SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
Sumário

I - A sanção pecuniária compulsória pode ser aplicada, na acção executiva para prestação de facto, nos termos dos artigos 933º a 942º do Código de Processo Civil.
II – A aplicabilidade das sanção pecuniária compulsória, no processo executivo, há-de obedecer à sua própria função e razão de ser, não podendo, por isso, os seus efeitos retroagir à data da prolação da sentença condenatória.
III – O termo inicial da sanção pecuniária compulsória há-de ocorrer a partir do trânsito em julgado da sentença que fixa a obrigação.
(Elaborado pela Relatora)

Texto Parcial

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I - RELATÓRIO
1 – Nesta acção executiva para prestação de facto instaurada, em 2 de Março de 2010, por AA contra BB, SA, requereu aquela a fixação de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso que se verificar em relação à efectiva reintegração da exequente.
Para o efeito alega o seguinte:
Por Acórdão da Relação de Lisboa de 28.10.2009, que alterou a decisão proferida em primeira instância, foi declarando ilícito o despedimento da autora, com a consequente condenação da Ré a integrar a autora no seu posto de trabalho sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, nos termos do artigo 436º do Código do Trabalho e a pagar à autora a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos a quantia de 5 000,00€.
Não conformada com esta decisão recorreu a Ré, aqui executada, para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso que foi admitido como Revista, a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Não obstante este efeito do recurso, a Ré recusou reintegrar a exequente, devendo, por via disse ser condenada em sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação.
2 – A Executada deduziu oposição que veio a ser indeferida liminarmente.
3 – Prosseguiram os autos de execução a sua tramitação, tendo sido fixada uma sanção pecuniária compulsória em €30,58 por cada dia de atraso na efectiva reintegração da exequente.
4 – Inconformada com esta decisão dela recorre a Executada, com as seguintes conclusões:
(…)
5 – A Agravada responde às alegações da Recorrente, pugnando pela improcedência do Recurso.
6 - E interpõe recurso subordinado, formulando as seguintes conclusões:
(…)
7 – O Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do Agravo.
8 – Cumpridos os vistos legais cumpre decidir

II – QUESTÕES A DECIDIR
1 – Delimitação do objecto de recurso
2 - Saber se, na pendência do recurso de Revista, com efeito meramente devolutivo, pode a Recorrente ser condenada em sanção pecuniária compulsória, com termo inicial na data da sentença condenatória ainda não transitada em julgado.
Na afirmativa,
3 – Apreciar se o montante de 30,58€ por cada dia de atraso é razoável.

III – OCORRÊNCIAS PROCESSUAIS
Com interesse para a decisão, considerar-se-ão, os seguintes actos processuais:
(…)

IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1 – Delimitação do objecto do Recurso
A sentença sindicada, deferindo a pretensão da exequente, condenando a executada a pagar à exequente quantia de 30,58€, a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na efectiva reintegração da trabalhadora, encontra fundamento no seguinte:
- O artigo 933º nº 1 do Código de Processo Civil permite ao credor, na execução para prestação de facto, obter no processo executivo a fixação de uma quantia devida a titulo de sanção pecuniária compulsória.
- O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa condenou a entidade patronal a reintegrar a trabalhadora no seu posto de trabalho.
- O recurso deste Acórdão interposto pela executada foi admitido como Revista com efeito meramente devolutivo.
- Donde, estando assente que a executada somente integrou a exequente no seu posto de trabalho na sequência do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, há que concluir que não foi dado cumprimento ao decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, sendo, por isso, devida uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da reintegração da trabalhadora.
É desta decisão que discorda a Agravante, com os seguintes fundamentos:
a) A Agravante deu pleno cumprimento ao decidido pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, procedendo à reintegração da trabalhadora no seu posto de trabalho, não podendo, por isso, considerar-se em incumprimento nem ser sancionada com a consequente sanção pecuniária compulsória.
b) A presente execução foi instaurada na pendência do Recurso de Revista interposto pela Agravante, tendo nessa conformidade natureza provisória, pois extinguir-se-ia/modificar-se-ia em conformidade com a decisão final, apenas podendo haver lugar à prestação de facto, caso estivesse prevenida a hipótese da decisão final ser desfavorável ao Exequente, mediante prestação de caução.
