CONTRATO DE LOCAÇÃO
CONTRATO ATÍPICO
BOA-FÉ
Sumário

I – O contrato de locação apresenta como elementos característicos: a obrigação de o locador proporcionar o gozo da coisa ao locatário; o carácter temporário; a obrigação de pagamento de retribuição pelo locatário ao locador em contrapartida do gozo temporário da coisa.
II - Não existindo locação gratuita, não pode atribuir-se a natureza de contrato de arrendamento, a um contrato que, embora contenha a estipulação de uma retribuição pela cedência do gozo da coisa, faça depender o seu pagamento da existência de cliente para o espaço publicitário objecto do mesmo.
III - Não se subsumindo o contrato em questão a qualquer outro tipificado na lei, tem de concluir-se que se está perante um contrato inominado, misto de arrendamento e de comodato (artigos 1022º e 1129º do Código Civil).
IV - Este contrato rege-se pelo que nele foi estipulado e, não havendo na lei qualquer disposição que especialmente se lhe refira, aplica-se, em princípio, a cada um dos elementos integrantes da espécie – arrendamento/comodato – a disciplina que lhe corresponde dentro do respectivo contrato típico.
V - A boa-fé no cumprimento do contrato, traduzida num dever de lealdade e de proceder honesto e diligente, impunha à recorrida que informasse a recorrente da cessação do contrato que firmara com terceiro, tanto mais que tal cessação iria repercutir-se na execução do contrato que tinham celebrado, dada a dependência do pagamento da retribuição da existência de cliente da recorrida.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório:

O – Gestão, Produção e Divulgação Cultural, EM, posteriormente denominada M – Gestão de Equipamentos e Património do Município de O, na sequência de fusão, por incorporação, com Odi(…), EM, intentou, em 28 de Fevereiro de 2007, no Tribunal Judicial da Comarca de Loures a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra B – Publicidade S.A., pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe o valor de € 13.235,32, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, computando os  vencidos em € 333,92.

Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, que é uma empresa municipal que no âmbito das suas atribuições gere os equipamentos culturais do concelho de O, entre os quais se inclui o Centro Comercial M, sendo que a ré é uma empresa que se dedica à prestação de serviços entre os quais, a montagem, manutenção e exploração comercial de espaços publicitários. Autora e ré celebraram, em 15 de Maio de 2003, um contrato de arrendamento para afixação de publicidade nas empenas do Centro Comercial M, pelo prazo de dois anos, automática e sucessivamente renovável por iguais períodos, caso não fosse denunciado por nenhuma das partes com, pelo menos, seis meses de antecedência, mediante o pagamento de uma contrapartida monetária, correspondente a 50% do valor líquido do contrato que a ré celebrasse com a entidade interessada na efectivação de publicidade.

Para tanto, a ré facultaria à autora uma cópia dos contratos celebrados com os clientes, devendo efectuar o pagamento à autora mensalmente, assim que o recebesse dos clientes. A ré celebrou com a O Parque um contrato para afixação de publicidade, na sequência do qual passou a pagar à autora a quantia de € 1.890,76 mensais, acrescida dos juros legais. O referido pagamento era feito em função da facturação a 90 dias realizada pelo O Parque, o que se traduzia em sucessivos atrasos nos pagamentos devidos.

A última factura liquidada pela ré reportava-se ao mês de Abril de 2005, sendo que as lonas de publicidade referentes ao O Parque se mantiveram afixadas até Dezembro de 2005, pelo que lhe era devido o pagamento das mensalidades correspondentes, que a ré não realizou, apesar de interpelada, pelo que a autora resolveu o contrato por ofício datado de 29 de Maio de 2006.

Contestou a ré, alegando, em suma, que a falta de comunicação atempada da cessação do contrato celebrado com o O Parque não produz os efeitos pretendidos pela ré, uma vez que as lonas se mantiveram nas empenas do Centro Cultural da M até Dezembro de 2005 devido aos custos de remoção, o que justificava que a ré procurasse comercializar primeiro o espaço e procurasse incluir no negócio esses custos. Por outro lado, a manutenção de tais lonas não justificava, só por si, o pagamento à autora, na medida em que tal estava dependente do pagamento do valor a receber do cliente.

Deduziu, ainda, reconvenção com fundamento em que a resolução do contrato levada a cabo pela autora inviabilizou a concretização de um negócio no valor de € 9.350,00, prejuízo imputável à autora, razão por que pediu a sua condenação no pagamento dessa quantia, acrescida de juros legais desde a data da notificação da contestação.

A autora impugnou a matéria da reconvenção.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedentes a acção e a reconvenção, absolvendo a ré e a autora, respectivamente, dos pedidos.

Inconformada, apelou a autora.

