a 1231, ordenando-se o desentranhamento do mesmo e a entrega à apelante, após trânsito.
3. Indefere-se a pretensão de reenvio.
4. Julga-se improcedente a apelação, mantendo –se a sentença recorrida.
5.Condena-se a apelante no pagamento das custas da apelação, bem como nas custas relativas ao incidente a que se reportam os nºs 1 e 2, fixando-se a taxa de justiça em 3UC, nos termos do art. 7º, nº4 do Regulamento das Custas Processuais e de acordo com a tabela II anexa ao diploma, percentagem que se afigura correcta ponderando que a autora reincidiu nesta sua actuação, não se mostrando sensível a condenação anterior, por motivos similares - cfr. o despacho de fls. 308 e 309 dos autos.
6. Notifique.
Lisboa, 9 de Abril de 2013
Isabel Fonseca
Eurico José Marques dos Reis
Ana Grácio
---------------------------------------------------------------------------- [1] Miguel Almeida Andrade, Guia Prático do Reenvio Prejudicial, Gabinete de Documentação e Direito Comparado, Lisboa, 1991, p. 70. [2] Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 7º edição, Almedina, 2006, Coimbra, p.155. [3] “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, Reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 1984, p 143, a propósito da nulidade de sentença por omissão de pronúnica). [4] Ac. STJ de 29/11/2005, Proc. nº 05S2137 (Relator: Sousa Peixoto), acessível in www.dgsi.pt [5] Basicamente, “na concessão, um produtor fixa, com um distribuidor - o concessionário –, um quadro de distribuição que se norteia pelos seguintes parâmetros:
- um comerciante (o concessionário) insere-se na rede de distribuição de um produtor;
- adquire o produto em jogo, junto do produtor e obriga-se a vendê-lo, em seu próprio nome, na área do contrato” (Meneses Cordeiro, Manual de Direito Comercial, 2ª edição, 2009, Almedina, Coimbra, p. 673-674). [6]InO Contrato de Concessão Comercial, Reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p.37. [7] José Alberto Vieira, obr. cit. p. 39. [8] Ob. cit. p. 38. [9] Carlos Ferreira de Almeida in Contratos III, Contratos de Liberalidade, de Cooperação e de Risco, 2012, Almedina, Coimbra, p. 141 vai mais longe, considerando que “a indicação de uma zona de actuação e a atribuição nessa zona de direitos de exclusividade ao concessionário deixaram de ser elementos caracterísitcos dos contratos de concessão comercial, que se foram adaptando às leis de defesa da concorrência”. [10] Esse tem sido o entendimento quase unânime na doutrina e jurisprudência. Questionando essa “prática consolidada” vide Mariana Soares David, A Aplicação analógica do regime jurídico da cessação do contrato de agência aos contratos de concessão comercial: tradição ou verdadeira analogia?, in ROA, Ano 71, vol. 3, 2011-07. [11] Que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 86/653/CEE, procedendo a algumas alterações ao regime do contrato de agência, nomeadamente, a redacção do art. 1º. Efectivamente, na sua redacção original o art. 1º definia a agência como «o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, em certa zona ou determinado círculo de clientes, de modo autónomo e estável e mediante retribuição». Sobre esta alteração vide António Pinto Monteiro, Contrato de agência, Anotação, 3ª edição actualizada, Almedina, Coimbra, 1998, pp.42- 43. [12] Pese embora a referência que consta dessa comunicação à violação das cláusulas I, II, e III do contrato, o certo é que no texto não é imputado à autora qualquer conduta violadora senão a que se prende com a referida cláusula II. [13] A presente acção foi instaurada em 17/03/2009. [14] Com as alterações introduzidas pelo Regulamento (CE) nº 411/2004 do Conselho, de 26/02/2004, in JO L68 de 06/03/2004 (cfr. o art. 3º) e pelo Regulamento (CE) nº 1419/2006 do Conselho, de 25/09/2006, in JO L 269 de 28/09/2006 (cfr. o art. 2º), sendo que o primeiro revogou a alínea c) do art. 32º e o segundo suprimiu o próprio art. 32º. [15] Nos termos do artigo 45º, o Regulamento “entra em vigor 20 dias após a sua publicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias”, é “aplicável a partir de 1 de Maio de 2004” e “é obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados-Membros”. [16] Os artigos têm a seguinte redacção:
Artigo 1º
Aplicação dos artigos 81º e 82º do Tratado CE
1. Os acordos, as decisões e as práticas concertadas referidos no nº 1 do artigo 81º do Tratado que não satisfaçam as condições previstas no nº 3 do mesmo artigo são proibidos, não sendo necessária, para o efeito, uma decisão prévia.
2. Os acordos, as decisões e as práticas concertadas referidos no nº1 do artigo 81º do Tratado que satisfaçam as condições previstas no nº 3 do mesmo artigo não são proibidos, não sendo necessária, para o efeito, uma decisão prévia.
3. A exploração abusiva de uma posição dominante referida no artigo 82º do Tratado é proibida, não sendo necessária, para o efeito, uma decisão prévia.
Artigo 6º
Competência dos tribunais nacionais
Os tribunais nacionais têm competência para aplicar os artigos 81º e 82º do Tratado. [17] Cruz Vilaça dá-nos conta da imprecisão terminológica por vezes associada aos conceitos de aplicabilidade directa, efeito directo e efeito imediato das normas comunitárias na ordem jurídica interna (A propósito dos efeitos das directivas na ordem jurídica dos Estados-Membros, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº30, Novembro/Dezembro de 2001, pp-3-19). Refere o autor:
“ Proponho, então, as seguintes linhas de raciocínio quanto ao conteúdo a dar às noções em causa. (…) No entanto, se quisermos recuperar o termo através da atribuição de um conteúdo útil, poderemos ver o efeito imediato como um aspecto da noção de aplicabilidade directa, aquele aliás que permite explicar a razão pela qual o Tratado (arts. 189º/249º) só reconhece expressamente esta característica aos regulamentos. (…) A situação alterou-se, porém, com o Tratado da União Europeia, que, dando nova redacção ao art. 191º (actual art. 254º), estabeleceu o princípio da obrigatoriedade da publicação das directivas e das decisões de carácter geral. Neste contexto, a aplicabilidade directa, tal como entendeu o acórdão Varíola, não pode agora deixar de ser atributo partilhado por todas as formas de legislação comunitária.
