INSOLVÊNCIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
CUSTAS
ISENÇÃO DE CUSTAS
MASSA INSOLVENTE
Sumário

1. Após a declaração de insolvência, a massa insolvente, que sucede à sociedade em situação de insolvência, deixa de beneficiar da isenção de custas prescrita na alínea u) do nº 1 do artigo 4º do Regulamento das Custas Trocessuais,
2. Extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, as custas processuais decorrentes de uma acção declarativa em que é pedido o reconhecimento judicial de um crédito sobre o demandado, entretanto declarado insolvente, são da responsabilidade da massa insolvente.
(Sumário da Relatora)

Texto Parcial

ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I. RELATÓRIO

“A” , S.A., com sede na ..., Apartado ..., ..., ..., intentou, em 21 de Maio de 2010, contra “B”, S.A., com sede na Rua de ..., ..., ..., acção declarativa, sob a forma de processo comum ordinário, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe:
a) A quantia de € 31.788,83 que a ré tem em seu poder a crédito da autora, acrescida dos respectivos juros de mora até efectivo e integral pagamento;
b) A quantia de € 25.000,00 a título de indemnização pelo valor do transformador de 30 KV, propriedade da autora, e de que a ré se apropriou indevidamente, acrescida dos respectivos juros de mora até efectivo e integral pagamento;
c) A quantia de € 2.130.000,00, a título de indemnização pelo tempo que decorreu desde que se constituiu em mora, em 30 de Maio de 2008, até à resolução do contrato com efeitos imediatos, em 25 de Maio de 2009,
calculada nos termos da cláusula penal e pena convencionada na cláusula décima terceira do contrato celebrado entre autora e ré, acrescida dos respectivos juros de mora, até efectivo e integral pagamento;
d) A quantia de € 166.734,00, a título de indemnização correspondente ao valor da reparação dos defeitos da obra denunciados e não eliminados, acrescida dos respectivos juros de mora até efectivo e integral pagamento;
e) A quantia de € 405,00, a título de indemnização devida pela reparação dos defeitos verificados no portão, denunciados e não eliminados, acrescida dos respectivos juros de mora até efectivo e integral pagamento;
f) A quantia de € 2.786,60, a título de indemnização pelo defeito verificado nos tectos de madeira que a ré executou, acrescida dos respectivos juros de mora até efectivo e integral pagamento;
g) A quantia de € 98.965,72, a título de indemnização pelos valores que facturou indevidamente, sem que tivesse realizado os trabalhos ou fornecido os materiais elencados, ou se assim se não entender, pela obrigação de restituir fundada no seu enriquecimento sem causa, acrescida dos respectivos juros de mora até efectivo e integral pagamento;
h) A quantia de € 16.689,16, a título de indemnização pela reparação dos defeitos das pinturas executadas pela ré que a autora verificou já após a resolução do contrato, acrescida dos respectivos juros de mora até efectivo e integral pagamento;
i) A quantia de € 6.673,84, que a ré facturou a mais pelo fornecimento dos materiais constantes do ponto 8.1 do Anexo ao contrato, cujo valor aí estipulado foi do montante de € 108.912,79, tendo a ré facturado a quantia de € 115.586,63, acrescida dos respectivos juros de mora até efectivo e integral pagamento;
j) A quantia que vier a ser apurada em “liquidação de execução de sentença” relativa à diferença do preço dos trabalhos não realizados pela ré com a do preço que a autora vier a pagar pelos mesmos;
k) A quantia que se vier a ser apurada em “liquidação de execução de sentença” correspondente ao valor das resinas Sikafloor 261 que a ré não aplicou e facturou à autora que lha pagou, com a qual se locupletou injustamente à sua custa estando obrigada à restituir-lha;

l) A quantia que se vier a ser apurada em “liquidação de execução de sentença” correspondente ao valor dos trabalhos de reparação e limpeza do pavimento do pavilhão que devido à falta de revestimento com as resinas apresenta vícios que a autora denunciou e a ré não eliminou.

A ré contestou, e a autora apresentou réplica, na qual veio ampliar a causa de pedir bem como o pedido, no sentido de:
Se declarar resolvido o contrato de empreitada celebrado entre A. e R., objecto dos presentes autos, por carta registada com aviso de recepção, com efeitos a partir do dia 25 de Maio de 2009, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 432.º do Cód. Civil, em conjugação com o n.º 1 do art.º 436.ºdo mesmo Código e da 2.ª parte do n.º 4 da cláusula 11.ª do referido contrato”, ampliação essa, que foi admitida.