Alegou e deduziu as seguintes conclusões:

«a) Entendeu o Tribunal a quo que o contrato de arrendamento para a fixação de publicidade em empena, celebrado entre Recorrente e a Recorrida não consubstancia um verdadeiro contrato de arrendamento, por não ter uma contrapartida certa na sua existência, sendo sim um contrato atípico, o qual se rege pelas regras nele existentes, consequentemente;

b) A Recorrida não violou qualquer obrigação decorrente do referido contrato, não assistindo à Recorrente qualquer direito a receber as rendas peticionadas, na sequência da resolução do contrato existente;

c) Entendeu, ainda, que o facto de a Recorrida ter deixado a publicidade alusiva ao O Parque afixada na empena cedida pela Recorrente, já depois de terminado o contrato subjacente, e sem que comunicasse tal facto à Recorrente, não colidiu com os princípios ínsitos a qualquer tipo de contrato, nomeadamente o princípio da boa fé e da obrigatoriedade de cumprimento dos contratos;

d) A Recorrente considera que os argumentos apresentados pelo tribunal de 1ª instância, na decisão proferida e no que concerne ao por si peticionado, não tiveram em consideração a cabal aplicação do direito e encerra, em si mesmo, uma contradição entre os factos tidos como provados e as consequências daí advenientes;

e) E que a factualidade apurada permite determinar uma consequência legal diferente da determinada, no que concerne ao tipo de contrato em causa e a violação dos seus termos por parte da Ré.

f) Quanto à caracterização do contrato de arrendamento, o art. 5 n.º 2 al. e) do RAU (redacção dada pelo Decreto - Lei n.º 321-B/90 de 15 de Outubro) inclui no conceito de arrendamento, a cedência de espaços não habitáveis, para afixação de publicidade, pelo que,

g) O contrato cuja finalidade seja a colocação de publicidade na fachada de um imóvel, a veicularem certa mensagem publicitária, corresponde a tipo de contrato em análise;

h) O conceito de locação, mais amplo, e do próprio arrendamento, implica a o pagamento de uma retribuição, não definindo a lei que a mesma tenha que ser certa e periódica, de forma a considerar tal caracterização como fundamental para a concretização de um contrato de arrendamento. Com efeito,

i) O contrato celebrado pelas partes prevê e identifica o pagamento da referida contrapartida monetária como obrigação da Recorrida, pela ocupação da empena, cedida pela Recorrente, constituindo nos elementos que o compõem um verdadeiro contrato de arrendamento;

j) As partes quiseram celebrar um contrato oneroso, sendo que o contrato de arrendamento é por definição um contrato oneroso e no que respeita a este requisito resultando claro do teor do mesmo que a Recorrente queria rentabilizar a empena e que a Recorrida dedica-se a tal fim, a comercializar espaços para a colocação de publicidade;

k) A Recorrida manteve publicidade do seu cliente na empena cedida pela Recorrente em circunstâncias diferentes às acordadas pela Recorrente, ou seja, sem que ela mesma tivesse recebido contrapartida monetária, criando no entanto, a expectativa, legitima, a esta última quanto ao recebimento das rendas referentes aos meses de Maio a Dezembro de 2005;

l) Mesmo que tal não se considerasse e se concluísse pela caracterização do contrato como sendo atípico, sempre se diga, que o tribunal a quo não se pronunciou sobre o cumprimento das obrigações inerentes a qualquer tipo de contrato;

m) Nem tão pouco se pronunciou sobre o carácter oneroso e sinalagmático do contrato em causa e do clara preterição dos seus termos de forma unilateral e exclusiva por parte da Recorrida;

n) A postura da Recorrida colide directa e inequivocamente com 2 princípios fundamentais e inerentes a qualquer contrato, o princípio da Obrigatoriedade dos Contratos “pacta sunt servanda” , o qual contrato que obriga, faz lei entre as partes e o princípio da Boa Fé Objectiva;

o) Em matéria de interpretação e integração dos contratos (arts. 236º, 238º, 239º - 217º CC), é a regra da imodificabilidade do contrato por vontade unilateral, de um dos contraentes (art. 406º CC), já o princípio da Boa Fé, pela sua importância, faz parte da vida contrato em todas nas suas várias fases ou estádios, nomeadamente, na respectiva formação, integração ou execução;

p) Dúvidas não há que com o contrato celebrado a Recorrente queria rentabilizar a empena em causa, objectivo expressamente constante no contrato e perfeitamente percepcionado pela Recorrida, tendo-se apresentado como entidade vocacionada para tal, cujo objecto incluía a exploração comercial de espaços, assumindo tal posição no contrato em causa;

q) Perante tal facto, não pode a Recorrente aceitar a alteração unilateral das condições do contrato existente, numa clara violação do princípio da boa-fé, ao sonegar a informação necessária e respeitante ao contrato existente com o cliente O Parque, informação a que estava obrigada;

r) A Recorrida não só não comunicou atempadamente a cessação do contrato existente com o O Parque, como não retirou a publicidade por si instalada e relativa ao O Parque, permitindo que publicidade alusiva a uma entidade, estivesse afixada na empena que lhe fora cedida no âmbito do contrato em causa, de forma gratuita, colidindo, claramente com o carácter oneroso e sinalagmático do referido contrato;

s) O argumento dos custos de remoção, apresentados pela Recorrida, argumento apenas em Dezembro de 2005 não tem qualquer fundamento, pois, a Recorrida quando celebrou quer o contrato com a Recorrente, quer o contrato com o seu cliente O Parque, estava ciente dos procedimentos e custos inerentes à actividade por si desenvolvida;

