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PROCESSO
EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
Sumário
I- Para o efeito de saber se uma determinada sentença constitui ou não título executivo, não é relevante apurar se a mesma foi proferida no âmbito de uma acção de simples apreciação, de uma acção de condenação ou de uma acção constitutiva. O que releva, no fundo, é saber se tal sentença impõe a alguém, expressa ou tacitamente, o cumprimento duma obrigação, contendo, pois, uma ordem de prestação; II- No caso de procedência da impugnação pauliana, o título executivo é constituído ou integrado, quer pelo que permite a execução contra o devedor (podendo ser qualquer um dos previstos no artº. 46.º CPC), quer pela sentença de procedência da impugnação pauliana. III- No caso dos autos, verifica-se que a sentença proferida na acção pauliana reconheceu a possibilidade do credor impugnante executar os bens no património da segunda ré (3ª adquirente), bem como praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei; IV- Assim sendo, não se vê que aquela sentença imponha a alguém, expressa ou tacitamente, o cumprimento de uma obrigação, ou que contenha uma ordem de prestação. Digamos que, na mesma, não se descobre uma qualquer condenação ou a imposição a alguém de determinada responsabilidade; V- Em situações como a dos presentes autos, em que o Tribunal apenas reconheceu a possibilidade do credor impugnante executar os bens doados no património da donatária ou de praticar sobre eles os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei, não determinando, pois, o cumprimento de qualquer obrigação, apesar de a pressupor, tal sentença não é suficiente para desencadear qualquer processo executivo, seja contra o devedor, seja contra o 3º adquirente, uma vez que não é uma sentença condenatória (al. a), do n.º 1, do art.º 46.º CPC); VI- Para instaurar execução, quer contra um, quer contra o outro, quer contra os dois, o credor terá de obter o título executivo do seu crédito, no caso, no âmbito da acção declarativa de condenação já instaurada contra o devedor. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1 – Relatório.
No 2º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de C…, IPQ, Ld.ª e PC, deduziram oposição à execução para pagamento de quantia certa que contra eles moveu o exequente JS, para haver deles a quantia de € 1.570.324,22.
Para o efeito, alegam que, estando o exequente unicamente munido do título executivo que consiste na sentença proferida na acção de impugnação pauliana, na qual não foi ordenada a condenação dos aqui executados no pagamento de qualquer quantia, é de concluir que esse título é manifestamente insuficiente para o fim pretendido pelo exequente.
Mais alegam que se encontra, ainda, a ser discutida no âmbito do processo nº..., que corre termos no ..º Juízo Cível do Tribunal Judicial de …, a existência da dívida cuja cobrança coerciva pretende levar a cabo com o presente processo executivo.
Concluem, assim, que a execução deve ser declarada extinta.
O exequente contestou, alegando que a sentença de impugnação pauliana é uma sentença declarativa, contendo uma condenação implícita para os réus – condenação no pagamento do valor em dívida ao autor –, pelo que constitui, em si mesma, título executivo para basear a execução para o pagamento de quantia certa contra os executados no valor de € 1.570.324,22.
Mais alega que, apesar da pendência do aludido processo nº..., a dívida em causa, do 2º executado para com o exequente, foi apreciada no âmbito da acção de impugnação pauliana, onde o ora exequente fez prova do montante da dívida, cuja existência foi aí discutida e declarada, podendo agora ser executada.
Conclui, deste modo, que a oposição à execução deve ser julgada improcedente, devendo a execução prosseguir seus termos.
Seguidamente, foi proferido despacho saneador, onde se conheceu imediatamente do mérito da causa, determinando-se a extinção da execução relativamente ao executado e a continuação da mesma relativamente à executada sociedade.
Inconformada, a executada interpôs recurso de apelação daquela sentença.
Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Fundamentos.