c) A Exequente promoveu a execução na pendência do recurso de revista interposto pela Executada, sem ter oferecido para prestar qualquer caução, sendo que sem tal caução também não podia levar à prestação de facto.
d) Em sede de oposição, a executada requereu a suspensão da execução da execução, mediante prestação de caução, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 47º, nº 4 do Código de Processo Civil.
e) Por motivos que não lhe são imputáveis, tal pretensão só foi conhecida após ter sido proferido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça a confirmar a decisão desta Relação.
f) Nestas circunstâncias, não poderia ter sido fixada qualquer sanção pecuniária compulsória a partir do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, pois, na pendência do recurso de Revista a Agravante requereu, à cautela e subsidiariamente, que fosse suspensa a execução, mediante a prestação de caução.
g) Não estando o prazo para a prestação determinado no título executivo, o mesmo teria que ser fixado pelo juiz, nos termos dos artigos 939º e 940º do Código de Processo Civil, sendo que apenas haverá lugar à sanção pecuniária compulsória, quando o devedor não prestar o facto dentro do prazo concedido.
h) Tendo reintegrado à autora no seu posto de trabalho, na sequência do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, deve a instância executiva ser extinta por inutilidade superveniente da lide.
Valorando e decidindo
Compulsadas a execução e oposição, constata-se que a tramitação processual destes autos ocorreu à total revelia do que impõe o ordenamento jurídico processual para a execução para prestação de facto, máxime quando é necessário fixar, em sede executiva a sanção pecuniária compulsória.
Por outro lado, a decisão final não elenca, dos factos alegados pelas partes, quais os que considera provados e não provados.
Note-se que, desconhecendo-se - porque os autos não traduzem tal acto processual - se a executada foi citada para a execução e em que termos é que o foi, não se poderá concluir que os factos alegados pela exequente (que a trabalhadora se apresentou ao serviço em 1 de Março de 2010, tendo sido impedida de entrar no local de trabalho pela entidade patronal) se devem ter assentes por acordo.
D’autra banda, as questões suscitadas pela executada:
– o saber se, na pendência do recurso da sentença que serve de titulo executivo, pode ou não haver lugar à execução da prestação de facto, sem que a exequente preste caução, nos termos do artigo 47º, nº 3 do Código de Processo Civil;
- ou, se era admissível a suspensão da execução, mediante prestação de caução por parte da executada,
Não foram, em concreto e expressamente apreciadas pelo juiz recorrido, seja nos autos de execução, seja na oposição.
Nestas circunstâncias, poder-se-á dizer que as decisões da primeira instância são nulas, por inobservância do formalismo previsto no artigo 668º, n º1, al. b) e d), do Código de Processo Civil.
Para que produzissem efeitos estas nulidades de sentença deveriam ter sido arguidas pelas partes por uma das formas previstas no artigo 77º do Código de Processo Civil.
É o que resulta do nº 4 do artigo 668º acima citado.
In casu, nenhuma das partes arguiu a nulidade de cada um das decisões proferidas: a da execução e a da oposição. Encontram-se, por isso, sanadas.
Chegados aqui, e lendo as decisões proferidas, só podemos concluir que o juiz a quo, ao decidir indeferir liminarmente a oposição e ordenando o prosseguimento normal da execução, mais não fez do que, implicitamente, rejeitar os argumentos deduzidos pela Executada, em sede de oposição.
Tudo isto para dizer que as questões suscitadas pela Recorrente, nas conclusões identificadas nos números 3 a 8 inclusive, foram julgadas improcedentes pelo tribunal recorrido, não com a decisão de que agora se recorre, mas em momento anterior.
É que:
Compulsada a oposição deduzida pela Executada, constata-se que os fundamentos aí invocados correspondem aos mencionados nas conclusões números 3 a 5.
Ali se invoca que a Exequente, enquanto a sentença estiver pendente de recurso, não pode a exequente exigir a prestação de facto, nos termos do artigo 47º, nº 3 do Código de Processo Civil (artigos 3º e 4º).
A falta de prestação de caução por parte da exequente constitui falta de qualquer pressuposto processual de que depende a regularidade da instância executiva.
