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INSOLVÊNCIA
APREENSÃO PARA A MASSA DA PARTE
NÃO RELATIVAMENTE IMPENHORÁVEL
PENSÃO DO INSOLVENTE
Sumário
I – Nos termos do artigo 46º do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas a massa insolvente abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo. Apenas se excluem, em princípio, dessa massa os bens impenhoráveis quedando todos os restantes adstritos à satisfação dos interesses dos respetivos credores. II- Deste modo, é válida a apreensão para a massa insolvente da parte de uma pensão auferida pelo insolvente que não seja relativamente impenhorável. III- Esta apreensão não deve ser posta em causa pelo facto de o insolvente ter requerido a exoneração do passivo restante porquanto os efeitos deste pedido apenas têm lugar após o encerramento do processo de insolvência, mantendo-se a apreensão até esse momento.
Texto Integral
Processo 1224/11.0TJPRT-H.P1
I – Relatório
Recorrente(s): Massa Insolvente B....
Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Cível do Porto.
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Por despacho datado de 07.07.2017, entendeu o Tribunal “a quo” que:
“Não é entendimento deste Tribunal que o A.J. pudesse apreender 1/3 da pensão e/ou salário auferido pelo insolvente na sequência da declaração de insolvência ou da admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante (...)”.
Em função desse entendimento o tribunal “a quo” determinou que:
“Desta forma as quantias apreendidas não deverão ser consideradas como receitas da massa insolvente e, assim sendo, não terão repercussão na remuneração variável a atribuir ao AJ. E, em face do exposto terão de ser refeitos os cálculos da remuneração variável, pelo que se determina a notificação do AJ. para indicar o saldo proveniente da liquidação de bens. (...)”
Decidiu ainda que:
“Existe, ainda, uma questão a decidir que será a do destino a dar às verbas cedidas pelo insolvente desde 24.2.2011, ou seja, em período anterior ao despacho de encerramento que não foi ainda proferido. Entendemos, no entanto que, que começando de imediato os insolventes a ceder o rendimento disponível, nos termos do art.º 239°, n.° 4, alínea c) do CIRE, é razoável uma interpretação extensiva do disposto no art.º 239°, n.° 2 do CIRE, que permita considerar que o período de cessão (de 5 anos) e a referida cedência do rendimento disponível pode legalmente e de facto ocorrer, independentemente da prolação do despacho de encerramento, após o despacho de admissão liminar do pedido de exoneração do passivo. Notifique.”
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Inconformada a massa insolvente deduziu o presente recurso relativamente a tal decisão onde formula as seguintes conclusões:
I - Não concorda a recorrente com a decisão recorrida e com as consequências ulteriores, seja quanto à remuneração do Administrador da Insolvência, seja quanto ao início do período de cessão para efeitos de exoneração, razão de ser da legitimidade do presente recurso.
II. Desde logo, cumpre assentar, no que ao presente recurso interessa que:
• o Administrador da Insolvência/recorrente procedeu ao envio, em 2012, de carta ao Centro Nacional de Pensões, com vista à apreensão de 1/3 da pensão do insolvente;
• o que vem sucedendo desde 12.03.2012, sendo o montante depositado/transferido mensalmente para a conta da Massa Insolvente;
• sem que alguma vez tenha havido oposição do insolvente, quer junto do Administrador da Insolvência/recorrente, quer - tanto quanto é dado conhecer ao recorrente - nos autos.
III. Por outro lado, cumpre ainda ter presente que foi proferido despacho de admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante, em 23.02.2012, devidamente transitado em julgado, o qual determinou que o hiato temporal de cessão do rendimento disponível iniciar-se-ia com o encerramento do processo, o que ainda não sucedeu.
IV. Assim, a questão fundamental do presente recurso prende-se com a admissibilidade (ou não) da apreensão de 1/3 da pensão do insolvente, em situação análoga à da penhora em sede de execução, no âmbito da Liquidação do Activo e até ao encerramento do processo. Ora;
V. Salvo melhor opinião e com o devido respeito, entende o recorrente que tal apreensão é admissível e legal, incorrendo a decisão recorrido em erro na aplicação do direito. É que;
VI. Nos termos da legislação especial aplicável – art.ºs 149º e 150º do C.I.R.E. – compete ao Administrador da Insolvência proceder à apreensão dos respectivos montantes para o acervo da Massa Insolvente;
VII. Por outro lado, estabelecem os art.ºs 46.º do CIRE e 735.º do CPCivil que, a massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.
VIII. E refere o seu n.º 2 que, os bens isentos de penhora só são integrados na massa insolvente se o devedor voluntariamente os apresentar e a impenhorabilidade não for absoluta.