2.1. Na sentença recorrida consideraram-se provados os seguintes factos.
1 - No âmbito dos autos declarativos principais, o Exequente instaurou uma acção de impugnação pauliana contra os ora Executados, pedindo a ineficácia, em relação a ele, das doações efectuadas pelo Executado (PC) em benefício da Executada (IPQ,Ldª.) dos seguintes imóveis:
a) metade do prédio urbano, sito no…. na Rua …, n.° ... descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º .., e inscrito na matriz respectiva sob o art. ...;
b) prédio urbano sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o n.° .., descrição em livro n.° ... livro n.º . e inscrito na matriz sob o n.° ,,,..;
c) prédio urbano silo em …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.° 6... e inscrito na respectiva matriz predial sob o n.º ..;
d) prédio rústico, sito em …. descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .. e inscrito na matriz respectiva sob o art. 1199;
bem como a restituição de tais imóveis, de modo a que o Exequente se pudesse pagar à custa dos mesmos, nos termos do n.° l do art. 616.° do Código Civil (cfr. autos declarativos principais).
2 - A acção referida em 1) foi julgada procedente, por intermédio da sentença junta a fls. 572 a 589 dos autos declarativos principais, já transitada em julgado, cujo dispositivo é o seguinte: "Por tudo o exposto, julgo integralmente procedente, por integralmente provada, a presente acção e, consequentemente, condeno o l.º e 2.° réus a verem impugnados os actos que consubstanciaram as escrituras públicas de doação, a que é feita referência em 46. e 48. dos Factos Provados [doações dos imóveis referidas em l)], na medida necessária à satisfação do crédito do autor, podendo este executá-lo no património da 2.ª ré [a ora Executada], bem como praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei. " (cfr. autos declarativos principais).
3 - O Exequente instaurou contra os Executados a acção executiva para pagamento de quantia certa de que os presentes autos são apenso, peticionando o pagamento da quantia global de € 1.570.324,22, apresentando apenas como título executivo a sentença referida em 2) (cfr. autos principais de execução).
4 - No requerimento executivo, o Exequente apenas indicou como bens a penhorar os imóveis referidos em l) (cfr. requerimento executivo dos autos principais de execução).
5 - No âmbito dos autos principais de execução, foram penhorados os automóveis de matrículas …-…-…, marca Audi. …-…-…, marca ..., e …-…-…, marca ...n, cuja aquisição se encontra registada a favor da Executada (cfr. autos principais de execução).
6 - A citação dos Executados para os autos de execução foi posterior às penhoras efectuadas (cfr. autos principais de execução).
2.2. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:
A. A impugnação pauliana é universalmente reconhecida como um meio de conservação da garantia patrimonial do devedor, através do qual o credor pode tornar relativamente ineficazes actos de alienação ou oneração patrimonial perpetrados por aquele para o prejudicar.
B. Perante o credor tudo se passa como se os bens nunca tivessem saído do património do devedor, podendo os mesmos ser directamente executados no património do terceiro adquirente (art. 616.°, n.º l, segunda parte, do Cód. Civil).
C. Está na disponibilidade do autor da acção de impugnação pauliana cumular o pedido de declaração da ineficácia do negócio, que resulta na produção ope legis dos efeitos previstos no art. 616.° n.° l do Cód. Civil (i.e. na restituição do bem ao património do devedor e na possibilidade do bem ser executado directamente no património do terceiro adquirente), com um verdadeiro pedido de condenação, seja ele deduzido contra o devedor, seja contra o terceiro adquirente, exigindo-se, neste caso, que o bem se tenha perdido ou deteriorado (art. 616.°, n.ºs 2 e 3 do C.C.).
D. Tudo dependerá da forma como o autor dessa acção deduz o seu pedido, ficando o Tribunal impedido de conhecer em objecto diferente desse mesmo pedido (cfr. art. 661.º C.P.C.).
E. Na medida em que o demandante da acção de impugnação pauliana apenas pretende que o Tribunal reconheça a ineficácia da transmissão do imóvel e, consequentemente, o direito a que o bem seja restituído ao devedor (permitindo-se a sua execução directamente no património do terceiro adquirente), a acção judicial em causa será uma acção declarativa constitutiva.
F. Dissecando o pedido do Exequente no processo declarativo de impugnação pauliana, vemos que em momento algum se pede a condenação da Recorrente, ou sequer do Eng. PC, no PAGAMENTO de seja o que for.
G. Logo, nessa sentença não existe qualquer verdadeira ordem ou cominação dirigida à Recorrente, mas apenas a produção de uma modificação na ordem jurídica (cfr. art. 4.º, n.º 2, al. c) do C.P.C.), através da declaração de ineficácia do negócio perante o aqui Exequente/Recorrido.