Com efeito, todas elas compartilham da aptidão para integrar a ordem jurídica comunitária e desenvolver todos os efeitos que lhes são próprios (inclusive na ordem jurídica interna) pela sua simples adopção e publicidade de acordo com os mecanismos e procedimentos previstos no direito comunitário. Todas as normas comunitárias são pois directamente aplicáveis no sentido de que se inserem na ordem jurídica interna e aí desenvolvem os seus efeitos jurídicos (quaisquer que eles sejam) sem necessidade de qualquer acto ulterior de transformação, de incorporação, ou, sequer, de (re)publicação” (p.5). [18] Artigo 3º
Relação entre os artigos 81º e 82º do Tratado e as legislações nacionais em matéria de concorrência
1. Sempre que as autoridades dos Estados-Membros responsáveis em matéria de concorrência ou os tribunais nacionais apliquem a legislação nacional em matéria de concorrência a acordos, decisões de associação ou práticas concertadas na acepção do nº 1 do artigo 81º do Tratado, susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-Membros, na acepção desta disposição, devem aplicar igualmente o artigo 81º do Tratado a tais acordos, decisões ou práticas concertadas. Sempre que as autoridades dos Estados-Membros responsáveis em matéria de concorrência ou os tribunais nacionais apliquem a legislação nacional em matéria de concorrência a qualquer abuso proibido pelo artigo 82º do Tratado, devem aplicar igualmente o artigo 82º do Tratado.
2. A aplicação da legislação nacional em matéria de concorrência não pode levar à proibição de acordos, decisões de associação ou práticas concertadas susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-Membros mas que não restrinjam a concorrência na acepção do nº 3 do artigo 81º do Tratado, ou que reunam as condições do nº 3 do artigo 81º do Tratado ou se encontrem abrangidos por um regulamento de aplicação do nº 3 do artigo 81º do Tratado. Nos termos do presente regulamento, os Estados-Membros não estão impedidos de aprovar e aplicar no seu território uma legislação nacional mais restritiva que proíba actos unilaterais de empresas ou que imponha sanções por esses actos.
3. Sem prejuízo dos princípios gerais e de outras disposições do direito comunitário, os nº 1 e 2 não se aplicam sempre que as autoridades responsáveis em matéria de concorrência e os tribunais dos Estados-Membros apliquem a legislação nacional relativa ao controlo das concentrações, nem excluem a aplicação das disposições nacionais que tenham essencialmente um objectivo diferente do dos artigos 81º e 82º do Tratado. [19] Artigo 16º
Aplicação uniforme do direito comunitário da concorrência
1. Quando se pronunciarem sobre acordos, decisões ou práticas ao abrigo dos artigos 81.o ou 82.o do Tratado que já tenham sido objecto de decisão da Comissão, os tribunais nacionais não podem tomar decisões que sejam contrárias à decisão aprovada pela Comissão. Devem evitar tomar decisões que entrem em conflito com uma decisão prevista pela Comissão em processos que esta tenha iniciado. Para o efeito, o tribunal nacional pode avaliar se é ou não necessário suster a instância. Esta obrigação não prejudica os direitos e obrigações decorrentes do artigo 234.o do Tratado.
2. Quando se pronunciarem sobre acordos, decisões ou práticas ao abrigo dos artigos 81.o ou 82.o do Tratado que já tenham sido objecto de decisão da Comissão, as autoridades dos Estados-Membros responsáveis em matéria de concorrência não podem tomar decisões que sejam contrárias à decisão aprovada pela Comissão. [20] Art. 101º do TFUE (Capítulo 1, As regras de concorrência, Secção 1, As regras aplicáveis às empresas):
1. São incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-Membros e que tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno, designadamente as que consistam em:
a) Fixar, de forma directa ou indirecta, os preços de compra ou de venda, ou quaisquer outras condições de transacção;
b) Limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos;
c) Repartir os mercados ou as fontes de abastecimento;
d) Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência;
e) Subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de prestações suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm ligação com o objecto desses contratos.
2. São nulos os acordos ou decisões proibidos pelo presente artigo.
3. As disposições no n.º 1 podem, todavia, ser declaradas inaplicáveis:
- a qualquer acordo, ou categoria de acordos, entre empresas,
- a qualquer decisão, ou categoria de decisões, de associações de empresas, e
- a qualquer prática concertada, ou categoria de práticas concertadas,
que contribuam para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos ou para promover o progresso técnico ou económico, contanto que aos utilizadores se reserve uma parte equitativa do lucro daí resultante, e que:
a) Não imponham às empresas em causa quaisquer restrições que não sejam indispensáveis à consecução desses objectivos;
b) Nem dêem a essas empresas a possibilidade de eliminar a concorrência relativamente a uma parte substancial dos produtos em causa [21] O diploma foi revogado pela Lei nº 19/2012 de 8 de Maio, que estabelece, sob o Capítulo II (“Práticas restritivas da concorrência”), Secção I (“Tipos de práticas restritivas”), no artigo 9.º, (“Acordos, práticas concertadas e decisões de associações de empresas”) o seguinte:
1 - São proibidos os acordos entre empresas, as práticas concertadas entre empresas e as decisões de associações de empresas que tenham por objeto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional, nomeadamente os que consistam em:
a) Fixar, de forma direta ou indireta, os preços de compra ou de venda ou quaisquer outras condições de transação;
b) Limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos;
c) Repartir os mercados ou as fontes de abastecimento;
d) Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes, colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência;
e) Subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de prestações suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm ligação com o objeto desses contratos.
2 - Exceto nos casos em que se considerem justificados, nos termos do artigo seguinte, são nulos os acordos entre empresas e as decisões de associações de empresas proibidos pelo número anterior.
E no artigo 10.º (“Justificação de acordos, práticas concertadas e decisões de associações de empresas”):
1 - Podem ser considerados justificados os acordos entre empresas, as práticas concertadas entre empresas e as decisões de associações de empresas referidas no artigo anterior que contribuam para melhorar a produção ou a distribuição de bens ou serviços ou para promover o desenvolvimento técnico ou económico desde que, cumulativamente:
a) Reservem aos utilizadores desses bens ou serviços uma parte equitativa do benefício daí resultante;
b) Não imponham às empresas em causa quaisquer restrições que não sejam indispensáveis para atingir esses objetivos;
c) Não deem a essas empresas a possibilidade de eliminar a concorrência numa parte substancial do mercado dos bens ou serviços em causa.
2 - Compete às empresas ou associações de empresas que invoquem o benefício da justificação fazer a prova do preenchimento das condições previstas no número anterior.
3 - São considerados justificados os acordos entre empresas, as práticas concertadas entre empresas e as decisões de associações de empresas proibidos pelo artigo anterior que, embora não afetando o comércio entre os Estados membros, preencham os restantes requisitos de aplicação de um regulamento adotado nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
4 - A Autoridade da Concorrência pode retirar o benefício referido no número anterior se verificar que, em determinado caso, uma prática abrangida produz efeitos incompatíveis com o disposto no n.º 1. [22]In “A obrigatoriedade de aplicação do direito comunitário da concorrência pelas autoridades nacionais”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2007, vol. XLVIII- nºs 1 e 2, p. 307, salientando-se a vasta jurisprudência citada nesse estudo.
