RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
RECURSO
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE
Sumário

1. É de admitir reclamação para a conferência da decisão proferida pelo relator, que incidiu sobre despacho proferido pela 1ª instância – recondutível a uma não admissão de recurso.
2. Proferida decisão em processo judicial de promoção e protecção (art. 121 Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo aprovada pela Lei nº 147/99 de 1 de Setembro, com as alterações resultantes da Lei 31/2003, de 22 de Agosto) é de 15 dias o prazo de interposição de recurso (motivado);
3. Sendo junto, posteriormente, um relatório do IML alusivo a exame pericial psicológico alusivo à mãe dos menores, deve considerar-se como sendo de expediente e, por isso, irrecorrível, o seguinte despacho:
“Fls. 747 e ss: Proceda ao pagamento conforme solicitado.
Pese embora o relatório ora junto venha apenas reafirmar os factos já dados como provados na sentença proferida nada alterando sobre a decisão proferida, notifique os sujeitos processuais daquele”.

Texto Integral

Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa

1. RELATÓRIO
Na presente acção de promoção e protecção instaurada pelo Ministério Público e relativa aos menores C, CD e L, realizou-se o debate judicial, em 23/11/2012, tendo o Ministério Público proposto a aplicação da medida de acolhimento institucional com vista à adopção.
Foi, então, proferida decisão, que concluiu nos seguintes termos:
“Assim e face ao exposto, decide-se aplicar a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção (em separado), ao abrigo do disposto no art. 35º, nº1 alínea g) da LPPCJP, mantendo-se a instituição a quem se confiou os menores. Designa-se como curador provisório a/o director/a da instituição a quem se encontram confiados, nos termos do art. 167º, nº2 da OTM.
Como é decorrência do art. 1978º-A do C.Civil ficam os progenitores inibidos do poder paternal dos menores. Mais se suspendem de imediato as visitas dos progenitores bem como da demais família biológica aos menores, nos termos do art. 62º-A, nº2 da LPPCJP.
O acompanhamento da medida, de acordo com o disposto no art. 59º da LPPCJP será concretizado pela ECJ. Registe e notifique.
Transitada em julgado a presente sentença, solicite informação aos serviços de adopção sobre as diligências efectuadas no sentido de encontrar família adoptiva, com a advertência de que os menores deverão ser adoptados por famílias distintas”.
O progenitor, nesse acto representado por mandatário judicial, requereu nos seguintes termos:
“O progenitor não se conformando com a decisão acabada de notificar, vem interpor recurso da mesma para o Tribunal da Relação de Lisboa.
O recurso deve ter efeito suspensivo e subir de imediato nos próprios autos”.
Tendo o Sr. Juiz proferido o seguinte despacho:
“Aguardem os autos a junção das alegações”.
Após o que, consignando-se a entrega de cópia da decisão aos intervenientes processuais presentes, foi o debate declarado encerrado.
Em data posterior foi junto ao processo pelo IML um relatório de exame pericial psicológico alusivo à mãe dos menores, E (cópia de fls. 32-55 destes autos de reclamação).
Em 13/12/2012 foi proferido o seguinte despacho (fls. 773 do processo):
“Fls. 747 e ss: Proceda ao pagamento conforme solicitado.
Pese embora o relatório ora junto venha apenas reafirmar os factos já dados como provados na sentença proferida nada alterando sobre a decisão proferida, notifique os sujeitos processuais daquele”.
Em 21/12/2012, foi proferido o seguinte despacho (fls. 779 do processo):
“Atento o disposto nos arts. 124º da LPPCJP e 691º, nº5 do C.P. Civil, considera-se deserto o recurso e logo transitada em julgado a decisão final já proferida. Cumpra a mesma”.
Em 24/12/2012, o pai dos menores apresentou alegações, concluindo nos seguintes termos:
“…”.
Por requerimento em que foi aposto o carimbo de entrada com data de 02/01/2013 (fls. 874 do processo e 148 desta reclamação) veio o pai do menor interpor recurso, com alegações, nos seguintes termos:
“…”.
Em 08/01/2013 foi proferido o seguinte despacho (fls. 887 do processo):
“Fls.780 e ss.: O prazo de recurso nos termos do disposto nos art. 124° da LPPCJP e 691°, n.° 5 do C.P.Civil, é de quinze dias. Em conformidade com tais normas foi julgado deserto o recurso interposto em sede de acta de leitura da decisão final.
