I - O nº 2 do artigo 486º refere “o prazo que começou correr em último lugar“ e este prazo só pode ser o previsto referido no nº 1 com ou sem dilação, consoante o caso.
II - A circunstância prevista no nº 5 do mesmo preceito não corresponde a um prazo que começa correr, é antes uma prorrogação concedida pelo juiz em vista da justificação apresentada para essa prorrogação, a qual tem de constituir motivo ponderoso.
III - Assim esta prorrogação acontece num circunstancialismo intuitu personae, o qual, por ser próprio do Réu que a requer, não pode alargar-se aos demais co-Réus.
(sumário da Relatora)
I - Relatório
Neste processo declarativo comum sob a forma ordinária que I… e outros intentaram contra H… e outros, foi proferido o seguinte despacho:
“Nos presentes autos vem sendo discutida a questão de saber se a contestação apresentada pela Ré A… S.A. foi ou não tempestiva. Isto, porque veio a ser junta no terminus do prazo concedido a outra Ré para apresentação de contestação mas já em regime de prorrogação.
Coloca-se, assim, a questão de aferir se a faculdade prevista no art. 486°, n°2, do C.P.C. (anterior redacção ora ainda aplicável) se reporta apenas ao prazo previsto para contestar ou se é igualmente aplicável em caso de prorrogação desse mesmo prazo.
Nos Requerimentos que antecedem foi feita referência a doutrina que se pronuncia em sentido negativo, assim concluindo igualmente as co-Rés.
Cumpre apreciar e decidir.
Efectivamente, neste particular que o legislador não antecipou, inexiste uma corrente de pensamento sólida. Resta-nos procurar a solução mais razoável na ratio legis subjacente ao art. 486°, n°2, do C.P.C.
Julgamos que, nesta tarefa interpretativa, é o elemento teleológico da norma aquele que ora mais releva.
Com efeito, a norma em questão é absolutamente excepcional. A faculdade ali prevista é afastada no que tange quer aos executados quer aos litisconsortes quer ainda aos intervenientes (cfr. v.g. os arts. 327° e 813°, nº 4, ambos do C.P.C.)
No Parecer publicado na Col. Jurisprudência, 1989, IIIl, pág. 43 e segs., secundado pelo STJ.http:/Ibdjur.php.almedina.field?=node id&value=1141653) concluiu também Lebre de Freitas que "a norma do art. ° 486, ° nº 2 surge num tipo de processo em que, em caso de pluralidade de réus, a contestação de um dos réus aproveita a todos, mediante o afastamento dum efeito cominatório semi-pleno e, considerado todo o âmbito da sua aplicação subsidiária, aparece, nos processos de jurisdição contenciosa, sempre ligada ao estabelecimento em geral dum efeito cominatório (..) por falta de apresentação de contestação dentro do respectivo prazo. (...) A norma em causa ao mesmo tempo que contenciosa, a finalidade de prorrogar o momento em que o interesse do réu em se defender, é sacrificado pelo Topo das cominações legais resultantes da inobservância do ónus de contestar, sem prejuízo de, no âmbito da jurisdição voluntária, ter por finalidade a prorrogação do momento em que se verifica a não contribuição do contestaste para a satisfação do interesse que está em jogo no processo" (sublinhado nosso).
Julgamos que outra não pode ser a interpretação no que toca à esfera de interesses contidos no âmbito de protecção da norma. Por conseguinte, considerou o legislador sobrepor ao princípio da igualdade (que aqui se traduziria eventualmente em idêntico prazo para todos dos Réus) os interesses de proporcionar a possibilidade de defesas conjuntas e de relegar para o último momento em que ainda se não verifica sacrifício dos interesses do A. a perda de possibilidade de apresentar defesa por banda de quem é demandado pela primeira vez em juízo no que tange a determinado litígio. Pois, enquanto estiverem prazos em curso para contestar, a acção, por assim dizer, não avança.
Ora, tais objectivos legais não deixam de fazer-se sentir durante o prazo de prorrogação para apresentação de contestação.
Inexiste qualquer outro elemento - sistemático, literal, histórico ou outro -, que aponte em sentido diverso. Ademais, a interpretação que se sufraga tem igualmente correspondência na letra da lei já que o preceito em análise se refere a "prazo de defesa" e não, por exemplo, ao "prazo legalmente previsto para contestar".
Reconhece-se que a questão não é líquida. Todavia, na falta de suporte legal ou de correntes majoritárias ao nível da jurisprudência e da doutrina - que sempre se ponderariam por razões de uniformização e segurança jurídicas -, não deve o tribunal sacrificar interesses que o legislador, de forma tão ampla e excepcional, pretendeu salvaguardar no inciso legal em causa.:
Pelo exposto, julga-se tempestiva a contestação apresentada pela Ré A…, S.A.”
