INJUNÇÃO
HONORÁRIOS
ADVOGADO
ABALROAÇÃO
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
Sumário

Sumário do Relator
I – Não existe fundamento legal para excluir as acções de honorários, intentadas por advogado na sequência da prestação dos serviços próprios desta sua profissão, do âmbito das acções especiais para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, previstas no Decreto-Lei n.º269/98, de 1 de Setembro.
Porém,
II – Tendo a requerente peticionado um valor superior a € 15.000,00, estabelecido como limite previsto no artigo 1º do Decreto-lei nº 269/98, de 1 de Setembro, e não sendo a relação jurídica passível de ser qualificada como transacção comercial, verifica-se erro na forma de processo utilizada.
Acresce que
III - Não há, neste caso, possibilidade de aproveitamento do processado uma vez que do mesmo resulta uma diminuição das garantias de defesa da requerida, atendendo a que o seguimento do processo far-se-ia nos termos especiais do artigo 3º e 4º do Decreto-lei nº 269/98 de 1 de Setembro e não segundo a tramitação inerente à acção declarativa comum.

Texto Integral

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa (7ªSecção).

I – RELATÓRIO.
 Intentou M. contra D. a presente acção especial para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, proveniente de procedimento de injunção, pedindo a condenação da requerida no pagamento da quantia de € 25.000,00, a título de capital, bem como de juros de mora à taxa legal vencidos e vincendos até integral pagamento e perfazendo os vencidos a quantia de € 1.780.25.
Tal requerimento entrou em juízo em 8 de Outubro de 2012.
Regularmente citada, a requerida deduziu oposição invocando erro na forma de processo, na medida em que o procedimento injuntivo ultrapassa o valor da alçada do Tribunal da Relação, não se estando na presença de uma transacção comercial ; a sua ilegitimidade passiva ; impugnando ainda o valor dos honorários ; o reconhecimento do seu direito de retenção sob a verba de € 2.330,00 que se encontram em poder da requerente.
Notificada a A. para se pronunciar, pugnou a mesma pela improcedência da oposição, aludindo a que, para efeitos do disposto no Decreto-lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, os serviços prestados pela A. são equiparados a transacção comercial, sendo legalmente admissível o procedimento de injunção e não se verificando qualquer erro na forma de processo e pela inexistência de ilegitimidade passiva e do direito de retenção invocado pela requerida.
Foi proferida decisão considerando existir erro na forma de processo, declarando nulo o processado e absolvendo a requerida da instância ( cfr. fls. 85 a 87 ).
Apresentou a requerente recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação ( cfr. fls. 122 ).
Juntas as competentes alegações, a fls. 90 a 106, formulou a apelante as seguintes conclusões :
(…)

II – FACTOS PROVADOS.
Os indicados no RELATÓRIO supra.
 