Mais recentemente cfr. o artigo do mesmo autor, “Práticas Restritivas da Concorrência: Súmula orientada para a prática judicial”, (Agosto de 2010), na sequência do Curso de Formação para Juízes em Direito Europeu da Concorrência, organizado pelo Instituto Europeu e pelo Instituto de Direito Económico, Financeiro e Fiscal da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, acessível em http://www.servulo.com/xms/files/publicacoes/Artigos_/MSF_Praticas_restritivas_da_concorrencia_08_09_2012.pdf. [23] Salienta-se o acórdão do TJ usualmente citado a este propósito – independentemente da concreta cláusula aí em questão, indiferente para o plano de análise que ora nos interessa –, de 30 de Junho de 1966, proferido no processo 56.65 – acórdão L.T.M.-M.B.U.–, que teve por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do art. 177º do Tratado da Comunidade Económica Europeia (CEE), sobre a interpretação do art. 85º, nº 1 do Tratado e dos regulamentos adoptados na sua aplicação e do nº 2 do mesmo artigo.
Pode ler-se nesse acórdão, acessivel em http://eur-lex.europa.eu/JURISIndex.do?ihmlang=pt., e citando-se a versão em língua portuguesa:
“Pede-se ao Tribunal que interprete o artigo 85ºnº1 para efeitos de apreciação de “contratos que não foram notificados” e que, sob determinadas condições, “atribuem um direito exclusivo de venda”.(...)
- Quanto à relação com o comércio entre Estados –membros.
Este acordo deve, além disso, ser susceptível de “afectar o comércio entre os Estados – membros”. Esta disposição esclarecida pela precisão liminar do artigo 85º, ao referir os acordos “incompatíveis com o mercado comum”, destina-se a fixar o campo de aplicação da proibição, mediante a exigência de uma condição previsional baseada na possibilidade de um entrave à realização de um mercado único entre os Estados – membros.
Com efeito, na medida em que o acordo pode afectar o comércio entre Estados- membros é que a alteração da concorrência provocada por este acordo é abrangida pelas proibições de direito comunitário contidas no artigo 85º, enquanto que, no caso contrário, essa alteração lhes escapa.
Para preencher este requisito, o acordo em causa deve, com base num conjunto de elementos objectivos de direito ou de facto, deixar prever, com suficiente grau de probabilidade, que pode exercer uma influência directa ou indirecta, actual ou potencial, sobre o desenrolar das trocas comerciais entre os Eatados – membros.
Consequentemente, para determinar se um contrato que inclui uma cláusula que “atribui um direito exclusivo de venda” está abrangido pelo campo de aplicação do artigo 85º, deve determinar-se se tal contrato, designadamente, torna possível repartir o mercado de determinados produtos entre os Estados-membros, tornando assim mais difícil a interpenetração económica pretendida pelo Tratado.
- Quanto à relação entre o acordo e a concorrência
Finalmente, para ser abrangido pela proibição do artigo 85º, nº1 o acordo em litígio deve ter “por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum”.
O carácter não cumulativo mas alternativo deste requisito, indicado pela conjunção “ou”, conduz, antes de mais, à necessidade de considerar o objecto do próprio acordo, tendo em conta o contexto económico no qual se integra.
As alterações da concorrência referidas no artigo 85º, nº1, devem resultar do próprio acordo ou de algumas das suas cláusulas.
Porém, se a análise das cláusulas não revelar um grau suficiente de nocividade em relação à concorrência, há que examinar então os efeitos do acordo e, para que o mesmo possa ser objecto de a proibição, exigir a reunião dos factores que determinam que a concorrência foi de facto impedida, restringida ou falseada de forma apreciável.
A concorrência deve, nese caso, ser apreciada no quadro real em que se produziria se não existisse o acordo controvertido.
A alteração da concorrência pode ser posta em dúvida, designadamente, se o acordo se revelar necessário à penetração de uma empresa numa zona em que não operava.
Assim, para apreciar se um contrato que contém uma cláusula que “atribui um direito exclusivo de venda” se deve considerar proibido por causa do seu objectivo ou do seu efeito, há que tomar em consideração, designadamente, a natureza e a quantidade limitada ou não dos produtos que são objecto do acordo, a posição e a importância do concedente e do concessionário no mercado dos produtos em causa, o carácter isolado do acordo controvertido ou, ao invés, a sua posição num conjunto de acordos, o rigor das cláusulas destinadas a proteger o exclusivo ou, pelo contrário, as possibilidades deixadas a outros circuitos comerciais relativamente aos mesmos produtos através de reexportações e de importações paralelas .(...).
O TJ “ pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas a título prejudicial pela cour d`appel de Paris, através da decisão de 7 de Julho de 1965, declara:
Em resposta à primeira questão
Os contratos que contêm uma cláusula “que atribui um direito exclusivo de venda” não reunem, pela sua simples natureza, os elementos constitutivos da incompatibilidade com o mercado comum, previstos no nº 1 do artigo 85º do Tratado.
Contudo, um contrato deste tipo, individualmente considerado, pode, em função de uma situação de facto determinada ou de cláusulas especiais, reunir esses elementos, desde que sejam preenchidas as seguintes condições:
1)O acordo que contém uma cláusula “que atribui um direito exclusivo de venda” deve ser celebrado entre empresas, independentemente da respectiva posição nas diversas fases do processo económico.
2)O acordo, para ser abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 85º, deve, com base num conjunto de elementos objectivos de direito e de facto, ser de molde a possibilitar uma previsão razoável que permita fazer recear que pode eventualmente exercer uma influência, directa ou indirecta, actual ou potencial, sobre a corrente das trocas comerciais entre Estados-membros, susceptível de criar entraves à realização de um mercado único entre os refridos Estados. A este propósito, deve, designadamente, analisar-se se o acordo é susceptível de compartimentar o mercado de determinados produtos entre os Estados –membros”.
3)Deve ter por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência.
Se o acordo de concessão exclusiva for considerado quanto ao seu objectivo, esta verificação deve resultar de todas ou algumas das suas cláusulas.
Se não preencher estes requisitos, o acordo deve então ser considerado quanto aos seus efeitos e deve permitir reconhecer que impede, restringe ou falseia de forma sensível a concorrência.