No mesmo processo de oposição, foi proferida decisão, em 16 de Março de 2011, que indeferiu liminarmente a oposição, notificando-se a executada para, declarar, se mantinha interesse na prestação da caução, atenta, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Notificado deste Despacho, pediu a Agravada a aclaração do mesmo, alegando que a omissão de pronúncia sobre a questão suscitada na oposição - a exequente não podia promover à execução sem prestar caução - pretensão que foi indeferida por despacho de fls. 34.
Já no que toca à admissibilidade da suspensão da execução por via da prestação de caução por parte da executada, constata-se que:
Em 26 de Outubro de 2010, foi proferido despacho ordenando que os autos aguardassem a decisão que viesse a ser proferida sobre o pretendido efeito suspensivo da execução – fls. 105 da execução.
E, em 17 de Outubro de 2011, decidiu-se que “ uma vez que a oposição foi liminarmente indeferida, não subsistiam razões para que a execução não prossiga os seus termos”.
Tanto significa, que o despacho que indeferiu liminarmente a oposição, decidiu que a execução prosseguiria os seus termos, independentemente, da exequente e/ou da executada prestarem ou não caução
A Agravante não interpôs recurso de nenhum destes despachos, razão pela qual, transitaram em julgado, nos termos do artigo 677º do Código de Processo Civil.
O que nos leva a concluir, que as questões suscitadas nas Conclusões do Recurso da Agravante, sob os nºs 3 a 8, foram julgadas pelo tribunal a quo por decisão transitada em julgado, não sendo, por isso, agora, admissível, a sua reapreciação.
Resta, assim, apreciar as demais razões de discordância da Recorrente em relação ao despacho sindicado que se traduzem na questão de saber se, na pendência do recurso de Revista, com efeito meramente devolutivo, pode a Recorrente ser condenada em sanção pecuniária compulsória, com termo inicial na data da sentença condenatória principal ainda não transitada em julgado.
É o que faremos de seguida.

2 – Aplicação da sanção pecuniária compulsória, em acção executiva, com termo inicial na data da sentença condenatória principal ainda não transitada em julgado.
O Tribunal a quo, entendeu que, não estando fixada a sanção pecuniária compulsória, na acção declarativa, era possível a sua aplicação nesta acção executiva, com efeitos a partir da data em que o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, condenou a empregadora, a reintegrar a autora no seu posto de trabalho.
Em abono deste entendimento, invocou-se o artigo 933º nº 1 do Código de Processo Civil, que permite ao credor, na execução para prestação de facto, obter no processo executivo a fixação de uma quantia devida a titulo de sanção pecuniária compulsória.
Mais se entendeu que tendo o recurso de Revista efeito meramente devolutivo e estando assente que a executada somente integrou a exequente no seu posto de trabalho na sequência do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, haveria que que concluir que não foi dado cumprimento ao decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, sendo, por isso, devida uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da reintegração da trabalhadora.
Discorda a Recorrente desta fundamentação, defendendo que não se atrasou no cumprimento da obrigação em que foi condenada, pois reintegrou a trabalhadora no seu posto de trabalho, na sequência do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Há, assim, que dirimir as seguintes questões:
- se a sanção pecuniária compulsória pode ser fixada na acção executiva instaurada na pendência de recurso da sentença condenatória principal, com efeito meramente devolutivo;
- na afirmativa, qual o termo inicial para a sua aplicação.
2. 1 Quanto à primeira - se a sanção pecuniária compulsória pode ser fixada na acção executiva instaurada na pendência de recurso da sentença condenatória principal, com efeito meramente devolutivo.
A exequibilidade (provisória) do Acórdão restringe-se à condenação constante do título - a reintegração do trabalhador e não já à sanção pecuniária compulsória.
Esta, como se disse, não foi aplicada na acção declarativa.
Inexistindo dúvidas que a obrigação de reintegração da autora no seu posto de trabalho configura uma prestação de facto infungível, o meio processual adequado a fazer cumprir coercivamente aquela obrigação, é uma execução para prestação de facto, tal como está previsto nos artigos 933º a 942º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1º, nº 2 al. a) do Código de Processo Civil.
E, nestes casos, distinguiu o legislador duas situações, conforme se verifique ou não a indicação de prazo no título executivo.
No primeiro caso, a tramitação processual há-de obedecer ao formalismo previsto no artigo 933º do Código de Processo Civil, no segundo observar-se-á o disposto no artigo 939º do Código de Processo Civil.
