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INDEMNIZAÇÃO
Sumário
1. Na fixação da indemnização dos danos não patrimoniais. deve atender-se aos danos pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – art. 496º, n.º 1, do CC. 2. Como tem sido entendido a gravidade do dano é um conceito relativamente indeterminado, carecido de preenchimento valorativo a fazer caso a caso, de acordo com a realidade fáctica apurada. 3. Importa, essencialmente, garantir que a compensação por danos não patrimoniais, para responder actualísticamente ao comando do artigo 496º e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, seja significativa de forma a viabilizar um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar. 4. A atribuição de alimentos àqueles que os podem exigir não depende da prova de que os recebesse efectivamente , ao tempo da verificação do facto causador do dano, bastando a demonstração de que, à data do mesmo facto se estava em situação de legalmente os exigir. 5. Os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelo dever de assistência que abrange a obrigação de prestar alimentos e de contribuir para os encargos da vida familiar (associada doutrinariamente às situações em que os cônjuges não vivam separados) 6. A nossa lei ordinária não contem regras precisas destinadas à fixação da indemnização por lucros cessantes, pelo que, regra geral, o correspondente dano deve calcular-se segundo critérios de verosimilhança, ou de probabilidade, de acordo com o que, no caso concreto, poderá vir a acontecer, e se não puder, ainda assim, apurar-se o seu exacto valor, deve o tribunal julgar segundo a equidade, nos termos enunciados no art. 566°, n.º 3, do C.C. 7. O recurso à equidade, porém, não afasta, todavia, a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível, naturalmente, com a devida atenção às circunstâncias do caso. 8. Nesta perspectiva, as tabelas financeiras por vezes utilizadas para o alcance da indemnização devida terão mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo, de modo algum, a devida ponderação judicial com base na equidade. 9. Como se trata de um dano futuro, tem sido entendido que a indemnização deve representar um capital produtor de um rendimento que se extinga no final do previsível período correspondente ao fim provável de vida activa e que garanta as prestações periódicas correspondentes à perda de ganho. 10. Para o cálculo do referido capital, e fazendo apelo a critérios há muito consolidados na jurisprudência, deve tomar-se como base, inter alia, o rendimento anual da vítima, o montante que presumivelmente despenderia em gastos pessoais, a sua idade ao tempo do acidente, o tempo de vida activa, a expectativa de aumento salarial e de progressão na carreira e o acerto resultante da entrega do capital de uma só vez. 11. Importa, ainda, ter em conta o valor líquido do salário, por representar o montante que deixará de ser efectivamente recebido e por assim o exigir a teoria da diferença, consagrada no nº 2 do artigo 566º do Código Civil.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
1. MSC, por si e em representação de seu filho menor, JDAC, CMAC, ALA e MMLL intentaram a presente acção declarativa contra Companhia de Seguros …, S.A., Fundo de Garantia Automóvel, MJG, GAFN e mulher, SCFSN, pedindo:
- A condenação da primeira ré a pagar ao primeiro autor a quantia de EUR 353.333.73, ao segundo autor, a quantia de EUR 176.606.63, à terceira autora, a quantia de EUR 56.666,66 e aos quarto e quinto autores a quantia de EUR 5.000,00 cada, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos;
Pede ainda a condenação dos réus a pagar-lhe a quantia que vier a ser cobrada pelo depósito da viatura sinistrada, bem como os juros de mora, sobre as quantias atrás referidas, desde a citação até integral pagamento;
- Caso o contrato de seguro venha ser declarado nulo[],pedem
a condenação solidária dos demais réus a pagar aos autores, nos mesmos termos, as referidas quantias.
Para tanto, alegam, em síntese, que:
No dia 10 de Dezembro de 2005, na localidade de … concelho do …ocorreu um acidente de viação no qual intervieram o veículo ligeiro de passageiros ..-.-.., conduzido por MNC e o veículo ligeiro de matrícula …-…-…conduzido por GN, embora no interesse da ré SC.
O embate ocorreu quando o condutor do veículo de matrícula …-…-…, que circulava pela berma da estrada, ultrapassando pela direita os veículos que seguiam na via pública, ao pretender retomar a faixa de rodagem, guinou subitamente para a esquerda, perdeu o controlo do veículo e foi embater no veículo …-…-… que circulava na faixa de rodagem de sentido contrário.
Este veículo era conduzido por NC que transportava no banco de trás o filho menor, JD.
Em consequência do embate, a MN sofreu lesões que foram causa directa e necessária da sua morte, tendo o menor sofrido diversos ferimentos.
O veículo de matrícula …-…-… pertencia ao réu MJG que tinha entregue a sua direcção efectiva à ré SC.
Por sua vez, por contrato de seguro, a ré SN havia transferido a responsabilidade civil emergente de acidente de viação para a Companhia de Seguros ….
2. A acção foi contestada.
Na sua contestação, o Fundo de Garantia Automóvel e a Companhia de Seguros ...excepcionaram, além do mais, a ilegitimidade dos 4º e 5º autores. A ré seguradora excepcionou ainda a sua ilegitimidade.
Por sua vez, a ré SC alegou que, muito embora não tivesse registado a aquisição, era ela a proprietária do veículo conduzido pelo réu GN, entretanto falecido. Mais alegou que este réu conduzia o veículo sem o seu conhecimento e sem a sua autorização, pelo que só ele poderia ser responsabilizado pelo ressarcimento dos danos resultantes do acidente.
