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LIVRANÇA EM BRANCO
AVALISTA
DIREITO DE REGRESSO
OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
JUROS DE MORA
Sumário
1. Os sócios de uma sociedade que subscreveram uma livrança em branco (livrança-caução), na qualidade de avalistas, quiseram obrigar-se, a título pessoal, como meio de garantirem a concessão do empréstimo efectuada pela sociedade mutuária, no caso de incumprimento desta, tornando-se responsáveis pelo pagamento do título de crédito, nos mesmos termos da sociedade avalizada. 2. Efectuado o pagamento da livrança por um dos avalistas, tem este direito de regresso, relativamente aos demais avalistas, em embargo de convenção em contrário, observando-se na distribuição interna da responsabilidade patrimonial entre eles o regime que vigora para as obrigações solidárias. (Sumário da Relatora)
Texto Parcial
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I. RELATÓRIO
“A”, residente na Rua do ..., nº 17, 4º Esquerdo, ..., intentou contra “B”, LDª, com sede na Rua ..., nº 31, ..., “C”, com domicílio profissional na Estrada ..., 80, ..., ... e “D”, residente na Rua ..., nº 31, ..., acção declarativa, sob a forma de processo comum ordinário, através da qual pede a condenação da primeira ré no montante de 119.000,00 acrescida dos juros de mora e a condenação dos segundo e terceiros réus, no montante do que subsistir – por eventual falta de pagamento por parte da primeira ré da dívida de €119.000,00 e respectivos juros de mora, até ao limite de 1/3 referente à quota de responsabilidade de cada um deles no aval.
Fundamentou a autora, no essencial, esta sua pretensão na circunstância de ter sido constituída a sociedade ré, cujo capital social era dividido por três quotas, uma de cuja titularidade era do réu, “C”, outra cuja titularidade era da terceira ré e uma terceira da titularidade da autora, e de a ré sociedade ter contraído um empréstimo no montante de € 150.000,00 junto do Banco Comercial Português.
Como caução para o caso de incumprimento, por parte da ré sociedade, foi entregue ao BCP uma livrança subscrita pela ré sociedade e avalizada pela autora, bem como pela segunda ré e terceiro réu. Foi ainda constituída hipoteca sobre uma fracção autónoma propriedade da autora e que era a sua residência particular.
Mais alegou a autora que cedeu a sua quota a “E”. Após a cessão da sua quota, a autora foi confrontada com o incumprimento do contrato de empréstimo pela ré sociedade e tentou regularizar a situação com os réus co-avalistas, mas não os conseguiu contactar, continuando o BCP a interpelá-la para proceder ao pagamento da quantia em dívida.
E, de modo a evitar a cobrança coerciva da dívida, a autora teve de contrair um empréstimo e liquidou a dívida da ré sociedade no montante de € 119.000,00, pelo que ficou sub-rogada nos direitos do BCP, no qual se inclui o direito de exigir da 1ª ré o pagamento da dívida em questão. E, atendendo a que esta não possui bens que possam ser excutidos para satisfação do seu crédito, demandou desde já os seus co-avalistas, de harmonia com o seu direito de regresso, nos termos do artigo 524º do Código Civil.
Citados, o 3º réu, “C”, apresentou contestação, impugnando os factos, alegando desconhecer a actividade comercial da ré sociedade, nomeadamente o incumprimento do contrato de empréstimo com o BCP, não tendo sido notificado para o preenchimento da livrança em branco, pelo que ficam por preencher os pressupostos da acção cambiária, sendo que a livrança foi entregue como caução não podendo valer como fiança, devendo a acção, quanto a ele, ser julgada improcedente.
As rés foram citadas na pessoa do Ministério Público, após a sua citação edital.