A fls. 874 e ss. depois de notificado o progenitor do despacho de fls. 779 que considerou deserto o recurso, veio o mesmo invocar que o despacho proferido a fls. 773 faz uma apreciação sobre o fundo da questão e portanto integra a decisão final proferida e só desde a prolação do mesmo pode iniciar-se a contagem do prazo de recurso. Ora, tal entendimento não merece qualquer acolhimento na medida em que tal despacho, muito pelo contrário, ressalta que o relatório entretanto junto nada altera sobre a decisão proferida anteriormente, mantendo-se a mesma. Logo improcede a argumentação expendida para justificar a extemporaneidade das alegações apresentadas e portanto, mantém-se o despacho já proferido que julgou deserto o recurso”.
Não se conformando, veio o pai dos menores apresentar reclamação “nos termos do art. 688º do C.P.C.”, concluindo que “devem ser admitidos os recursos interpostos em 23/11/2012 e motivado em 24/12/2012 e em 01/01/2013, invocando, em síntese, que:
- O prazo para apresentação de alegações não é de 15 dias – prazo previsto no art. 691º, nº 5 do C.P.C. –, mas de 30 dias, nos termos do art. 685º, nº1 do C.P.C., pelo que esse prazo terminou no dia 23/12/2012, domingo, transferindo-se para o primeiro dia útil seguinte, dia em que as alegações de recurso deram entrada no tribunal, por fax, pelo que o recurso interposto da decisão proferida é tempestivo;
- O mesmo se diga do segundo recurso interposto, ainda que o prazo previsto no art. 691º, nº5 do C.P.C. fosse aplicável, o que se admite para mero efeito de raciocínio e sempre sem conceder. Na verdade, no despacho de fls. 773 faz-se uma apreciação sobre o mérito da causa pelo que pronunciando-se sobre o fundo da questão – ainda que estejamos perante uma apreciação de mérito pela negativa –, integra a decisão de 23/11/2012, acabando ambas por formar uma só;
- Do que resulta que um recurso sobre o conjunto formado pelas duas decisões só poderia ser interposto depois da notificação do despacho de fls. 773, o que aconteceu, como ficou referido, em 21/12/2012;
- O recurso sobre o conjunto destas duas decisões foi interposto em 02/01/2013, isto é, no décimo segundo dia após a notificação efectuada pelo que o “recurso assim interposto – o segundo, e não o único, como erradamente se indica no despacho reclamado – é tempestivo, mesmo que se considerasse, no que não se concede, o prazo de 15 dias previsto no art. 691º, nº5 do C.P.C.;
- E não poderia o ora reclamante impugnar por via de recurso o conjunto das duas decisões, a de fls. 773 e a de 23/11/2012, sem pôr também em crise o prematuro despacho de fls. 779;
- Que foi também objecto de recurso em 02/01/2013 pelas razões aí deduzidas e agora objecto da presente reclamação.
Em 28/01/2013 proferiu-se o seguinte despacho:
“F1s.889 e ss.: Admite-se a reclamação, nos termos do art. 688° do C.P.Civil. Autue por apenso dando cumprimento ao disposto no n.° 3 do art. 688° do C.P.Civil, abrindo vista ao M.P. (para os efeitos do n.° 2 do art. 688° do C.P.Civil) e após remeta ao Tribunal da Relação de Lisboa”.
Remetido o processo a esta Relação, proferiu-se a decisão que antecede, que indeferiu a reclamação, por despacho do relator.
Não se conformando, vem o pai dos menores “reclamar da mesma para a conferência, ou, subsidiariamente, interpor recurso de revista”, concluindo nos seguintes termos:
“a) A regra de que a decisão que aprecie a reclamação sobre a não admissão de um recurso é insindicável constava do artº 689°, nº 2, do C.P.C. e foi revogada pela reforma de 2007.
b) Assim, a decisão singular desta Relação de 05/03/2012 é sindicável.
c) E sê-lo-á por via de reclamação para a conferência ou por via de recurso, já que a todo o direito corresponde uma acção.
d) Não obstando a tal a regra da «dupla conforme» porquanto se está em presença de «interesses de particular relevância social».
e) É que o objecto dos presentes autos incide na manutenção do vínculo biológico entre pai e filhos, em alternativa a sua quebra e a determinação da adopção dos filhos menores do ora impugnante.
f) O despacho de fls. 773 não é mero expediente, pouco importando se deveria ou não ter-se limitado a ordenar a notificação de um documento às partes.
g) Porque não o fez, antes emitindo um juízo de valor sobre o fundo da causa, objecto do litígio, o despacho não poder ser de mero expediente.
h) E porque não é de mero expediente, o mesmo era recorrível, tendo sido cumprido o prazo para a interposição do respectivo recurso.
i) Com o que o recurso interposto em 02/01/2013 deveria ter sido admitido, quer em 1ª instância, quer na decisão singular ora impugnada.
j) Foram violadas as normas constantes dos arts. 677°, 678°, 679°, 685°-C, 688° e 691° do C.P.C.