3. Comprovado o óbito do réu MG, foram julgados habilitados os seus sucessores, PCA, ACG e VMBG, para contra eles prosseguir a causa. Os habilitados apresentaram contestação tendo excepcionado a sua ilegitimidade e a prescrição do direito invocado pelos autores.
4. Comprovado o óbito do réu GN, foi habilitado MN para contra ele prosseguir a demanda, o qual apresentou contestação, em que, além do mais, excepcionou a sua ilegitimidade e a prescrição do direito invocado pelos autores.
5. Proferido despacho saneador nele se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade dos réus Companhia de Seguros …, AG, VG, PA e MN. Foi também julgado improcedente o pedido deduzido pelos 4° e 5° autores e o pedido deduzido contra a ré, Companhia de Seguros, …, S.A..
No que tange à invocada excepção da prescrição, foi o seu conhecimento relegado para a decisão final.
6. Inconformado com o despacho saneador que, conhecendo do mérito, absolveu a ré seguradora do pedido, veio o FGA interpor recurso.[2]
7. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e:
- Absolveu os réus PCA, ACG e VMBG, habilitados como herdeiros de MJG, dos pedidos contra eles deduzidos
- Condenou, solidariamente, os réus Fundo de Garantia Automóvel, SCFSN e os habilitados herdeiros de GAFN, estes últimos até ao limite do que receberem da herança de GN, a pagar aos autores as seguintes quantias:
1. Aos Autores, MSC, CMAC e JDAC, a quantia de EUR 50.000,00, a título de danos não patrimoniais;
2. Ao Autor MSC:
A quantia de EUR 294.667,07[3], a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, devidos desde a presente data e até integral pagamento;
A quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, correspondente ao valor venal do veículo de matrícula 63-81-FE à data do embate;
A quantia de EUR 30.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, devidos desde a presente data e até integral pagamento;
3. Ao Autor JDAC:
A quantia de EUR 55.000,00, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, devidos desde a presente data e até integral pagamento;
A quantia de EUR 40.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, devidos desde a presente data e até integral pagamento.
4. À Autora, CMAC a quantia de EUR 20.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, devidos desde a presente data e até integral pagamento.
8. Inconformado, apela o FGA o qual, em conclusão, diz:
“I - Vem o presente recurso de apelação interposto da douta sentença que condena o FGA a pagar aos autores, herdeiros legais de MNLAC, a quantia global de 489.667,07 Euros, bem como no valor que vier a liquidar-se em execução de sentença, até ao limite de 2.000,00 Euros, quantia acrescida de juros de mora contados à taxa legal desde a prolação da sentença, bem como nas custas do processo na proporção do respectivo decaimento, com a qual não se conforma o FGA.
II - Veio o douto Tribunal a quo fixar indemnização aos AA., a título de danos patrimoniais futuros, no montante de 55.000,00 Euros para o A. JC e 299.937,70 Euros para o A. MC. Salvo o devido respeito, que é muito, tal montante revela-se manifestamente excessivo, não tendo sido correctamente calculado.
III - Parte erradamente o douto Tribunal a quo do salário mensal da vítima MN, no valor de 2.856,54 Euros, pois tal montante respeita ao salário mensal bruto da falecida, sendo que, para o que nos ocupa, é relevante o salário líquido, pois esse era o que entrava efectivamente, no património dos AA. e do qual deixaram de usufruir.
IV - Ao salário bruto - 2.856,54 Euros - deve ser deduzido 33,5%, respeitantes às deduções fiscais e sociais (22,5% IRS, nos termos da Tabela de IRS de 2005 e 11% CGA + ADSE), alcançando-se, assim, o montante de 1.858,74,00 Euros, sendo este o valor que deve servir de base aos cálculos para indemnização por dano patrimonial futuro.
V - Lançou o douto Tribunal a quo mão da equidade, para atribuição do montante indemnizatório. Contudo, existem formas de calcular tais montantes indemnizatórios, como sejam a Portaria 679/2009 de 25/06, que altera a Portaria 377/2008 de 26/05, e que fixa critérios e parâmetros, tratando de forma igual, situações iguais, devendo, portanto ser aplicada no caso em apreço.
VI - Nos termos da supra citada Portaria, no que concerne a MC, partiu o douto Tribunal a quo do princípio de que este usufruiria de 50% do salário que a vítima auferia, mas MC também trabalhava, auferindo também um vencimento, contribuindo também para o sustento do lar, razão pela qual seria de admitir que MC usufruiria de 20% do salário da falecida, não tendo existido no processo qualquer prova de que contribuiria em montante superior.
VII - Aplicando a fórmula de cálculo prevista na Portaria 679/2009 — Anexo III, tendo em conta que lhe restariam, até aos 70 anos de vida, 18 anos, aplicando o facto de cálculo 14,228296, teria o A. Manuel direito a receber a título de dano patrimonial futuro, o montante de 74.052,85 Euros. (1858,74 salário líquido x 20% x 14 meses x 14,228696 = 74.052,85 Euros.)
VIII - Deve, assim, o montante hipotético a atribuir ao A. MC ser fixado em 74.052,85 Euros, mantendo-se o montante de 55.000,00 Euros fixado para o A. JC.