Proferido que foi o despacho saneador, abstendo-se o Exmo. Juiz a quo de fixar, quer a matéria assente, quer a base instrutória, foi levada a efeito a audiência de discussão e julgamento, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, constando do Dispositivo da sentença o seguinte:
Nestes termos e pelo exposto julgo a acção procedente e em consequência:
A) Condeno a Ré, “B”, Ldª a pagar à Autora a quantia de cento e dezanove mil euros (€ 119.000,00), acrescida de juros de mora, à taxa descrita no artº 11º da petição inicial, desde a data do pagamento da Autora;
B) Condeno os Réus, “C” e “D”, a pagar à Autora o que subsistir, por eventual falta de pagamento da Ré, “B” e excutidos que sejam todos os bens desta, da quantia mencionada em A) supra, até ao limite de 1/3 do montante em divida, para cada um deles.
Por despacho de 27 de Setembro de 2012 foi determinada a rectificação da sentença e onde se lia no ponto 12. dos factos provados: “12. A 22 de Junho de 2004 a Autora cedeu a sua quota na sociedade Ré, do valor nominal de € 1.250,00 a “E”, por escritura pública e pelo valor de € 5.000,00”, devia ler-se: “12. A 22 de Junho de 2004 a Autora cedeu a sua quota na sociedade Ré, do valor nominal de € 1.250,00 a “E”, por escritura pública e pelo valor de € 1.250,00;”
Inconformado com o decidido, o réu, “C”, interpôs recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, relativamente à sentença prolatada.
São as seguintes as CONCLUSÕES do recorrente
(…).
A autora/recorrida invocou a imprópria qualificação do recurso do réu/recorrente como recurso per saltum para o STJ, e apresentou contra-alegações, propugnado que seja negada a revista, confirmando-se integralmente a decisão recorrida, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
(…).
No Supremo Tribunal de Justiça e, por despacho do relator, de 13.02.2013, foi proferido despacho no qual se decidiu que:
“(…). Assim, porque as questões suscitadas ultrapassam o âmbito do recurso per saltum, o processo deve baixar à Relação, a fim de que o recurso aí seja processado, nos termos gerais, como apelação.”
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir do presente recursão de apelação.
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II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 684º, nº 3 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:
i) DA MODIFICAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO; ii) DO DIREITO DA AUTORA, NA QUALIDADE DE AVALISTA, DE SER REEMBOLSADA, PELOS DEMAIS OBRIGADOS CAMBIÁRIOS, DE PARTE DO VALOR PAGO AO TOMADOR DA LIVRANÇA;
ü O que pressupõe a ponderação sobre: a) O REGIME DO NEGÓCIO JURÍDICO CAMBIÁRIO NO QUE CONCERNE Á LIVRANÇA, DESIGNADAMENTE, À LIVRANÇA EM BRANCO, OU LIVRANÇA CAUÇÃO;
b) OPRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE DOS OBRIGADOS CAMBIÁRIOS E A ACÇÃO DE REGRESSO
E, em caso de procedência da direito invocado pela autora, analisar:
iii) DOS JUROS DE MORA APLICÁVEIS.
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III . FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Foram dados como provados na sentença recorrida os seguintes factos:
1. A 4 de Janeiro de 2001 foi constituída a sociedade por quotas, ora Ré, ““B”, Ldª”;
2. A sociedade Ré, foi constituída com o capital de 5.000,00 euros, dividido por três quotas, uma de 1.250,00 euros cujo titular é o Réu, “C”, uma quota de 1.250,00 cuja titularidade era da ora Autora e outra quota de 2.500,00 cuja titular é a segunda Ré, “D”;
3. A sociedade obriga-se com a assinatura de um gerente único e sendo que a gerente, é até à presente data, a Ré, “D”;
4. No dia 18 de Julho de 2003 a Ré, ““B”, Lda.” Contraiu junto do Banco Comercial Português um empréstimo no montante de 150.000,00 euros;
5. Por via desse contrato de empréstimo, ficou estabelecido que a amortização do mesmo seria feita em 15 prestações semestrais, iguais e sucessivas no valor de 10.000,00 euros cada;
6. A primeira prestação venceu-se a 21.07.2004;
7. Mais ficou acordado que os juros contados diariamente sobre o capital em dívida, seria debitados trimestralmente na conta de depósito à ordem nº ..., pertencente à Ré sociedade, juros esses calculados à taxa Euribor a 90 dias, em vigor no último dia anterior ao início de cada período de contagem de juros, acrescida de 4,0000 pontos percentuais, arredonda para a fracção 1/8 de ponto percentual igual ou superior;