H. Consequentemente, para que se possa executar os bens da Recorrente, a lei exige, cumulativamente: (i) um título executivo que permita a cobrança coerciva da dívida contra o devedor — por ser pessoalmente responsável pela divida —, e (ii) um outro titulo que justifique a penhora do património da Recorrente por conta dessa dívida que não lhe pertence (no caso dos autos, a sentença da acção de impugnação pauliana) - cfr. arts. 46.° e 821.°, n.º 2 do C.P.C..
I. E o Recorrido não tem, ainda, um outro título executivo que lhe permita validamente executar a divida que imputa ao Eng. PC, tal como foi correctamente decidido pelo Tribunal a quo.
J. Salvo o devido respeito, consideramos a douta Sentença recorrida perfeitamente incongruente e causadora de resultados incompatíveis, na medida em que reconhece que não existe um título executivo que permita a cobrança coerciva da dívida (o que levou à extinção da execução contra o Eng. PC), mas, simultaneamente, permite a execução do património da Recorrente para liquidação dessa dívida que reconheceu não ser ainda judicialmente exigível.
K. O título executivo determina o fim e os limites da acção executiva (cfr. art. 45.° n.° l do C.P.C.).
L. Estando o Exequente unicamente munido do título executivo que consiste na Sentença proferida na acção de impugnação pauliana, na qual não foi ordenada a condenação da aqui Recorrente no pagamento de qualquer quantia, forçoso será concluir que esse título é manifestamente insuficiente para o fim pretendido pelo Exequente nesta execução (i.e. o pagamento de uma quantia certa).
Nestes termos e nos mais de Direito, deve revogar-se a douta Sentença que indeferiu a oposição à execução apresentada pela Recorrente, substituindo-a por outra que julgue a oposição totalmente procedente, por provada, em virtude da inexistência ou insuficiência/inexiquibilidade do título executivo - art. 814.º al. a) C.P.C. — e, consequentemente, ordene o levantamento imediato de todas as penhoras realizadas neste processo.
2.3. O recorrido contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:
A) O instituto da impugnação pauliana constitui um dos meios de conservação da garantia patrimonial dos credores, facultando a estes a possibilidade de impugnar actos que sejam praticados, em seu prejuízo, pelos devedores, nomeadamente, transmissões de bens a terceiros.
B) A impugnação pauliana faculta ao credor a possibilidade de tornar ineficazes perante si, actos praticados pelo devedor que envolvam diminuição da garantia patrimonial (610.° e 616°, 1 do Código Civil).
C) Procedendo a impugnação pauliana, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição (616.°, 1 do C.C.), sendo este direito confirmado no artigo 818.°, 2a parte do Código Civil.
D) O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03/07/2003, no Processo N.° ... em que foi relator Henrique Araújo, refere que "julgada procedente acção de impugnação pauliana, tendo por objecto o bem alienado pelo devedor a terceiro, é possível a execução desse bem no património do terceiro adquirente, podendo o credor mover logo a execução contra o adquirente dos bens, sem necessidade de fazê-los reverter ao património do alienante para aí os executar - 616°, 1, do CPC.".
E) No caso "sub judice", não há dúvida relativamente à existência de título executivo válido que permita prosseguir a execução contra a Executada.
F) A sentença de impugnação pauliana constitui título executivo nos termos do disposto do artigo 55.° do CPC.
G) Face ao exposto, devemos concluir que a sentença da acção de impugnação pauliana, enquanto título executivo, é título suficiente para o fim pretendido pelo Exequente.
Nestes termos e nos demais de Direito, requer-se a V. Exas. que seja negado provimento ao recurso apresentado pela Executada, mantendo-se a douta Sentença nos seus exactos termos.
2.4. Na sentença recorrida considerou-se que a sentença exequenda é título executivo bastante e suficiente para executar, contra a executada, os bens objecto de impugnação pauliana, não sendo necessário que simultaneamente se possua título executivo contra o devedor do crédito, uma vez que a acção executiva pode ser apenas intentada contra o terceiro adquirente, não havendo necessidade de demandar o devedor senão nos casos em que se pretende penhorar igualmente bens deste.