t) Por outro lado, a Recorrida decidiu, sozinha, que essa era a solução a preconizar, sem nunca se ter dignado prestar qualquer informação à Recorrente, sabendo bem que a sua atitude era contrária aos termos contratuais e que seria prejudicial à Recorrente;

u) A decisão unilateral da Recorrida, foi prejudicial apenas e só a Recorrente, pois, a Recorrida retirou as lonas quando entendeu, para sua conveniência, ou seja, 8 meses depois; o O Parque beneficiou de publicidade gratuita à sua actividade durante o referido período, por sua vez,

v) A Recorrente que ao longo dos meses que foram passando, criou a expectativa, legítima, de receber as rendas referentes ao contrato existente entre a Recorrida e o O Parque desde 15 de Maio de 2003 e cujo termo a Recorrente desconhecia, confrontou-se, em Dezembro como facto consumado de que o contrato com o O Parque tinha terminado em Maio de 2005, nada a tendo a receber desde então;

w)O regime aplicável aos contratos e a expectativa da Recorrida não pressupõem um exercício aritmético e lógico de que a Recorrida nada recebeu, nada tem a pagar, tem que ser a mesma responsabilizada pela sua actuação, ou seja, ter deixado a publicidade afixada, de forma gratuita, sem nada dizer à Recorrida, durante os meses referidos;

x) E a responsabilidade passa, obrigatoriamente, pelo pagamento da contrapartida monetária, mensal, afecta à permanência da publicidade da O Parque, referente aos referidos meses, visto ter sonegado a informação referente ao termo do contrato com o O Parque, facto e consequências que só podem ser imputados exclusivamente à Recorrida.

Nestes termos e nos mais de direito devem V. Exas. dar provimento ao presente recurso, produzindo-se os efeitos legalmente previstos e consequentemente substituir-se a decisão ora recorrida por outra, que condene a Recorrida a efectuar o pagamento à Recorrente da quantia de € 13.569,24, referente às rendas de Maio a Dezembro de 2005, período em que esteve afixada na empena cedida pela Recorrente, publicidade alusiva ao O Parque, por exclusiva responsabilidade da Recorrida.»

Não houve contra-alegação.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

               

2. Fundamentos:

2.1. De facto:

Na 1ª instância julgaram-se provados os seguintes factos :

1. A Autora é uma empresa municipal que no âmbito das suas atribuições gere os equipamentos culturais do concelho de O, entre os quais se inclui o Centro Comercial M, sito na Rua (…). (Alínea A)

2. A Ré é uma empresa que se dedica à prestação de serviços entre os quais, a montagem, manutenção e exploração comercial de espaços publicitários. (Alínea B)

3. A Autora e Ré declararam celebrar um «CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA AFIXAÇÃO DE PUBLICIDADE» nas empenas do Centro Comercial M. (Alínea C)

4. Mediante o referido contrato a Autora atribuía à Ré o direito de colocar e utilizar 4 lonas, melhor descritas na cláusula 3.ª do contrato, as quais se destinavam a publicitar firmas ou marcas. (Alínea D)

5. O referido contrato foi celebrado no dia 15 de Maio de 2003 com um prazo de vigência de 2 anos, renovando-se automática e sucessivamente por iguais períodos caso não fosse denunciado por nenhuma das partes com, pelo menos, 6 meses de antecedência. (Alínea E)

6. Nos termos do referido contrato a Ré angariaria clientes que se mostrassem interessados na publicitação da sua actividade, o que seria feito através da afixação de lonas nas referidas empenas. (Alínea F)

7. A colocação das lonas pela Ré nas empenas do Centro Comercial M, pressupunha o pagamento da contrapartida monetária definida nos termos da cláusula 6.ª do referido contrato, cujo teor era o seguinte:

A renda mensal a pagar estará dependente da existência ou não de cliente para cada uma das empenas, e corresponderá a 50% do valor líquido decorrente do contrato que for efectuado com cada cliente, depois de descontados ao valor bruto inicial eventuais descontos especiais, as comissões de agência ou rappel, bem como produções e montagens das lonas, normalmente incluídas no preço”. (Alínea H)

8. Correspondendo aquela ao pagamento de 50% do valor liquido do contrato que a ré celebrasse com a entidade interessada na efectivação de publicidade. (Alínea I),

9. Concomitantemente, a Ré facultaria à Autora uma cópia dos contratos celebrados com os clientes. (Alínea J)

10. Dispõe igualmente a cláusula 8.ª que o pagamento a efectuar à Autora seria feito mensalmente, assim que recebesse dos clientes. (Alínea L)

11. No âmbito dos referidos termos contratuais, a Ré celebrou com a O Parque o contrato para afixação de publicidade. (Alínea M)

12. Não obstante o referido na cláusula 7ª [e não 10.ª como por lapso se escreveu], a Ré nunca enviou fotocópia do contrato celebrado com o O Parque, ou sequer comunicou em que termos foi celebrado, desconhecendo a Autora quais os termos do referido contrato, nomeadamente, qual o prazo de vigência do mesmo. (Alínea N)

13. Na sequência desse contrato a Ré passou a efectuar o pagamento à Autora da quantia de € 1.890,76 mensais, acrescida dos juros legais. (Alínea O)