Dispõe o artigo 933º, nº 1 do Código de Processo Civil que:
“Se alguém estiver obrigado a prestar um facto em prazo certo e não cumprir, o credor pode requerer a prestação por outrem, se o facto for fungível, bem como indemnização moratória a que tenha direito, ou a indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação; pode também o credor requerer o pagamento de quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, em que o devedor já tenha sido condenado ou cuja fixação o credor pretenda obter no processo executivo”.
Já o artigo 939º, nº 1 do mesmo diploma prevê que “quando o prazo para a prestação não esteja fixado no titulo executivo, o exequente indica o prazo que reputa como suficiente e requer que, citado o devedor, para em 20 dias, dizer o que se lhe oferecer, o prazo seja fixado judicialmente; o exequente requer também a aplicação da sanção pecuniária compulsória, nos termos da segunda parte do nº 1 do artigo 933º.
Daqui resulta claramente que é facultada ao exequente a possibilidade de requerer, na fase executiva, a fixação de uma sanção pecuniária compulsória.
Como ensina Lopes do Rego, em anotação ao artigo 939º, in Comentários ao Código de Processo Civil, volume II, 2ª edição, página, 162, confere-se, agora, ao exequente “a possibilidade de obter, no âmbito da própria execução por facto positivo, a condenação do executado em sanção pecuniária compulsória, mesmo nos casos em que esta não tivesse sido previamente estabelecida no processo declaratório, sempre que se verifiquem os pressupostos estabelecidos no artigo 829º A do Código de Processo Civil”.
No mesmo sentido, Paula Costa e Silva, em Reforma da Acção Executiva, 2ª edição, página 123, entende que é permitido “ao credor requerer a fixação da sanção pecuniária compulsória no âmbito da própria execução para prestação de facto positivo (artigo 933/1) ou negativo (artigo 941/1), formando-se, deste modo, o título na própria execução.
Mas, como ensina o Prof. Alberto dos Reis, in Processo de Execução, volume 1º, 3ª edição, página 50, aqui, é necessário fazer uma distinção: ou o prazo para a prestação de facto está fixado no título executivo ou não está.
No caso dos autos, o título dado à execução – o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa não transitado em julgado – não mencionava qualquer prazo para a reintegração da autora, nem fixou a sanção pecuniária compulsória.
Sabe-se pela versão da Exequente que a recusa da entidade patronal em reintegrar a autora no seu posto de trabalho, terá ocorrido em 1 de Março de 2010, antes da data de instauração da presente execução – 3 de Março de 2010 (cf. fls. 2).
Ou seja, à data da instauração da execução, não existia no título executivo determinação de um prazo certo para a reintegração da autora, como ainda não existia data de trânsito em julgado da decisão.
Nestes casos, e ainda que se entendesse, como o fez o tribunal recorrido, que a sanção pecuniária compulsória poderia ser fixada antes do trânsito em julgado do Acórdão dado à execução, então, teríamos que concluir que estávamos perante uma hipótese em que o prazo para a execução da prestação não estava marcado no titulo executivo.
Note-se que nem a exequente, nem a decisão sindicada indicam, em concreto, qual a data em que a executada deveria ter cumprido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa: se na data do Acórdão, se na data de notificação deste, se na data de notificação da decisão que admitiu o Recurso de Revista com efeito devolutivo ou se na data em que o exequente diz ter sido recusado o cumprimento do decidido – 1 de Março de 2010.
Desconhece-se, assim, em que momento foi considerado, o início do dito atraso no cumprimento da prestação.
Nestas circunstâncias, haveria que observar o disposto no artigo 939º do Código de Processo Civil.
Ou seja, a trabalhadora teria que ter pedido, inicialmente, a fixação de um prazo para cumprimento do decidido, cabendo, posteriormente ao juiz fixar esse prazo, nos termos do artigo 940º, nº 1 do Código de Processo Civil.
E, se a executada não reintegrasse a trabalhadora dentro do prazo fixado, então, sim, estaria verificada o retardamento culposo na realização da prestação, com a consequente possibilidade de uma penalização do devedor por via de uma sanção pecuniária compulsória.
No caso dos autos, não se vislumbra que, no título executivo ou na execução, tenha sido fixado judicialmente qualquer prazo para que a executada cumprisse obrigação.
Como no título executivo não havia condenação da Ré em sanção pecuniária compulsória.