A este propósito, deve analisar-se, designadamente, o rigor das cláusulas constitutivas da exclusividade, a natureza e a quantidade dos produtos que são objecto do acordo, a posição do concedente e a do concessionário no mercado dos produtos em causa e o número de intervenientes no acordo, ou, se necessário, noutros acordos que façam parte da mesma rede”. [24] Sousa Ferro, obr, cit., p.313. Esclarece o autor, a p. 312: “Um dos erros mais frequentes na aplicação do critério da afectação do comércio entre Estados- Membros deriva da crença de que uma prática restrita às fronteiras nacionais não pode preencher aquele critério. Por isso mesmo, nunca será demais repetir: pode haver afectação ainda que o mercado geográfico relevante seja meramente nacional ou até sub-nacional. (...) Ou seja, sempre que um acordo restritivo da concorrência diga respeito à totalidade do território dum Estado-Membro, deve presumir-se a afectação do comércio entre os Estados – Membros. (...) Este princípio foi desenvolvido pelo Tribunal, que aplicou o mesmo raciocínio (foreclosure) ao efeito comulativo de um conjunto de acórdãos de exclusividade relativos à totalidade do território de um Estado – Membro e abarcando mais de 30% do mercado relevante”. [25] Expressões usualmente empregues nos acórdãos do TJ, como aconteceu no Ac.Sirena/EDA de 18 de Fevereiro de 1971, processo 40/70 e no Ac. Béguelin de 25 de Novembro de 1971, processo 22/71, acessíveis inhttp://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:61971CJ0022:EN:HTML; Refira-se que nem sempre tais expressões são correctamente traduzidas na versão Portuguesa, como aconteceu no referido acórdão Béguelin, em que se utilizou, de forma que temos por desajustada, a expressão, “notória” (“16C- Finalmente, para lhe ser aplicável a proibição do artigo 85º, o acordo deve afectar de forma notória o comércio entre Estados-membros e o jugo da concorrência”). [26] O que valia para o art. 85º do Tratado CEE como vale, actualmente, para o art. 101º, nº1 do TFUE. [27] Sobre os conceitos indeterminados vide Baptista Machado, Introdução ao Direito e Discurso Legitimador, 19ª Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2011, p. 113. [28] As comunicações da Comissão, pese embora a sua relevância para a percepção do direito comunitário, não têm efeitos jurídicos vinculativos para as autoridades e tribunais nacionais.
Com particular interesse veja-se o acórdão do TJ de 13 de Dezembro de 2012, processo C-226/11, JO 38/6 de 09/02/2013, tendo por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour de cassation (França), no processo Expedia Inc. contra a Autorité de la concurrence, em que o TJ declarou:
“ O artigo 101.°, n.° 1, TFUE e o artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE], devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que uma autoridade nacional em matéria de concorrência aplique o artigo 101.°, n.° 1, TFUE a um acordo entre empresas que seja suscetível de afetar o comércio entre Estados‑Membros, mas que não atinja os limiares fixados pela Comissão Europeia na sua Comunicação relativa aos acordos de pequena importância que não restringem sensivelmente a concorrência nos termos do n.° 1 do artigo 81.° [CE] (de minimis), desde que esse acordo constitua uma restrição sensível da concorrência no sentido dessa disposição”.
A decisão foi no sentido proposto pela Advogada-Geral, que apresentou as suas conclusões a 6 de Setembro de 2012, considerando que “é de partir do princípio de que a comunicação de minimis, por si só, não é susceptível de produzir efeitos jurídicos vinculativos”, pese embora acrescente que “seria desajustado negar-lhe toda e qualquer relevância jurídica no quadro dos processos em matéria de concorrência. É que os textos do tipo da comunicação de minimis têm a natureza de “soft law”, cuja importância no processo em matéria de concorrência – tanto a nível europeu como a nível nacional – não deve ser subestimada”.
No caso em análise o órgão jurisdicional de reenvio teve dúvidas quanto à questão de saber se os limiares das quotas de mercado instituídos pela Comunicação de minimis constituem uma presunção inilidível de falta de efeito sensível na concorrência. A questão prejudicial que havia sido colocada ao TJ era, precisamente, a seguinte:
«O artigo 101.°, n.° 1, […] TFUE e o artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que uma prática de acordos, de decisões de associações de empresas ou de concertação que é suscetível de afetar o comércio entre os Estados‑Membros, mas que não atinge os limiares fixados pela Comissão Europeia na sua comunicação [de minimis], seja objeto de um processo e punida por uma autoridade nacional da concorrência com o duplo fundamento do artigo 101.°, n.° 1, […] TFUE e do direito nacional da concorrência?»(acórdão acessível in Eur-lex.europa.eu). [29] Pode ler-se nesse acórdão:
“(...) ao proibir os acordos, decisões ou práticas, em razão não apenas do seu objecto, mas também dos efeitos que produzem na concorrência, o n.° 1 do artigo 85.° implica a necessidade de observar esses efeitos no quadro em que se produzem, isto é, no contexto económico e jurídico no qual esses acordos, decisões ou práticas se inserem e onde podem concorrer, com outros, para a produção de um efeito cumulativo sobre o jogo da concorrência.
Seria vão, com efeito, proibir um acordo, uma decisão ou uma prática devido aos seus efeitos, se estes devessem ser separados do mercado em que se manifestam e apenas pudessem ser analisados separados do feixe de efeitos, convergentes ou não, no seio dos quais se produzem.
Para se apreciar se está abrangido pela proibição do n.° 1 do artigo 85 ° um acordo não pode, portanto, ser isolado desse contexto, isto é, das circunstâncias de facto ou de direito de que resultem ter este por efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência.
Em relação a esse objectivo, a existência de contratos similares pode ser tida em consideração, na medida em que o conjunto dos contratos desse tipo seja de natureza a restringir a liberdade de comércio.
Finalmente, é apenas na medida em que os acordos, decisões ou práticas possam afectar o comércio entre os Estados-membros que a alteração do jogo da concorrência se inclui no âmbito das proibições comunitárias.
Para preencher essa condição, o acordo, a decisão ou a prática deve, com base num conjunto de elementos objectivos de direito ou de facto, permitir concluir que é susceptível de eventualmente exercer uma influência directa ou indirecta nos fluxos comerciais entre os Estados-membros, de contribuir para a compartimentação do mercado e de tornar mais difícil a interpenetração económica desejada pelo Tratado.
Portanto, para a apreciação desse elemento, o acordo, a decisão ou a prática também não pode ser separado de todos os outros no conjunto dos quais se insere.
A existência de contratos similares é uma circunstância que, com outras, pode formar o todo que constitui o contexto económico e jurídico no qual o contrato deve ser apreciado.
Embora essa situação deva, portanto, ser tida em consideração, não pode, contudo, ser por si só considerada como determinante.