Termos em que, recebida a presente reclamação, deve ser proferido Acórdão sobre a matéria apreciada na decisão singular impugnada.
Assim não se entendendo, deve ser considerado interposto recurso de revista da decisão impugnada, a qual deve ser revogada e substituída por outra que admita o recurso interposto em 1ª instância, com o que se fará a habitual Justiça!”
Cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO
Releva o circunstancialismo supra enunciado.

III. FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Ponderando as questões suscitadas em sede de reclamação e tendo por referência os recursos interpostos pelo reclamante, cumpre apreciar:
- da reforma introduzida pelos Dec. Leis 303/2007 de 24/08 e 34/2008 de 26/02;
- do mecanismo processual da reclamação previsto no art. 688º do C.P.C.: a adequação formal; 
- do mecanismo processual da reclamação previsto no art. 688º do C.P.C.: da admissibilidade de reclamação para a conferência;
- do alcance do despacho proferido em 13/12/2012;
2. Os autos a que se reporta a presente reclamação configuram um processo judicial de promoção e protecção, seguem a tramitação prevista na Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo aprovada pela Lei nº 147/99 de 1 de Setembro, com as alterações resultantes da Lei 31/2003, de 22 de Agosto – diploma a que se aludirá quando não se fizer menção de origem.
Não consta deste apenso de reclamação qualquer indicação alusiva à data de instauração da acção mas parece-nos podermos concluir que o processo data de 2011, a avaliar pelo respectivo número de identificação, o que é consentâneo com o que foi dado como assente no número 2 da decisão proferida, em que se refere que a situação dos menores foi sinalizada em Março de 2010.
Assentamos, pois, que o processo segue o (novo) regime processual recursivo introduzido pelos Dec. Leis 303/2007 de 24/08 e 34/2008 de 26/02, evidenciando-se:
- A eliminação do recurso de agravo; A impugnação da decisão passa a ser feita por via do recurso de apelação, quer se trate de decisão que incide sobre o mérito da causa quer aprecie meras questões de forma (art. 691º do C.P.C.);
- As alegações de recurso acompanham o requerimento de interposição de recurso (art. 684º-B do C.P.C), seguindo-se o modelo já adoptado em sede laboral;
- O prazo para interposição de recurso é de 30 dias salvo nos processos urgentes, que é de 15 dias e nos demais casos previstos na lei; A tal prazo acrescem 10 dias se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada (arts. 685º, nº1 e 7 e 691º nº5 do C.P.C.).
Do despacho de não admissão do recurso cabe reclamação, nos termos do art. 688º do C.P.C..
É certo que podia discutir-se se a hipótese em apreço – em que nem sequer foi aberta a instância recursiva porquanto não tinha sido proferido qualquer despacho, como resulta da acta alusiva ao debate –, é subsumível ao disposto no art. 688º do C.P.C. uma vez que no despacho proferido em 08/01/2013, que motivou a presente reclamação, o Sr. Juiz não emitiu qualquer determinação que se reconduza à não admissão do recurso, limitando-se a manter o juízo anteriormente feito, que julgou deserto o recurso.
Propendemos para considerar admissível a reclamação, em casos como o dos autos.
Estando em causa a apresentação tardia de alegações, a situação é equiparável, quando aos seus efeitos, à falta de apresentação, sendo que a apresentação de um recurso sem motivação dá azo, em nosso entender, à prolação de despacho de indeferimento – não admissão – do recurso, nos termos do art. 685º-C, nº2, alínea b) do C.P.C..
É nesse contexto que deve ser entendido o despacho do Sr. Juiz que julgou deserto o recurso, ao abrigo do disposto no art. 291º, nº2 do C.P.C. supõe-se, não se nos colocando qualquer dúvida quanto à possibilidade da parte afectada impugnar esse despacho, seja por via de recurso seja por via de reclamação, uma vez que “a deserção dos recursos tem também efeito extintivo da instância, com a consequência da plena eficácia da decisão recorrida” [ [1] ].