VIII - Tal montante seria o adequado, contudo, o douto Tribunal a quo, não tomou em consideração um elemento que constava dos autos, essencial para a atribuição da indemnização por danos patrimoniais futuros.
IX - MC e JC encontravam-se a receber, desde 10/12/2005, da Caixa Geral de Aposentações uma pensão no valor global (respeitante aos dois beneficiários) mensal de 1.101,81 Euros. Em 2005, os AA. receberam 536,80 Euros; em 2006, os AA. receberam 14.600,32 Euros; em 2007, os AA. receberam 14.600,32 Euros; em 2008, os AA. receberam 14.819,28 Euros; em 2009, os AA. receberam 15.425,20 Euros; em 2010, os AA. receberam 15.425,20 Euros; em 2011, os AA. receberam 15.425,20 Euros; Tendo, até ao final de 2011, recebido o montante total de 90.832,32 Euros.
X - O A. JC receberá a mencionada pensão até atingir 25 anos, por mais 11 anos, portanto receberá ainda da Caixa Geral de Aposentações, a quantia de 84.838,60 Euros. (15.425,20 Euros : 2 x 11 = 84.838,60 Euros).
XI - Até o menor J completar 25 anos (2022), o A. MC receberá igual quantia, após o que passará a receber a pensão integral — 1.101,81 Euros.
XII - A pensão que os AA. se encontram a receber corresponde a metade da pensão que a falecida receberia, repartida, em igual montante pelos herdeiros, o que significa que reduzindo-se os beneficiários com direito a pensão, o valor atribuído a cada beneficiário aumenta, até ao total da pensão, neste caso, 1.101,81 Euros.
XIII - Os AA. já receberam da Caixa Geral de Aposentações o valor de 90.832,32 Euros, e receberão ainda, até 2022, data em que o menor perfaz 25 anos, 169.677,20 Euros, tudo num total de 260.515,52 Euros.
XIV - Conforme supra se defendeu, o valor global a atribuir deverá ser reduzido, no caso do A. M.l para 74.052,85 Euros, sendo que somados os valores atribuídos aos AA., alcançamos o total de 129.052,85 Euros
XV - E nem se diga que tal cômputo deverá ser efectuado individualmente, pois conforme supra se explicou a pensão atribuída é una, sendo repartida em partes iguais pelos herdeiros da falecida, e por outro lado, também não podemos olvidar que se trata de um menor, sendo os montantes pecuniários recebidos pelo seu pai MC, entrando na esfera patrimonial deste.
XVI - Os montantes pagos pela Caixa Geral de Aposentações têm necessariamente, que ser deduzidos às indemnizações atribuídas, sob pena de enriquecimento sem causa, pois os AA. não podem receber, por um lado a pensão que seria atribuída à falecida, e por outro indemnização pela perda da contribuição da vítima para o sustento da lar. É aberrante e configura um claro enriquecimento sem causa.
XVII - Dos cálculos supra, resulta, claramente, que os AA. já receberam e receberão até 2022, da Caixa Geral de Aposentações quantia superior à que resulta destes autos, razão pela qual não deve ser atribuída aos AA. qualquer indemnização a título de dano patrimonial futuro, tendo em conta as quantias que os AA. já receberam e vão continuar a receber. A CGA está, após haver pago pensões aos AA. sub-rogada nos direitos destes contra o FGA e é a CGA que o FGA deve ressarcir.
XVIII - Decisão diversa resultará em enriquecimento sem causa dos AA.
XIX - O douto Tribunal a quo já tinha nos autos todos os elementos relativos à pensão que se encontra a ser paga pela Caixa Geral de Aposentações, tendo o FGA alegado tais factos, e o douto Tribunal omitiu pronúncia relativamente a tal questão, o que constitui a nulidade prevista no art. 668.º, n.º 1, al. d) do C.P.C. A sentença encontra-se, assim, ferida de nulidade.
XX - Caso assim não seja entendido, deverá a sentença ser parcialmente anulada, devendo ser aditado, por aquisição processual, um quesito respeitante aos montantes que os AA. receberam e receberão da CGA.
XXI - Contudo, entende o Recorrente que, por aquisição processual, tendo este Venerando Tribunal, nos autos, todos os elementos necessários, deve alterar a sentença proferida, nos termos supra preconizados.
XXII - Veio o douto Tribunal a quo fixar, a título de danos não patrimoniais as seguintes quantias: Perda do direito à vida, a quantia de 50.000,00 Euros, a repartir em partes iguais por todos os herdeiros; ao A. MC, a quantia de 30.000,00 Euros; ao A. JC, a quantia de 40.000,00 Euros; à A. CC, a quantia de 20.000,00 Euros, revelando-se tais montantes manifestamente excessivos, devendo ser reduzidos.
XXIII - Também no que aos danos não patrimoniais concerne, existe norma que estabelece parâmetros, devendo ser aplicada ao caso dos autos — a Portaria 679/2009 de 25/06, que altera a Portaria 377/2008 de 26/05 e que estabelece os seguintes valores:
- Pela perda do direito à vida - 42.000,00 Euros;
- Pela perda da esposa, a MC - 26.706,87 Euros;
- Pela perda da mãe, ao filho menor JC - 16.024,12 Euros;
- Pela perda da mãe, à filha maior C. - 16.024,12 Euros.