IX. Ora, a tal respeito, dispõe o n.º 1 do art.º 738.º do CPCivil que são impenhoráveis dois terços dos vencimentos, salários ou prestações de natureza semelhante, auferidos pelos executados.
X. Deste modo, o vencimento do insolvente não está isento de penhora, sendo parcialmente penhorável nos termos da lei.
XI. Perante tais normativos, temos que um terço do vencimento trata-se em si de um bem penhorável, e que os bens penhoráveis (por não estarem isentos de penhora) integram a massa insolvente e devem, como tal e nessa proporção, tal fracção do vencimento, ser penhorados/apreendidos.
SEM PRESCINDIR;
XII. Ainda que assim não se entendesse e cautelarmente, mesmo que fosse admissível o entendimento de que a isenção de penhora abrange a totalidade do vencimento/pensão do devedor - o que não se concede -, a lei prevê que “os bens isentos de penhora só são integrados na massa insolvente se o devedor voluntariamente os apresentar e a impenhorabilidade não for absoluta”.
XIII. Deste modo, deverá considerar-se que a ausência de qualquer oposição ou reclamação por parte do insolvente e ao longo de mais de SETE (7) ANOS enquanto perdurou a Liquidação do Activo do insolvente, na certeza de que este recebia mensalmente o remanescente da sua pensão, onde constava a referida apreensão;
XIV. Corresponde à vontade, ainda que tácita, de entrega voluntária de tais montante para apreensão;
XV. O que, ainda e sempre cautelarmente, sempre deveria ter sido reconhecido e declarado pelo Tribunal a quo.
ISTO DITO;
XVI. A procedência do recurso nesta parte determina necessariamente a revogação de toda a parte ulterior do despacho no sentido de que “em face do exposto terão de ser refeitos os cálculos da remuneração variável” e de que “começando de imediato os insolventes a ceder o rendimento disponível, nos termos do art.º 239°, n.° 4, alínea c) do CIRE, (...) pode legalmente e de facto ocorrer, independentemente da prolação do despacho de encerramento, após o despacho de admissão liminar do pedido de exoneração do passivo”, o que deverá igualmente ser determinado.
ASSIM;
XVII. E por tudo quanto resulta exposto, a decisão recorrida viola o disposto nos art.ºs 46.º, 149.º e 150.º, todos do CIRE e os art.ºs 735.º n.ºs 1 e 2 e 738.º n.º 1, ambos do CPCivil,
XVIII. Devendo a mesma ser objecto de revogação e substituída por outra que, da lavra dos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação, determine a validade da apreensão do montante mensal correspondente a 1/3 da pensão do insolvente no âmbito da Liquidação do activo do Processo de Insolvência, revogando-se igualmente o remanescente do despacho na medida em que contende com a prévia decisão cuja revogação é peticionada.
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II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;
O objecto do recurso é delimitado pelas alegações e decorrentes conclusões, não podendo este Tribunal de 2.ª instância conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais que aqui não relevam.
No caso cumpre decidir se pode, ou não, haver lugar à apreensão a favor da massa insolvente de pensões e/ou salários do insolvente, tendo este formulado pedido de exoneração do passivo restante.
III) Factos Provados
Os que constam do relatório que antecede.
IV – Direito Aplicável
A questão fulcral que se discute no âmbito do presente recurso prende-se com a possibilidade de haver lugar à apreensão a favor da massa insolvente de rendimentos provindos de pensões ou salário de insolventes que formularam pedido de exoneração do passivo restante.
Pese alguma divergência jurisprudencial parece-nos que a tendência claramente maioritária vai no sentido de uma resposta positiva à enunciada questão jurídica sendo que – avancemos já - igualmente aderimos a tal entendimento (relativamente à polémica jurisprudencial e entendimento maioritário leia-se, por todos, o Acórdão da Relação de Guimarães de 15 de Março de 2016, processo nº 4248/15.5T8GMR-D.G1, em dgsi.pt).
A resposta, no essencial, encontra-se no artº 46º do CIRE o qual determina, inapelavelmente, que a massa insolvente “abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo» (nº 1), apenas excluindo os “bens isentos de penhora” – ou seja, bens impenhoráveis –, embora mesmo estes possam ser “integrados na massa insolvente se o devedor voluntariamente os apresentar e a impenhorabilidade não for absoluta” (nº 2).