8. Mais ficou acordado que a sociedade Ré se comprometia no acto de celebração do contrato de empréstimo a entregar ao Banco uma livrança por si subscrita e avalizada pelos Exmos. Srs., “A”, “C” e “D”, ficando o Banco expressamente autorizado através de qualquer um dos seus funcionários a preenchê-la, designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e aos valores, até ao limite das responsabilidades emergentes do contrato (capital e juros) e assumidas pela sociedade ré para com o Banco Comercial Português, acrescido de todos e quaisquer encargos com a selagem, caso se verificasse o incumprimento por parte da sociedade ré, de qualquer das obrigações que lhe competiam;
9. Para garantia das obrigações emergentes do contrato de mútuo foi ainda constituída, por documento complementar uma hipoteca sobre a fracção “AH” do prédio urbano sito na Rua do ..., nº 17, 17-H, 19, 19- A e 19-H e Rua ..., nº 1, da freguesia da ..., concelho de ... descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ..., omisso na matriz;
10. Fracção essa que era a residência particular da Autora;
11. Mais ficou acordado que se calculariam juros moratórios, no caso de incumprimento do pagamento de capital e/ou juros, à taxa de Juro moratório, que ficou estabelecido ser a taxa de juro remuneratório supra referida;
12. A 22 de Junho de 2004 a Autora cedeu a sua quota na sociedade Ré, do valor nominal de € 1.250,00 a “E”, por escritura pública e pelo valor de € 1.250,00; (corrigido por despacho de 27 de Setembro de 2012 )
13. A sociedade Ré e os demais Réus já tinham aprovado a cessão de quotas em Assembleia Geral de 18 de Junho de 2004;
14. Com data de 4 de Setembro de 2006 a Autora recebeu a carta junta a fls. 34 e que aqui se dá por integralmente reproduzida, na qual o BCP informava a Autora, na qualidade de interveniente da responsabilidade assumida pela Ré sociedade que se encontrava por regularizar o valor de € 11.043,42 entre capital e juros contratuais em dívida, por incumprimento do pagamento da prestação semestral vencida a 21 de Julho de 2006;
15. Em tal carta o BCP convidava a Autora a regularizar a dívida da sociedade Ré, na sua qualidade de co-avalista;
16. A Autora tentou contactar a Ré sociedade, bem como os demais Réus, na qualidade co-avalistas, para a resolução da situação, sem sucesso;
17. Com data de 19 de Outubro de 2006 a Autora recebeu nova carta do BCP, cuja cópia se encontra a fls. 35 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, informando a Autora que se mantinha em dívida uma parte da prestação vencida em 21 de Julho de 2006, no montante de € 6.430,69, num total de capital e juros devidos;
18. Sendo a Autora convidada pelo BCP a regularizar a dívida sob pena de ter de recorrer à via judicial ou então a sugerir uma proposta de regularização da dívida para posterior ponderação;
19. A autora tentou contactar novamente os Réus, sem sucesso;
20. A 24 de Janeiro de 2007 venceu-se outra prestação;
21. A Autora recebeu do BCP, a carta datada de 7 de Maio de 2007, cuja cópia se encontra a fls. 37 e cujo teor aqui se dá por reproduzido, informando-a de que por incumprimento da Cláusula 9ª do Contrato de Crédito CLS celebrado com a “B”, Ldª, se tinha procedido ao preenchimento da livrança de caução em branco para o efeito e referida em 8. supra;
22. Mais informou a Autora que nos termos da Cláusula 10ª do Contrato, se encontrava, portanto com vencimento a partir de 14 de Setembro de 2007, o montante de € 113.349,57;
23. E que se não fosse realizado o pagamento se iria proceder à cobrança coerciva do valor em dívida;
24. A Autora decidiu contrair um empréstimo para pagar a dívida e para tanto informou os Réus, por carta registada, da sua intenção de, com isso, se considerar sub-rogada nos direitos que o BCP tinha em relação a todos os Réus, nos termos que constam dos docs. de fls.38, 40 e 41 e que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
25. Até à data os Réus nada disseram;
26. A Autora a 12 de Dezembro de 2007, celebrou uma escritura de mútuo com hipoteca com o BCP no valor de € 119.000,00, nos termos que constam do doc. de fls. 49 a 54 e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, para suportar a dívida da Ré, “B”, Ldª entre capital e juros pelo incumprimento da primeira ré, tendo procedido à liquidação total do montante em dívida pela primeira Ré;