XXIV- Por serem estes os montantes adequados, deve a douta sentença recorrida ser alterada, passando a ser estes os montantes atribuídos aos AA.”
9. Nas contra alegações apresentadas, os autores pugnam pela manutenção da sentença recorrida.
10. Cumpre apreciar e decidir se a sentença enferma de nulidade, se deve ser alterada a matéria de facto e, por fim, se o montante indemnizatório está, ou não, adequadamente fixado.
11. É a seguinte a factualidade dada como provada:
1. No dia 3 de Novembro de 1953, nasceu MNLLA — Alínea A) da matéria de facto assente;
2. No dia 26 de Julho de 1977, MNLLA casou com o autor MC — Alínea B) da matéria de facto assente;
3. No dia 16 de Junho de 1982, nasceu a autora CC, tendo sido registada como filha do autor MC e de MNLLAC — Alínea C) da matéria de facto assente;
4. No dia 21 de Março de 1997, nasceu o autor JC, tendo sido registado como filho do autor MC e de MNLLAC — Alínea D) da matéria de facto assente;
5. No dia de 28 de Fevereiro de 2002, foi levado ao registo a propriedade do veículo de matrícula 12-45-QZ a favor do réu MJG, o que se mantém — Alínea E) da matéria de facto assente;
6. No dia 24 de Setembro de 2003, faleceu o réu, MJG, tendo sido habilitados como seus herdeiros PCA, ACG e VMBG— Alínea F) da matéria de facto assente;
7. No dia 10 de Dezembro de 2005, faleceu MNLLA no estado de casada com o autor MSC — Alínea G) da matéria de facto assente;
8. No dia 24 de Setembro de 2007, faleceu o réu GAFN, tendo sido habilitado como seu herdeiro, MFN — Alínea H) da matéria de facto assente;
9. Em 12 de Fevereiro de 2008, no âmbito da acção declarativa que a Companhia de Seguros … propôs contra a ré SCFSN e que correu termos na 10ª Vara Cível de Lisboa com o n° …/06.0TVLSB, e em que a primeira pedira a declaração de nulidade do contrato de seguro celebrado a 07 de Abril de 2005 entre ambos, relativa ao veículo de matrícula 63-81-FE, foi proferida sentença, já transitada em julgado, na qual se decidiu: "Nos termos e pelos fundamentos expostos, decreta-se a anulação do contrato de seguro entre a autora Companhia de Seguros ..., S.A. e SCSN nos termos do art° 429° do Código Comercial e 287° do Código Civil e com os efeitos do artigo 287° do Código Civil, devendo ser restituído o que foi prestado — Alínea I), da matéria de facto assente;
10. No dia 10 de Dezembro de 2005, pelas 18.45 horas, na Estrada Nacional 378, ao Km 5,100 na localidade do …, concelho do …l, ocorreu um embate — artigo 1° da Base Instrutória.
11. Intervieram o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 63-81-FE (doravante apenas designado por FE) e o veículo de mercadorias de matrícula ...-..-.. (doravante designado apenas por QZ) — artigo 2° da Base Instrutória.
12. 0 local configura uma recta com dois sentidos de trânsito inversos, separados por linha contínua de cor branca, visível, no pavimento — artigo 3° da Base Instrutória.
13. A faixa de rodagem tem a largura de 7,10 m de comprimento — artigo 4° da Base Instrutória.
14. A faixa de rodagem tem bermas de 2 metros cada — artigo 5° da Base Instrutória.
15. No momento do acidente, o pavimento encontrava-se seco e limpo e em regular estado de conservação — artigo 6° da Base Instrutória.
16. 0 local encontrava-se iluminado — artigo 7° da Base Instrutória.
17. Os órgãos de direcção, travagem e iluminação do FE e do QZ encontravam-se em bom estado — artigo 8° da Base Instrutória.
18. 0 FE era conduzido por MNLLAC e transportava no banco traseiro o autor JDAC — artigo 9° da Base Instrutória.
19.0 QZ era conduzido por GAFN— artigo 10° da Base Instrutória.
20.0 trânsito era muito intenso em ambos os sentidos obrigando a sucessivas paragens e subsequentes retomas de marcha — artigo 11° da Base Instrutória.
21.0 … circulava no sentido F.. — … na respectiva via — artigo 12° da Base Instrutória.
22.0 FE circulava no sentido ..— F.. na respectiva via — artigo 1 ~° da Base Instrutória.
23. Numa daquelas paragens, o condutor do QZ desviou-o para a sua direita e passou a circular pela berma — artigo 14° da Base Instrutória.
24. Acelerando bruscamente o ., ultrapassou pela direita vários veículos que o precediam — artigo 1 5° da Base Instrutória.
25. Ao guinar o volante para a esquerda com vista a reocupar a faixa de rodagem, os pneus derraparam — artigo 16° da Base Instrutória.
26. E o condutor perdeu o controlo do QZ — artigo 17° da Base Instrutória.
27. 0 QZ passou então por cima da linha branca contínua — artigo 18° da Base Instrutória.
