Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
ACESSÃO INDUSTRIAL IMOBILIÁRIA
ÓNUS DA ALEGAÇÃO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
FALTA
OMISSÃO DE DILIGÊNCIAS ESSENCIAIS
Sumário
1. Pretendendo o demandante que lhe seja reconhecido o direito de propriedade sobre determinado prédio urbano, por via da acessão industrial imobiliária, incumbe-lhe articular os factos conducentes a essa forma aquisição (art. 1340º do Cód. Civil) deduzindo o pedido correspondente; 2. O convite ao aperfeiçoamento a que alude o art. 508º, nº3 do Cód. do Processo Civil não serve para o demandante suprir a notória insuficiência verificada a nível do ónus de alegação dos factos constitutivos da causa de pedir e muito menos para suprir a completa omissão de formulação da correspondente pretensão material; 3. Formulando o autor pedido típico de acção de reivindicação de coisa imóvel com base na aquisição do direito de propriedade por usucapião, é exclusivamente nesses precisos limites que o tribunal pode/deve apreciar e resolver o litígio assim desenhado pelo demandante. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa
1. RELATÓRIO
JD intentou a presente acção, que segue a forma de processo ordinário, contra o IN…- S.A., pedindo que:
a) Se declare que o prédio rústico identificado no art. 1º da petição inicial que identifica é propriedade do autor;
b) Se condene a ré a reconhecer tal direito e a abster-se de praticar quaisquer actos turbadores do seu exercício.
Para fundamentar a sua pretensão invoca, em síntese, que:
Desde 23 de Dezembro de 1989 ocupa uma parcela do prédio rústico com o artigo cadastral da freguesia de (…), concelho de (…), com a área de 537,62 m2, onde primeiro construiu uma barraca e mais tarde um imóvel para sua habitação, onde fixou a sua residência e do seu agregado familiar.
Ocupa tal parcela há mais de 20 anos, à vista de todos e sem oposição de ninguém, na convicção de exercer um direito de propriedade e comportando-se como proprietário.
Conclui que adquiriu tal parcela de terreno por usucapião.
“Para além do facto, da aquisição da propriedade do referido imóvel pelo A, ter ocorrido também por acessão industrial imobiliária – cfr. artigo 1333º, nº1, do Código Civil”.
A ré contestou e deduziu pedido reconvencional, pedindo o reconhecimento do deu direito de propriedade sobre o prédio e condenação do réu a demolir a construção ilegal nele implantada, restituindo à autora a parcela ocupada.
Invoca que é proprietária de todo o prédio rústico, que adquiriu em 1971 e que está registado em seu nome na Conservatória do Registo Predial de S…, que se insere, no PDM de …, na classe de espaço industrial, do qual o autor ocupou uma parcela ilicitamente e sem título.
Impugna os factos alegados pelo autor, referindo desconhecer qualquer ocupação, que nunca consentiu e que construção ali existente é clandestina. O autor só a partir de 1993 dispõe de autorização e residência em Portugal, nunca tendo decorrido o prazo necessário para a aquisição por usucapião.
O autor replicou, concluindo como na petição inicial e pedindo a improcedência da reconvenção.
Por despacho de fls. 158 foi o autor convidado a apresentar nova petição inicial, suprindo insuficiências, o que o mesmo veio fazer.
Realizou-se audiência preliminar, com despacho saneador, seleccionou-se a matéria assente e organizou-se a base instrutória, que não tiveram reclamação.
Procedeu-se a julgamento e respondeu-se à matéria de facto que integra a base instrutória, sem reclamações.
Proferiu-se sentença que concluiu nos seguintes termos:
“Por tudo o exposto, julgo a presente acção intentada por JD, totalmente improcedente por não provada, absolvendo a R. IN.. S.A., do pedido contra ela formulado nestes autos.
Julgo o pedido reconvencional formulado pela R. contra o A. procedente por provado, reconhecendo a mesma como proprietária do prédio rústico registado na 1ª Conservatória do Registo Predial de …, a seu favor, (…)Concelho de … e condeno o R. a demolir a construção que aí efectuou, restituindo a parcela de terreno que ocupou à R. livre de pessoas e bens.