27. O giro comercial da sociedade Ré, sempre foi acompanhado de forma directa pela Ré, “D”;
28. O Réu, “C”, tem como profissão a de director de markting de uma empresa farmacêutica;
29. A Ré, “D”, acompanhava o dia-a-dia da gestão e da administração da Ré Sociedade;
30. Desde o primeiro semestre de 2007 que a Ré “D” e o Réu, “C”, se encontram separados de facto;
31. O que levou o Réu “C” a procurar uma nova habitação;
32. Desde Setembro de 2007 que o Réu “C”, deixou de residir na Rua ..., nº 31, na ....
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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
i) DA MODIFICAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
O artigo 712º do Código do Processo Civil permite a alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação nos seguintes casos:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravações dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 685º-B, a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Insurge-se o apelante contra a matéria de facto dada como provada nos números 2 e 12 dos Factos Provados, por entender que o que resulta da certidão do registo comercial coloca em crise tal factualidade.
Considerando que a redacção dada ao Nº 12 dos Factos Provados já foi devidamente corrigida na 1ª instância, apenas há que analisar o teor do nº 2., do qual consta que:
A sociedade Ré, foi constituída com o capital de 5.000,00 euros, dividido por três quotas, uma de 1.250,00 euros cujo titular é o Réu, “C”, uma quota de 1.250,00 cuja titularidade era da ora Autora e outra quota de 2.500,00 cuja titular é a segunda Ré, “D”.
Muito embora para a questão em apreço, nenhuma relevância decorra da pretendida alteração, a verdade é que a redacção dada pode incutir a ideia de que a ré sociedade foi constituída ab initio, com as ali identificada três quotas, pertencentes à autora e aos réus, o que não corresponde à realidade, sendo certo que essa redacção deriva já do próprio procedimento cautelar, sem que o apelante, até à interposição do recurso, a tal se haja insurgido.
Discorda-se, porém, da posição da Exma. Juíza do Tribunal a quo, quando, a propósito da eventual contradição entre os pontos 1. e 2. e os documentos juntos aos autos, refere: “No mesmo o que se reporta à data de constituição da sociedade é a divisão do capital social em quatro quotas, referindo que duas delas pertencem aos dois réus e uma outra foi da titularidade da autora, não se referindo que essa titularidade é desde o início da constituição da sociedade, facto esse aliás, irrelevante para a decisão de causa”.
Com efeito, pese embora a irrelevância, concorda-se que dada a forma ambígua como está elaborado o ponto 2, poderão suscitar-se dúvidas, no que concerne à data em que o capital da sociedade ré passou a ser constituído por três quotas, razão pela qual se procede à correcção/esclarecimento do ponto 2. da matéria de facto.
Assim, o Nº 2 da Fundamentação de Facto - passará a ter a seguinte redacção.
A sociedade Ré, foi constituída com o capital de 5.000,00 euros, sendo que, em 23.04.2003, o mesmo encontrava-se dividido por três quotas, uma de 1.250,00 euros, cujo titular é o Réu, “C”, uma quota de 1.250,00, cuja titularidade era da ora Autora e outra quota de 2.500,00 cuja titular é a segunda Ré, “D”, conforme certidão do Registo Comercial - Ap. 05/... (docs. Fls. 115 a 127).
Procede, pois, nesta parte, a alegação do recurso do apelante.
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ii) DO DIREITO DA AUTORA, NA QUALIDADE DE AVALISTA, DE SER REEMBOLSADA, PELOS DEMAIS OBRIGADOS CAMBIÁRIOS, DE PARTE DO VALOR PAGO AO TOMADOR DA LIVRANÇA
a) O REGIME DO NEGÓCIO JURÍDICO CAMBIÁRIO NO QUE CONCERNE À LIVRANÇA
A livrança, conforme decorre do artigo 75º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças - LULL - é um título de crédito à ordem cujo conteúdo envolve, além do mais, a promessa pura e simples por uma pessoa de pagar a outra determinada quantia.