Esta foi pedida apenas e só pela Recorrida, nos autos de execução.
Mas a aplicabilidade da sanção pecuniária compulsória no processo executivo há-de obedecer à sua própria função e razão de ser.
A este propósito, ensina Calvão da Silva in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4ª edição, páginas 535 e 536:
“A sanção pecuniária compulsória é, por definição, um meio indirecto de pressão decretado pelo juiz, destinado a induzir o devedor a cumprir a obrigação a que está adstrito e a acatar a injunção judicial.
Quanto à sua natureza jurídica, analisa-se numa medida coercitiva, de carácter de carácter patrimonial, seguida de sanção pecuniária na hipótese de não ser eficaz na consecução das finalidades que persegue.
Medida coerciva ou meio de compulsão, porque forma de pressão ou cominação sobre a vontade do devedor, intimando e ameaçando este a realizar a prestação que deve.
Meio de coerção patrimonial, porque incide apenas sobre o património do devedor e não sobre a sua pessoa; atinge a “carteira”, o património, mas para pressionar a vontade do devedor e incitá-lo à realização da prestação devida, constituindo em suma, um meio de indução ao cumprimento.
Sanção pecuniária, porque se não for eficaz, se não conseguir compelir o devedor à realização da prestação devida, a ameaça termina numa sanção, numa punição, a qual não passa da actuação prática da desvantagem cominada, suspensa apenas do comportamento do devedor.
No que toca à função, a sanção pecuniária compulsória destina-se a forçar o devedor a cumprir a obrigação devida e a respeitar a justiça”.
Ora, se a sanção pecuniária compulsória é um meio de constrangimento ao cumprimento da obrigação de prestar um facto infungível imposta ao devedor na condenação sentenciada judicialmente, que serve de titulo executivo, aquela não pode ter efeitos retroactivos.
“ Assim em execução de sentença condenatória de reintegração do trabalhador não acompanhada de sanção pecuniária compulsória, esta se pedida no requerimento executivo, não pode ser decretada ex tunc, a partir do trânsito em julgado da sentença. Esse possível beneficio perdeu-o o credor/trabalhador, em virtude de não ter requerido até ao encerramento da discussão em primeira instância (artigo 273º, nº 4) a condenação do devedor/entidade patronal a quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação.
(…)
O juiz deverá fixar um termo a quo que respeite e até potencie a natureza coercitiva da medida, ameaça prévia destinada a provocar o futuro cumprimento da obrigação e o respeito da decisão judicial”. Calvão da Silva, ob. Citada página 558.
O mesmo é dizer que, não tendo havido, na acção declarativa, condenação da empregadora em sanção pecuniária compulsória, esta não poderia ter sido fixada com efeitos retroagidos à data do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.
Em abono deste entendimento, poder-se-á, ainda trazer à colação um dos argumentos da Recorrente, sem que tal signifique a reapreciação concreta da questão suscitada no Recurso: se a execução deveria ou não ter sido suspensa, por inobservância da prestação de caução por parte da exequente.
Com efeito, nada impede que se valore, em geral, a exequibilidade das sentenças.
Neste particular, sabe-se que a sentença condenatória pode servir de base à execução, nos termos do artigo 46º, nº 1. al a) do Código de Processo Civil, desde que verificados os requisitos de exequibilidade, previsto no preceito seguinte – o artigo 47º, nº1, onde se lê:
“A sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ele interposto tiver efeito meramente devolutivo”
O trânsito em julgado verifica-se quando dela não possa recorrer-se ou quando estejam esgotados os recursos ordinários ou a reclamação, nos termos do artigo 688º e 689º (artigo 677º do Código de Processo Civil).
“Se a sentença está pendente de recurso recebido no efeito meramente devolutivo, é licito à parte vencedora promover a execução dela antes de decidido o recurso. A sentença não deixa em tal caso, de ser título executivo pelo facto de estar pendente de recurso. O interesse da rapidez prevalece sobre o interesse da justiça na execução. A lei consente o risco de execução injusta para assegurar ao credor a vantagem da execução pronta.
(…)
Se o credor promove a execução com base numa sentença pendente de recurso com efeito meramente devolutivo, corre o risco de ver inutilizado o processo executivo e de ter, consequentemente, de pagar as custas deste processo e restituir o que já tenha recebido, se o recurso obtiver provimento.