Custas pelo A.
Registe e notifique”.
Não se conformando, o autor apelou formulando as seguintes conclusões: “(…)”.
A ré apresentou contra alegações.
Cumpre apreciar.
II. FUNDAMENTOS DE FACTO
A 1ª instância deu por assente a seguinte factualidade:
1. Encontra-se registado na 1ª Conservatória do Registo Predial de …, a favor da ré, o prédio rústico sito na (…). Doc. nº 1 junto a fls. 13. (a).
2. Encontra-se inscrito no serviço de Finanças de …, …ª Repartição, com a inscrição matricial nº (…) um imóvel destinado a habitação, de génese ilegal. Doc. nº 2 junto a fls. 21, que se dá como reproduzido. (b).
3. O autor, em 2002.07.17, foi constituído arguido no processo de contraordenação n.º (…), quando procedia à colocação de uma lage de betão. Doc. nº 3, junto a fls. 16 e ss. (c).
4. Em 2006.10.17, o autor foi constituído arguido no processo de contraordenação n.º (…), quando procedia à construção de um edifício de habitação com, aproximadamente, uma área de 60m2, encontrando-se o mesmo já edificado e rebocado, sem que para tal acto estivesse devidamente licenciado. Doc. nº 3, junto a fls. 16 e ss. (d).
5. Em 2006.11.21, o autor deu entrada na Câmara Municipal de …, do pedido de legalização da edificação localizada na morada supra referida. Doc.nº5, junto a fls. 25, que se dá por integralmente reproduzido. (e).
6. Em 2004.12.18, foi instalado na habitação do autor, supra identificada, os serviços de televisão por cabo. (f).
7. Em 2006.07.13, é celebrado contrato de fornecimento de energia elétrica, entre o autor, e a EDP Distribuição Energia S.A. (g).
8. Em Agosto de 2010, é celebrado contrato de fornecimento de água, entre o autor e o SMAS de Sintra. (h).
9. No presente, o autor é fiscalmente tributado em sede de Imposto Municipal Sobre Imóveis. (i).
10. A ré adquiriu por escritura pública de compra e venda, outorgada no 4º Cartório Notarial de Lisboa, em 27/10/1971, o prédio rústico, sito (…), com uma área total de100.280 m2, aquisição que se encontra registada em seu nome na 1ª Conservatória do Registo Predial de ..(…). Doc. fls. 110 ss. e 118 ss. (j).
11. O prédio rústico referido, de acordo com a Planta de Ordenamento e o Regulamento do Plano Diretor Municipal de … está inserido na classe de espaço industrial. (l).
12. O autor intentou a acção que corre termos na Unidade Orgânica 1, do Tribunal Administrativo e Fiscal de …, Proc.º ...O..T, no qual a ré intervém na qualidade de contra-interessada, pondo em causa um procedimento coercivo de demolição de obras por si executadas, instaurado pela Câmara Municipal de …. Doc. fls. 163 ss. (m).
13. O autor dispõe de autorização de residência em Portugal, a partir de 2 de Julho de 1993. Doc. junto a fls. 122 que se dá por integralmente reproduzido. (n).
14. Em 2007, a residência habitual declarada pelo autor no Assento de Nascimento n.º (…), emitido pela Conservatória do Registo Civil de Queluz é a Rua (…). Doc. fls. 123. (o).
15. O autor ocupa a parcela 1, do prédio rústico referido em a). (artº 1º).
16. O imóvel que foi sendo construído pelo autor na parcela de prédio referida em a) no decurso dos anos subsequentes, constitui a habitação própria permanente do autor e do seu agregado familiar. (artº 2º).
17. Na referida habitação o autor, juntamente com o seu agregado familiar, fixou a sua residência, constituindo esta a casa de morada de família, tendo organizado a sua vida, bem como a do seu agregado familiar. (artº 4º).
18. O autor ocupa a parcela do prédio rústico identificado, desde 1998, sem qualquer interrupção no tempo, à vista de toda a gente e com conhecimento de familiares, amigos e vizinhos. (artº 5º).