Mais se considerou, todavia, que, relativamente ao executado, tal sentença não constitui título executivo, porquanto, no respectivo dispositivo, aquele não foi condenado a efectuar qualquer pagamento ao exequente, pelo que este ter-se-ia de munir de uma sentença que expressamente condenasse o executado a efectuar o pagamento, já que tal condenação não está implícita no dispositivo da sentença exequenda.
Por isso que, a final, se determinou a extinção da execução relativamente ao executado, por inexistência de título executivo, e a continuação da mesma relativamente à executada. Sendo que é desta última decisão que vem interposto o presente recurso.
Deste modo, a única questão que importa apreciar, aqui e agora, consiste em saber se, no caso, a sentença exequenda, obtida no âmbito da acção de impugnação pauliana, constitui, sem mais, título executivo contra a executada, terceira adquirente dos bens cuja doação foi impugnada com êxito.
Vejamos.
Resulta do disposto no art.46º, nº1, al.a), do C.P.C. (serão deste Código as demais disposições citadas sem menção de origem) que as sentenças podem servir de base à execução. A expressão aí utilizada – sentenças condenatórias – substituiu a expressão – sentenças de condenação – do Código de 1939. Com tal alteração ter-se-á pretendido esclarecer que a exequibilidade não se reporta somente às sentenças proferidas nas acções de condenação a que se refere o art.4º, nº2, al.b), mas também às sentenças proferidas nas acções de simples apreciação ou nas acções constitutivas previstas, respectivamente, nas als.a) e c), daquele nº2, na parte em que contenham um segmento condenatório, designadamente quanto a custas e a multa ou indemnização por litigância de má fé (cfr. Fernando Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, 2006, 9ª ed., pág.27, e Anselmo de Castro, in A Acção Executiva Simples, Comum e Especial, 3ª ed., pág.16).
Segundo este último autor, a verdade é que a nova terminologia não é nem mais nem menos expressiva que a do Código de 1939, já que nesta estava claramente compreendida a hipótese de condenação em custas. Acrescentando que, de todo o modo, nenhuma daquelas expressões se mostra capaz de abranger outras situações em que não pode, igualmente, recusar-se à sentença proferida em acção não condenatória a eficácia de título executivo, como acontece com muitas das acções constitutivas típicas. De tal modo que, segundo o mesmo autor, ob. e loc. cits., em abstracto, somente estão excluídas de força executiva as sentenças proferidas em acções de mera apreciação ou declaração, pelo que melhor teria sido consagrar uma fórmula que, excluindo estas acções, não eliminasse aquelas outras também susceptíveis de execução, ou seja, a seguinte fórmula negativa: sentenças que não forem de mera apreciação.
Note-se que já Alberto dos Reis dizia, in Processo de Execução, vol.1º, 2ª ed., pág.127, que a fórmula legal – sentenças de condenação – foi empregada para abranger todas as sentenças em que possa formalmente descobrir-se uma condenação. Isto é, ao atribuir eficácia executiva às sentenças de condenação, o Código não utilizou tal expressão em sentido restrito, antes quis abranger aí todas as sentenças em que o juiz expressa ou tacitamente impõe a alguém determinada responsabilidade.
Por seu turno, Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, pág.62, a propósito da sentença de condenação como título executivo, refere: «Noção aproximativa da sentença de condenação para este efeito: é toda a sentença que, reconhecendo ou prevenindo (…) o inadimplemento duma obrigação (cuja existência certifica ou declara), determina o seu cumprimento; é a que contém uma ordem de prestação (…)».
Por conseguinte, para o efeito de saber se uma determinada sentença constitui ou não título executivo, não é relevante apurar se a mesma foi proferida no âmbito de uma acção de simples apreciação, de uma acção de condenação ou de uma acção constitutiva. O que releva, no fundo, é saber se tal sentença impõe a alguém, expressa ou tacitamente, o cumprimento duma obrigação, contendo, pois, uma ordem de prestação.