Recorde-se que nos termos do art. 688º, nº5, do C.P.C., na redacção anterior à reforma, se em vez de reclamar a parte impugnasse o despacho por via de recurso mandar-se-ia seguir “os termos próprios da reclamação”, não sendo significativo que a redacção introduzida com a reforma não contemple disposição similar, a que sempre se chegaria por via da analogia com o erro na forma de processo.
Justifica-se, pois, a apreciação dessa impugnação como se de reclamação se tratasse e não recurso estando em causa apenas questão de adequação processual.
3. Coloca agora o reclamante questão alusiva à impugnação dessa decisão do relator, considerando que a mesma é admissível seja por via de reclamação para a conferência, seja por via de recurso de revista que, subsidiariamente, diz interpor.
Afastamos, claramente, a possibilidade de recurso de revista porquanto, como decorre do art. 721º do C.P.C. a revista cabe exclusivamente do acórdão da Relação, ou seja, de uma decisão colegial (art. 156º, nº3 do C.P.C.), o que não acontece no caso uma vez que se trata de decisão do relator e, por outro lado, em termos substanciais, ainda que de acórdão se tratasse, a situação não se enquadra no disposto nos números 1 e 2 do citado preceito – para o efeito e ao contrário do que refere o reclamante não releva a circunstância de não se encontrar no novo regime disposição similar à do anterior artigo 689º, nº2 do C.PC.C..
Saliente-se que, seja por via do despacho do relator seja por decisão colegial, sendo esta Relação chamada a pronunciar-se sobre os despachos da 1ª instância que incidiram sobre os requerimentos em causa, fica assegurado o duplo grau de jurisdição.
Entendemos, no entanto, e como o reclamante defende em primeira linha, que é admissível a reclamação para a conferência.
Como referem Luís Mendonça e Henrique Antunes “[p]ode, na verdade, discutir-se se a decisão do relator pode, por sua vez, ser objecto de impugnação por meio de reclamação para a conferência.
De harmonia com a regra geral, sempre que a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator que não seja de mero expediente, pode reclamar para a conferência; o relator deve, depois de ouvida a parte contrária, submeter a questão à conferência (artigo 700°, n° 3, CPC).
Uma coisa que parece certa é que a exclusão da impugnação da decisão do relator, por meio de reclamação para a conferência, não pode fundar-se na ressalva do artigo 688.° realizada no artigo 700.°, n° 3 – de resto, sistematicamente inexplicável uma vez que, apesar de surgir na regulação própria da fase de preparação do julgamento do recurso, ela só é aplicável, nas fases de interposição e de expedição desse mesmo recurso. Aquela ressalva não tem, em caso algum, o sentido de estabelecer qualquer alternatividade entre os meios de reclamação do despacho do relator do tribunal ad quem – mas o de distinguir os casos em que o relator da Relação intervêm como juiz a quo nas fases de interposição e de expedição do recurso para o Supremo e os casos em que esse relator actua como juiz ad quem nas fases de preparação e julgamento de um recurso para a Relação e para o Supremo: só naquelas primeiras hipóteses está aberta a reclamação, prevista no artigo 688.° para o tribunal superior; naquelas últimas, cabe sempre reclamação para a conferência (artigo 700.°, n° 3 do CPC) (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, 1998:544.).
Sendo este o sentido da ressalva do artigo 688.° realizada no preceito regular da impugnação das decisões do relator, segue-se, com naturalidade, esta conclusão: dado que no julgamento da reclamação deduzida contra o despacho que não admitiu o recurso, o relator age como juiz ad quem, as decisões proferidas por este no procedimento de reclamação, são, em princípio, sempre impugnáveis por meio reclamação para a conferência (nestas condições, não é exacto o argumento que, no sentido da exclusão da reclamação da conferência, ao menos no caso de a decisão do relator confirmar o despacho reclamado, é retirado da ressalva do artigo 688.° do CPC, contida no n° 3 do artigo 700.° do mesmo diploma, adiantado por Luís Filipe Brites Lameiras, in Notas Práticas ao Regime dos Recursos, Coimbra, 2008: 93” [  [2] ] [ [3] ]
[ [4]  ].