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar :
Procedimento de injunção. Acção especial para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato. Pedido de pagamento de honorários com base na relação de mandato ( advogado ). Erro na forma de processo.  
Passemos à sua análise :
Consta da decisão recorrida :
“A questão que aqui se suscita é a de saber se o procedimento de injunção (como assim, a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato) é adequado para exigir judicialmente o pagamento de honorários a advogado, independentemente do seu valor.
A resposta é, na nossa opinião, negativa.
Com efeito, se é certo que o mandato forense tem natureza contratual e que os honorários constituem uma obrigação pecuniária, não é menos verdade que esta obrigação não surge liquidada em definitivo ab initio. Só assim não sucederia se os honorários estivessem já previamente fixados contratualmente (conforme prevê o art.100º, nºs 1 e 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados) – ou tabelados, o que é ilegal, como se sabe.
Ou seja, contrariamente aos contratos para que o Dec.Lei nº 269/98 foi pensado, no mandato forense, à partida, não se encontra convencionado o “preço” devido. Tal “preço” será obtido em consideração do preceituado no art.100º, nº3 do referido Estatuto da Ordem dos Advogados, pressupondo-se ainda a possibilidade de emissão de laudo por esta Ordem.
No mesmo sentido, leia-se Salvador da Costa, Da Injunção e as Conexas Acção e Execução (4ª Ed., págs.41 ss.), onde se discorre também das razões pelas quais a Directiva nº 2000/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho de 2000, não infirma a conclusão a que chegámos, pois que os honorários em questão não fazem parte de uma tabela prévia nem foram fixados por acordo das partes.
Verifica-se, pois, erro na forma do processo, gerador de nulidade passível de ser conhecida oficiosamente pelo tribunal (artigos 202º e 206º, 2, ambos do Código de Processo Civil).
E porque o procedimento de injunção tem uma natureza bem diversa da acção declarativa de condenação, não pode deixar de concluir-se que os actos praticados (mormente o requerimento inicial), não são aproveitáveis “.
Apreciando :
À partida, não há qualquer motivo, quer de ordem substantiva, quer processual, para o crédito resultante de uma normal relação contratual de mandato não poder ser abrangido pela previsão do artº 1º do Decreto-lei nº 269/98, 1 de Setembro.
Concretamente,
Não existe fundamento legal para excluir as acções de honorários, intentadas por advogado na sequência da prestação dos serviços próprios desta sua profissão, do âmbito próprio das acções para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, previstas no Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro.
Assim sendo, visando a requerente exigir o pagamento da retribuição que liquidou e que lhe será devida em função do cumprimento de mandato judicial, previamente acordado com a requerida, tal matéria insere-se e reconduz-se ao cumprimento de uma obrigação pecuniária emergente de um contrato celebrado entre as partes, in casu um contrato de mandato oneroso, legalmente tipificado nos artigos 1157.º e 1158.º do Código Civil.
É absolutamente irrelevante, para estes precisos efeitos, que a quantia final de que a A. é titular, respeitante aos serviços prestados enquanto advogada da Ré, não tenha sido antecipadamente acordada.
Neste sentido,
 Incumbirá à requerente a alegação e prova dos factos constitutivos do seu direito, a saber a existência de um contrato de mandato oneroso, da prestação de determinados serviços e do valor dos mesmos.
Assiste, nesta medida, à requerente, em termos gerais, o direito a lançar mão deste procedimento especial.
 Sobre esta matéria – e sufragando a posição supra assumida - vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de Setembro de 2009 ( relatora Cristina Coelho )[1], publicado in www.dgsi.pt ; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de Junho de 2006 ( relatora Deolinda Varão ), publicado in www.dgsi.pt. ; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2 de Outubro de 2012 ( relatora Maria do Rosário Morgado, publicado in www.dgsi.pt ; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 1 de Julho de 2010 ( relator Aguiar Pereira ) publicitado in www.jusnet.pt.
Contudo,
Na situação sub judice, não está em causa um crédito resultante de qualquer transacção comercial, tal como o conceito se encontra retratado no artigo 3º, alínea a) do Decreto-lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, a saber “ …qualquer transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra remuneração “.
É evidente que os serviços jurídicos prestados por um causídico a uma pessoa singular, sua cliente, inseridos no âmbito de um contrato de mandato judicial, não revestem a natureza de transacção comercial para os efeitos consignados no mencionado diploma legal.
Com efeito,
Não se trata obviamente de um relacionamento travado entre empresas, tendo o cliente da A. que ser forçosamente encarado como “ consumidor “, nos termos e para os efeitos do artigo 2º, nº 2, alínea a) do Decreto-lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro.  
 Assim sendo,
 o recurso ao procedimento destinado ao cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato – a que a A. recorreu – encontra-se condicionado pela circunstância do valor do pedido não exceder € 15.000,00 ( quinze mil euros ), conforme estipula o artigo 1º do Diploma Preambular do Decreto-lei nº 269/98, de 1 de Setembro.
No requerimento apresentado pela A. tal limite máximo foi manifestamente ultrapassado ( só o pedido de capital ascende a € 25.000,00 ).
Logo, a requerente serviu-se um meio processual inidóneo para alcançar o desiderato pretendido.
Existe, portanto e efectivamente, erro na forma de processo por si utilizada.
Por outro lado,
Não há possibilidade de aproveitamento do processado uma vez que do mesmo resultaria uma flagrante diminuição das garantias de defesa da requerida ( artº 199º, nº 2 do Código de Processo Civil )[2].
Com efeito,
O seguimento do processo far-se-ia nos termos especiais do artigo 3º e 4º do Decreto-lei nº 269/98 de 1 de Setembro e não segundo a tramitação comum da acção declarativa[3].
Os direitos de defesa a exercer, pela requerida, numa acção com este avultado valor ficariam necessariamente comprimidos, o que não é, como se compreende, admissível.
A solução correcta é, por conseguinte e com estes fundamentos, a adoptada pela 1ª instância[4].
Improcede, nestes termos, a apelação.
 
IV - DECISÃO : 
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar  improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Lisboa, 30 de Abril de 2013.
 
( Luís Espírito Santo ).
                                                  
( Gouveia Barros ).
            
( Conceição Saavedra ).
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  [1] Onde se alude a que : “ Pretendendo o requerente exigir o pagamento de determinada quantia em dinheiro devida pelo cumprimento de mandato judicial acordado com a requerida, em causa está o cumprimento de obrigação pecuniária emergente de um contrato celebrado entre as partes ( artsº 1157º e 1158º do CC ). Podia, pois, o requerente lançar mão do processo de injunção, tendo por base a nota de despesas e honorários que enviou à requerida. Deduzida oposição, a acção transforma-se em acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, a tal não obstando o facto de a questão ter de ser decidida tendo em conta o disposto nos artsº 1158º, nº 2 do CC e 100º do EOA “.
[2] Pode mesmo dizer-se que a admitir-se, por hipótese, o aproveitamento do processado, não só se violentaria frontalmente o sentido da lei - que fixa um limite máximo para o valor do pedido -, como se “ abriria a porta “ a todo o tipo de abusos, permitindo-se encaixar neste procedimento simplificado acções
declarativas comuns, de valores avultados, que pela sua natureza e complexidade pressupõem um formalismo muito mais garantístico - o qual ficaria, por esta enviesada via, torpedeado.
[3] O que não sucederia se se tratasse de uma transacção comercial – vide artigo 7º, nº 2 do Decreto-lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro.
[4] Competindo à requerente o recurso à acção declarativa comum ao seu dispor.