19. O autor indica como residência habitual a Rua (…). (artº 8º).
20. Anteriormente o autor indicou como a sua residência, a Rua(…). (artº 9º).
III- FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 684º, nº 3 e 685º-A do C.P.C. – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 664 do mesmo diploma.
Considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo apelante, assentamos que, no caso dos autos, está em causa apreciar:
- do julgamento da matéria de facto;
- dos pressupostos da prolação de convite ao aperfeiçoamento dos articulados: o art. 508º do Cód. do Processo Civil;
- da nulidade da sentença por omissão de pronúncia: a aquisição do direito de propriedade por acessão imobiliária industrial;
- da boa/má fé do possuidor: o art. 1260º, nº2 do Código Civil;
- da violação de princípios constitucionais.
2. A impugnação do julgamento feito pela 1ª instância quanto à matéria de facto deve obedecer aos requisitos enunciados no art. 685º- B, nº1 do C.P.C., isto é, indicar “os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados” – alínea a) – e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação neles realizada, que impunham decisão diversa da preconizada pelo tribunal – alínea b). Neste último caso e nos termos do nº2 do preceito, deve ainda o recorrente “indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição”.
No caso, a recorrida considera que o apelante não cumpriu tais exigências pelo que propugna pela rejeição do recurso nesta parte.
Não temos dúvidas em afirmar que neste concreto ponto as alegações de recurso não primam pela clareza e linearidade. Lendo a motivação de recurso facilmente se constacta que o apelante misturou a impugnação de facto com a impugnação de direito, em amálgama, sem qualquer preocupação de sistematização das questões.
Em todo o caso, num esforço de interpretação, e por muito parca que seja a fundamentação, ainda é possível identificar algumas matérias em que o apelante expõe suficientemente o seu pensamento, de forma a que se alcança minimamente o seu percurso de avaliação, sendo certo que, quando à indicação precisa “das passagens da gravação”, nos bastamos com o assinalar da parte do depoimento que é pertinente, incumbindo a esta Relação proceder à audição pertinente.
Assim sendo, e não olvidando as posições que se foram formando a nível jurisprudencial a propósito do modo como a Relação deve exercer os seus poderes/deveres em matéria de reapreciação da prova produzida em 1ª instância [ [1] ], independentemente de se optar por uma posição mais restritiva [ [2] ] ou mais abrangente [ [3] ] – não se ignora os inúmeros arestos dos STJ que se têm pronunciado neste último sentido, sendo que se trata de uma jurisprudência qualificada e de valor reforçado (art. 8º, nº3 do Cód. Civil) – nada obsta ao conhecimento do recurso, nessa parte e nos termos que passamos a expôr.
(…)
Mantém-se, pois, nos seus precisos termos, o julgamento da matéria de facto efectuado pelo tribunal a quo, julgamento que é correcto em face da prova produzida.
3. Entendendo-se a causa de pedir como “o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido” [ [4] ], é absolutamente indiscutível que incumbe ao demandante articular os factos conducentes à aquisição originária do direito de propriedade ou, tratando-se de aquisição derivada, as sucessivas transmissões, com vista a apreciar se o direito já existia no transmitente, até chegar à aquisição originária do domínio [ [5] ]. Assim e a título exemplificativo, a invocação singela de um negócio translativo de propriedade – por exemplo o contrato de compra e venda –, não é de molde a fundamentar a pretensão de reconhecimento desse direito. Só assim não será se aquele que se arroga a titularidade do direito beneficiar da presunção legal propriedade enunciada no art. 7º do Cód. do Registo Predial, bastando-lhe, então, a alegação dos factos pertinentes ao funcionamento da presunção, devendo juntar documento comprovativo do registo de inscrição a seu favor, como aconteceu com a ré com referência ao pedido reconvencional deduzido.
Assentes estes pressupostos que, diga-se, são inteiramente consensuais na doutrina e na jurisprudência, o que fica em aberto atentos os termos das alegações de recurso é a discussão sobre a natureza do vício que enferma a petição inicial.