Foi proferido despacho saneador, no qual se conheceu das excepções deduzidas pela ré, nomeadamente de preterição do tribunal arbitral e sobre o qual foi interposto recurso. Foi elaborada a condensação, com a fixação dos Factos Assentes e a organização da Base Instrutória.

Em 06.09.2012, a autora veio informar que havia sido declarada a insolvência da ré, por sentença de 24.10.2011, tendo sido proferido despacho de 12.09.2012, declarando caduco o mandato conferido ao mandatário subscritor dos articulados e foi ordenada a notificação do administrador da insolvência para juntar, querendo, procuração emitida a favor do mandatário.

Por requerimento de 25.09.2012, a autora veio requerer o seguinte:

1 - Conforme cópia da sentença junta anteriormente aos autos foi a R. declarada insolvente nos autos que correm termos no 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ....
2 - Pela consulta à Lista de Credores publicitada no Citius, verifica-se que não tem viabilidade a continuação do presente processo, pelo que R. a V.ª Exa. a extinção da presente instância por inutilidade superveniente da lide.
3- Atento o facto de ter sido a R. a colocar-se na situação de insolvência, requer a V.ª Exa., de harmonia com o prescrito no art.º 447.º in fine, do C.P.C., a condenação da mesma nas custas do presente processo a liquidar pela massa insolvente.

Por requerimento de 28.09.2012, o administrador da insolvência invocou nada ter a opor à extinção do processo, mas defendeu que a ré nunca poderia ser condenada nas custas processuais, visto a situação de insolvência ter sido involuntária e ter decorrido da crise imobiliária e financeira, pelo que deveria ser aplicado o artigo 450º, nº 3 do CPC., sendo a responsabilidade pelas custas a cargo da autora.

Em 08.10.2012, o Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão:

“A” , SA intentou a presente acção declarativa, ordinária, contra “B”, SA.
Por sentença proferida em 24.10.2011, no processo nº .../11.8TBPDL do 4º Juízo do Tribunal Judicial de ..., foi a ora R declarada insolvente.
Vejamos então se deve proceder a pretensão da A. de ver extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, por força da declaração de insolvência da R.
Importa agora aferir da consequência dessa declaração de insolvência nos presentes autos.
A presente acção destina-se a que a R. seja condenada a pagar à A. a quantia já apurada de € 2.479.043,20 bem como diversas quantias a apurar em liquidação de execução de sentença.
De acordo com o disposto no artº 85 do CIRE, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, são apensadas ao processo de insolvência (nº 1).
São também apensados todos os processos nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente (nº 2).
Logo, uma das condições, para a apensação das acções pendentes ao processo de insolvência, é que as mesmas tenham por objecto a apreciação de questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente ou nas quais se tenha efectuado a apreensão ou detenção de bens também compreendidos na massa insolvente.
Procedendo-se na insolvência à execução universal dos bens do devedor, torna-se adequado, para maior simplicidade processual, juntar todos os processos que respeitem aos bens do devedor.
Assim, é por força dos bens, susceptíveis de integrar a massa insolvente, que se determina a motivação da apensação das acções pendentes ao processo de insolvência.
Ora, como nesta acção declarativa está apenas em causa o reconhecimento de um direito de crédito a favor da A., não foi aqui apreendido ou detido qualquer bem compreendido na massa insolvente (os bens foram entregues voluntariamente no decurso do procedimento cautelar), como também não se discute qualquer questão relativa a bem integrado na mesma massa.
Por isso, a presente acção declarativa não está em condições de poder ser apensada ao processo de insolvência do devedor.
Por outro lado, com a declaração de insolvência do devedor, transitada em julgado, deixa ainda de ter interesse o prosseguimento da acção, para o reconhecimento do direito de crédito.
Com efeito, mesmo o credor que tenha o direito de crédito reconhecido por decisão definitiva, “não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento”, como resulta, expressamente, do disposto no artº 128º nº 3 do CIRE.
Deste modo, de nada serve a sentença proferida na acção instaurada contra o devedor, a reconhecer eventualmente o direito de crédito, se o credor não reclamar o crédito no processo de insolvência, seja no prazo fixado, para tal efeito, na sentença declaratória da insolvência (artº 128º nº 1 do CIRE), seja ulteriormente nos prazos previstos no artº 146º do CIRE.
A sentença condenatória que se proferisse na acção declarativa não teria quaisquer efeitos no âmbito do processo de insolvência, pois tinha sempre, neste último, de ser efectuada a respectiva reclamação de créditos, sem prejuízo ainda da relação de créditos a apresentar pelo administrador da insolvência, nos termos previstos no artº 129º do CIRE.
Neste contexto, torna-se clara a inutilidade superveniente da lide, depois da sentença declaratória da insolvência, transitada em julgado (cfr. Acs. do TRL de 27.11.2008, Processo nº 9836/2008-6 e de 3.6.2009, Processo nº 2532/05.5TTLSB.L1-4, disponíveis em www.dgsi.pt).
Julga-se portanto extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide – artº 287º al. e) do CPC.
Custas a cargo da massa insolvente, pois foi a insolvência da R. que deu origem à inutilidade dos presentes autos – artº 450º nº 3 do CPC.
Notifique.