(…)
Se a execução fundada em sentença pendente de recurso chegar à fase do pagamento dos credores antes da decisão definitiva do recurso (…) não pode o exequente ou outro credor ser pago sem prestar caução.
(…)
A caução tem por função garantir ao executado, se a sentença for revogada ou alterada por via do recurso, a restituição do que aos credores haja sido pago indevidamente. Se o pagamento se fizesse sem caução, bem podia dar-se o caso de o executado, triunfante do recurso, já não encontrar no património dos credores bens suficientes para se reembolsar”. Alberto dos Reis, in Processo de Execução, volume I, 3ª edição, página 130 a 132).
Esta orientação mantém a sua actualidade, pois o artigo 47º, nº 3 do Código de Processo Civil determina que, enquanto a sentença estiver pendente de recurso, não pode o exequente ou qualquer credor ser pago sem prestar caução.
“O processo executivo tem de conciliar, na medida do razoável, o interesse do credor que exige que a execução seja pronta, com o interesse do devedor que exige que a execução seja justa. Se olhássemos somente ao aspecto da justiça, não se iniciaria nunca a execução senão depois de transitada em julgado a sentença de condenação; se tivéssemos em vista unicamente o aspecto da prontidão, toda a sentença de condenação seria título executivo, posto que pendente de recurso.
O que faz a lei? Procura estabelecer o justo equilíbrio entre os dois interesses em conflito – o interesse da prontidão e o interesse da justiça”. Alberto dos Reis, in Processo de Execução, volume 1º, página 59.
O legislador permite, de um lado, a instauração de uma execução para o cumprimento coercivo da obrigação imposta por sentença pendente de recurso, com efeito meramente devolutivo, bem como o seu prosseguimento normal até ao momento em que haja de ser cumprida definitivamente a prestação.
Nesta ocasião processual, o exequente, se pretende ver executada a prestação que lhe foi reconhecida por sentença ainda não transitada em julgado, deve prestar caução nos exactos termos do artigo 47º, nº 3 do Código de Processo Civil.
Trata-se de uma condição para ver cumprida uma prestação que ainda não fora julgada judicialmente em definitivo.
Desta feita, equilibram-se os dois interesses acima mencionados – de justiça e de prontidão.
Daqui resulta que a exequibilidade de sentença pendente de recurso com efeito meramente devolutivo, está sujeita a limites, não podendo obter-se a realização da prestação final da obrigação, sem que a exequente preste caução.

2.2 – O termo inicial da sanção pecuniária compulsória
É sabido que a sanção pecuniária compulsória foi introduzida no nosso ordenamento jurídico com o Decreto-Lei nº 263/83 de 16 de Junho.
Estabeleceu-se no artigo 829º A, do Código Civil que:
Nº 1 - Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades cientificas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.
Nº 2 – A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada de acordo com critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.
Nº 3 – O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado.
Nº 4 – Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.
A sanção pecuniária compulsória tem, como já se disse, a finalidade de impelir o devedor a cumprir a obrigação a que se encontra adstrito e a obedecer à imposição judicial.
“Pode dizer-se que a expressão «sanção pecuniária compulsória», com que o legislador baptizou este meio de coerção patrimonial que só o juiz pode decretar, reflecte imediatamente o carácter triplo da medida: compulsão (coerção ou ameaça) pecuniária que, se não atinge os seus fins, sanciona a ilícita violação da condenação principal proferida pelo juiz. O carácter coercitivo ou compulsório é, pois da essência do instituto, cujo fim imediato é induzir o devedor a cumprir, enquanto o elemento sanção é condicional, apenas ocorrendo se a coerção for ineficaz, como consequência e efeito dessa mesma ineficácia. Numa palavra, o efeito «sanção» não é o escopo da sanção pecuniária compulsória, não é a condição da sua eficácia”. Calvão da Silva in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4ª edição, página 396.
A sanção pecuniária compulsória é um meio de forçar o devedor ao cumprimento da obrigação. É um meio de coerção ao cumprimento e não se confunde com o próprio cumprimento.