O autor formulou o pedido supra indicado e em sede de causa de pedir, invocou factos tendentes à aquisição do direito de propriedade por usucapião – cfr. os artigos 1º a 18º da petição inicial – concluindo, aliás, nesse sentido, no artigo 19º, sob a epígrafe “B- Do Direito”.
No entanto, no art. 20º, também em sede de direito, portanto, surpreende-se nesse articulado a seguinte frase:
“Para além do facto, da aquisição da propriedade do referido imóvel pelo A, ter ocorrido também por acessão industrial imobiliária – cfr. artigo 1333º, nº1, do Código Civil”.
Trata-se da única referência que o autor faz à acessão industrial imobiliária e surge perfeitamente descontextualizada relativamente à demais matéria invocada na petição inicial, justificando, pois, a apreciação feita na sentença, quando aí se refere o seguinte:
“O A. na sua petição inicial, quando se pronuncia sobre o direito aplicável, vem invocar a aquisição do terreno através do instituto da acessão industrial mobiliária, nos termos do artº 1333 do C.Civil.
Verifica-se, no entanto, que não ficaram provados os requisitos que permitem o funcionamento de tal instituto e que não foram sequer alegados, designadamente, o facto de não ser possível a separação dos objectos ou que a mesma seja causadora de prejuízo para alguma das partes, não sendo ainda invocado o valor de cada um deles (da construção efectuada e do terreno onde a mesma é implantada). O A. não logrou assim alegar e provar, como lhe competia, nos termos do artº 342 nº 1 do C.Civil os elementos constitutivos do seu alegado direito”.
O autor insurge-se, agora, contra o facto de o tribunal não ter incluído no despacho de fls. 158 e 159 esta matéria – o convite ao aperfeiçoamento da petição inicial dirigiu-se apenas à precisão de alguns elementos relativos à identificação da parcela reivindicada – considerando que o tribunal estava “obrigado a ampliar aquele convite ao aperfeiçoamento” também quanto a esta matéria, pretendendo, pois, a revogação da sentença recorrida em ordem a que, “em sua substituição, seja proferido despacho convidando os autores a aperfeiçoar a sua petição inicial, nos termos considerados adequados” – art. 35º das alegações de recurso.
Vejamos.
Quando o vício que enferma a petição inicial se reconduz à falta de causa de pedir, geradora de ineptidão, tem a doutrina e a jurisprudência convergido na consideração de que o vício não é susceptível de sanação e compreende-se que assim seja uma vez que a lei estabelece como consequência a nulidade de todo o processo [ [6] ].
Nos casos em que a petição enferma de deficiência, há que distinguir entre as várias situações que se podem deparar ao intérprete e aplicador do direito, em ordem à sua subsunção ao disposto no nº 2 art. 508º – que abrange as “irregularidades dos articulados”, designadamente as que se referem à falta de requisitos legais ou à falta de apresentação de documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa – ou no nº 3 do mesmo preceito – está em causa, então, “suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada”. Nesta última hipótese, a doutrina e jurisprudência dividem-se sobre se o convite ao aperfeiçoamento a que alude o art. 508º, nº3 corresponde a um despacho vinculado, de tal sorte que a sua omissão, porque está em causa o exercício de um poder discricionário por parte do tribunal, não seria susceptível de configurar uma nulidade processual, nem sindicável por via de recurso [ [7] ].
No caso, não importa dirimir essa querela porque, independentemente de se considerar que o convite ao aperfeiçoamento a que alude o art. 508º, nº3 é vinculado ou discricionário, entendemos que esse convite não pode ter a amplitude que o apelante lhe assinala.
Efectivamente, é sobre o demandante que impende o ónus da substanciação do pedido, estando o tribunal limitado pelo princípio do dispositivo consagrado no art. 264º, nº1, na vertente da formação da matéria de facto, não competindo ao tribunal substituir-se ao demandante indicando-lhe os factos que deve articular.