No caso dos autos, a sentença dada à execução foi proferida numa acção de impugnação pauliana, sendo o respectivo dispositivo do seguinte teor: «Por tudo o exposto, julgo integralmente procedente, por integralmente provada, a presente acção e, consequentemente, condeno o 1º e 2º réus a verem impugnados os actos que consubstanciaram as escrituras públicas de doação (…) na medida necessária à satisfação do crédito do autor, podendo este executá-lo no património da 2ª ré (…), bem como praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei».
O autor nessa acção, JS, com base naquela sentença, instaurou, em 3/3/11, execução para pagamento de quantia certa contra os aí réus PC (devedor) e IPQ, Ld.ª (3ª adquirente). No respectivo requerimento executivo, o exequente alega ter um crédito para com o executado no valor de € 1.570.324,22, em virtude de ambos terem sido accionistas de duas sociedades, as quais celebraram contratos de empréstimo junto de várias instituições de crédito, contratos esses garantidos por livranças avalizadas por aqueles. Mais alega que as referidas sociedades não cumpriram as suas obrigações de pagamento, pelo que, com base naquelas livranças, foram instaurados processos executivos contra elas e contra os avalistas, tendo o ora exequente, na qualidade de avalista, pago a totalidades das dívidas. Alega, ainda, que, por isso, passou a assistir-lhe o direito de exigir do seu co-avalista, o ora executado, metade daquilo que pagou (€ 1.365.148,39) e respectivos juros de mora (€ 205.175,83), o que perfaz a quantia exequenda, no valor de € 1.570.324,22. Alega, por último, que o executado, por escrituras públicas de 14/6/05 e de 26/10/06, doou à ora executada sociedade quatro imóveis, pelo que intentou uma acção de impugnação pauliana contra os ora executados, que foi julgada procedente, nos termos atrás referidos, tendo a respectiva decisão sido confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de L…, de 1/7/07.
Note-se que o ora exequente, antes de instaurar a presente execução (3/3/11), propôs uma acção declarativa contra o ora executado (devedor) em 2008 – processo n... – para haver dele a referida quantia de € 1.365.148,39, tendo o aí réu deduzido pedido reconvencional, como se verifica através do documento de fls.21 a 31 dos autos, junto pelos opoentes com a oposição e não impugnado pelo exequente. Este documento contém o despacho sobre a admissibilidade da reconvenção, da réplica e da ampliação da causa de pedir e do pedido, bem como o despacho saneador, proferido em 5/4/11.
Constata-se, pois, que o ora exequente, após o trânsito em julgado da sentença proferida na acção pauliana (2007), propôs acção declarativa de condenação contra o ora executado (2008), tendo, na pendência desta, instaurado a presente execução com base naquela sentença (2011).
Na sentença recorrida entendeu-se não existir qualquer motivo para considerar que a sentença de impugnação pauliana apenas constitui título executivo contra o terceiro adquirente quando acompanhada de título executivo contra o devedor, não havendo necessidade de demandar este senão nos casos em que se pretende penhorar igualmente bens dele. Para, depois, se concluir que a sentença exequenda constitui título executivo contra a executada (terceira adquirente), pelo que, nessa parte, improcede a oposição à execução. Em abono de tal entendimento citam-se aí os Acórdãos da Relação de Lisboa, de 30/4/09, e da Relação do Porto, de 19/1/12, disponíveis in www.dgsi.pt.
No entanto, compulsados aqueles Acórdãos, verifica-se que a situação, em qualquer um deles, não é idêntica à da presente execução.
Assim, no Acórdão da Relação de Lisboa, de 30/4/09, tratava-se de um caso em que a devedora – executada havia sido condenada, por sentença, a pagar ao exequente a quantia em dívida. Por outro lado, o credor também havia proposto acção pauliana contra a devedora e a terceira adquirente, tendo-lhe sido reconhecido o direito de executar o bem imóvel vendido no património desta. Só que o credor, além de requerer execução contra a devedora e a terceira adquirente, também a requereu contra uma 2ª adquirente, que não havia intervindo na acção pauliana. Por isso que se entendeu aí que a sentença proferida na acção pauliana vale como título executivo contra o adquirente demandado nessa acção, legitimando o autor a penhorar o bem no património deste, mas já não contra o terceiro que adquiriu o bem ao 1º adquirente, uma vez que não interveio na acção pauliana. Estamos, pois, perante uma situação em que o credor dispunha de título executivo contra o devedor (sentença que condenou este a pagar àquele a quantia em dívida). Sendo que, no caso sub judice, o credor não dispõe de tal título, ou, pelo menos, não dispunha, já que, quando instaurou a execução, ainda se encontrava pendente a acção declarativa de condenação que havia instaurado contra o devedor.