Em 26.10.2012, a massa insolvente de “B, S.A.” veio requerer, ao abrigo do disposto no artigo 669º, nº 1, alínea b) do CPC, a reforma da sentença quanto a custas, alegando que, estando em situação de insolvência, está isenta de custas ao abrigo do disposto no artº 4º nº 1, alínea u) do Regulamento das Custas Processuais (RCP). E, por outro lado, as custas sempre teriam de ser suportadas pela autora, pois a situação de insolvência foi involuntária a decorreu da crise imobiliária e financeira, tendo sido qualificada como fortuita, e que a extinção da instância resultou de posição expressa e assumida pela própria autora de omissão de reclamação de créditos da autora no processo de insolvência da ré.

Em 04.01.2013, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre o pedido de reforma da sentença, quanto a custas, da seguinte forma:
(…)
O pedido da R. tem a ver exclusivamente com a condenação em custas feita pelo Tribunal nestes autos.
Está em causa a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, por força da declaração de insolvência da R.

Refere o artº 450º nº 3 do CPC (porque nada foi alegado que permita a aplicação das alíneas do nº 2 do referido preceito), que nos casos de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade das custas fica a cargo do A., salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao R., caso em que este é responsável pela totalidade das custas.
No caso dos autos, a inutilidade da lide resultou claramente da declaração de insolvência da R,, pois tendo esta acção entrado em Juízo em 22.5.2010 e a insolvência sido declarada em 24.10.2011 (v. fls. 568), foi este facto que determinou a extinção da instância. Por isso, é claramente imputável à R. a inutilidade verificada nos autos, devendo ser esta a suportar as custas.
Sendo as custas da responsabilidade da R., será que esta está isenta desse pagamento por força do disposto no artº 4º nº 1 al. u) do RCP.
Pensamos que não.
Refere o artº 4º, nº 1, al. u) do RCP, que estão isentas de custas as sociedades civis ou comerciais, as cooperativas e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada que estejam em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, nos termos da lei, salvo no que respeita às acções que tenham por objecto litígios relativos ao direito do trabalho.
Assim, há que aferir se essa isenção tem por objecto todas as acções em que é parte uma sociedade comercial quando está em estado de insolvência, com exclusão dos litígios laborais e ainda em que momento ela cessa.
No caso dos autos, a R é uma sociedade comercial, sendo que a isenção lhe é conferida quando esteja em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, tal como estes conceitos estão legalmente definidos.
Essa situação de insolvência, tal como definida na lei, cessa a partir da declaração de insolvência, declaração essa que ocorreu, em relação à R., em 24.10.2011.
Na verdade, a partir dessa declaração a sociedade deixa de existir em situação de insolvência, constituindo-se todo o seu património numa massa patrimonial – a massa insolvente – destinada à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo (art. 46º, nº 1 do CIRE).
E essa massa que sucede à sociedade em situação de insolvência, deixa de beneficiar da isenção de custas prescrita na al. u) do nº 1 do art. 4º do RCP, pois esta isenção visa, especifica e literalmente, a sociedade “em situação de insolvência” (cfr. a este propósito, Ac. do TRP de 6.11.2012, Processo nº 352/11.7TBPVZ-B.P1, disponível em www.dgsi.pt).
Assim, não é de aplicar à massa insolvente da sociedade “B” a isenção de custas prescrita no artº 4º nº 1, al. u) do RCP, pelo que se indefere a requerida reforma da sentença quanto a custas.
Notifique

Inconformada com o decidido na sentença de 08.10.2012, na parte que determinou que as custas ficavam a cargo da massa insolvente, foi pela MASSA INSOLVENTE DE “B”, S.A. interposto recurso, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
(…).