14. O referido pagamento era feito em função da facturação realizada pelo O Parque, a qual era a 90 dias. (Alínea P)

15. Consequentemente, a facturação apresentada pela Ré à Autora e o respectivo pagamento efectuava-se, igualmente, a 90 dias, o que se traduzia em sucessivos atrasos nos pagamentos devidos. (Alínea Q)

16. Tais atrasos fundamentaram várias interpelações efectuadas à Ré quer por telefone quer por envio de faxes, conforme documento n.º 3, a solicitar a regularização dos referidos pagamentos. (Alínea R)

17. A última factura liquidada pela Ré reporta-se ao mês de Abril de 2005. (Alínea S)

19. Através de Fax enviado em 20/12/2005, a Ré comunicou à Autora que no dia 21/12/2005, iria desmontar as lonas situadas nas empenas do Centro Cultural da M. (Alínea U)

18. As lonas de publicidade referentes ao O Parque mantiveram-se afixadas nas empenas do Centro Comercial M até Dezembro de 2005. (Alínea T)

25. As lonas mantiveram-se nas empenas do Centro Comercial da M até Dezembro de 2005 devido aos custos que a sua remoção implicaria. (Quesito 5.º)

26. Devido ao facto referido no ponto 25., a Ré procurou comercializar primeiro o espaço e, nesse âmbito, incluir os custos desse trabalho. (Quesito 6.º)

27. A montagem das referidas lonas importou um custo de € 2.500,00, acrescidos de IVA. (Quesito 7.º)

24. Em reunião realizada em 22 de Dezembro de 2005, a Ré disponibilizou à Autora a sua contabilidade. (Quesito 4.º)

28. Na reunião de 22 de Dezembro de 2005, a Ré comunicou à Autora o aludido nos pontos 25. e 26. (Quesito 8.º)

22. A Autora enviou à Ré carta datada de 2 de Fevereiro de 2006, conforme cópia constante a fls. 30 e 31 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, com o seguinte teor: “…encontram-se em atraso, na presente data, o pagamento dos meses de Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2005, o que ascende aos 13.300€. Quanto aos meses de Novembro e Dezembro de 2005, o total orça os 4.500€ e que está pendente o referido prazo de facturação.

Por outro lado, decorre do articulado do contrato celebrado com V. Exas. A obrigatoriedade de nos comunicar as vicissitudes inerentes aos contratos celebrados com os vossos clientes, pelo que, a ocorrer alguma rescisão contratual do contrato existente com o O Parque, deveriam ter procedido a tal comunicação, de forma a proceder-se à retirada imediata das empenas com publicidade alusiva àquele espaço, o que não ocorreu.

Do exposto, deverão V. Exas. Proceder à regularização do pagamento dos valores referidos, no prazo de 10 dias a contar da data da recepção do presente ofício”. (Alínea Y)

20. A Autora enviou à Ré carta datada de 10 de Maio de 2006, conforme cópia constante a fls. 32 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, da qual fez constar, além do mais, o seguinte: “Tendo em consideração que até à presente data não recepcionámos qualquer resposta ao nosso Ofício, datado de 02 de Fevereiro do corrente ano, pelo qual se solicitava a regularização dos pagamentos em atraso e, mantendo-se os mesmos, em falta, informamos V. Excas. Que consideramos o contrato identificado em epígrafe resolvido, cujos efeitos produzir-se-ão 30 dias após a recepção do presente Ofício”. (Alínea V)

21. Esta carta motivou a resposta da Ré, por carta datada de 11 de Maio de 2006, conforme cópia que consta de fls. 33 e 34 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, nela referindo a ré o seguinte: “Mantemos assim a nossa posição de que não devemos qualquer verba à O e não aceitamos a resolução do contrato unilateralmente pelo vosso lado como pretendem agora.

(…)

Continuamos por isso, e vamos continuar, a propor e a tentar alugar as vossas empenas (temos inclusivamente algumas hipóteses de clientes interessados) pois pelo menos até Abril de 2007 nos consideramos como únicos detentores do direito de pôr qualquer espécie de mensagem publicitária ou não, nas referidas empenas.” (Alínea X)

23. Mediante ofício datado de 29 de Maio de 2006, a Autora comunicou à Ré a resolução do denominado «contrato de Arrendamento para Afixação de Publicidade», a operar 30 dias após a data de recepção do mesmo. (Alínea Z)

29. A Ré sempre procurou angariar clientes para o espaço em causa. (Quesito 9.º)

30. Tendo inclusive estado prevista a entrada nas empenas do Loureshopping ou do Continente. (Quesito 10.º)

31. Após a cessação do contrato celebrado entre a O Parque e a Ré em Abril/Maio de 2005, esta não celebrou qualquer outro, oneroso ou gratuito, com nenhuma entidade para a ocupação das empenas. (Quesito 11.º)

32. A Ré não recebeu quaisquer pagamentos de quaisquer clientes, O Parque ou outros, por conta do espaço em causa, a partir de Maio de 2005. (Quesito 13.º)