Esse título de crédito abstracto, como é a livrança, tem sempre uma causa próxima e uma causa remota. Esta, radica no negócio jurídico fundamental, subjacente ou causal, isto é, aquele negócio que dá lugar à emissão do título de crédito; aquela traduz-se na convenção pela qual as partes do negócio jurídico fundamental concordam em que se emita um título de crédito.
Por outro lado, e como resulta do preceituado no artigo 30º da LULL, o aval é o acto pelo qual um terceiro ou um signatário da letra ou de uma livrança garante o seu pagamento por parte de um dos subscritores.
A função do aval é uma função de garantia, inserida ao lado da obrigação de um certo subscritor cambiário, a cobri-la ou caucioná-la. O fim específico do aval é, assim, o de garantir o cumprimento pontual do direito de crédito cambiário. É uma garantia prestada à obrigação cartular do avalizado.
O dador de aval é, nos termos do artigo 32.º, n.º 1, da LULL, responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada.
A responsabilidade do avalista não é, no entanto, subsidiária da do avalizado, posto que não goza aquele do benefício de excussão prévia, antes respondendo solidariamente com os demais subscritores, como se infere do disposto no artigo 47.º, § 1º, da LULL.
Além de não ser subsidiária, a obrigação do avalista, conforme assinala FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, Vol. III, Letra de Câmbio, Universidade de Coimbra, 1975, 215, “não é, senão imperfeitamente, uma obrigação acessória relativamente à do avalizado. Trata-se de uma obrigação materialmente autónoma. Embora dependente da última quanto ao aspecto formal”.
No mesmo sentido defende OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Comercial, Vol. III, Títulos de Crédito, Lisboa, 1992, Ed. da FDL, 173, quando afirma que “nem podemos dizer que o aval é uma fiança nem sequer, em rigor, que é uma garantia. No regime legal, funciona como uma obrigação autónoma”.
E, com efeito, como resulta do disposto no artigo 32.º, § 2.º. da LULL, a obrigação do avalista mantém-se ainda que a obrigação garantida seja “nula por qualquer razão que não seja um vício de forma”,
Tal significa que a medida da responsabilidade do avalista é a do avalizado, e sendo o aval prestado a favor do subscritor, o acordo do preenchimento do título concluído entre este e o portador impõe-se ao avalista, para medir a sua responsabilidade – v. Ac. STJ de 11.2.2003, (Pº 02A4555) e Ac. STJ de 11.12.03, (Pº 03A3529), ambos acessíveis na Internet, no sítio www.dgsi.pt.
O aval, uma vez prestado é irretractável, como qualquer outra obrigação cambiária, logo que o título entre na posse do legítimo possuidor – v. GONÇALVES DIAS, Da Letra e da Livrança, 7º-462.
No caso vertente ficou provado que a ré sociedade - da qual o apelante é sócio, com uma quota de € 1.250,00, num capital social de € 5.000,00 – contraiu junto do Banco Comercial Português, em 18.07.2003, um empréstimo no montante de € 150.000,00, tendo ficado acordado a forma de amortização desse empréstimo, bem como os juros que sobre o mesmo incidiam e o modo como seriam debitados na conta bancária de que a ré sociedade era titular naquela instituição de crédito – v. Nºs 1 a 7 da Fundamentação de Facto.
Mais acordaram a sociedade ré e os seus então sócios - a autora e os 2º e 3º réus - na subscrição e entrega, no acto da celebração do contrato de empréstimo, de uma livrança avalizada por estes últimos, ficando o BCP autorizado a preencher a livrança, designadamente, no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e aos valores, até ao limite das responsabilidades emergentes do contrato (capital e juros) assumidas pela sociedade ré para com o Banco Comercial Português – v. Nº 8 da Fundamentação de Facto.