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 684º, nº 3 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:

i) DA ISENÇÃO DE CUSTAS DA MASSA INSOLVENTE/RECORRENTE;

ii) DA INEXISTÊNCIA DA RESPONSABILIDADE DAS CUSTAS DA MASSA INSOLVENTE EM RESULTADO DA EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR INUTILIDADE DA LIDE.
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III . FUNDAMENTAÇÃO

A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com relevância para a decisão a proferir, importa ter em consideração a alegação factual referida no relatório deste acórdão, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

i) DA ISENÇÃO DE CUSTAS DA MASSA INSOLVENTE/RECORRENTE


Defende a recorrente a isenção de custas, por virtude do estabelecido no artigo 4º, nº 1, alínea u) do Regulamento de Custas Processuais (RCP).

Estatui, com efeito, a aludida alínea u) do Regulamento das Custas Processuais que: As sociedades civis ou comerciais, as cooperativas e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada que estejam em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, nos termos da lei, salvo no que respeita às acções que tenham por objecto litígios relativos ao direito do trabalho.

A isenção a que respeita o citado normativo estende-se, pois, a toda e qualquer espécie processual, independentemente do órgão jurisdicional onde seja tramitada, com a única excepção relativa às acções do foro laboral.


A propósito desta isenção refere SALVADOR DA COSTA, Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, 162-163 que: Trata-se, para as referidas situações, de uma isenção objectiva, duplamente condicionada, por um lado, em quadro de sujeição a medidas de recuperação da empresa ou de situação de insolvência e, por outro, não se tratar de processo do foro laboral, por isso com uma forte vertente objectiva.

E, muito embora o pressuposto essencial desta isenção seja a verificação, em relação aos sujeitos ali identificados, dos requisitos de apresentação à insolvência, não se exige a sua prévia declaração.

O pressuposto essencial determinante da aludida isenção reside, portanto, na verificação em relação àqueles sujeitos, dos requisitos de apresentação à insolvência.

Ora, a situação de insolvência mostra-se definida no artigo 3º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa (CIRE) da seguinte forma:

“1 - É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.
2 - As pessoas colectivas e os patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente, por forma directa ou indirecta, são também considerados insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis.
3 - Cessa o disposto no número anterior quando o activo seja superior ao passivo, avaliados em conformidade com as seguintes regras:
a) Consideram-se no activo e no passivo os elementos identificáveis, mesmo que não constantes do balanço, pelo seu justo valor;
b) Quando o devedor seja titular de uma empresa, a valorização baseia-se numa perspectiva de continuidade ou de liquidação, consoante o que se afigure mais provável, mas em qualquer caso com exclusão da rubrica de trespasse;

c) Não se incluem no passivo dívidas que apenas hajam de ser pagas à custa de fundos distribuíveis ou do activo restante depois de satisfeitos ou acautelados os direitos dos demais credores do devedor.
4 - Equipara-se à situação de insolvência actual a que seja meramente iminente, no caso de apresentação pelo devedor à insolvência.”

Sucede que, declarada a insolvência, todo o património do devedor, à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo, passa a constituir a massa insolvente, que, conforme decorre do artigo 46º, nº 1 do CIRE, se destina à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas.

Daí que se tem de entender que declarada a insolvência a sociedade deixa de estar em “situação de insolvência”, passando a apresentar-se sob a forma de uma massa patrimonial destinada à satisfação dos credores daquela sociedade.

E, essa massa insolvente, que sucede à sociedade em situação de insolvência, deixa de beneficiar da isenção de custas prescrita na alínea u) do nº 1 do artigo 4º do RCT, pois esta isenção visa, especifica e literalmente, a sociedade “em situação de insolvência” – cfr. neste sentido Ac. R. P de 06.11.2012 (Pº 352/11.7TBPVZ-B.P1), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt.. citado na decisão recorrida que, com sageza, seguiu esta orientação, com a qual se concorda inteiramente.