Donde, para apurar se um dado bem pode, ou não, ser apreendido para a massa insolvente teremos que apurar se o mesmo é impenhorável, matéria estabelecida no artº 738º, nº 1, do Código do Processo Civil (idêntico no essencial, ao disposto no artº 824º, nº 1, al. a), do anterior Código) que estipula a possibilidade de penhora parcial de salários e/ou pensões, no caso de 1/3.
Assim uma qualquer impenhorabilidade deve respeitar os limites definidos no nº 3 da respectiva disposição legal: “A impenhorabilidade prescrita no nº 1 tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional”
Ora, aceitando-se essa penhorabilidade de 1/3 da pensão auferida, uma vez salvaguardado aquele limite mínimo, o que nos autos não foi posto em causa, nada obsta que essa fracção possa ser apreendida, como foi, para a massa insolvente.
Além disso, essa apreensão – correspondente a uma penhora parcial - em nada contende com a ponderação de um pedido de exoneração do passivo restante.
Como é consabido, prevê-se, no âmbito desse pedido, a cessão do rendimento disponível que o insolvente venha a auferir, em favor de um fiduciário, que terá a incumbência da sua gestão em função de objectivos definidos na lei – deste modo, estabelece o artº 239º, nº 3, alínea b) do CIRE, que “integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão: (…) b) Do que seja razoavelmente necessário para: i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional”.
Ambas as situações descritas em nada se confundem na justa medida em que essa cessão do rendimento disponível, decorrente da exoneração do passivo restante, apenas ocorre após o “encerramento do processo de insolvência” (cfr. artº 239º, nº 1, do CIRE).
Ou seja, a apreensão para a massa insolvente de quaisquer rendimentos do insolvente só ocorre em momento anterior ao encerramento e só após este encerramento poderá surgir a definitiva cessão do rendimento disponível o que origina a compatibilidade entre os dois institutos, conforme pretendido pelo legislador.
Este entendimento é abundantemente expresso em vários arestos como é o caso no nosso Supremo Tribunal o de 30/06/2011 (Proc. 191/08.2TBSJM-H.P1.S1, www.dgsi.pt), da Relação de Lisboa de 14/3/2013 (Proc. 4343/12.2TBVFX-D.L1-6, www.dgsi.pt), onde se pode ler: “(...) a apreensão para a massa insolvente das aludidas quantias em nada colide com o referido instituto de exoneração do passivo restante, pois que este só opera em momento subsequente ao encerramento do processo, enquanto aquela apreensão se mantém até ao seu encerramento” e finalmente o Ac. da Relação de Évora, de 29.01.2015, processo nº 433/13.2TBELV-C.E1 que vimos acompanhando de perto e que cita igualmente vários outros arestos.
Secundamos, portanto, o entendimento expresso igualmente na doutrina designadamente em Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, pág. 658, onde se escreve “ter manifesta falta de fundamento legal a orientação jurisprudencial que considera que os rendimentos do trabalho ou de pensões de reforma não devem ser apreendidos para a massa insolvente”, acrescentando, ainda, que “a apreensão para a massa insolvente dos rendimentos auferidos pelo insolvente (os rendimentos futuros incluem-se na massa, nos termos do artigo 46º) não impede a cessão de rendimentos que precede a exoneração do passivo restante, pois esta cessão de rendimentos só se inicia após o encerramento do processo de insolvência. Ou seja, a partir do encerramento do processo de insolvência, os rendimentos deixam de ser apreendidos para a massa e passam a estar sujeitos ao referido regime de cessão”.
Em síntese definitiva, tomando partido na presente querela em sentido contrário ao expresso na douta decisão sob escrutínio, irá revogar-se esta, procedendo o recurso deduzido e considerando-se, consequentemente, válida a apreensão para a massa insolvente do montante mensal correspondente a 1/3 da pensão do insolvente com as consequências decorrentes, designadamente quanto à remuneração do Sr. Administrador.
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Importa agora proceder à sumariação prevista pelo art.663º, nº7 do Código do Processo Civil):
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V – Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar procedente o recurso deduzido, revogando-se a decisão proferida e considerando válida a apreensão do montante mensal correspondente a 1/3 da pensão do insolvente no âmbito da liquidação do activo no presente processo de insolvência.
Sem custas.
Porto, 16 de Janeiro de 2018
José Igreja Matos
Rui Moreira (Vencido. Conforme decidido no Ac. deste TRP proferido no processo nº 654/12.5TBESP-D.P1, de que fui relator, considero, tal como o tribunal recorrido, que a pensão auferida pelo insolvente não deveria ter sido apreendida para a massa insolvente, até ao encerramento do processo. Por tal motivo, votaria a confirmação da decisão recorrida, relativamente à qual tal questão constitui premissa.)
Lina Baptista