Louvando-nos nos ensinamentos de Antunes Varela, “o convite do juiz ao autor para completar ou corrigir a petição não visa garantir o êxito da acção. Trata-se, pelo contrário, de promover o esclarecimento de um ponto decisivo para a sorte da acção, podendo o esclarecimento legal conduzir, tanto à procedência como à improcedência da acção, tanto ao prosseguimento da acção como à absolvição da instância”[ [8] ].
Daqui se extrai que, no caso, não se justificaria formular ao autor o convite ao aperfeiçoamento da petição inicial.
Afastando-se linearmente a hipótese consagrada no art. 508º, nº2, não vemos qualquer esclarecimento que possa ser prestado no âmbito do art. 508º, nº3, pela singela razão de que o autor não articulou qualquer facto subsumível à invocada aquisição do direito por acessão industrial imobiliária, sendo a petição inicial omissa a esse respeito: não se pode esclarecer o que não existe, o que não está la.
Vamos, no entanto, mais longe, entendendo-se que na hipótese em apreço a formulação de convite ao aperfeiçoamento, nos termos propugnados, seria completamente ilegal, o que nos remete para o instituto da acessão.
É que, entendendo o autor que adquiriu o terreno por via da acessão industrial imobiliária, tinha que formular pedido nesse sentido, o que não fez, admitindo-se poder tratar-se de pedido subsidiário isto é, para o tribunal atender apenas no caso de improcedência daquele que formulou a título principal.
Mais precisamente, tinha o autor que indicar, concretamente, os valores patrimoniais em causa e peticionar depois que o tribunal declare que se verificou a acessão imobiliária industrial do terreno onde o autor construiu a casa (prédio urbano) com fixação do quantitativo que o autor deve pagar, a esse título, a favor da ré proprietária.
A acessão é uma forma de aquisição do direito de propriedade (art. 1316º do Cód. Civil) e ocorre quando, por facto do homem, se confundem objectos pertencentes a diversos donos ou quando alguém aplica o trabalho próprio a matéria pertencente a outrem confundido o resultado desse trabalho com propriedade alheia (artº 1326º do C. Civil).
No caso da acessão industrial imobiliária, preceitua o artº 1340º do Cód. Civil que “se alguém, de boa fé, construiu obra em terreno alheio... e o valor que a obra tiver trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele pagando o valor que o prédio tinha antes das obras....” – nº1.
A realização de uma obra é, pois, apenas um dos pressupostos de funcionamento do instituto, faltando no caso a invocação dos demais requisitos enunciados e, particularmente, a declaração de vontade de querer adquirir a propriedade por essa via, peticionando ao tribunal nesse sentido, com a fixação do valor devido à ré [ [9] ].
A acessão tem carácter potestativo, necessitando, para se operar a aquisição, da manifestação de vontade do beneficiário nesse sentido, sem que a outra parte se possa opor à aquisição, desde que verificados os respectivos requisitos [ [10] ].
O apelante tem consciência da falha, tanto assim que vem sustentar em sede de recurso que nada obstava a que o tribunal relegasse “a fixação de valores pecuniários para o incidente de liquidação de sentença”, esquecendo que o apuramento desse valor é condição sine qua non de funcionamento do instituto.
Em suma, mesmo admitindo a incorporação da casa no terreno e a impossibilidade de separação sem destruição daquela, como o apelante sustenta – o que não é difícil de aceitar –, sempre faltariam os demais pressupostos, quer alusivos à causa de pedir quer ao pedido, omissão que não é suprível por via de um convite ao aperfeiçoamento, o que não põe minimamente em causa o princípio pro actione, sendo a posição do apelante incompatível com o princípio do pedido.
É que, ao contrário do que o apelante refere, não estão em causa quaisquer obstáculos de natureza processual ao pronunciamento do tribunal, o ponto é, aliás, o inverso: podendo o autor estruturar a acção num determinado sentido, não o fez, pretendendo agora suprir essa (sua) omissão através do tribunal, imputando ao Sr. Juiz uma falha que é sua.
A formulação de convite ao aperfeiçoamento não se confunde com desresponsabilização dos sujeitos processuais nem de quem os representa.