“O que o diploma de 1983 pretendeu, com a introdução da nova medida coercitiva no sistema jurídico português, foi assegurar pela força, pela ameaça, à bruta (…) o cumprimento (voluntário (?), embora não espontâneo) das prestações de facto não fungível. A manifesta intenção do legislador foi a de reforçar a garantia de cumprimento das obrigações desse tipo (de prestação de facto não fungível) – relativamente às quais não é viável o recurso à execução (forçada) da prestação de facto por terceiro e quase sempre se torna muito difícil avaliar com exactidão os danos causados ao credor pela inadimplência do obrigado. ” Antunes Varela, in RLJ 121º, página 218.
A sanção pecuniária compulsória visa, assim, através de uma decisão judicial, pressionar a vontade do devedor e determiná-lo ao cumprimento do que é a sua obrigação principal perante o credor.
Trata-se de uma condenação acessória nascida do incumprimento de uma decisão judicial e “encavalitada na obrigação principal” como refere Antunes Varela, obra e local citados.
A obrigação principal há-de estar definitiva e concretamente fixada pelo Tribunal.
Ora, salvo o devido respeito e melhor opinião, no caso dos autos, a obrigação da executada em reintegrar a autora no seu posto de trabalho, só se tornou certa e exigível na data do trânsito em julgado do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
Só nesta data, o diferendo entre a trabalhadora e a entidade patronal - declaração de invalidade do despedimento, com as inerentes consequências - ficou definitivamente resolvido, pois só com o trânsito em julgado da sentença, é que a condenação principal se torna definitiva (cf. artigos 671º e 677º do Código de Processo Civil).
Antes deste momento, a obrigação principal que a sanção pecuniária compulsória visaria assegurar – a reintegração do trabalhador, em consequência da declaração de ilicitude do despedimento - era discutível, tendo sido posta em crise, com a interposição do recurso de Revista.
“Como a sanção pecuniária compulsória é um meio de coerção ao cumprimento e ao respeito da condenação judicial, não deve ocorrer antes do momento em que o cumprimento se tenha definitivamente devido e a exequibilidade da decisão judicial foi adquirida. Consequentemente, se o devedor condenado não se conforma com a sentença e interpõe recurso, a interposição deste deve afectar também a sanção pecuniária compulsória. Seria, na verdade, ilógico que o efeito do recurso sobre a condenação principal se não estendesse à sanção pecuniária compulsória, cujo fim é o de constranger ao cumprimento e ao respeito dessa mesma condenação principal.
O carácter acessório da sanção pecuniária compulsória leva esta a acompanhar a condenação a condenação principal no seu percurso, não se percebendo por que razão a exigibilidade daquela deveria ter lugar antes da exigibilidade desta.” Calvão da Silva, ob. citada, página 424.
Só com o trânsito em julgado da decisão, repete-se, se dirime, em definitivo a obrigação que há-de ser cumprida pelo devedor. Será esse (se outro não for indicado na decisão condenatória) o momento em que o condenado deve realizar a prestação.
É nesta data que se impõe ao adstringido que cumpra a obrigação, sob pena de, não o fazendo, atempadamente, ser sancionado com uma quantia pecuniária por cada dia em que se atrase na realização da prestação em que foi condenado.
Desta forma, não se ordena o cumprimento da prestação, antes se impele o devedor a cumpri-la, pressionando-o, psicológica e pecuniariamente, a fazê-lo.
A este propósito, lê-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Julho de 2002, in CSTJ, ano X – Tomo II, página 278:
“Se com a sanção pecuniária compulsória se pretende contrariar uma tentação de rebeldia do devedor contra uma decisão que o condenou a prestar um facto infungível ou abster-se de certa conduta, então resulta óbvio que essa sanção não pode produzir efeitos antes de o devedor tomar conhecimento de que lhe foi judicialmente imposta uma condenação nesses termos, com a cominação duma sanção pecuniária para cada dia de atraso no cumprimento ou para cada nova infracção”.
Se é certo que o efeito devolutivo atribuído ao recurso interposto do Acórdão permitia que o credor, ora recorrido, instaurasse contra a ora Recorrente execução para prestação de facto, consistente na sua reintegração na empresa daquela, cremos que essa execução não pode abranger a sanção pecuniária compulsória, em virtude de, ainda, não ter ocorrido o facto de que depende a sua condenação efectiva: o trânsito em julgado da sentença condenatória, pois é este o momento a partir do qual se pode afirmar que, mantendo o devedor a sua obstinação no não cumprimento, está o mesmo da desrespeitar o comando contra si dirigido, só então, ganhando verdadeiro significado aquele afirmado propósito da lei de alcançar; através da medida sancionatória em causa, por um lado, o reforço da soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestigio, da justiça e, por outro, favorecer a execução especifica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis”.