4. Na perspectiva do reclamante estão em causa dois recursos, a saber:
- o recurso interposto em 23/11/2012, motivado em 24/12/2012, que o Sr. Juiz julgou deserto por despacho de 21/12/2012;
- o recurso interposto e motivado em 02/01/2013 – admitindo-se que possa ter entrado fax anterior, que estes autos de reclamação não documentam –, relativamente ao qual o Sr. Juiz manteve esse juízo valorativo porquanto partiu do pressuposto, segundo o apelante errado, de que se tratava do mesmo recurso.
Com todo o respeito, é o reclamante que ficciona a existência de duas decisões de mérito – “acabando ambas por formar uma só”, refere o reclamante – para assim contornar a circunstância de ter deixado esgotar o prazo para motivação do primeiro recurso interposto.
Vejamos.
Estamos perante um processo urgente (art. 102º), sendo os recursos “processados e julgados como os agravos em matéria cível”, cabendo “ao tribunal recorrido fixar o efeito do recurso” (art. 124º).
O art. 4.º do Dec. Lei 303/2007 de 24/08 dispõe:
“Referências ao regime dos recursos
1 — Para efeitos do disposto em legislação avulsa, entende -se o seguinte:
a) As referências ao agravo interposto na primeira instância consideram -se feitas ao recurso de apelação;
b) As referências ao agravo interposto na 2.ª instância consideram -se feitas ao recurso de revista;
c) As referências à oposição de terceiro consideram –se feitas ao recurso de revisão.
2 — Os recursos previstos nos números anteriores seguem, em cada caso, o regime instituído pelo Código de Processo Civil, sem prejuízo das adaptações necessárias”.
Donde, o recurso interposto nos presentes autos da decisão proferida em sede de debate judicial é de apelação e o prazo para a respectiva interposição é de 15 dias, nos moldes supra indicados, não podendo aceitar-se a interpretação do reclamante – de que se aplica o prazo geral de 30 dias –, que é contra legem.
Tendo o reclamante sido notificado da sentença proferida em 23/11/2012 e sendo o recurso que incidiu sobre essa decisão interposto nessa data, por requerimento ditado para a acta, o prazo para motivação do recurso terminava em 08/12/2012, sábado, transferindo-se para o primeiro dia útil seguinte – estando em causa recurso quanto à matéria de facto esse prazo estender-se-ia até dia 18/12.
Assim sendo, tendo o reclamante apresentado as alegações em 24/12/2012, fê-lo manifestamente fora do prazo legal, assentando-se, como fez a 1ª instância, no trânsito em julgado da decisão recorrida (art. 677º do C.P.C.).
Conclui-se, pois, que não pode ter-se por injustificado ou ilegal o despacho que julgou deserto o recurso, despacho proferido em 21/12/2002 – sem prejuízo de, pela nossa parte, termos por mais acertada a não admissão do recurso, como se disse, justificando a convolação do recurso interposto posteriormente, na parte em que incidiu sobre esse despacho, em reclamação.
Nessa medida, porque o Sr. Juiz manteve esse juízo valorativo no despacho reclamado, proferido posteriormente, mais não resta senão manter esse despacho, bem como aquele proferido em 21/12/2012.
5. E quanto ao segundo requerimento de interposição de recurso, em que o reclamante indica que “notificado que foi do relatório de fls. 749 e seguintes, do despacho de fls. 773 e do despacho de fls. 779, vem recorrer da sentença com a Ref.: 106… e dos dois mencionados despachos, recurso que é de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo (…)”?
Impunha-se, em nosso entender, proferir despacho de não admissão do recurso na parte em que a apelação tem por objecto a referida sentença e o despacho proferido em 13/12/2012 e admitir a impugnação feita quanto ao despacho proferido em 21/12/2012, ainda que convolando para a forma adequada, a reclamação, no contexto a que supra se aludiu e nos moldes já expostos e apreciados.
Analisemos a primeira situação indicada – já que, relativamente à segunda, já se apreciou supra.
A sentença, enquanto acto processual, deve obedecer à estrutura definida no art. 659º do C.P.C. – cfr. ainda o art. 121º –, colocando-se agora o enfoque na sua parte dispositiva, isto é, naquele segmento de texto em que o tribunal, depois de indicar os fundamentos de facto e de direito pertinentes ao caso, conclui pela decisão final terminando pelo dispositivo e decisão, indica o art. 121º.