Improcedem as conclusões de recurso.
4. Do exposto decorre que não procede a invocada nulidade por omissão de pronúncia (art. 668º, nº 1, alínea d) do C.P.C.), tendo o Sr. Juz apreciado – e bem – a matéria relacionada com a “invocada acessão imobiliária industrial”, fazendo-o apenas em termos que merecem a discordância do apelante, discordância que é legítima mas que não suporta afirmação de omissão de pronúncia. No máximo estaria em causa um erro de julgamento e, como vimos, nem sequer é esse o caso.
5. Quanto à invocada boa-fé do autor/apelante, não incorreu o tribunal a quo no apontado erro de julgamento.
Para além da análise já efectuada supra, em sede de apreciação do julgamento de facto feito pela 1ª instância – o apelante mistura os dois planos de análise – cumpre acrescentar, tendo em conta o disposto no art. 1260º do Código Civil , que nunca o apelante questionou estarmos perante uma posse não titulada, uma vez que não alegou qualquer facto translativo da propriedade, independentemente de eventual vício de forma: nunca o autor alegou que comprou o terreno em que a casa foi implantada, ou que este lhe tenha sido oferecido, ou que lhe tenha sido cedido na sequência de contrato promessa ….
Assim sendo, não há elementos de facto que permitam afastar a presunção que decorre do nº 2 do citado preceito.
Mantém-se, pois, o raciocínio exposto na sentença recorrida.
6. Por último, a propósito da “violação dos direitos fundamentais a uma habitação condigna e à protecção da família”, não tem qualquer sentido a alegação do apelante, que não suscita qualquer questão de constitucionalidade normativa que cumpra a este tribunal apreciar, nos termos do art. 204º da CRP.
“A suscitação processualmente adequada da questão de constitucionalidade implica – no plano formal – o cumprimento pelo interessado de um ónus de clara, precisa e expressa delimitação e especificação do objecto do recurso, envolvendo ainda uma fundamentação, em termos minimamente concludentes, com indicação das razões porque se considera ser inconstitucional a “norma” que pretende submeter à apreciação do tribunal, indicando e deixando claro qual o preceito ou preceitos – “arco legal” ou bloco normativo” – cuja legitimidade constitucional se pretende questionar. No caso de se pretender questionar apenas certa interpretação de uma dada norma, cabe ao recorrente especificar claramente qual o sentido ou dimensão normativa do preceito ou “arco normativo” que se tem por violador da Constituição (…)” [ [11] ].
O apelante não satisfaz tais exigências.
* Conclusões:
1. Pretendendo o demandante que lhe seja reconhecido o direito de propriedade sobre determinado prédio urbano, por via da acessão industrial imobiliária, incumbe-lhe articular os factos conducentes a essa forma aquisição (art. 1340º do Cód. Civil) deduzindo o pedido correspondente;
2. O convite ao aperfeiçoamento a que alude o art. 508º, nº3 do Cód. do Processo Civil não serve para o demandante suprir a notória insuficiência verificada a nível do ónus de alegação dos factos constitutivos da causa de pedir e muito menos para suprir a completa omissão de formulação da correspondente pretensão material;
3. Formulando o autor pedido típico de acção de reivindicação de coisa imóvel com base na aquisição do direito de propriedade por usucapião, é exclusivamente nesses precisos limites que o tribunal pode/deve apreciar e resolver o litígio assim desenhado pelo demandante
*
Por todo o exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida.
Custas pelo apelante (sem prejuízo do benefício do apoio judiciário).
Notifique.