No sentido que vimos defendendo, aponta o legislador do Código de Processo de Trabalho, quando estabelece, no nº 2 do artigo 74º A introduzido pelo Decreto-Lei nº 295/2009, de 13 de Outubro, que, “transitada em julgado a sentença, sem que se mostre efectuada a reintegração do trabalhador, pode o trabalhador requerer também a aplicação de sanção pecuniária compulsória ao empregador, nos termos previstos no Código de Processo Civil para a execução de prestação de facto”.
Com a introdução deste normativo, veio, agora de forma expressa, permitir-se ao trabalhador, que requeira, na acção executiva para prestação de facto (se o não tiver feito na fase declarativa), a fixação de sanção pecuniária compulsória com o fito de constranger o empregador ao cumprimento, mas nos casos em que a sentença tenha transitado em julgado.
Ou seja, não tendo o credor requerido na acção declarativa a aplicação da sanção pecuniária compulsória, pode, ainda fazê-lo, na acção executiva para a prestação de facto, caso o empregador não proceda à reintegração do trabalhador, uma vez transitada em julgado a sentença.
Realce-se que, mesmo antes da entrada em vigor do artigo 74º A, nº 2, do Código de Processo de Trabalho, já o nº 4 do artigo 829º A do Código Civil estabelecia automaticamente, para os casos em que a obrigação consistia em pagamentos em quantias monetárias, uma sanção pecuniária compulsória, em valor concreto e determinado, a partir da data do trânsito em julgado da sentença.
Ora, se é o trânsito em julgado da decisão, para estes casos, o momento a partir do qual se sanciona compulsoriamente o devedor a cumprir, não vislumbramos razões para um entendimento diferente, quando estejamos perante a previsão normativa dos nº 1 a 3 do artigo 829º.
As finalidades da sanção pecuniária compulsória – seja para as hipóteses do nº 1, seja para as hipóteses do nº 4 do citado artigo 829º, são as mesmas: compelir o devedor ao cumprimento, respeitando a decisão do tribunal, enquanto órgão de soberania.
Inexistem, assim, motivos, para que se diferencie, num e noutro caso, o momento inicial da constituição do devedor em atraso de cumprimento, para efeitos de penalização com sanção pecuniária compulsória.
Por tudo, concluímos, que até à data do trânsito em julgado do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, não se atrasou a Recorrente na reintegração da Recorrida no seu posto de trabalho, de forma a justificar que lhe seja aplicada uma sanção pecuniária compulsória.
Em suma.
- Não tendo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa condenado a executada em sanção pecuniária compulsória;
- Não tendo sido fixado prazo à exequente para a reintegração da trabalhadora no seu posto de trabalho,
- Não tendo transitado em julgado o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa;
Podia, na acção executiva, a requerimento do credor, ser fixada uma sanção pecuniária compulsória, mas apenas com efeitos para o futuro e não já retroagindo-os à data do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.
Como a empregadora reintegrou a Recorrida no seu posto de trabalho, na sequência do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, não há lugar a qualquer sanção pecuniária compulsória, procedendo, assim, o Agravo interposto pela Recorrente.

3 – Do recurso subordinado da Recorrida
A decisão tomada em prejudica o conhecimento do Recurso Subordinado da Exequente.

4 - Das custas
Nos termos do artigo 446º, nº1 do Código de Processo Civil, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condenará em custas a parte que a elas houver dado causa, ou não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for – nº 2 do citado artigo e diploma (446º).
In casu, quem deu causa ao recurso foi a Recorrida que ficou vencida, devendo, por isso, suportar as respectivas custas.

V - DECISÃO
Em conformidade com tudo o que se acabou de expor, decide-se julgar procedente o Recurso, alterando-se a decisão recorrida, como segue:
a) Julga-se improcedente por não provado o pedido formulado por AA- de condenação da Executada numa sanção pecuniária compulsória - dele absolvendo de BB – …, Lda.
b) Condenar em custas a Recorrida.

Lisboa, 22 de Maio de 2013

Alcina da Costa Ribeiro
Seara Paixão
Ferreira Marques