33. Após a data mencionada no ponto 31., a Ré apresentou várias propostas a diferentes entidades. (Quesito 14.º)

34. O local é um local com grande visibilidade e frequência de pessoas, que por ali passam todos os dias. (Quesito 15.º)

35. Por isso, a Ré sempre esteve convicta do seu potencial. (Quesito 16.º)

36. Durante o ano de 2006, a Ré negociou com várias entidades ligadas ao sector da publicidade. (Quesitos 18.º, 19.º)

De direito:

À luz das conclusões da alegação da autora, ora apelante, as quais delimitam objectivamente o recurso, e na ausência de questões de conhecimento oficioso a apreciar, colocam-se como questões essenciais a decidir as seguintes:

- nulidade da sentença fundada em contradição entre os factos e a decisão;

- qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes;

- incumprimento contratual da ré, aqui apelada, e eventuais consequências;

 

2.2.1. A causa de nulidade prevista no art. 668º, nº 1, al. c), do Código de Processo Civil, na versão anterior ao DL nº 303/2007, de 24 de Agosto, aqui aplicável, consubstanciada na oposição entre os fundamentos e a decisão, só ocorre quando existe um vício real no processo lógico do raciocínio do julgador de forma que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.
A contradição entre os fundamentos e a decisão analisa-se, assim, no plano do silogismo judiciário construído pela peça decisória e não naquele que em correcta aplicação do direito substantivo, porventura, devesse ser construído. Trata-se de um vício de estrutura que não pode ser confundido com o erro de julgamento, que se traduz na inidoneidade dos fundamentos para conduzir à decisão.

No caso vertente, sustenta a autora na al. d) das conclusões que “os argumentos apresentados pelo tribunal de 1ª instância, na decisão proferida e no que concerne ao por si peticionado, não tiveram em consideração a cabal aplicação do direito e encerra, em si mesmo, uma contradição entre os factos tidos como provados e as consequências daí advenientes”.

Esta alegação, que não encontra suporte mais desenvolvido no corpo da respectiva alegação de recurso, é manifestamente vaga e imprecisa para consubstanciar a invocação de nulidade da sentença recorrida com o aludido fundamento.

Sempre se dirá, contudo, que a sentença recorrida não evidencia qualquer contradição intrínseca. Mostra-se logicamente estruturada, limitando-se a decidir no exacto sentido preconizado pela respectiva fundamentação sem qualquer quebra ou desvio de raciocínio que permita detectar a existência de visível contradição entre as premissas e a conclusão.

O que a recorrente apelida de oposição entre os fundamentos e a decisão prende-se com o acerto ou desacerto da decisão de mérito, reconduzindo-se ao eventual erro de julgamento, que não cabe no elenco dos vícios da sentença previstos no citado artigo 668º.

Não corre, por conseguinte, a invocada contradição entre os fundamentos e a decisão recorrida.

2.2.2. É a vontade das partes que modela os contratos que celebram, as quais, dentro dos limites da lei, têm a faculdade de fixar livremente o seu conteúdo, celebrar contratos diferentes dos previstos na lei ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.

Trata-se do princípio da autonomia da vontade ou da liberdade contratual consagrado no artigo 405º nº 1 do Código Civil.

Nem sempre constitui tarefa fácil saber quando é que as cláusulas convencionadas pelas partes descaracterizam um contrato, em princípio, típico, colocando-o na categoria dos contratos atípicos ou inominados.

De acordo com o ensinamento do Professor Antunes Varela, “se as cláusulas especiais introduzidas pelos contraentes na convenção especial não prejudicam a causa do contrato típico (ou seja, a função económico-social própria do tipo de contrato que a lei tem diante dos olhos ao fixar o seu regime) em que ele se integra, atentas as cláusulas restantes, a convenção negocial celebrada continua a pertencer a esse tipo de negócio, embora com modificações impostas pela vontade das partes”. “Se, pelo contrário, as cláusulas introduzidas pelas partes na convenção negocial afastam a composição dos seus interesses de qualquer dos modelos básicos de contratação tipificados, padronizados ou standardizados pela lei, a convenção cai inexoravelmente na categoria dos contratos inominados". E acrescenta: “De acordo com este critério - o único compatível com a chave de sistematização subjacente à autonomização dos contratos em especial (artigos 874 e seguintes do Código Civil) - os contratos mistos, para os quais aponta de modo especial o prescrito no n. 2 do artigo 405 deste diploma, tanto podem ser contratos nominados como contratos inominados, consoante as tais regras dos dois ou mais negócios típicos, que os contraentes reúnem na mesma convenção negocial unitária, respeitam a causa (stricto sensu) de um dos contratos típicos ou escapam, na sua conjunção, à causa própria de cada um deles”.[1]

No caso em apreço, importa apurar qual a natureza jurídica do contrato celebrado entre a recorrente e a recorrida, uma vez que aquela o qualificou como contrato de arrendamento, pugnado em sede de recurso nesse sentido, e a sentença recorrida o qualificou como contrato inominado.

O contrato de locação é, na definição do artigo 1022º do Código Civil, o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição, assumindo a feição de arrendamento se versar sobre coisa imóvel. (artigo 1023º).

À luz desta noção legal, este contrato apresenta como elementos característicos: a obrigação de o locador proporcionar o gozo da coisa ao locatário; o carácter temporário; a obrigação de pagamento de retribuição pelo locatário ao locador em contrapartida do gozo temporário da coisa.