Estamos, portanto, in casu, perante a assinatura, por parte dos sócios da ré sociedade – a autora e os 2º e 3º réus – de uma designada livrança-caução, no âmbito do aval cambiário, isto é, perante uma garantia pessoal reportada à dívida cambiária, não pretendendo o avalista vincular-se ao pagamento como obrigado principal, mas sujeitando-se, por via da assinatura do título como avalista, à sorte da obrigação avalizada – v. Ac. STJ de 07.10.2003 (Pº 03A2492), acessível no mesmo sítio da Internet.
Tal garantia pessoal foi dada, designadamente pelo réu/apelante, mediante a aposição da sua assinatura, como avalista, em livrança em branco, livrança que ficou em poder do BCP que, por sua vez, ficou com a faculdade de a preencher.
A Lei admite e reconhece a figura da livrança em branco, nos artigos 75º, 77º e 10º LULL. e destina-se, normalmente, a ser preenchida pelo seu adquirente imediato ou posterior, sendo a sua entrega acompanhada de poderes para o seu preenchimento de acordo com o denominado «pacto ou acordo de preenchimento».
O contrato de preenchimento, segundo ABEL DELGADO, Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, 3.ª ed., 58, é o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, o lugar do pagamento, ou a estipulação dos juros.
Nenhum obstáculo existe, pois, à perfeição da obrigação cambiária quando a livrança incompleta, contém uma ou mais assinaturas destinadas a fazer surgir tal obrigação, exprimindo as assinaturas nela apostas a intenção dos respectivos signatários de se obrigarem cambiariamente e, sendo preenchida antes da apresentação a pagamento, produz todos os efeitos próprios da livrança – v. a propósito, FERRER CORREIA, “Lições de Direito Comercial”, ob cit., 134 e segs; PAULO SENDIM, “Letra de Câmbio” - L.U. de Genebra, vol. I, Universidade Católica Portuguesa, Livraria Almedina, Coimbra, n.º 44, 176 e segs.
Acresce que, quem emite uma livrança em branco atribui a quem a entrega o direito de a preencher de acordo com as cláusulas convencionadas entre ambos. Trata-se de um contrato de preenchimento delimitador dos termos da definição da obrigação cambiária, abrangendo, nomeadamente, o montante, o tempo de vencimento, o local de pagamento, a estipulação de juros, devendo a entidade a quem é entregue o título de crédito, preenchê-lo de harmonia com o convencionado, sob pena de incumprimento do pacto, ocorrendo uma situação de preenchimento abusivo.
No caso em análise, o réu/apelante não colocou em questão nem a sua assinatura aposta na livrança, nem que a mesma haja sido preenchida em desconformidade com o acordado pacto de preenchimento.
Provado também ficou que a sociedade ré não cumpriu a sua obrigação de pagamento da quantia mutuada, tendo o BCP interpelado insistentemente a autora, na qualidade de avalista, para proceder ao pagamento das quantias em dívida, procedendo posteriormente ao preenchimento da livrança caução, pelo montante de € 113.349,57 – v. Nºs 14, 15, 17, 18, 20, 21 e 22 da Fundamentação de Facto.
E, não obstante, a autora já tivesse cedido a sua quota na sociedade ré, na impossibilidade de contactar os réus, procedeu ao pagamento da quantia em dívida, tendo de recorrer a um empréstimo, por forma a impedir a cobrança coerciva da mesma – v. Nºs 23, 24, 26 da Fundamentação de Facto.
O supra aludido princípio da equiparação estabelecido no artigo 32º, § 1º da LULL tem de ser entendido no sentido de que, sendo o aval uma obrigação de garantia, ele não significa obrigação de cumprimento da obrigação do avalizado mas uma obrigação de pagamento do título cambiário se o avalizado não tiver honrado a sua obrigação. O avalista, relativamente à sua própria obrigação, ocupa posição igual àquele por quem deu o aval.