Lisboa, 07.Maio.2013
(Isabel Fonseca)
(Eurico José Marques dos Reis)
(Ana Grácio)
----------------- [1] É sempre disso que se trata, isto é, o recurso é de reponderação e não de reexame, pelo que só pode ter por base elementos de prova produzidos no tribunal de 1ª instância. [2] No sentido de que o recurso não pode visar a obtenção de um segundo julgamento sobre a matéria de facto, mas tão só obviar a erros ou incorrecções eventualmente cometidas pelo julgador. [3] No sentido de que o legislador quis consagrar um efectivo e verdadeiro 2º grau de jurisdição na apreciação da decisão proferida quanto à matéria de facto, não estando a Relação tolhida na procura da sua própria convicção relativamente aos elementos de prova produzidos no processo, ainda que exercendo os poderes de sindicância com especial cautela, pela ausência de imediação. [4] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, 1985, p. 245. [5]Sobre a diabólica probatio cfr. Carvalho Fernandes,Lições de Direitos Reais, 3ª edição, 2ª reimpressão, Quid Juris, 2001, Lisboa, pp. 260-261. [6] Cfr. Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código do Processo Civil Anotado, 2ª edição, Vol. 1º, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, p. 348, nota 5 e Antunes Varela, obr. citada, p. 262; Na jurisprudência, cfr. os Acs. do STJ de 27/05/2010, proferido no processo 3417/08.9TVLSB.L1.S1 (Relator: Álvaro Rodrigues), de 03/12/2009, proferido no processo 4079/07.6TVPRT.P1 (Relator: Paulo Sá) e de 04/06/2008, proferido no processo nº 08S937 (Relator: Pinto Hespanhol), acessíveis in www.dgsi.pt. [7] Cfr. Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, à luz do código revisto, Coimbra Editora, Coimbra, 2000, pp. 123-124 e 134. Na jurisprudência, vide os Acs. do STJ de 22/06/2005, processo 05A1781(Relator: Silva Salazar), de 21/09/2006, processo 06B2772 (Relator: Salvador da Costa), de 21/11/2006, processo 06A3687, (Relator: Sebastião Póvoas) e de 27/11/2007, processo 07A3918 (Relator: João Camilo), todos acessíveis in www.dgsi.pt.. [8] Obra citada, pp. 263-264. Refira-se que pese embora se trate de referência feita com base na lei processual anterior à revisão introduzida pelo Dec. Lei 329º-A/95 de 12/12, parece-nos inexistir alteração relevante no que concerne à delimitação do tipo de vício em causa, podendo encontrar-se perfeito paralelismo entre o que dispunha o art. 477º, nº1 e o actual art. 508º, nºs 2 e 3. Assim, o art. 477º, nº1 dispunha que quando não ocorre nenhum dos casos previstos no nº 1 do artigo 474º - ou seja, os casos de indeferimento liminar da petição inicial, sendo que a alínea a) do nº 1 referia-se directamente à ineptidão –, “mas a petição não possa ser recebida por falta de requisitos legais ou por não vir acompanhada de determinados documentos, ou quando apresente irregularidades ou deficiências que sejam susceptíveis de comprometer o êxito da acção, pode ser convidado o autor a completá-la ou a corrigi-la, marcando-se prazo para apresentação da nova petição”. [9] Como se referiu no Acórdão TRC de 31/01/2006, processo nº 3659/05 (Relator: Garcia Calejo), em sumário, acessível in www.dgsi.pt:
“I – A aquisição do direito de propriedade por acessão industrial imobiliária depende da verificação cumulativa de posse em nome próprio e a construção de boa fé de obra cujo valor seja superior ao valor que o prédio tinha antes .
II – A doutrina e a jurisprudência têm entendido que, em virtude da acessão imobiliária, nasce para o adquirente do bem uma dívida de valor, a qual não tem directamente por objecto o dinheiro, mas a prestação correspondente ao valor de certa coisa ou ao custo de determinado objectivo (valor intrínseco da coisa), sendo o dinheiro apenas o ponto de referência ou um meio necessário de liquidação da prestação .
III – Sendo necessária a manifestação de vontade por banda do titular para a concretização do direito de acessão, o momento a atender na fixação do montante da indemnização será o da manifestação dessa vontade, pois é nesse momento que se dá a conversão em dinheiro do valor que a parcela tinha antes da incorporação”. [10] Ac STJ de 07/04/2011, processo nº 108/1999.P1.S1 (Relator: Moreira Alves), acessível in www.dgsi.pt [11] Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 97-98.