A retribuição constitui, assim, um requisito essencial deste tipo contratual, que é um negócio jurídico oneroso.

Como refere o Conselheiro Pinto Furtado, “A locação é um contrato essencialmente oneroso, incompatível com a sujeição da retribuição a um facto de verificação incerta. Não poderia continuar a qualificar-se como locação o contrato com uma cláusula que, em determinadas hipóteses, isentasse o locatário de remunerar o gozo da coisa.

A remuneração não pode, pois, deixar nunca de existir ou de estar presente na locação. O Código em vigor não precisou de afirmá-lo expressamente porque, estabelecendo que o gozo temporário da coisa é feito «mediante retribuição», ipso facto a proclamou como indissociável daquela obrigação e portanto como certa, hoc sensu, isto é, como um elemento que tem sempre de existir, que não pode ficar dependente da verificação de um facto incertus an”.[2] 

 Já no tange à questão de saber se a retribuição locatícia tem de ser determinada, afirma o mesmo autor que não se encontra uma razão suficientemente forte para não se considerar perfeita e válida a locação concluída em termos definitivos e logo posta em execução, em que se tenha diferido para momento ulterior um acordo sobre a determinação da remuneração, acrescentando que retribuição determinada não quer dizer que tenha de ser fixa, isto é, invariável, sempre a mesma.[3] No mesmo sentido se pronuncia o Professor Pedro Romano Martinez,[4] com ressalva, porém, do arrendamento urbano, uma vez que, quanto a este, decorre do artigo 19º nº 1 do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo DL nº 321-B/90, de 15 de Outubro, em vigor à data em que as partes contrataram (15 de Maio de 2003), que a retribuição tem de corresponder a uma prestação pecuniária fixada em escudos (ou euros), integrando desta forma, uma obrigação pecuniária de quantidade.

Volvendo ao caso concreto, os factos provados mostram que a recorrente, no âmbito das suas atribuições, e a recorrida, que se dedica à prestação de serviços entre os quais, a montagem, manutenção e exploração comercial de espaços publicitários, acordaram na celebração de um contrato no dia 15 de Maio de 2003, que denominaram «CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA AFIXAÇÃO DE PUBLICIDADE», nos termos do qual a recorrente atribuía à recorrida o direito de colocar e utilizar quatro lonas nas empenas do Centro Comercial M destinadas a publicitar firmas ou marcas.

No referido contrato convencionaram que o mesmo teria um prazo de vigência de 2 anos, renovando-se automática e sucessivamente por iguais períodos caso não fosse denunciado por nenhuma das partes, mediante o pagamento de uma contrapartida monetária estabelecida na cláusula 6.ª nos seguintes termos: “A renda mensal a pagar estará dependente da existência ou não de cliente para cada uma das empenas, e corresponderá a 50% do valor líquido decorrente do contrato que for efectuado com cada cliente, depois de descontados ao valor bruto inicial eventuais descontos especiais, as comissões de agência ou rappel, bem como produções e montagens das lonas, normalmente incluídas no preço”.

Desta cláusula contratual resulta que a obrigação do pagamento da retribuição acordada, fixada pelas partes em 50% do valor líquido decorrente do contrato que for efectuado com cada cliente, só teria lugar durante os períodos em que a recorrida tivesse cliente para cada uma das empenas, nenhuma retribuição pagando, por conseguinte, a recorrida à recorrente no caso de não existir cliente para cada uma das empenas, não obstante aquela mantivesse a disponibilidade deste espaço.

A circunstância de «A renda mensal a pagar» ficar «dependente da existência ou não de cliente para cada uma das empenas», ou seja, a ausência da obrigação de pagamento de retribuição por parte da recorrida pela cedência do gozo do espaço em causa - as empenas do Centro Comercial M -, destinado à colocação de quatro lonas para publicitar firmas ou marcas, em caso de inexistência de cliente e sempre que essa situação se verificasse ao longo da vigência do contrato descaracteriza-o como contrato de locação, na vertente de contrato de arrendamento de espaço não habitável para afixação de publicidade (artigo 5º nº 2 al. e) do RAU).

Com efeito, não existindo locação gratuita, não pode atribuir-se a natureza de contrato de arrendamento, a um contrato que, embora contenha a estipulação de uma retribuição pala cedência do gozo da coisa, faça depender o seu pagamento da existência de cliente para o espaço publicitário objecto do mesmo.

Ao contemplar a possibilidade de dispensa do pagamento da retribuição nessa situação – inexistência de cliente – a cedência do gozo torna-se gratuita, o que é incompatível com a natureza jurídica do contrato de locação/arrendamento, sendo indiferente a denominação que as partes lhe atribuíram para a sua qualificação.

Logo, não se subsumindo o contrato em questão a qualquer outro tipificado na lei, tem de concluir-se, como na sentença recorrida, que se está perante um contrato inominado.

As partes criaram um contrato misto de arrendamento e de comodato (artigos 1022º e 1129º do Código Civil), fundindo num só negócio elementos contratuais distintos daqueles e que passaram a integrar, simultaneamente, o conteúdo negocial a que se vincularam (artigo 405º nº 2 do citado código).