De resto, a responsabilização da massa insolvente pelas custas mostra-se prevista no artigo 304º do CIRE, pressupondo, evidentemente, que a insolvência haja sido declarada, já que, ocorrendo desistência do pedido de insolvência ou indeferimento liminar do mesmo, a parte isenta será então responsável pelo pagamento das custas, como se estatui no nº 4 do artigo 4º do RCP.


Como bem esclarece SALVADOR DA COSTA, ob. cit., loc, cit., esta isenção “Não é em rigor destinada aos sujeitos passivos da declaração de insolvência a que se reporta o artigo 2º do Código da Insolvência e de Recuperação de Empresa. É mais uma isenção de custas de complexa verificação, sobretudo no que concerne à prova dos pressupostos fáctico-jurídicos da situação de insolvência, porque vai exigir uma decisão de verificação”.

Razão assiste, por conseguinte, à decisão recorrida quando defende que não é de aplicar à massa insolvente/apelante a isenção prescrita na mencionada alínea u) do nº 1 do artigo 4 do RCP.

Improcede, portanto, o que a este propósito consta da apelação da recorrente (Conclusões i. a iii ).

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ii) DA INEXISTÊNCIA DA RESPONSABILIDADE DAS CUSTAS DA MASSA INSOLVENTE EM RESULTADO DA EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR INUTILIDADE DA LIDE


Defende ainda a apelante que não pode ser responsabilizada pelas custas decorrentes da decisão de extinção da instância, pois não deu causa à mesma, já que a situação de insolvência da sociedade “B”, S.A., ré na acção declarativa, foi involuntária e decorreu da crise imobiliária e financeira, tendo sido, de resto, a insolvência qualificada como fortuita e ainda por ter sido a autora quem requereu a extinção da instância.

O artigo 287.º, alínea e) do Código de Processo Civil, estipula que a instância se extingue com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.


A impossibilidade da lide ocorre por morte ou extinção de uma das partes, por desaparecimento ou perecimento do objecto do processo, ou por extinção de um dos interesses em conflito.

Como salienta JOSÉ LEBRE DE FREITAS-JOÃO REDINHA-RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, Coimbra Editora, 512, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui por ele já ter sido atingido por outro meio.

A inutilidade superveniente da lide verifica-se, portanto, quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não possa ter qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo, ou porque o escopo visado com a acção foi atingido por outro meio.

No caso vertente, a autora “A, S.A.” demandou a ré “B, S.A.”, pedindo a condenação desta a determinadas quantias pecuniárias, a título de indemnização, a vários títulos, decorrente de um contrato de empreitada entre elas celebrado e alegadamente incumprido pela ré, empreiteira.

Sucede que a ré foi declarada insolvente, passando todo o seu património a constituir a massa insolvente.

Muito embora não se desconheçam os diferentes entendimentos jurisprudenciais sobre a questão de saber se a declaração de insolvência determina, só por si, a inutilidade das acções declarativas que têm como objecto o reconhecimento judicial de um crédito sobre o insolvente, a verdade é que, o n.º 1 do artigo 47.º do CIRE estabelece que,
«declarada a insolvência, todos os titulares de créditos da natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio».

E, conforme dispõe o artigo 90.º do CIRE os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do aludido Código [o CIRE], durante a pendência do processo de insolvência. Trata-se de um verdadeiro ónus posto a cargo dos credores.

Prescreve, por seu lado, o artigo 128.º do CIRE que, «dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente, reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham» (n.º 1) e que « a verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento» (n.º 3).

Assim, o que releva para efeito de obter o pagamento do crédito no processo de insolvência é apenas a reclamação e a verificação do crédito que é feita no próprio processo de insolvência.

Para poderem beneficiar do processo de insolvência e aí obterem, na medida do que será possível, a satisfação dos seus interesses, os credores têm de nele exercer os direitos que lhes assistem, procedendo à reclamação dos créditos de que sejam titulares, ainda que eles se encontrem já reconhecidos em outro processo.