Lendo o despacho em causa – “Fls. 747 e ss: Proceda ao pagamento conforme solicitado. Pese embora o relatório ora junto venha apenas reafirmar os factos já dados como provados na sentença proferida nada alterando sobre a decisão proferida, notifique os sujeitos processuais daquele” –, identificamos o segmento decisório exclusivamente na parte em que o Sr. Juiz determinou a notificação do relatório apresentado às partes. Atrevemo-nos a acrescentar que o que o Sr. Juiz escreve antes – “Pese embora o relatório ora junto venha apenas reafirmar os factos já dados como provados na sentença proferida nada alterando sobre a decisão proferida” (sublinhado nosso) – traduz apenas, na economia desse despacho, que o tribunal até teve dúvidas sobre a necessidade de assegurar o contraditório, exactamente pela falta de oportunidade da junção desse relatório, em face da prolação da decisão, mas ainda assim entendeu por bem ordenar a notificação em causa – admitindo-se, então, que melhor seria que o tribunal se cingisse à determinação de notificação, que não carecia de ser fundamentada.
Assim sendo, estamos perante um despacho de mero expediente, sendo irrecorrível (art. 679º do C.P.C.).
Efectivamente, por via desse despacho o Sr. Juiz limitou-se a ordenar a notificação às partes de um documento junto aos autos, nos moldes assinalados, sem interferir no conflito de interesses entre as partes – art. 156º, nº4 do C.P.C. –, podendo considerar-se um típico e banal despacho de expediente. Os “despachos não decisórios ou de mero expediente” distinguem-se dos “decisórios” porquanto aqueles deixam inalterados os direitos das partes, ao contrários destes que “decidem qualquer dúvida suscitada no processo”[ [5] ].
Como refere Alberto dos Reis, os despachos de mero expediente são aqueles que não importam “decisão, julgamento, aceitação ou reconhecimento do direito requerido” [  [6] ].
Não é viável, porque não tem suporte no texto do despacho, interpretar-se o mesmo como constituindo uma decisão que complementa ou adita algo à sentença proferida anteriormente, integrando-a, como pretende o reclamante. Em bom rigor, o raciocínio feito pelo reclamante é aquele que preside aos casos de aclaração e/ou reforma das decisões sem que, no entanto, estejamos perante caso que processualmente seja similar e que portanto o justifique.
Afinal, qual é o pronunciamento, o decreto judiciário que o reclamante lê nesse despacho, para além da ordem “notifique”? Nenhum, tanto assim que o reclamante nem sequer se pronuncia sobre o conteúdo desse despacho no recurso ora apresentado.
Em suma, o recurso proferido quanto a esse despacho não pode ser admitido.
Mas mesmo que assim se não entendesse, isto é, ainda que em hipótese se considerasse a tese do reclamante nunca podia levar-se essa tese ao extremo pretendido.
Efectivamente, se o Sr. Juiz efectuou, pelo despacho em causa, um pronunciamento pela negativa, como invoca o apelante, apreciando de mérito, então temos que o tribunal teria apenas concluído que o relatório pericial em causa veio confirmar a não aptidão da mãe dos menores para exercer as funções parentais e, nessa medida, veio confirmar o juízo feito anteriormente, não motivando, pois, qualquer alteração ao decidido. Assim sendo, era exclusivamente esse decreto judiciário que o apelante podia sindicar, impugnando essa decisão, que vale per se.
O que não é processualmente admissível é que o pai dos menores, a coberto desse novo (hipotético) decreto, ponha em causa uma decisão anterior, relativamente à qual já havia precludido o direito ao recurso, assim repristinando esse direito.
Acresce, aliás, que nem sequer essa suposta decisão é susceptível de afectar o apelante, o que é evidente pelo mero confronto entre a motivação do recurso (tardiamente) apresentada em 24/12/2012 e o recurso ora em causa. Feita essa comparação, conclui-se com linearidade que o pai dos menores nada contrapõe a esta última decisão – reafirma-se que estamos a dar de barato a tese do apelante, que se trata de verdadeira decisão, no que não se concede – limitando-se, em substância, a renovar a motivação feita anteriormente.
Tudo em ordem a concluir pela inadmissibilidade do recurso em causa.

Em suma, deve manter-se a decisão ora objecto de reclamação para a conferência.
Conclusões:
1. É de admitir reclamação para a conferência da decisão proferida pelo relator, que incidiu sobre despacho proferido pela 1ª instância – recondutível a uma não admissão de recurso.