 Este contrato rege-se pelo que nele foi estipulado e, não havendo na lei qualquer disposição que especialmente se lhe refira, aplica-se, em princípio, a cada um dos elementos integrantes da espécie – arrendamento/comodato – a disciplina que lhe corresponde dentro do respectivo contrato típico.[5]

2.2.3. Chegados a este ponto, importa analisar se a recorrida incumpriu o contrato que celebrou com a recorrente e, na afirmativa, se está obrigada a pagar-lhe a quantia peticionada.

Decorre dos factos provados que o último pagamento efectuado pela recorrida à recorrente se reportou ao mês de Abril de 2005, não obstante as lonas com a publicidade do O Parque, cliente da recorrida, se tivessem mantido nas empenas do Centro Comercial da M até Dezembro de 2005, o que motivou vários pedidos de pagamento da contrapartida acordada pela recorrente relativamente aos meses de Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Novembro e Dezembro de 2005, designadamente, através da carta datada de 2 de Fevereiro de 2006.

Questionou a recorrida a obrigação de tal pagamento com fundamento em que o contrato que celebrou com o O Parque cessou em Abril/Maio de 2005 e não celebrou qualquer outro, oneroso ou gratuito, com nenhuma entidade para a ocupação das empenas, não tendo recebido quaisquer pagamentos de quaisquer clientes, O Parque ou outros, por conta do espaço em causa a partir de Maio de 2005, apesar de sempre ter procurado angariar clientes para o espaço em causa e ter apresentado várias propostas a diferentes entidades, facticidade que logrou provar.

Provou ainda que as lonas se mantiveram nas empenas do Centro Comercial da M até Dezembro de 2005 devido aos custos que a sua remoção implicaria, tendo procurado comercializar primeiro o espaço e, nesse âmbito, incluir os custos desse trabalho, visto que a montagem das referidas lonas importou um custo de € 2.500,00, acrescidos de IVA.

Com base nesta facticidade, da qual resulta que a recorrida não teve qualquer cliente para o espaço publicitário em questão desde Abril/Maio até Dezembro de 2005 e não recebeu qualquer contrapartida do O Parque após a cessação do contrato, muito embora as lonas com a sua publicidade tivessem permanecido nas empenas do Centro Comercial M, a sentença recorrida considerou não ter existido qualquer incumprimento por parte da recorrida e, consequentemente, julgando injustificada a resolução do contrato operada pela recorrente, concluiu não ser devido o pagamento da quantia pedida pela recorrente.

Vejamos.

 Como se referiu, à luz do convencionado pelas partes, a inexistência de cliente desobrigava a recorrida do pagamento da retribuição estipulada no contrato.  

Sucede, porém, que, no caso, a cessação do contrato que havia celebrado com o seu cliente O Parque, em Abril/Maio de 2005, não se reflectiu na actuação da recorrida, uma vez que esta não só não informou a recorrente dessa cessação, como deixou que continuassem expostas as lonas com a publicidade daquele seu cliente nas empenas do Centro Comercial da M até Dezembro de 2005 sem qualquer contrapartida, criando com tal conduta, que perdurou por oito meses, a expectativa do cumprimento, visto que a recorrente desconhecia aquela cessação contratual.

O artigo 762º nº 2 do Código Civil consagra o princípio da boa-fé quer no cumprimento da obrigação, quer no exercício do direito correspondente, princípio que, nas relações de crédito, se aplica tanto ao devedor, no cumprimento da obrigação, como ao credor, no exercício do respectivo direito.

Segundo o Professor Antunes Varela, “O devedor não pode cingir-se a uma observância puramente literal das cláusulas do contrato, se a obrigação tiver natureza contratual. Mais do que o respeito farisaico da fórmula na qual a obrigação ficou condensada, interessa a colaboração leal na satisfação da necessidade a que a obrigação se encontra adstrita. Por isso ele se deve ater, não só à letra, mas principalmente ao espírito da relação obrigacional”. E acrescenta mais adiante, “Do que se trata é de apurar, dentro do contexto da lei ou da convenção donde emerge a obrigação, os critérios gerais objectivos decorrentes do dever de leal cooperação das partes, na realização cabal do interesse do credor com o menor sacrifício possível dos interesses do devedor, para a resolução de qualquer dúvida que fundadamente se levante, quer seja acerca dos deveres de prestação (forma, prazo, lugar, objecto, etc.), quer seja a propósito dos deveres acessórios de conduta de uma ou outra das partes”.[6]

Ora, a boa-fé no cumprimento do contrato, traduzida num dever de lealdade e de proceder honesto e diligente, impunha à recorrida que informasse a recorrente da cessação contrato que firmara com o O Parque, tanto mais que tal cessação iria repercutir-se na execução do contrato que tinham celebrado, dada a dependência do pagamento da retribuição da existência de cliente da recorrida. O mesmo princípio, impunha ainda à recorrida a remoção do espaço – empenas do Centro Comercial M – das lonas contendo publicidade alusiva ao O Parque após a cessação do contrato, não impressionando o argumento do custo da remoção das lonas, uma vez que na fixação dos preços com os seus clientes a recorrida não podia deixar de considerar o custo da colocação e da remoção das mesmas.