Com efeito, apenas se trata aí de um elemento, entre outros, para se saber se, por meio de uma eventual alteração do jogo da concorrência, o comércio entre os Estados-membros é susceptível de ser afectado”. [30] O processo tinha por objecto um pedido dirigido ao Tribunal, destinado a obter uma decisão a título prejucidial sobre a inbterpretação do nº 1 do artigo 85º do Tratado. Suscitava-se a intervenção do Tribunal numa situação em que estavam em causa acordos por força dos quais os comerciantes se comprometeram, durante um determinado período de tempo, a abastecerem-se apenas junto de determinado fornecedor, com exclusão de todos os outros. O Tribunal pronunciou-se sobre a questão que lhe foi submetida, tendo declarado que:
“Os acordos pelos quais uma empresa se compromete a se abastecer apenas junto de uma outra empresa com exclusão de qualquer outra não reúnem, apenas por sua natureza, os elementos constitutivos da incompatibilidade com o mercado comum previstos no n.° 1 do artigo 85•° do Tratado. Podem, contudo, reuni-los quando, seja isoladamente seja em conjunto com outros, no contexto económico e juridico em que foram celebrados e com base num conjunto de elementos objectivos de direito e de facto, são susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-membros e tenham, por objecto ou por efeito, impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência”. [31] Com referência a essa jurisprudência, refere Miguel Sousa Ferro, obr cit. p. 318: “Daqui resulta que poderão preencher o critério da afectação, por exemplo, acordos de distribuição locais (aparentemente inconsequentes em si para o comércio entre E.M.s) se se inserirem num feixe de acordos idênticos, e isto inclui a ponderação de acordos de distribuição idênticos celebrados por outros produtores que não o visado no processo em curso (já que estes podem implicar o mesmo efeito de foreclosure do mercado)”. [32] Não cuidamos agora de diferenciar entre a afectação sensível do comércio entre EMs e o efeito sensível reportado à regra deminimis, matéria de que dá conta Miguel Sousa Ferro, obr. cit., p. 320, nota 195 –“(...) uma coisa é saber se o acordo em causa afecta sensivelmente as trocas entre os Estados-Membros (estando sujeito às normas do Tratado), outra é saber se produz um efeito sensível sobre a concorrência nesse mercado”.
Assinala-se, no entanto, que só com a Comunicação de 22/12/2001, é que se distinguem os dois planos, como expressamente decorre do seu nº 3, em que se refere:
“ Os acordos podem, ainda, não ser abrangidos pelo nº 1 do artigo 81º por não serem susceptíveis de afectar sensivelmente o comércio entre os Estados-Membros. A presente comunicação não aborda esta questão. Não quantifica o que não constitui um efeito sensível sobre o comércio. Reconhece-se, no entanto, que acordos entre pequenas e médias empresas, tal como definidas no anexo à Recomendação da Comissão 96/280/CE (3), são raramente susceptíveis de afectar o comércio entre Estados-Membros. Actualmente, as pequenas e médias empresas encontram-se definidas na referida recomendação como empresas que possuam menos de 250 trabalhadores e cujo volume de negócios anual não exceda 40 milhões de euros, ou o balanço total anual não exceda 27 milhões de euros”. [33] Em 2. da comunicação refere-se:“ Nesta Comunicação a Comissão quantifica, recorrendo a limiares de quotas de mercado, as restrições da concorrência que não são consideradas sensíveis nos termos do nº 1
do artigo 81º do Tratado CE. Esta definição, por defeito, do carácter sensível, não implica que os acordos entre
empresas que ultrapassem os limiares estabelecidos na presente comunicação restrinjam sensivelmente a concorrência. Tais acordos podem igualmente ter apenas um efeito negligenciável sobre a concorrência e por isso não serem proibidos pelo nº 1 do artigo 81º”. [34] Quanto aos acordos efectuados entre empresas não concorrentes, a Comissão considerou que os acordos entre empresas que afectam o comércio entre os Estados-Membros não restringem sensivelmente a concorrência na acepção do nº 1 do artigo 81º quando a quota de mercado de cada uma das partes no acordo não ultrapassar 15 % em qualquer dos mercados relevantes afectados pelo acordo – nº7, alínea b) –, sendo esse limiar reduzido para 5% nos casos contemplados no nº8, nomeadamente pelo o efeito de exclusão cumulativo provocado por redes paralelas de acordos que produzem efeitos semelhantes no mercado. [35] Refere-se no nº 2 da Comunicação de 09/12/1997: “2. A definição de mercado constitui um instrumento para identificar e definir os limites da concorrência entre as empresas. Permite estabelecer o enquadramento no âmbito do qual a Comissão aplica a política de concorrência. O principal objecto da definição de mercado consiste em identificar de uma forma sistemática os condicionalismos concorrenciais que as empresas em causa (2) têm de enfrentar. O objectivo de definir um mercado tanto em função do seu produto como em função da sua dimensão geográfica é o de identificar os concorrentes efectivos das empresas em causa susceptíveis de restringir o seu comportamento e de impedi-las de actuar independentemente de uma pressão concorrencial efectiva. É nesta óptica que a definição de mercado permite subsequentemente calcular as quotas de mercado, o que representa uma informação profícua em relação ao poder de mercado para apreciar a existência de uma posição dominante ou para efeitos de aplicação do artigo 85º”. [36] Nº 9 da Comunicação de 09/12/1997. [37]Nos termos do nº 7 e 8 da Comunicação de 09/12/1997, os mercados do produto relevante são definidos da seguinte forma:
«Um mercado de produto relevante compreende todos os produtos e/ou serviços considerados permutáveis ou substituíveis pelo consumidor devido às suas características, preços e utilização pretendida».
Os mercados geográficos relevantes são definidos da seguinte forma:
«O mercado geográfico relevante compreende a área em que as empresas em causa fornecem produtos ou serviços, em que as condições da concorrência são suficientemente homogéneas e que podem distinguir-se de áreas geográficas vizinhas devido ao facto, em especial, das condições da concorrência serem consideravelmente diferentes nessas áreas». [38] A comunicação foi depois substituída pela Comunicação publicada no JO C 130 de 19/05/2010, que estabeleceu Orientações relativas às restrições verticais no âmbito do art. 101º do TFUE. [39] Sob a epígrafe “Acordos verticais geralmente não abrangidos pelo nº 1 do artigo 81º”, consta o seguinte:
8) Os acordos que não sejam susceptíveis de afectar significativamente o comércio entre Estados-membros nem tenham por objecto ou efeito restringir de uma forma considerável a concorrência não são abrangidos no âmbito de aplicaçâo do nº1 do artigo 81º. O Regulamento de Isenção por Categoria só é aplicável aos acordos abrangidos no âmbito de aplicação do nº 1 do artigo 81. As presentes Orientações não prejudicam a aplicação da actual ou de qualquer futura Comunicação de minimis (1).
9) Sem prejuízo das condições estabelecidas nos nºs 11 e 12 da Comunicação de minimis relativas às restriçoes graves e aos efeitos cumulativos, os acordos verticais concluídos por empresas cuja quota no mercado relevante não ultrapasse 10 % são geralmente considerados como não abrangidos no âmbito de aplicação do nº1 do artigo 81º. Não há qualquer presunção de que os acordos verticais concluídos por empresas com uma quota de mercado superior a 10 % infrinjam automaticamente o nº 1 do artigo 81º. Mesmo os acordos entre empresas que ultrapassem o limiar de 10 % podem não ter um efeito considerável no comércio entre Estados-membros ou podem não constituir uma restrição significativa da concorrência. Tais acordos necessitam de ser apreciados no seu contexto jurídico e económico. Os critérios para a apreciação de acordos particulares são estabelecidos nos nºs 100 a 229.