E o mesmo se diga quanto ao Acórdão da Relação do Porto, de 19/1/12, porquanto, aí, a acção pauliana correu termos depois de ter sido intentada a acção executiva contra o devedor constante do título (documento particular onde o executado se confessa devedor da quantia exequenda). Razão pela qual, julgada procedente a acção pauliana, o exequente requereu a intervenção principal do terceiro adquirente, para assegurar os efeitos da impugnação e poder prosseguir a execução. Trata-se, pois, de outra situação em que o credor também dispunha de título executivo contra o devedor, ao contrário do que acontece no caso dos autos.
Por outro lado, o exequente, ora recorrido, em abono da sua tese, cita, além do já mencionado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30/4/09, Miguel Teixeira de Sousa, in Acção Executiva Singular, Lex, 1998, pág.226, João Cura Mariano, in Impugnação Pauliana, 2ª ed., 2008, pág.296, e Fernando Amâncio Ferreira, in Processo de Execução, 9ª ed., pág.75.
Porém, como já vimos, a situação relatada no Acórdão da Relação de Lisboa, de 30/4/09, não é semelhante à dos presentes autos.
Quanto à posição de Miguel Teixeira de Sousa, ob. e loc. cits., dir-se-á que o mesmo se limita a afirmar que o credor impugnante pode executar o terceiro adquirente dos bens, servindo de título executivo a sentença obtida na acção de impugnação. O que, só por si, não revela qual seja a sua posição no caso de o credor não dispor de título executivo contra o devedor, mas tão só daquela sentença.
Mas já no que respeita à posição de João Cura Mariano, ob. e loc. cits., não nos parece que ele defenda a tese de quem o citou, antes pelo contrário, tudo indica defender a tese da recorrente. Assim, o que aí se diz é que «Obtida a sentença autorizando o credor a executar os bens alienados no património do seu adquirente, pode este instaurar a execução para cobrança do seu crédito, se este já for exequível (sublinhado nosso), ou prosseguir execução já instaurada. O título executivo é integrado pelos documentos que permitem a execução da dívida, segundo as regras do art.46º, do C.P.C., e pela sentença de procedência da impugnação pauliana (…)» (sublinhados nossos). Afirmando noutro local, ob. cit., pág.250, que «Quando o credor, por qualquer outro motivo, após a procedência da impugnação pauliana, não pode ainda executar o seu crédito, mantém em aberto a possibilidade de executar os bens alienados no património de terceiro, o que poderá fazer logo que o seu crédito se torne exequível, podendo entretanto recorrer a meios conservatórios dos bens no património do adquirente, como o arresto».
E o mesmo se diga relativamente à posição de Fernando Amâncio Ferreira, ob. e loc. cits., onde se refere que «Deverá aplicar-se à impugnação, por analogia, o comando do citado nº2 do art.56º, integrando o título executivo, conjuntamente com o que implica a exequibilidade contra o devedor, a sentença obtida na acção pauliana» (sublinhado nosso).
Segundo cremos, ambos os autores citados defendem que, no caso de procedência da impugnação pauliana, o título executivo é constituído ou integrado, quer pelo que permite a execução contra o devedor (podendo ser qualquer um dos previstos no art.46º), quer pela sentença de procedência da impugnação pauliana.
Como é sabido, o Código Civil (arts.610º e segs.) admite a acção pauliana pela qual o credor pode tornar relativamente ineficazes actos de alienação ou oneração patrimonial perpetrados pelo devedor para o prejudicar. Trata-se, pois, de um meio conservatório da garantia patrimonial, a implicar o sacrifício do acto apenas na medida do interesse do credor impugnante, ou seja, mantendo-se como acto válido em tudo quanto exceda a medida daquele interesse.