Ao não proceder assim, a recorrida actuou de forma a criar na recorrente a convicção de que a manutenção das lonas no dito espaço significava que se mantinha o contrato com o O Parque e que receberia a retribuição correspondente à cedência do gozo do mesmo à recorrida, ou seja, de que o contrato outorgado por ambas seria cumprido com base na verificação do pressuposto de que a recorrida tinha um cliente, pelo que, nestas circunstâncias, seria contrário à tutela da confiança dispensada pelo princípio da boa-fé consagrado no artigo 762º nº 2 do Código Civil a recorrida poder prevalecer-se do estipulado na cláusula 6ª para não pagar à recorrente aquela retribuição.

Tal violação do dever de um comportamento cooperante, leal e diligente, ou seja, do dever de adopção de determinados comportamentos impostos pela boa-fé em vista do fim do contrato (artigos 239º e 762º do Código Civil), dada a relação de confiança que o contrato fundamenta,[7] aos quais a recorrida estava adstrita no cumprimento das obrigações a que estava contratualmente vinculada, é bastante para se considerar justificada a resolução do contrato pela recorrente com base na interpelação admonitória que fez à recorrida para proceder ao pagamento da retribuição corresponde ao período compreendido entre Maio e Dezembro de 2005 consubstanciada nas cartas que lhe dirigiu (artigos 808º nº 1 e 432º do Código Civil).

A infracção dos aludidos deveres laterais, designadamente do dever de informação, quando culposa, como se considera no caso em apreço por força da presunção contida no artigo 799º nº 1 do Código Civil, que a recorrida não elidiu, é geradora de responsabilidade civil contratual com a correspondente obrigação de indemnizar. [8]

Está em causa a ocupação indevida das empenas do Centro Comercial M com as lonas contendo publicidade alusiva ao O Parque nos meses de Maio a Dezembro de 2005, posto que, como se referiu, tendo cessado o contrato que legitimava a ocupação daquele espaço, não podia manter-se tal publicidade a menos que a recorrida, com observância da boa fé exigida no cumprimento dos contratos e da tutela da confiança que aquela comporta, tivesse cumprido o dever de informar a recorrente de que cessara o contrato com o seu cliente O Parque e tivesse obtido a anuência da recorrente para a permanência das lonas nas empenas, o que não aconteceu.

Não sendo possível a reconstituição natural, a indemnização terá de ser fixada em dinheiro, nos termos do disposto nos artigos 562º e 566º do Código Civil, tendo-se por razoável o valor correspondente à retribuição que a recorrente recebia da recorrida pela ocupação das ditas empenas, numa afloração do regime do contrato de arrendamento, contrato nominado que está mais próximo do celebrado entre as partes neste particular (artigo 1045º do Código Civil).

A recorrente peticionou o pagamento da quantia de € 13.235,32, montante que é inferior ao que seria devido se multiplicados os oito meses pelo valor da retribuição mensal resultante do contratualmente estabelecido - € 1.890,76, pelo que será esse o valor considerado.

Sobre tal quantia serão devidos juros de mora vencidos, computados em € 333,92, e vincendos, à taxa legal, a título de indemnização por se tratar de obrigação pecuniária, (artigos 801º nº 1, 804º nº 3, 806º e 559º nº 1 do Código Civil).

3. Decisão:

Termos em que se acorda no Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação procedente e, consequentemente, revogar a sentença recorrida e julgar a acção procedente, condenando-se a recorrida B - Publicidade, SA, a pagar à recorrente a quantia de € 13.569,24, acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal.

Custas nas duas instâncias pela recorrida.

 Lisboa, 18 de Abril de 2013

(Fernanda Isabel Pereira)

(Maria Manuela Gomes)

(Olindo dos Santos Geraldes) (vencido conforme declaração junta)

Declaração de voto

Votei vencido, porquanto entendi que a decisão condenatória se baseia numa causa de pedir que não foi invocada na acção, designadamente na petição inicial, não podendo, por isso, ser considerada, por efeito da aplicação do princípio do dispositivo.

Perante a causa de pedir invocada, a falta de pagamento da mensalidades previstas no contrato, e a falta de verificação do pressuposto desse pagamento, consubstanciado na inexistência de cliente, como se recohece no acórdão, negaria provimento ao recurso.

Lisboa, 18 de Abril de 2013

(Olindo dos Santos Geraldes)



[1] In Revista Legislação e Jurisprudência ano 127, página 181, citado no Ac. do STJ de 30.11.1994, Processo 085768, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[2] In Manual do Arrendamento Urbano, 2ª ed. revista e actualizada, Almedina, pág. 48.
[3] Ob cit., pág. 50.
[4] Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos, 2ª ed., Almedina, pág. 167.
[5] Cfr. Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol. I, 3ª ed., Almedina, págs. 239 e 240.
[6] Das Obrigações em Geral, Vol. II, 3ª ed., Almedina, págs. 11 e 12.
[7] Cfr. Prof. Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, Colecção Teses, Almedina, pág. 339
[8] Cfr. Prof Mota Pinto, Ob. Cit, págs. 341 a 347.