A medida da responsabilidade do avalista é a do avalizado, e sendo o aval prestado a favor do subscritor, o acordo do preenchimento do título concluído entre este e o portador impõe-se ao avalista, para medir a sua responsabilidade – v. a título meramente exemplificativo Ac. STJ de 11.2.2003, (Pº 02A4555) e Ac. STJ de 11.12.03, (Pº 03A3529), ambos acessíveis no citado sítio da Internet.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que é indiferente que o aval garanta a obrigação de uma sociedade comercial de que o avalista era sócio, sendo o património do avalista que, em última análise, suporta a garantia concedida e que, o facto de aquele ter cedido a sua quota e renunciado à gerência na sociedade avalizada não o isenta de responsabilidade – v. a título meramente exemplificativo Acs. STJ de 11 de Dezembro de 2003, (Pº 03A3529), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt e de 11.09.2007, CJSTJ, Ano XV, Tomo III, pp. 46 a 49.
É, por conseguinte, apodíctico que os sócios da sociedade ré que subscreveram a livrança em branco (livrança-caução), na qualidade de avalistas, quiseram obrigar-se, a título pessoal, como meio de garantirem a concessão do empréstimo pelo BCP à sociedade mutuária, a ré sociedade, no caso de incumprimento desta, tornando-se responsáveis pelo pagamento do título de crédito, nos mesmos termos da sociedade avalizado, o que nos reconduz à questão subsequente.
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b) OPRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE DOS OBRIGADOS CAMBIÁRIOS E A ACÇÃO DE REGRESSO
Decorre do que acima ficou dito que, no momento da assinatura da livrança pelos avalistas, estes se obrigaram a pagar, em regime de solidariedade com a subscritora, a quantia que viesse a ser inscrita na livrança, em conformidade com o pacto de preenchimento, na data do respectivo vencimento, constituindo-se a obrigação dos garantes no momento em que se constituiu a do beneficiário do crédito – v. a este propósito Acs. STJ de 29.11.2011 (Pº 7288/07.4TBVNG.P1.S1) e de 02.05.2012 (Pº 87-A/1996.L1.S1), acessíveis na Internet, no sítio www.dgsi.pt.
A problemática do exercício do direito de regresso entre os diversos avalistas do mesmo avalizado, atenta a ausência de regulamentação na LULL, deu origem a duas antagónicas correntes jurisprudenciais
Para uma dessas correntes, o direito de regresso era admissível em termos análogos ao que está previsto no artigo 650.º do Código Civil para a pluralidade de fiadores – v. a título meramente exemplificativo, Acs. STJ de 24.10.2002, C.J./STJ 2002, T.3, 120 (citado na sentença recorrida) e de 15.11.2007 (Pº 07B1296) e de 13.07.2010 (Pº 733/03.0TBAND.C1.S1).
Para outra, o exercício do direito de regresso dependia de convenção extracartular acordada entre os avalistas – v. a título meramente exemplificativo, Acs. STJ de 27.10.2009 (Pº 480/09.9YFLSB) e de 25.03.2010 (Pº 482/1999.C1.S1), citados no recurso do apelante para sufragar a sua posição.
Sucede que, para dirimir esta divergência jurisprudencial, o Supremo Tribunal de Justiça, reunido no Pleno das Secções Cíveis, no Pº 2493/05.0TBBCL.G1.S1, pese embora os vários votos de vencido, entendeu ser mais ajustada uma solução em que se assuma, como regra, no que concerne ao direito de regresso relativamente aos demais avalistas, a distribuição interna da responsabilidade patrimonial nos termos que vigoram para as obrigações solidárias (artigos 524º e 516º do Código Civil), à semelhança do que especificamente está previsto no artigo 650º do Código Civil para a pluralidade de fiadores. E, uniformizou, por isso, a jurisprudência nos seguintes termos: Sem embargo de convenção em contrário, há direito de regresso entre os avalistas do mesmo avalizado numa livrança, o qual segue o regime previsto para as obrigações solidárias – v. Ac. STJ Nº 7/2012 - Diário da República, 1.ª série — N.º 137 — 17 de Julho de 2012
Assim sendo, não assiste qualquer razão ao apelante, improcedendo nessa parte a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
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c) JUROS DE MORA APLICÁVEIS
Propugna o recorrente que, a admitir-se o regime decorrente do artigo 650º, nº 1 do Código Civil, os juros de mora devidos seriam os juros civis, contados a partir da citação.