(10) No que diz respeito às restrições graves definidas na Comunicação de minimis, o nº 1 do artigo 81º pode ser aplicável abaixo do limiar de 10 %, desde que exista um efeito considerável sobre o comércio entre Estados-membros e sobre a concorrência. A jurisprudência aplicável do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância é relevante neste aspecto. É feita igualmente referência à situação específica de lançamento de um novo produto ou à entrada num novo mercado, que é tratada no nº 111, ponto 10 das presentes Orientações.
(11)Por outro lado, a Comissão considera que, sem prejuízo dos efeitos cumulativos e das restrições graves, os acordos concluídos entre pequenas e médias empresas tal como definidas no Anexo da Recomendação nº 96/280/CE da Comissão só raramente são susceptíveis de afectar significativamente o comércio entre Estados-membros ou de restringir consideravelmente a concorrência, para efeitos do nº1 do artigo 81º, e não são, por conseguinte, geralmente abrangidos no âmbito de aplicação do nº 1 do artigo 81º, a Comissão ainda assim evitará normalmente dar início a processos devido à ausência de suficiente interesse comunitário, excepto se as empresas colectiva ou individualmente tiverem uma posição dominante numa parte substancial do mercado comum”. [40] Quanto ao nº 3 do artigo 81º do Tratado cfr. a Comunicação sobre orientações relativas à sua aplicação, in JO C 101/08 de 27/04/2004. [41] “2.4. O conceito de carácter sensível
2.4.1. Princípio geral
44. O conceito de afectação do comércio integra um elemento quantitativo que limita a aplicabilidade do direito
comunitário a acordos e práticas susceptíveis de produzir efeitos de certa magnitude. Não se inscrevem no âmbito de aplicação dos artigos 81º e 82º os acordos e práticas que, devido à fraca posição das empresas envolvidas no mercado dos produtos em causa, afectam o mercado de forma não significativa (29). O carácter sensível pode ser apreciado, nomeadamente, por referência à posição e à importância das empresas envolvidas no mercado dos produtos em causa (30)”. [42] “45. A avaliação do carácter sensível é função das circunstâncias específicas de cada caso, nomeadamente da natureza do acordo ou prática, da natureza dos produtos abrangidos e da posição de mercado das empresas em causa. No caso de, pela sua própria natureza, o acordo ou prática ser susceptível de afectar o comércio entre os Estados- -Membros, o limiar em termos de «carácter sensível» é mais baixo do que no caso de acordos e práticas que não são, pela sua própria natureza, susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-Membros. Quanto mais forte for a posição de mercado das empresas em causa, maior é a probabilidade de um acordo ou prática susceptível de afectar o comércio entre os Estados-Membros o vir a afectar de forma sensível (31)”. [43] “46. Numa série de processos relativos a importações e exportações, o Tribunal de Justiça considerou que o requisito de «carácter sensível» estava satisfeito quando as vendas das empresas em causa representavam cerca de 5 % do mercado (32). Contudo, a quota de mercado nem sempre foi considerada, por si só, o factor decisivo. É necessário ter igualmente em conta o volume de negócios das empresas relativo aos produtos em causa (33)”. [44] “47. Deste modo, o carácter sensível pode ser avaliado em termos absolutos (volume de negócios) e em termos relativos, através da comparação da posição da ou das empresas em causa com a dos demais operadores no mercado (quota de mercado). A atenção prestada à posição e à importância das empresas em causa é coerente com o conceito de «susceptível de afectar», que implica que a avaliação se baseie na possibilidade de o acordo ou prática afectar o comércio entre os Estados-Membros e não no impacto nos fluxos transfronteiriços efectivos de bens e serviços. A posição de mercado das empresas envolvidas e os respectivos volumes de negócios relativos aos produtos em causa fornecem indicações acerca da possibilidade de um acordo ou prática afectar o comércio entre os Estados-Membros. Estes dois elementos estão traduzidos nas presunções indicadas nos pontos 52 e 53 infra”. [45] “48. A avaliação do carácter sensível não requer, necessariamente, a definição dos mercados relevantes e o cálculo das quotas de mercado (34). As vendas de uma empresa, em termos absolutos, podem ser suficientes para se poder concluir que o impacto no comércio é sensível. É o que se verifica, nomeadamente, no caso de acordos e práticas que, pela sua natureza, são susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-Membros, por exemplo, porque dizem respeito a importações ou exportações ou porque abrangem diversos Estados-Membros. O facto de nessas circunstâncias o volume de negócios relativo aos produtos abrangidos pelo acordo poder ser suficiente para se concluir que existe um efeito significativo sobre o comércio entre Estados-Membros traduz-se na presunção positiva estabelecida no ponto 53”. [46] “49. Os acordos e práticas devem sempre ser considerados no contexto económico e jurídico em que ocorrem. No caso de acordos verticais, pode ser necessário ter em conta eventuais efeitos cumulativos de redes paralelas de acordos similares (35). Mesmo que um único acordo ou rede de acordos não seja susceptível de afectar de forma sensível o comércio entre os Estados-Membros, o efeito de redes paralelas de acordos, consideradas globalmente, pode afectá-lo. Para que tal aconteça, no entanto, é necessário que o acordo individual ou a rede de acordos contribua significativamente para o efeito global no comércio (36)”. [47] 52. A Comissão considera que, em princípio, não são susceptíveis de afectar sensivelmente o comércio entre os Estados- Membros os acordos que satisfaçam, cumulativamente, as seguintes condições:
a) A quota de mercado agregada das partes em qualquer mercado relevante na Comunidade afectado pelo acordo não ultrapassa 5 %, e
b) No caso de acordos horizontais, o volume de negócios anual agregado na Comunidade das empresas em causa (39) em relação aos produtos objecto do acordo não é superior a 40 milhões de euros. No caso de acordos respeitantes à compra conjunta de produtos, o volume de negócios relevante é o correspondente à compra agregada dos produtos cobertos pelo acordo.
No caso de acordos verticais, o volume de negócios anual agregado na Comunidade do fornecedor em relação aos produtos abrangidos pelo acordo não é superior a 40 milhões de euros. No caso de acordos de licença, o volume de negócios relevante será o volume de negócios agregado dos licenciados em relação aos produtos que incorporam a tecnologia licenciada e o volume de negócios do próprio licenciante em relação a tais produtos. Nos casos que envolvam acordos concluídos entre um comprador e diversos fornecedores, o volume de negócios relevante corresponde à compra agregada pelo comprador dos produtos cobertos pelo acordo.
A Comissão aplicará a mesma presunção se, em dois anos civis sucessivos, o limiar do volume de negócios não for excedido em mais de 10 % e o limiar da quota de mercado não for excedido em mais de 2 pontos percentuais.