Ora, transitada em julgado a declaração de insolvência do devedor, não sendo aberto o incidente de qualificação com carácter limitado ou declarado aberto esse incidente, sendo requerido, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 39.º, o complemento da sentença, deixa de
ter interesse o prosseguimento de acção instaurada com vista ao reconhecimento de eventuais direitos de crédito, já que os mesmos terão de ser objecto de reclamação no processo de insolvência.

Assim sendo, forçoso é concluir que no caso vertente, sempre teria o Tribunal a quo que declarar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, ainda que a autora não tivesse tomado posição a esse propósito – v. a título exemplificativo, acerca da extinção por inutilidade superveniente da lide da acção que visa o reconhecimento de um crédito sobre o demandado, que veio a ser declarado insolvente, Acs. STJ de 25.03.2010 (Pº 2532/05.5TTLSB.L1.S1) e de 20.09.2011 (Pº 2435/09.4TBMTS.P1.S1), acessíveis na Internet, no sítio www.dgsi.pt.

De resto, nem sequer está demonstrado nos autos que os bens pertencentes à massa insolvente sejam suficientes para o integral pagamento a todos os credores da sociedade insolvente, antes pelo contrário, como resulta da posição assumida pela autora, a fls. 684, ao fazer referência à Lista de Credores publicitada no Citius, e que, portanto, ainda possa resultar o saldo a que alude o artigo 184º do CIRE, única situação que alguma jurisprudência aponta como justificativa da não extinção da instância por inutilidade da lide – v. Ac. STJ de 15.03.2012 (Pº 501/10.2TVLSB.S1), acessível em www.dgsi.pt.

Assente que não poderia o Tribunal a quo deixar de declarar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, há que aplicar, quanto a custas, o disposto no artigo 447º do C.P.C. que prescreve: Quando a instância se extinguir por impossibilidade ou inutilidade da lide, as custas ficam a cargo do autor, salvo se a impossibilidade ou inutilidade resultar de facto imputável ao réu, que neste caso as pagará.

Como é sabido, a primeira regra a observar, no que concerne à responsabilidade pelas custas, mostra-se prevista no nº 1 do artigo 446º do CPC, de acordo com o qual as custas devem ser pagas pela parte que lhes deu causa, mencionando as diferentes alíneas quando se deve considerar estabelecida essa relação causal.

É certo que há casos em que se não pode dizer que as custas foram causadas por uma das partes, ou que não haja vencidos nem vencedor.

Como refere JACINTO FERNANDES RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. II, 3ª ed., 209, É, ainda previsível que em consequência da extinção da instância por superveniente impossibilidade ou inutilidade da lide, aconteça não ser possível estabelecer relação causal entre qualquer das partes e os encargos produzidos, em caso em que nenhuma delas tire proveito do processo. Ficam as custas, então, para serem pagas pelo autor. É ainda uma forma de responsabilidade objectiva, baseada no risco que corre qualquer autor de ver extinta a instância por aquele motivo.

Mas, ao critério do risco estabelecido na 1ª parte do artigo 447º do CPC, aponta a lei, na 2ª parte do preceito, outro critério baseado em facto imputável ao réu.

Na situação em causa nos autos, e como acima ficou dito, a inutilidade da lide derivou precisamente da circunstância de a ré ter sido declarada insolvente, com a consequente necessidade de a autora, caso pretenda obter o pagamento do seu alegado crédito, ter de o reclamar no processo de insolvência, aí se tendo de proceder à verificação desse invocado crédito.

Alega também o apelante, para justificar a não responsabilidade pelas custas, a circunstância de a insolvência ter sido qualificada como fortuita.

Sucede que a decisão proferida no processo de insolvência quanto à qualificação da mesma, pouco releva para o caso em apreço, já que foi a declaração de insolvência que deu origem à inutilidade da instância, logo, as custas terão de ser imputadas, neste caso, à massa insolvente – v. neste sentido Ac. R.L. 01.07.1999 (Pº 0031552) e Ac. R. P. de 18.12.2001 (Pº 0121720), acessíveis no supra mencionado sítio da Internet.


Bem andou, pois, o Tribunal a quo ao declarar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, responsabilizando a massa insolvente pelas inerentes custas processuais.

Soçobra, por conseguinte, a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

A apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

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IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Condena-se a apelante no pagamento das custas respectivas.

Lisboa, 18 de Abril de 2013

Ondina Carmo Alves - Relatora
Pedro Maria Martin Martins
Eduardo José Oliveira Azevedo