Nos termos da lei processual civil são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal.
Assim, a questão a resolver consiste em saber se a prorrogação concedida ao abrigo do nº 5 do artigo 486º do CPC aproveita aos demais co-Réus.
Deste despacho o Autor, I…, interpôs recurso, ao qual aderiram os restantes co-Autores, concluindo:
1. O prazo legal para que, nos termos do n.º 2 do artigo 486º do CPC, todos os réus apresentassem as suas contestações terminou no dia 17.06.2013.
2. À exceção da Recorrida A…, S.A., todos os demais réus recorreram ao disposto no n.º 5 do artigo 486º do CPC, e requereram ao juiz a quo a prorrogação do prazo para contestar de acordo com os motivos ponderosos apresentados.
3.Tendo a todos sido concedida essa prorrogação, pelo prazo de 30 dias, o limite do prazo passou a ser o dia 02.09.2013.
4.A Recorrida A… S.A., não obstante não ter requerido a prorrogação do prazo, só veio a apresentar a sua contestação no dia 25.08.2013, ou seja, veio a ser junta no âmbito do prazo concedido aos outros réus para apresentação da contestação mas já em regime de prorrogação.
5. A contestação da Recorrida A…SA é intempestiva.
6. Fazendo uma errada aplicação das normas já citadas o Tribunal a quo admitiu a contestação da Recorrida, concedendo que a faculdade prevista no artigo 486º, n.º 2 do CPC se reporta não só ao prazo legal para contestar como é também aplicável em caso de prorrogação judicial desse mesmo prazo.
7. De acordo com o n.º 2 do artigo 486º do CPC, o prazo para a contestação previsto no n.º 1 do mesmo artigo, é automaticamente prorrogado quando, havendo pluralidade de réus (em situação de litisconsórcio ou coligação: arts. 27º a 30º), não termine no mesmo dia o prazo para contestar de todos eles, seja por terem sido citados em datas diferentes, seja por algum beneficiar de dilação ou por serem diversos os prazos de dilação de que eles beneficiem: o limite temporal para a apresentação da contestação é então, relativamente a todos, o termo do prazo que termine em último lugar.
8. Esta norma sendo excecional não pode ser aplicada a situação distinta da nela fixada, seja diretamente, seja através de remissão.
9. Logo, e como esclarece Lebre de Freitas em anotação ao artigo em causa: " A norma não se aplica quando o prazo de algum dos réus seja prorrogado, nos termos do n.º 4 ou do n.º 5. (…) Para saber, por conseguinte, qual o prazo que termina em último lugar, considera-se tão-só a dilação e o prazo peremptório inicial, abstraindo da eventual prorrogação deste por despacho judicial. A manutenção, em 1995-1996, da redacção do preceito, com rejeição da redacção alternativa do art. 381-2 do Projecto da comissão Varela ("até ao termo do prazo da contestação que possa ser apresentada em último lugar"), é, neste sentido, elucidativa."
10. O Tribunal a quo foi ainda mais longe nas ofensas à lei, porquanto pretende aplicar a faculdade prevista no n.º 2 ao réu que não pediu, sequer, a prorrogação nos termos do n.º 5 do artigo 486º do cpc.
11. "Esta prorrogação [do n.º 5] é concedida pelo juiz ao requerente que dela careça, não se estendendo o benefício aos co-réus que não a requeiram."
12. Por conseguinte, essa prorrogação de prazo é casuisticamente concedida tendo em consideração as vicissitudes concretas e apresentadas ao tribunal pelo requerente, não sendo extensível aos demais réus.
13. Tratar-se-á, assim, de um prazo judicial, que é fixado pelo critério do juiz, que determina a sua duração, tendo em conta as vicissitudes particulares do Requerente concreto.
14. Face ao exposto a Recorrida A..., S.A. não só não pode beneficiar da prorrogação do prazo para contestar sem para o efeito a ter requerido, nem aproveitar-se do prazo das prorrogações concedidas aos Réus que requeiram, o que a suceder violaria, respetivamente, dos n.ºs 2 e 5 do artigo 486º do cpc.
15. Pelo que, tendo a contestação da Recorrida A…, S.A. sido apresentada após o decurso do prazo de que a mesma legalmente dispunha para o efeito, encontra-se irremediavelmente precludido o direito de apresentar a sua defesa nos termos do artigo 139.º, n.º 3 do CPC devendo, revogando o despacho recorrido, ser ordenado o desentranhamento deste articulado.
Nestes termos, deverá o presente recurso ser julgado procedente, e, consequentemente, ser a decisão a quo substituída por outra que julgue intempestiva a contestação apresentada pela Ré A..., S.A., ordenando o respectivo desentranhamento
III – Fundamentação de direito.