Nos casos em que o acordo se refere a um mercado emergente ainda não existente e as partes, em consequência, não geram volume de negócios relevante nem acumulam qualquer quota de mercado relevante, a Comissão não aplicará esta presunção. Nestes casos, o carácter sensível poderá ter de ser apreciado com base na posição das partes em mercados do produto conexos ou na sua força a nível das tecnologias relativas ao acordo. [48] “53. A Comissão considerará ainda que, no caso de um acordo ser susceptível, pela sua própria natureza, de afectar o comércio entre os Estados-Membros, por exemplo porque diz respeito a importações e exportações ou porque abrange diversos Estados-Membros, existe uma presunção positiva elidível de que esses efeitos no comércio são sensíveis quando o volume de negócios das partes em relação aos produtos objecto do acordo, calculado da forma indicada nos pontos 52 e 54, for superior a 40 milhões de euros. No caso de acordos que pela sua própria natureza são susceptíveis de afectar o comércio entre Estados-Membros também se pode presumir muitas vezes que esses efeitos são sensíveis quando a quota de mercado das partes exceder o limiar de 5 % estabelecido no ponto anterior. No entanto, esta presunção não é aplicável quando o acordo abrange apenas parte de um Estado- -Membro; ver o ponto 90”. [49] Os acordos verticais podem, assumidamente, potenciar o aumento da eficiência económica no âmbito de uma cadeia de produção ou de distribuição, compensando efeitos anti-concorrenciais, como é expressamente referido nos considerandos do Regulamento. [50] O Regulamento caducou em 31 de Maio de 2010 e foi substituído pelo Regulamento (UE) nº 330/2010 da Comissão Europeia de 20 de Abril de 2010, publicado no JO L102, de 23/04/2010, agora com referência ao art. 101º, nº3 do TFUE. [51] Artigo 267º do TFUE (ex-artigo 234º do TCE):
O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:
a) Sobre a interpretação dos Tratados;
b) Sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.
Se uma questão desta natureza for suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional relativamente a uma pessoa que se encontre detida, o Tribunal pronunciar-se-á com a maior brevidade possível. [52] Ressalva-se o caso contemplado no acórdão do TJ de 22de Outubro de 1987, Foto-Frost, processo 314/85, em que se decidiu que “os órgãos jurisdicionais nacionais cujas decisões são susceptíveis de recurso judicial de direito interno podem apreciar a validade de um acto comunitário e, se não considerarem procedentes os fundamentos de invalidade que as partes invocam perante eles, podem rejeitar esses fundamentos concluindo que o acto é plenamente válido. Pelo contrário, os órgãos jurisdicionais, sejam as suas decisões susceptíveis ou não de recurso judicial de direito interno, não são competentes para declarar a invalidade dos actos das instituições comunitárias.
Esta solução é imposta, em primeiro lugar, pela exigência de uniformidade na aplicação do direito comunitário. Divergências entre os órgãos jurisdicionais dos Estados-membros quanto à validade dos actos comunitários seriam efectivamente susceptíveis de comprometer a própria unidade da ordem jurídica comunitária e de prejudicar a exigência fundamental de segurança jurídica.
É imposta, em segundo lugar, pela necessária coerência do sistema de protecção jurisdicional instituído pelo Tratado. Este, com efeito, por meio dos artigos 173.° e 184.°, por um lado, e 177.°, por outro, estabeleceu um sistema completo de vias de recurso e de procedimentos destinado a confiar ao Tribunal de Justiça a fiscalização” da legalidade dos actos das instituições. Atribuindo o artigo 173.° competência exclusiva ao Tribunal para anular um acto de uma instituição comunitária, a coerência do sistema exige que o poder de declarar a invalidade do mesmo acto, se ela for suscitada perante um órgão jurisdicional nacional, seja igualmente reservado ao Tribunal” (acessível http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:61971CJ0022:EN:HTML). [53]Lei da Concorrência Anotada, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, p. 97. [54] Obr. cit. p. 100. [55] A propósito da expressão “objecto” refere Miguel Mendes Pereira, obr. cit. p. 102, que a expressão não reflecte porventura com inteira fidelidade o sentido da expressão inglesa “object”, a qual, em rigor, aponta para o escopo ou propósito do acordo. [56] Como referem António Santos, Maria Eduarda Gonçalves e Maria Manuel Marques, “é precisamente em virtude do seu efeito rede que os acordos entre diferentes distribuidores e os seus fornecedores se tornam relevantes do ponto de vista da concorrência, discutindo-se se as suas vantagens, como instrumento de cooperação e de alargar o mercado, suplantam as desvantagens resultantes da restrição à concorrência que deles pode resultar” (Direito Económico, 6ª edição Revista e Actualizada, Almedina, Coimbra, 2013, p.256). Curiosamente, os autores apontam ainda que, actualmente, com o fenómeno do crescimento das grandes superfícies na distribuição, a questão começa a colocar-se ao nível das relações entre os múltiplos fornecedores e o distribuidor e não o inverso. [57] “A Comissão elaborou um conjunto de documentos que fornecem pistas para a identificação de restrições por objecto. Por regra, as restrições excluídas das isenções por categoria ou qualificadas como restrições graves nas Orientações e Comunicações tendem a ser identificadas como restrições por objecto. (…) No que toca a acordos verticais, são-no, designadamente, a imposição de preços mínimos ou fixos e a protecção territorial absoluta (quando incluam restrições às vendas passivas)” (Miguel Mendes Pereira, obr. cit., p. 103. [58] Com interesse, num caso em que estavam em causa relações transfronteiriças e no âmbito de acordos de distribuição, veja-se o tipo de análise, sustentada numa avaliação essencialmente económica, feita pela Comissão na decisão de 21 de Dezembro de 2000, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° do Tratado CE (Processo COMP.F.1/35.918 — JCB), JO L 69 de 12.3.2002, acessível in http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:61971CJ0022:EN:HTML;
A Comissão decidiu:
“Artigo 1º:
A JCB Service e suas filiais cometeram uma infracção ao artigo 81º do Tratado ao celebrarem acordos ou efectuarem práticas concertadas com distribuidores autorizados, cujo objecto consiste em restringir a concorrência no mercado comum por forma a repartir os mercados nacionais e proporcionar uma protecção absoluta nos territórios exclusivos, fora dos quais os distribuidores autorizados são impedidos de efectuarem vendas activas, e que incluem os seguintes aspectos:
a) Restrições sobre as vendas passivas por parte de distribuidores autorizados no Reino Unido, Irlanda, França e Itália, que incluem vendas a distribuidores não autorizados, utilizadores finais ou distribuidores autorizados localizados fora dos territórios exclusivos e, em especial, noutros Estados-Membros;
b) Restrições sobre as fontes de fornecimento, no que se refere às aquisições de produtos contratuais por distribuidores autorizados localizados em França e na Itália, o que impede o fornecimento cruzado entre distribuidores;
c) Fixação de descontos ou de preços de revenda aplicáveis pelos distribuidores autorizados no Reino Unido e em França;
d) Imposição de encargos de apoio ao serviço sobre as vendas a outros Estados-Membros, efectuadas por distribuidores autorizados fora dos territórios exclusivos no Reino Unido, por iniciativa da JC Bamford Excavators Ltd ou outras filiais da JCB Service, ou segundo escalas fixas por elas estabelecidas, fazendo assim com que a remuneração dos distribuidores dependesse do destino geográfico das vendas; e
e) Supressão dos subsídios em função do facto de as vendas no Reino Unido serem efectuadas dentro ou fora dos territórios exclusivos e de os distribuidores autorizados, em cujos territórios os produtos contratuais são utilizados, chegarem a um acordo com os distribuidores autorizados que procedem à venda, fazendo assim com que a remuneração dos distribuidores dependesse do destino geográfico das vendas.