Entendeu-se na sentença recorrida que, quanto ao avalista/apelante – única situação que aqui nos interessa – pela sua condenação a pagar à autora, tendo em consideração o que subsistir, por eventual falta de pagamento da ré sociedade e excutidos que sejam todos os bens
desta, da quantia de € 119.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa descrita no artigo 11º da petição inicial, desde a data do pagamento da autora.
Discordamos, no que concerne aos juros moratórios, do entendimento vertido na sentença recorrida.
É certo que a sub-rogação, enquanto forma de transmissão das obrigações, coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito que pertencia ao credor primitivo, já o direito de regresso é um direito nascido “ex novo” na titularidade daquele que extinguiu (no todo ou em parte) a relação creditória anterior ou daquele à custa de quem a relação foi considerada extinta – cfr. a propósito da distinção entre estas figuras jurídicas, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 2.ª ed., 294.
Por força do disposto nos artigos 43º a 48º da LULL., aplicável ex vi do artigo 77º do mesmo diploma, o portador de uma livrança pode exercer o seu direito de acção contra qualquer obrigado cambiário, reclamando o pagamento da livrança não paga e juros, despesas de protesto, avisos dados e outras despesas.
O réu/apelante responderá nos termos definidos na sentença recorrida como, de resto, foi peticionado – pelo montante do que subsistir, por eventual falta de pagamento por parte da ré sociedade de dívida de € 119.000,00 e respectivos juros de mora, até ao limite referente à quota de responsabilidade do réu.
Ora, o réu/apelante foi demandado, na qualidade de avalista e, se é certo que é responsável da mesma maneira que o avalizado, a verdade é que a faculdade que a autora tem de exigir dos demais avalistas, por via de invocado direito de regresso, circunscreve-se tão-só à obrigação cambiária proveniente da subscrição da livrança da qual o réu
é avalista e dela está arredada outro qualquer compromisso assumido fora deste título de crédito, designadamente, não lhe pode ser exigível o pacto resultante do convénio expresso no contrato de mútuo celebrado entre a sociedade ré e a instituição de crédito.
E, se assim é - como se entende - há que concluir que o réu/apelante não poderá ser condenado a pagar os juros acordados no contrato de financiamento (relação subjacente), porque tal cláusula está inexoravelmente fora da relação cartular configurada na livrança da qual o réu é avalista.
Os juros de mora que podem ser exigidos aos demais obrigados cambiários, in casu, ao réu/apelante, são apenas os que estão estatuídos no artigo 4º do Decreto-Lei n.º 262/83 de 18 de Junho, contados a partir da data do pagamento efectuado pela autora ao BCP – 12.12.2007 - com apoio no Assento nº 4/92 de 13/7, D.R. nº 290-I Série-A, de 17.12.1992, hoje com valor de Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (artigo 17º, nº 2 do DL 329-A/95, de 12/12), e nos artigos 48º, nº 2 e 77º da LULL, e 559º do Código Civil.
Só pode, portanto, a autora, exigir o respectivo pagamento em mora nos termos definidos na sentença recorrida, bem como os juros civis, nos termos do artigo 559º do Código Civil, à taxa legal.
Nestes termos, procede parcialmente a apelação, nesta parte, o que acarreta a revogação da decisão recorrida, mas tão somente no segmento em que se condena o réu/apelante nos juros de mora, à taxa descrita no artigo 11º da petição inicial, que será substituída pelos juros civis, à taxa legal.
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A responsabilidade pelas custas ficará a cargo de apelante e apelado, na proporção dos respectivos decaimentos, de harmonia com o disposto no artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
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IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida, mas tão somente no segmento em que se condena o réu/apelante nos juros de mora, à taxa descrita no artigo 11º da petição inicial, taxa essa que será substituída pela taxa legal dos juros civis, mantendo-se no mais a sentença recorrida.
Condenam-se, apelante e apelado, no pagamento das custas devidas, na proporção dos respectivos decaimentos
Lisboa, 30 de Maio de 2013
Ondina Carmo Alves - Relatora
Pedro Maria Martin Martins
Eduardo José Oliveira Azevedo