Um dos direitos conferidos pelo nº1, do art.616º, no caso de ser julgada procedente a impugnação, consiste no direito do credor executar os bens no património do obrigado à restituição. Direito este que é confirmado na 2ª parte do art.818º, do C.Civil, nos termos da qual o direito de execução pode incidir sobre bens de terceiro quando sejam objecto de acto praticado em prejuízo do credor, que este haja procedentemente impugnado. Deste modo, na impugnação pauliana, os bens alienados continuam a pertencer ao adquirente, mas respondem, dentro do seu património, pelas dívidas do alienante. Questão é que, nos termos do art.821º, nº2, a execução seja movida contra ele.
Como se refere no Acórdão da Relação de Évora, de 9/5/02, C.J., Ano XXVII, tomo III, pág.250, subjaz a estas normas a necessidade de fazer intervir no processo de execução quem, na realidade, seja directamente atingido pelos actos de execução, independentemente da qualidade de devedor pertencer a outrem. Acrescentando-se que tal solução é hoje inequivocamente assumida pelo art.56º, nº2, para as dívidas providas de garantia real sobre bens de terceiro, onde se prevê que, em tais circunstâncias, pretendendo o credor valer-se dessa garantia, deve demandar o terceiro, sem prejuízo de também poder, desde logo, ser demandado o devedor.
Atente-se que o pedido formulado na acção pauliana pode assumir diversos conteúdos, para além da sempre presente declaração da ineficácia relativa. Assim, segundo João Cura Mariano, ob. cit., págs.292 e 293, « … quando se pretende atingir o bem no património de terceiro, deve ser pedido que o tribunal reconheça a possibilidade do credor impugnante o executar ou praticar sobre ele os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei (art.616º, nº1, do C.C.). Quando se vise a restituição pelo adquirente do valor do bem transmitido ou do enriquecimento obtido com a sua aquisição, quando já não seja possível a execução desse bem, o pedido já será de condenação no pagamento de uma determinada quantia em dinheiro (art.616º, nº2, do C.C.). No primeiro caso, estamos perante uma acção constitutiva, enquanto a segunda hipótese integra uma acção de condenação, atenta a classificação dos diferentes tipos de acções cíveis, prevista no art.4º, do C.P.C.)».
Acresce que, como refere o mesmo autor, ob.cit., pág.295, nada impede que, no mesmo processo, se cumule o pedido de condenação do devedor a satisfazer o crédito e o do terceiro adquirente nos efeitos da impugnação pauliana do acto que lesou a garantia patrimonial desse crédito, ao abrigo do disposto no art.30º, do C.P.C. (cfr., no mesmo sentido, Fernando Amâncio Ferreira, ob. cit., pág.75, nota 129, onde reproduz os ensinamentos de Ribeiro Mendes).
Voltando ao caso dos autos, verifica-se que estamos perante a 1ª situação atrás relatada. Isto é, a sentença proferida na acção pauliana reconheceu a possibilidade do credor impugnante executar os bens no património da segunda ré (3ª adquirente), bem como praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.
Assim sendo, não se vê que aquela sentença imponha a alguém, expressa ou tacitamente, o cumprimento de uma obrigação, ou que contenha uma ordem de prestação. Digamos que, na mesma, não se descobre uma qualquer condenação ou a imposição a alguém de determinada responsabilidade.
É certo que na impugnação pauliana incumbe ao credor a prova do montante das dívidas (e não apenas da dívida de que ele é titular activo, como advertem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil, Anotado, vol.I, 2ª ed., pág.551). Todavia, como se defende no Acórdão do STJ, de 1/2/95, citado pela recorrente, cuja cópia se encontra a fls.33 e segs. dos autos, o que importa é a declaração da existência do crédito do autor, em ordem ao prosseguimento da acção, não tendo a decisão proferida nesta acção carácter definitivo, pois o credor terá de obter, em acção declarativa de condenação a intentar contra o devedor, o título executivo do seu crédito. Por isso que naquele Acórdão se afirma que o título obtido na impugnação não vale, só por si, para efeito de execução do crédito, devendo o título executivo, se o credor não dispuser ainda de documento com essa eficácia, ser obtido em acção declarativa de condenação, intentada contra o devedor. Para, a final, se concluir que os efeitos da impugnação pauliana apenas poderão ser atendidos na fase da execução, depois de o autor obter o título executivo do seu crédito.