Artigo 2º
O pedido de isenção apresentado pela JC Bamford Excavators Ltd em 30 de Junho de 1973 é consequentemente recusado.
Artigo 3º
A JCB Service e suas filiais deverão pôr termo às infracções referidas no artigo 1.o a partir da notificação da presente decisão. A JCB Service ou suas filiais, em especial a JC Bamford Excavators Ltd, devem, no prazo de dois meses a contar da notificação da presente decisão:
a) Informar os seus distribuidores autorizados na Comunidade de que podem efectuar vendas passivas a utilizadores finais e a distribuidores autorizados;
b) Alterar os acordos que celebraram com os seus distribuidores autorizados, quer permitindo as vendas passivas a distribuidores não autorizados dentro dos territórios exclusivos de outros distribuidores autorizados e vendas activas e passivas a distribuidores não autorizados dentro dos seus próprios territórios, quer autorizando vendas activas e passivas por distribuidores autorizados a outros distribuidores autorizados, utilizadores finais ou seus agentes devidamente designados, fora dos respectivos territórios exclusivos;
c) Alterar os acordos que celebraram com os seus distribuidores autorizados na Itália e em França permitindo aquisições de produtos contratuais junto de outros distribuidores autorizados na Comunidade e informar em conformidade todos os distribuidores autorizados na Comunidade;
d) Informar os seus distribuidores autorizados na Comunidade de que os pedidos provenientes das suas filiais, procurando obter encargos de apoio ao serviço junto de distribuidores autorizados, sem qualquer indício de desacordo prévio entre os distribuidores implicados, são nulos devendo ser ignorados;
e) Informar os seus distribuidores autorizados no Reino Unido que os subsídios concedidos ao abrigo do "Apoio Comercial às Transacções Múltiplas" são concedidos independentemente de as vendas serem efectuadas, respectivamente, dentro ou fora do território dos distribuidores, ou de ter sido celebrado um acordo com outros distribuidores fora do território; e
f) Enviar à Comissão cópias da correspondência supra e dos acordos alterados.
Artigo 4º
É aplicada à JCB Service uma coima de 39614000 euros, no que se refere às infracções referidas no artigo 1.o, excepto no que se refere às restrições às vendas a distribuidores não autorizados no Reino Unido, relativamente às quais não é aplicada qualquer coima.
Artigo 5º
A coima fixada no artigo 4.o deverá ser paga em euros no prazo de três meses a contar da data da notificação da presente decisão, na seguinte conta: Conta n.o ...-0029000-95 da Comissão Europeia junto do Banco Bilbao Vizcaya Argentaria BBVA, Avenue des Arts/Kunstlaan 4, B-1040 Bruxelas.
Decorridos três meses, vencerão automaticamente juros, à taxa de juro cobrada pelo Banco Central Europeu nas suas principais operações de refinanciamento, no primeiro dia útil do mês em que a decisão foi adoptada, acrescidos de 3,5 pontos percentuais, ou seja 8,32 %.
Artigo 6.o
No que se refere às obrigações referidas no artigo 3.o, será aplicada uma sanção pecuniária de 1000 euros à JCB Service Ltd relativamente a cada dia de atraso na aplicação da presente decisão. Tal atraso será contado a partir da data de termo do período de dois meses especificado no que se refere à aplicação.
Artigo 7.o
A JCB Service, Rocester, Staffordshire, England, UK-STI4 5JP é destinatária da presente decisão.
A presente decisão constitui título executório nos termos do artigo 256º do Tratado”.
Feito em Bruxelas, em 21 de Dezembro de 2000.
Pela Comissão
Mario Monti
Membro da Comissão [59] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 4ª Edição– Reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pp.259 e 260. [60] Quanto aos factos que têm vindo a ser rotulados pelos tribunais como factos notórios, vide a enunciação feita por Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, p. 429. [61] Atente-se no conjunto de elementos relevantes na óptica do TJ e de que nos dá conta o acórdão de 13 de Dezembro de 2012, processo C-226/11, JO 38/6 de 09/02/2013, a que supra se aludiu pode ler-se:
“21 O Tribunal de Justiça já declarou que a existência de uma restrição deste tipo deve ser apreciada em função do quadro real onde se insere esse acordo (v. acórdão de 6 de maio de 1971, Cadillon, 1/71, Recueil, p. 351, n.° 8, Colet., p. 115). Deve atender‑se, nomeadamente, ao teor das suas disposições, aos objetivos que visa atingir, bem como ao contexto económico e jurídico em que se insere (v. acórdão de 6 de outubro de 2009, GlaxoSmithKline Services e o./Comissão, C‑501/06 P, C‑513/06 P, C‑515/06 P e C‑519/06 P, Colet., p. I‑9291, n.° 58). Há também que tomar em consideração a natureza dos produtos ou dos serviços afetados e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado ou dos mercados em questão (v., neste sentido, acórdão Asnef‑Equifax e Administración del Estado, já referido, n.° 49).
22 No âmbito da sua apreciação, o Tribunal de Justiça considerou nomeadamente que um acordo de exclusividade, mesmo com uma proteção territorial absoluta, afeta o mercado em causa apenas de maneira insignificante, tendo em conta a fraca posição que os interessados ocupam nesse mercado (v. acórdãos, já referidos, Völk, n.° 7, e Cadillon, n.° 9). Noutros casos, em contrapartida, o Tribunal de Justiça não se baseou na posição dos interessados no mercado em causa. Assim, no n.° 35 do acórdão Bagnasco e o., já referido, o Tribunal de Justiça considerou que um acordo entre os membros de uma associação bancária que, quando da abertura de um crédito em conta corrente, excluía a faculdade de escolher uma taxa de juro fixa não pode ter uma influência restritiva sensível na concorrência, uma vez que a variação da taxa de juro depende de elementos objetivos, tais como as alterações ocorridas no mercado monetário”. [62] Sobre os princípios da preclusão e da auto-responsabilidade das partes cfr. Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais à luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 1996, Coimbra, pp.145-147.