28. Invadindo a metade da faixa de rodagem de sentido contrário — artigo 19° da Base Instrutória.
29. E foi embater na parte da frente do lado esquerdo do FE — artigo 20° da Base Instrutória.
30. Projectando-o para fora da estrada — artigo 21° da Base Instrutória.
31.0 .. era um … — artigo 22° da Base Instrutória.
32. 0 .. ficou totalmente destruído e foi removido para um parque de sucata - artigo 23° da Base Instrutória.
33. 0 preço do estacionamento do FE no parque de sucata será exigido aos autores - artigo 24° da Base Instrutória.
34. Do embate resultaram lesões na condutora do FE, designadamente esmagamento do tronco cerebral, que foram causa directa e necessária da sua morte - artigo 25° da Base Instrutória.
35. 0 Autor JC assistiu à morte de MNC - artigo 28° da Base Instrutória.
36. Em consequência, o autor JC apresenta indícios de sintomatologia depressiva, revelando uma desmotivação e desinteresse que são expressões da sua dor psíquica, de um sentimento de desamparo e de uma incapacidade de se projectar no futuro, como se uma parte dele tivesse morrido no mesmo instante em que morreu sua mãe - artigo 29° da Base Instrutória.
37. Em consequência, o autor sofre de perturbações do sono, regressão e repetição da situação traumática, crises de ansiedade e um medo irracional de perder o pai e a irmã - artigo 30° da Base Instrutória.
38. 0 autor MC sofreu enorme desgosto com o falecimento de MNC - artigo 31° da Base Instrutória.
39.0 Autor MC ficou em estado de profunda tristeza — artigo 33° da Base Instrutória.
40. Com o funeral de MNC, o autor MC despendeu a quantia de 1.200.00 euros - artigo 34° da Base Instrutória.
41. A Autora CC sofreu violento choque psíquico com o falecimento de MNC - artigo 36° da Base Instrutória.
42. MNC era professora do quadro de nomeação definitiva da escola secundária com 3° ciclo R… — artigo 40° da Base Instrutória.
43. No momento do seu falecimento, MNC auferia remuneração mensal base de 2.856,54 euros, em catorze prestações por ano — artigo 42° da Base Instrutória.
44. MNC exerceria a sua actividade profissional durante mais 18 anos - artigo 43° da Base Instrutória.
45. A que se seguiriam mais de dez anos em que auferiria uma reforma - artigo 44° da Base Instrutória.
46. Antes do acidente, a Ré SS havia adquirido o QZ ao Réu, MG — artigo 49° da Base Instrutória.
47.O réu, MJG passou então à ré, SS Declaração de Venda por si assinada para efeitos de registo - artigo 50° da Base Instrutória.
Resultaram os seguintes Factos Não Provados:
O veículo FE tinha o valor comercial de 2.000,00 euros no momento do acidente — artigo 26° da Base Instrutória.
A morte sobreveio após um grito lancinante da condutora do FE - artigo 26° da Base Instrutória.
O Autor JC ouviu esse grito - artigo 27° da Base Instrutória.
O Autor e MNC formavam um casal feliz e unido e viviam uma relação de carinho e amor há muitos anos - artigo 32° da Base Instrutória.
A Autora CC vivia com o autor MC, com NC e com o autor JD - artigo 35° da Base Instrutória.
MNC era a amiga sempre pronta a aconselhá-la no começo da vida em que se encontrava - artigo 37° da Base Instrutória.
MNC era pessoa saudável e alegre - artigo 38° da Base Instrutória.
MN acompanhava constantemente a vida dos autores JD e CC e demonstrava constante afecto e amor pelo autor MC - artigo 39° da Base Instrutória.
Actividade profissional exercida por MNC preenchia integralmente as suas ambições profissionais - artigo 41° da Base Instrutória.
MNC gastava consigo própria cerca de 1/3 do rendimento que recebia - artigo 45° da Base Instrutória.
0 Réu, GA, conduzia o QZ no interesse da Ré, SG sua mulher - artigo 46° da Base Instrutória.
0 Réu, MJG tinha entregue a direcção do QZ à Ré, SC - artigo 47° da Base Instrutória.
A Ré, SS era a condutora habitual do QZ - artigo 48° da Base Instrutória.
No dia do acidente, o réu, G conduzia o QZ sem o conhecimento nem autorização da Ré, SS - artigo 51° da Base Instrutória.
12. Da nulidade da sentença
O recorrente veio arguir a nulidade da sentença prevista no art. 668.º, n.º 1, al. d) do C.P.C, alegando que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a questão dos montantes pagos pela Caixa Geral de Aposentações aos autores M e J C, os quais, em seu entender, devem ser deduzidos às indemnizações atribuídas, sob pena de enriquecimento sem causa.
Salvo o devido respeito não lhe assiste qualquer razão.
Em primeiro lugar, como vem sendo unanimemente afirmado quer na doutrina, quer na jurisprudência, só se verifica a nulidade por omissão de pronúncia quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tal se considerando as pretensões formuladas pelas partes ou os elementos inerentes ao pedido e à causa de pedir (cf. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, III, 228 e A. Varela, RLJ, 122, 112).
Isto é: o dever de pronúncia a que o Juiz está adstrito, não abrange os argumentos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, desde logo por ser livre a qualificação jurídica dos factos (art. 664º, do CPC).
Ora, no caso concreto, todas as questões, enquanto tal, foram objecto de apreciação e decisão. Improcede, portanto, a arguição da nulidade em causa.