No mesmo sentido pode ver-se Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, in Garantias de Cumprimento, 4ª ed., pág.35, onde se refere, citando-se aliás o aludido Acórdão do STJ, de 1/2/95, «Parece óbvio que os efeitos da impugnação pauliana apenas poderão ser atendidos na fase de execução, depois do autor obter título executivo do seu crédito – artigo 821º, nº2, do Código de Processo Civil».
Idêntica posição é defendida por Menezes Cordeiro, in C.J., Ano XVII, tomo III, pág.57, onde afirma que «A acção pauliana visa a conservação da garantia patrimonial do credor. Em si, não suficiente para desencadear qualquer processo executivo; apenas permite a quem, nos termos da lei, disponha dum título executivo, executar não apenas bens do devedor, mas também de terceiro».
Estamos de acordo com este entendimento, pelas razões atrás expostas.
Refira-se que, no caso dos autos, curiosamente, parece que o próprio autor, num primeiro momento, terá entendido que não poderia dar à execução, tão só, a sentença proferida na acção pauliana, já que propôs acção declarativa de condenação contra o devedor, para obter título executivo do seu crédito. Só que, antes de obter, nessa acção, tal título, ou seja, sentença condenatória, instaurou execução contra o devedor e a terceira adquirente, apenas com base na sentença obtida na acção pauliana.
Na sentença recorrida, não obstante se ter entendido que aquela sentença não constitui título executivo, em virtude de o executado não ter sido condenado a efectuar qualquer pagamento ao exequente, pelo que este teria de se munir de uma sentença que expressamente assim o condenasse, já que a condenação não está implícita no dispositivo da sentença exequenda, apenas se retirou daí a conclusão de que a inexistência de título executivo se verifica em relação ao executado (devedor) e já não relativamente à executada (3ª adquirente). Isto porque se considerou que, em relação a esta, a sentença exequenda (obtida na acção pauliana) é título executivo bastante e suficiente.
Mas não é esse o nosso entendimento, como já resulta do que atrás se expôs. Na verdade, em situações como a dos presentes autos, em que o tribunal apenas reconheceu a possibilidade do credor impugnante executar os bens doados no património da donatária ou de praticar sobre eles os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei, não determinando, pois, o cumprimento de qualquer obrigação, apesar de a pressupor, tal sentença não é suficiente para desencadear qualquer processo executivo, seja contra o devedor, seja contra o 3º adquirente, uma vez que não é uma sentença condenatória (al.a), do nº1, do art.46º). Para instaurar execução, quer contra um, quer contra o outro, quer contra os dois, o credor terá de obter o título executivo do seu crédito, no caso, no âmbito da acção declarativa de condenação já instaurada contra o devedor.
Haverá, assim, que concluir que, no caso, a sentença exequenda, obtida no âmbito da acção de impugnação pauliana, não constitui, sem mais, título executivo contra a executada, terceira adquirente dos bens cuja doação foi impugnada com êxito. Para o efeito, além dessa sentença, o título executivo é, ainda, integrado pelo que implica a exequibilidade contra o devedor, ou seja, a sentença condenatória a proferir, ou já proferida, na acção declarativa de condenação intentada contra aquele.
Deste modo, tanto inexiste título executivo em relação ao executado, como em relação à executada. O que significa que também procede a oposição à execução deduzida pela executada, a implicar a extinção da execução também relativamente a ela (arts.814º, nº1, al.a) e 817º, nº4).
Procedem, pois, as conclusões da alegação da recorrente, pelo que não poderá manter-se a sentença recorrida, na parte em que determinou a continuação dos autos de execução relativamente à executada, ora recorrente.
3 – Decisão.
Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso e revoga-se a sentença apelada, na parte em que determinou a continuação dos presentes autos de execução relativamente à executada IPQ, Ld.ª, declarando-se extinta a execução também em relação a essa executada e ordenando-se o levantamento da penhora dos bens imóveis doados àquela pelo executado.
Custas da oposição à execução e do presente recurso pelo exequente – apelado.
Lisboa,
(Roque Nogueira)
(Pimentel Marcos)
(Tomé Gomes)