Cumpre desde já esclarecer que o Parecer do Prof. Lebre de Freitas, publicado na Col. Jurisprudência, 1989, III, pág. 43 e ss., refere-se à norma do nº 2 do artigo. 486º do CPC., de 1961, aqui aplicável, a qual estabelece: “Quando termine em dias diferentes o prazo para a defesa por parte dos vários réus, a contestação de todos ou de cada um deles pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.”
Porém, a situação que cumpre dilucidar tem a ver com a norma do nº 5 do citado artigo 486º: “Quando o tribunal considere que ocorre motivo ponderoso que impeça ou dificulte anormalmente ao réu ou ao seu mandatário judicial a organização da defesa, poderá, a requerimento deste e sem prévia audição da parte contrária, prorrogar o prazo da contestação, até ao limite máximo de 30 dias”.
Importa, pois, saber se quando o prazo tiver sido prorrogado nos termos deste preceito relativamente a um Réu aproveita aos demais co-Réus.
Sobre este assunto não encontramos jurisprudência mas, na doutrina, Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2, na anotação ao nº 2 do artigo 486º, considera que esta “norma não se aplica quando o prazo de algum dos réus seja prorrogado, nos termos do nº 4 e do nº 5. Esta prorrogação é concedida pelo juiz ao requerente que dele careça, não se estendendo o benefício aos co-réus que não a requeiram. Para saber, por conseguinte, qual o prazo que termina em último lugar, considera-se tão-só a dilação e o prazo peremptório inicial, abstraindo da eventual prorrogação deste despacho judicial. A manutenção, em 95-96, da redacção do preceito, com rejeição da redacção alternativa do art. 381-2 do Projecto da comissão Varela (“até ao termo do prazo da contestação que possa ser apresentada em último lugar”) é, neste sentido, elucidativa.”
Em sentido inverso António Montalvão Machado e Paulo Pimenta, in O Novo Processo Civil, Almedina 9ª edição, pág. 185, entendem que a possibilidade de prorrogação do prazo, até ao máximo de 30 dias, quando o réu o requeira e o tribunal considere relevantes os motivos invocados deve, em caso de pluralidade de Réus, considerar-se extensivo aos restantes.
Surge-nos mais persuasiva a tese do Prof. Lebre de Freitas.
Na verdade, como se disse, o nº 2 do artigo 486º refere “o prazo que começou correr em último lugar“ e este prazo só pode ser o previsto referido no nº 1 com ou sem dilação, consoante o caso.
Na verdade, a circunstância prevista no nº 5 não corresponde a um prazo que começa correr, é antes uma prorrogação concedida pelo juiz em vista da justificação apresentada para essa prorrogação, a qual tem de constituir motivo ponderoso. Quer dizer, tem de haver uma motivação importante e convincente para que o juiz conceda essa prorrogação. Portanto, a prorrogação é deferida tendo em conta os motivos apresentados pelo Réu que a peça, sendo certo que esses motivos só a este dizem respeito. Se eles são comuns a outros co-Réus, então também estes terão de os invocar.
As situações em que mais se configura uma defesa semelhante reportam-se aos litisconsortes ou quando há possibilidade de coligação mas em tais casos, como flui do artigo 327º nº 3 e nº 4, do CPC, não tem aplicação a referida norma.
Assim, não pode ser convocado o único argumento no sentido de estender a prorrogação aos demais co-Réus considerando o interesse de proporcionar a possibilidade de defesas conjuntas.
Em suma, entendemos que a prorrogação prevista no nº 5 do artigo 486º acontece num circunstancialismo intuitu personae, o qual por ser próprio do Réu que a requer não pode alargar-se aos demais co-Réus.
Conclusões.
I - O nº 2 do artigo 486º refere “o prazo que começou correr em último lugar“ e este prazo só pode ser o previsto referido no nº 1 com ou sem dilação, consoante o caso.
II - A circunstância prevista no nº 5 do mesmo preceito não corresponde a um prazo que começa correr, é antes uma prorrogação concedida pelo juiz em vista da justificação apresentada para essa prorrogação, a qual tem de constituir motivo ponderoso.
Assim esta prorrogação acontece num circunstancialismo intuitu personae, o qual, por ser próprio do Réu que a requer, não pode alargar-se aos demais co-Réus.
Pelo exposto, delibera-se conceder provimento ao recurso e, revogando-se o despacho recorrido, não se admite a contestação da ré AIIianz, S.A., por intempestiva.
Custas pela parte vencida a final.
Lisboa, 15 de Maio de 2014
Ana Lucinda Mendes Cabral
Maria de Deus Correia
Teresa Pardal