13. Da alteração da decisão de facto
Prevenindo a hipótese de não ser deferida a invocada nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, pretende o recorrente que seja “aditado, por aquisição processual, um quesito respeitante aos montantes que os AA. receberam e receberão da CGA.”
Acontece que tal matéria não foi oportunamente alegada. Ora, não constituindo facto notório, o recorrente não estava dispensado do correspondente ónus de alegação e prova (cf. neste sentido o acórdão do STJ de 13/9/2012, JusNet 5283/2012).
Nesta conformidade, sob pena de violação do princípio do dispositivo (cf. art. 264º, do CPC), a sobredita factualidade nunca poderia ser aditada à base instrutória, e menos ainda, ser incluída nos factos assentes. [4]
Por conseguinte, mantém-se inalterada a decisão de facto.
14. Enquadramento jurídico
Estabelece o art. 483º, n.º 1, do CC, que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”
Deste dispositivo legal retira-se que a responsabilidade civil pressupõe um facto voluntário e ilícito, o nexo de imputação do facto ao agente, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Tais pressupostos foram objecto de decisão na sentença, pelo que, assente que o condutor do veículo de matrícula 12-45-QZ praticou com culpa (exclusiva) um acto ilícito, do qual resultaram directa e necessariamente danos há tão somente que cuidar da questão da fixação do montante indemnizatório, nos termos suscitados nas conclusões do recurso, as quais delimitam o seu âmbito.
Vejamos, então.
14.1. A obrigação de indemnizar, a cargo do causador do dano, deve reconstituir a situação que existiria "se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação" – art. 562º, do Código Civil.
A lei consagra, assim, o princípio da reconstituição natural do dano. Não sendo isso possível ou quando a reconstituição natural não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, deve a indemnização ser fixada em dinheiro – nº1 do art. 566º do Código Civil.
Por sua vez, estabelece-se no art. 564º, nºs 1 e 2, do Código Civil que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, mas também os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. Além disso, na fixação da indemnização pode ainda o tribunal atender aos danos futuros, desde que previsíveis.
Nos termos do disposto no nº2, do art. 566º, do CC, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.
Finalmente, o nº3, do art. 566º, do Código Civil, confere ao tribunal a faculdade de recorrer à equidade quando não for possível averiguar o valor exacto dos danos.
Além disso, importa ter presente que - como se salienta, no Ac. do STJ de 7/2/2013, JusNet 550/2013 -, “o critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixado pelo Código Civil. Os critérios seguidos pela Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele.”
Em todo o caso, as referidas Portarias a que, aliás, o recorrente alude nas conclusões das alegações não estavam sequer em vigor à data do acidente, o que constitui, só por si, argumento suficiente para rejeitar a sua aplicação no caso em apreço.
14.2. Sendo este, em linhas gerais, o quadro normativo a considerar, passemos, agora, a analisar a questão do montante da indemnização pelos danos não patrimoniais.
A par da ressarcibilidade dos danos patrimoniais, na fixação da indemnização deve, como se sabe, atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – art. 496º, n.º 1, do CC.
Note-se que, como se escreveu no acórdão do STJ de 18 Dez. 2007, JusNet 7170/2007, “a gravidade do dano é um conceito relativamente indeterminado, carecido de preenchimento valorativo a fazer caso a caso, de acordo com a realidade fáctica apurada. Todavia, como acentua Antunes Varela[5] não obstante dever essa apreciação ter em conta as circunstâncias de cada caso, a gravidade deverá medir-se por um padrão objectivo, e não de acordo com factores subjectivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada ou especialmente fria e embotada do lesado; e, por outro lado, repete-se, deverá ser apreciada em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.”
Importa, essencialmente, garantir que a compensação por danos não patrimoniais, para responder actualísticamente ao comando do artigo 496º e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, seja significativa de forma a viabilizar um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar.
No caso em apreço, não se suscitam dúvidas quanto a terem os
recorrentes sofrido danos de natureza não patrimonial, sendo igualmente inquestionável que estes danos assumem gravidade suficiente para justificar a intervenção reparadora do direito.
Ora, no cômputo deste danos, o Tribunal a quo arbitrou as seguintes quantias:
- Pela perda do direito à vida, a quantia de 50.000,00 Euros, a repartir em partes iguais por todos os herdeiros;
- Pelo sofrimento resultante do falecimento da vítima: a quantia de 30.000,00 Euros para o viúvo; a quantia de EUR 40.000,00 para o filho menor JC e a quantia de EUR 20.000,00 para a filha maior CC.
O recorrente sustenta que os montantes arbitrados devem ser reduzidos e, em sua substituição, indica os seguintes valores:
- Pela perda do direito à vida – EUR 42.000,00;
- Ao autor MC, pelo sofrimento decorrente da perda da mulher, a quantia de EUR 26.706,87;
- A cada um dos autores J e CC, pela perda da mãe, a quantia de EUR 16.024,12 Euros.
Ora bem.
Intervindo na fixação do montante indemnizatório, a equidade, como já ficou assinalado, importa à realização da justiça do caso concreto que fundamentalmente se tenha em conta, para a valoração do dano em apreço, o acervo factual acima referido, mas também o elevado grau de culpa do condutor que deu causa ao acidente, e as demaiscircunstâncias a que alude o art. 494º, do CC.