2. Proferida decisão em processo judicial de promoção e protecção (art. 121 Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo aprovada pela Lei nº 147/99 de 1 de Setembro, com as alterações resultantes da Lei 31/2003, de 22 de Agosto) é de 15 dias o prazo de interposição de recurso (motivado);
3. Sendo junto, posteriormente, um relatório do IML alusivo a exame pericial psicológico alusivo à mãe dos menores, deve considerar-se como sendo de expediente e, por isso, irrecorrível, o seguinte despacho:
 “Fls. 747 e ss: Proceda ao pagamento conforme solicitado.
Pese embora o relatório ora junto venha apenas reafirmar os factos já dados como provados na sentença proferida nada alterando sobre a decisão proferida, notifique os sujeitos processuais daquele”.


Pelo exposto, julga-se improcedente a reclamação ora apresentada para a conferência, mantendo-se a decisão do relator.
Custas pelo reclamante (sem prejuízo de eventual benefício do apoio judiciário).
Notifique.

Lisboa, 16/04/2013
(Isabel Fonseca)
(Ana Grácio)

DECLARAÇÃO DE VOTO
PROC. Nº 7678/11.8TBCSC-A.L1
1. Por se concordar integralmente com o exacto teor do decreto judiciário contido no presente acórdão, não se formula, neste caso, qualquer voto de vencido mas tão só a presente declaração de voto.
2. A divergência quanto ao texto do acórdão elaborado pela Ex.ma Desembargadora Relatora respeita, tão só, ao facto de se entender que não deveria ter sido admitida a reclamação para a conferência deduzida contra o despacho pela mesma proferido que não admitiu o recurso intentado pelo ora reclamante contra a decisão do Tribunal de 1ª instância que aplicou aos filhos deste uma medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção (em separado), ao abrigo do disposto no art. 35º, nº1 alínea g) da LPPCJP, mantendo a instituição a quem se confiou os menores a guarda dos mesmos.
Em suma, está em causa apurar qual é a interpretação das disposições conjugadas dos artºs 700º nºs 3 e 4, e 688º do CPC (e mais exactamente da expressão “Salvo o disposto no artigo 688º…” que consta daquele n.º 3 desse art.º 700º) que é mais conforme às instruções fornecidas pelo Legislador nos três números do art.º 9º do Código Civil, sendo certo que, para aquilatar qual será a “solução mais acertada” - isto é, a solução ética e socialmente (ou sociologicamente) mais acertada -, o intérprete terá sempre e em todos os casos de socorrer-se do estatuído nos artºs 334º e 335º do Código Civil.
A este propósito e logo à partida, é indispensável recordar aquele princípio milenar que nos ensina que “ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus" (onde a Lei não distingue, não pode – no mínimo não deve - o intérprete fazê-lo, ou seja, distinguir).
Porque razão, então e a esta luz, deve a expressão “Salvo o disposto no artigo 688º” ser interpretada restritivamente e não tão só como significando “salvo em todos os casos previstos no artigo 688º”, e não apenas quando está em causa o despacho do relator que não admite a Revista intentada contra acórdão proferido na Relação?
Esta é - para o subscritor, entenda-se -, sem margem para dúvidas, nomeadamente quando comparado com a interpretação que fez vencimento no presente acórdão, o pensamento legislativo que tem na letra da Lei uma maior correspondência verbal.
Aliás, este argumento literal fica reforçado se se atender a que toda a economia do art.º 700º do CPC e até a sua inserção sistemática na estrutura formal do Código de Processo Civil, pressupõe que a apelação foi admitida em 1ª instância e que ocorreu uma distribuição dessa específica espécie (art.º 224º do CPC) e não a distribuição de uma reclamação apresentada nos termos do art.º 688º desse Código.
Por outro lado, permita-se que aqui se cite o filósofo (lógico) William de Ockham, frade franciscano inglês que viveu no século XIV, que formulou um postulado referenciado através da designação “Navalha de Ockham” ou “Lei da Parcimónia”, pelo qual se enuncia "entia non sunt multiplicanda praeter necessitatem" (as entidades não devem ser multiplicadas além da necessidade) ou ainda "Se em tudo o mais forem idênticas as várias explicações de um fenómeno, a mais simples é a melhor".
Segundo este Princípio, deve privilegiar-se a solução do problema que, sendo razoável e proporcionada (acertada), decorre do uso do menor número de conceitos operativos (aqui institutos jurídicos) e de passos lógicos no encadeamento do raciocínio conducente à conclusão.