Assim, considerados todos os referenciados factores, relevantes na formulação do juízo de equidade para a fixação da indemnização por danos não patrimoniais, e não perdendo de vista o sentido das decisões jurisprudenciais mais recentes sobre a matéria, que constituem também circunstância a ter em conta no quadro das decisões que façam apelo à equidade,[6] temos por inequivocamente ajustados os quantitativos arbitrados na sentença recorrida.
14.3. A questão seguinte consiste em saber qual o montante a arbitrar, em termos indemnizatórios, pelos danos patrimoniais futuros.
A este título, a sentença condenou os réus a pagar ao autor MC (viúvo) a quantia de EUR 293.467,07 e ao autor JC
O recorrente discorda do montante atribuído ao autor MC, que, em seu entender, não deve ultrapassar os EUR 74.052,85 (aceitando, porém, o montante de EUR 55.000,00 Euros atribuído ao autor JC).
Em abono da sua tese, argumenta que:
- Não foram utilizados os critérios da Portaria 679/2009 de 25/06, que altera a Portaria 377/2008 de 26/05;
- Não se atendeu ao salário líquido auferido pela falecida;
Por outro lado, sustenta que o Tribunal a quo não teve em consideração que a Caixa Geral de Aposentações já pagou e vai continuar a pagar uma pensão de sobrevivência aos autores M. e J.C.., cujo montante global excede aquilo que seria devido, a título de indemnização, pelo que nada lhes deve ser atribuído.
Vejamos, então, em primeiro lugar, qual o montante da indemnização por danos futuros que deve ser atribuída ao autor MC.
É indiscutível que o falecimento de MNC determinou, além do mais, danos decorrentes da absoluta frustração de ganhos com reflexos na esfera patrimonial dos autores MC e JDC, respectivamente cônjuge e filho daquela.
Nos termos do disposto no art. 495º, nº 3 do C.C. têm direito de indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.
Segundo Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, pag. 619, o direito à indemnização nos termos daquele normativo existe mesmo que a necessidade de alimentos seja futura, desde que seja previsível, por força do disposto no art. 564º, do CC.
O mesmo autor defende também que, mesmo que a necessidade futura não seja previsível, nenhuma razão há para isentar o lesante da obrigação de indemnizar a pessoa carecida de alimentos do prejuízo, que para ela advém da falta da pessoa lesada.
Como se decidiu no Ac. do S.T.J. de 20-10-2009 (85/07.9TCGMR.G1), o reconhecimento e atribuição de alimentos àqueles que os podem exigir não "depende da prova em concreto de que, ao tempo da verificação do facto danoso, estivessem a recebê-los" sendo "suficiente, para tal efeito, a demonstração de que, à data do facto danoso, se estava em situação de legalmente exigir os alimentos".
Por outro lado, como se salienta no ac. do STJ de 4/5/2010, JusNet 2366/2010 “é indiscutível estarem os cônjuges reciprocamente vinculados pelo dever de assistência que compreende a obrigação de prestar alimentos e de contribuir para os encargos da vida familiar (artigo 1672.º e 1675.º/1 do Código Civil).”
Aliás, “o dever de contribuição para os encargos da vida familiar não é mais do que a forma tomada pelo dever de prestação de alimentos quando os cônjuges não vivem separados (Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, 2001, Vol I, 2ªedição, pág.359).”
Ora bem:
Não contendo a nossa lei ordinária regras precisas destinadas à fixação da indemnização por lucros cessantes (e sendo de afastar a aplicação das Portarias atrás mencionadas, pelas razões já explicitadas) o correspondente dano deve calcular-se segundo critérios de verosimilhança, ou de probabilidade, de acordo com o que, no caso concreto, poderá vir a acontecer, e se não puder, ainda assim, apurar-se o seu exacto valor, deve o tribunal julgar segundo a equidade, nos termos enunciados no art. 566°, n.º 3, do C.C.
O recurso à equidade, porém, não afasta, todavia, a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível, naturalmente, com a devida atenção às circunstâncias do caso.
Nesta perspectiva, as tabelas financeiras por vezes utilizadas para o alcance da indemnização devida terão mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo, de modo algum, a devida ponderação judicial com base na equidade.
Como se trata de um dano futuro, tem sido entendido que a indemnização deve representar um capital produtor de um rendimento que se extinga no final do previsível período correspondente ao fim provável de vida activa e que garanta as prestações periódicas correspondentes à perda de ganho.
Para o cálculo do referido capital, e fazendo apelo a critérios há muito consolidados na jurisprudência, deve tomar-se como base, inter alia, o rendimento anual da vítima, o montante que presumivelmente despenderia em gastos pessoais, a sua idade ao tempo do acidente, o tempo de vida activa, a expectativa de aumento salarial e de progressão na carreira e o acerto resultante da entrega do capital de uma só vez.
Importa, ainda, ter em conta que, como se refere, entre outros, no ac. do STJ de 7/2/2013, JusNet 550/2013, para efeitos do cálculo desta indemnização deve ser contabilizado o valor líquido do salário, por representar o montante que deixará de ser efectivamente recebido e por assim o exigir a teoria da diferença, consagrada no nº 2 do artigo 566º do Código Civil.