Ora, partindo deste pressuposto, em vez de pôr objectivamente em causa a capacidade e a competência de todos os Juízes que exercem funções num Tribunal Superior (Relação ou Supremo - v. art.º 726º do CPC) - como, em boa verdade, é feito quando, subliminarmente, a Doutrina afirma que a apreciação de só um desses Juízes não é suficiente para decidir, de modo definitivo, se um recurso é admissível ou não -, porque não reconhecer que com a nova redacção do art.º 688º do CPC se quis apenas e simplesmente evitar a perturbação sistémica do valor da confiança e da segurança jurídica que resultava da circunstância de a decisão do Presidente de uma dada Relação, ou o do S.T.J, que manda admitir o recurso recusado pelo Juiz de 1ª ou de 2ª instância poder ser, como era possível face à previsão/estatuição do n.º 2 do actualmente revogado art.º 689º do CPC, total e completamente desconsiderada pelo relator a quem o processo for posteriormente distribuído?
E o facto de a norma que constituía a primeira parte desse ora revogado n.º 2 do art.º 689º do CPC (“A decisão do presidente não pode ser impugnada…”), não ter sido reproduzida em qualquer dos comandos legislativos introduzidos nesse Código pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, não constitui obstáculo a esta interpretação, especialmente porque, quer no Preâmbulo deste diploma quer (esta sem qualquer introdução) na Lei n.º 6/2007, de 2 de Fevereiro, que concedeu a exigida autorização legislativa emanada da Assembleia da República, nenhuma justificação é apresentada tanto para a eliminação desta norma como para a substituição do Juiz competente para apreciar as reclamações deduzidas contra os despachos que não admitam recursos, como para as demais alterações introduzidas no texto do referido art.º 688º do CPC.
Na verdade, a expressão “Salvo o disposto no artigo 688º”, pelo seu conteúdo semântico e pelo significado etimológico do conjunto de palavras que a compõem, é idónea para poder e dever ser entendida como suficiente para consagrar essa não impugnabilidade da decisão agora do futuro relator do processo, isto mesmo sem ter em conta que é também legítimo afirmar, pelas razões já atrás expostas quanto à inserção sistemática do art.º 700º do CPC na estrutura formal deste Código, que os nºs 3 e 4 deste dispositivo legal só se aplicam aos casos em que a apelação foi admitida e sujeita a distribuição, e que a possibilidade de reclamação para a Conferência do despacho que confirma ou infirma a não admissão do recurso decidida em 1ª instância não está prevista no concreto texto do art.º 688º do CPC (estando o anterior art.º 689º agora revogado).
E estas são as razões pelas quais, na opinião do subscritor, a solução aqui proposta é a que consubstancia a interpretação que tem na letra da Lei uma maior correspondência verbal e que consagra a solução ética e socialmente ou sociologicamente
mais acertada (art.º 9º nºs 2 e 3 do Código Civil, respectivamente).
Mais, esta é também a solução que melhor salvaguarda a dignidade da Função Judicial e dos Juízes, em particular os que exercem funções em Tribunais Superiores (Relações e STJ), os quais, até prova em contrário - e tendo essa prova que ser produzida, como exige o art.º 346º do Código Civil, para além de qualquer dúvida razoável -, são, todos e cada um deles, competentes e capazes de discernir, com completo e integral cumprimento da Lei, se um recurso pode ou não ser admitido.
3. E, por tudo isto, no entender do subscritor, não deveria ter sido admitida a reclamação para a Conferência formulada por referência ao despacho da Ex.ma Desembargadora Relatora agora sufragado, confirmado e mantido.  

Lisboa,16/04/2013
(Eurico José Marques dos Reis)
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[1] Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, p. 564.
[2] In Dos Recursos, Quid Juris, Lisboa, 2009, pp. 221 e seg.
[3] No mesmo sentido vide Fernando Amâncio Ferreira, Manual
dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 8ª edição, 2008, pp. 97-98.
[4] Contra este entendimento cfr. o Ac. TRL de 20/01/2011 (com um voto de vencido) proferido no processo 1527/09.4TVLSB-B.L1-8 (Relator: Amélia Ameixoeira), acessível in www.dgsi.pt.
[5] Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório,
vol. III, Almedina, Coimbra, 1982, p. 95.
[6] Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra
Editora, Coimbra, 1984, pp. 249.
Lisboa,16/04/2013                               ____________________________