Dir-se-á, portanto, que, estando em causa em causa descontos obrigatórios, por inerência legal, a ponderação do salário líquido será apenas uma decorrência do que foi apurado no âmbito da decisão de facto (cf. resposta ao quesito 42º).
Nem se invoque (como fazem os recorridos) a doutrina do acórdão do Tribunal Constitucional de 12/7/2012 (www.tribunalconstitucional.pt) por não ter aplicação ao caso que agora apreciamos. Na verdade, o Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-se, não sobre a questão do salário líquido para efeitos de apuramento do rendimento do lesado, mas apenas quanto à limitação dos meios de prova para aquele efeito. Neste âmbito, declarou então inconstitucional a restrição constante do n.º 7 do artigo 64º, do DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto, na redacção introduzida pelo DL nº 153/2008, de 6 de Agosto por impedir a valoração de (outros) meios de prova (para além dos fiscalmente comprovados) que poderiam demonstrar factos relevantes e imprescindíveis para apurar o valor indemnizatório justo a atribuir aos lesados, por acidente de viação.
Norteados pelos referidos parâmetros, voltemos ao caso em apreciação.
Atenta a factualidade apurada, é de ter em conta que a vítima, com 52 anos de idade, funcionária pública, era casada com o autor MC, com quem vivia e de quem tinha dois filhos, um deles menor. Auferia um salário mensal líquido de cerca de EUR 2.000,00 (quantitativo correspondente ao comprovado salário bruto deduzido dos descontos obrigatórios).
Não se apurou o montante exacto que a mesma despenderia com as suas despesas pessoais. No entanto, segundo as regras da experiência comum, para casos semelhantes, consideramos que contribuiria para os encargos familiares com cerca de 2/3 do seu rendimento.
Assim, tomando como referência aquela retribuição mensal chegaríamos a um montante anual da ordem dos EUR 18.662,00 (EUR 1.333,00 x 14), equivalente ao «rendimento anual perdido».
Considerando, agora, uma taxa de capitalização de 5%, por ser aquela que melhor reflecte a actual conjuntura, obteremos um valor de EUR 373.240,00.
Todavia, atendendo ao facto de a indemnização representar a entrega imediata de um capital, sem esperar pelo fim da sua vida activa, deverá o mesmo sofrer uma redução de cerca de ¼.
Alcança-se, então, o valor global de EUR 279.930,00, a título de indemnização por danos futuros, a que os autores M e JC (viúvo e filho da vítima) têm em conjunto direito, nos termos do disposto no art. 495º, nº 3 do C.C.
Por conseguinte, ao montante indemnizatório a atribuir ao autor MC há que subtrair a importância já arbitrada, neste âmbito, ao filho da vítima e também autor, JC (ou seja, EUR 55.000,00).
Relativamente aos eventuais pagamentos de prestações pela CGA, muito embora não seja de admitir a acumulação de indemnização por lucros cessantes futuros com o recebimento de pensão de sobrevivência, a verdade é que, como já acima se referiu, o recorrente não logrou, em tempo oportuno, e pela forma processual adequada, alega tal facto impeditivo do montante indemnizatório peticionado (v. ac. do STJ de 13/9/2012, JusNet 5283/2012), pelo que, nesta parte, improcede a sua pretensão.
Nesta conformidade, considerando todas as especificidades do caso concreto, e fazendo mais uma vez apelo a um juízo de equidade, julga-se adequada a indemnização de EUR 225.000,00, devida ao autor MC, a título de lucros cessantes.
Procede, pois, parcialmente o recurso.
15. Nestes termos, concedendo parcial provimento ao recurso, acorda-se em condenar, solidariamente, os réus Fundo de Garantia Automóvel, SCN e os habilitados herdeiros de GN (estes últimos até ao limite do que receberem da herança aberta por óbito de GN), a pagar ao autor MC a quantia de EUR 225.000,00, a título de lucros cessantes, no mais se confirmando a sentença recorrida.
Custas na proporção do decaimento.
Lisboa, 14.05.2013
(Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado)
(Rosa Maria Ribeiro Coelho)
(Amélia Ribeiro)
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[1] Foi, entretanto, proferida decisão que declarou a nulidade do contrato de seguro em causa – cf. fls. 200 a 219, do 2º Vol.. [2] Este recurso foi admitido a subir em separado, com efeito meramente devolutivo – cf. fls. 517. [3] Sendo EUR 1.200,00 pelas despesas com o funeral e EUR 293.467,07, pelos danos futuros. [4] Importa, aliás, sublinhar que, citados para pedir o reembolso de quantias porventura pagas aos autores (v. despacho de fls. 187-A), os organismos da segurança social nada vieram reclamar. Foi precisamente com este fundamento que o Tribunal a quo indeferiu um requerimento em que era solicitado que se notificasse a Segurança Social para informar se pagou alguma quantia aos autores, despacho com o qual o ora recorrente se conformou - cf. despacho de fls. 423. [5] Das Obrigações em Geral, 7ª ed., vol. I, 600 [6] No que toca ao dano «morte», a compensação atribuída tem oscilado nos últimos anos entre os 50 e os 80 mil EUR, (cf. os acórdãos do STJ de 13/9/2012, JusNet 5283/2012 e de 7/2/2013, JusNet 550/2013 e a jurisprudência ali citada).