MEDIDA DE CONFIANÇA A INSTITUIÇÃO COM VISTA A FUTURA ADOPÇÃO
RESPONSABILIDADE PARENTAL
Sumário

1. Em acção de promoção e protecção de menor, em que é aplicada medida de confiança do menor com vista a futura adopção, não basta invocar o vínculo afectivo entre pais e filhos, antes importando praticar actos e adoptar atitudes para com os filhos que demonstrem o seu amor, a sua preocupação e a efectiva vontade de assumir as suas responsabilidades parentais, bem como é preciso uma constância e qualidade de contactos que permita aos menores criarem e fortalecerem os laços afectivos com os pais.
2. Para que se pondere a medida de apoio junto de familiares é necessário que estes se constituam como solução alternativa séria para o futuro dos menores.
(Sumário doa Relatora)

Texto Integral

Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO.
Em 28.10.2011, o MP requereu a abertura de processo judicial de promoção e protecção, a favor dos menores Sara, nascida em …2004, Nuno, nascido a …2007, e de Diogo, nascido a …2011, todos filhos de A e de N, alegando que a formação, educação, segurança e bem estar das crianças se encontram em perigo, devendo ser mantida, a título provisório, a medida de acolhimento institucional que a CPCJ aplicou, confiando-se os menores à Fundação … que as acolhe até que esteja definido o projecto de vida para estas crianças, nomeadamente o seu encaminhamento para adopção, e termina  pedindo que seja declarada aberta a instrução, seguindo-se os ulteriores trâmites legais até final.
A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese:
A situação dos menores foi sinalizada à Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de … pelo Hospital de …, por situação de negligência ao nível da saúde e grande precariedade económica.
Existe uma grande desorganização familiar e o agregado muda constantemente de residência e trocam de números de telefone, não informando a Comissão.
Porque o local onde residiam não apresentava condições mínimas de habitabilidade, a Comissão deliberou aplicar a medida de acolhimento institucional.
Em entrevistas, os familiares mencionam um problema de alcoolismo por parte dos progenitores.
As crianças não tinham hábitos de descanso e alimentação adequados à sua idade, e a Sara esteve 5 meses sem ir à escola, porque a progenitora ficava a dormir.
A progenitora tem um outro filho menor mais velho a quem foi aplicada medida de apoio junto dos pais, na pessoa do pai, não mantendo a progenitora contactos com o filho, apesar deste viver relativamente perto.
Na família alargada ninguém se mostrou disponível para assumir as crianças, por serem 3 e por terem, posteriormente, de lidar com os progenitores.
O tribunal declarou aberta a instrução, solicitou elaboração de relatório actualizado sobre as condições de vida dos pais, e manteve, provisoriamente, a aplicação da medida de acolhimento institucional.
O progenitor juntou requerimento em que propugna que seja conferido aos progenitores as competências necessárias à assunção do pleno exercício das suas responsabilidades parentais.
Foi junto o relatório solicitado e designado dia para declarações dos progenitores e tia-avó.
Após tomada das referidas declarações (que se mostram reproduzidas a fls. 393), foi solicitado inquérito às condições de vida dos avós paternos.
Foi junto inquérito (fls. 398 e ss.) e informação do CEBI (fls. 407 e ss.).
Foi declarada encerrada a instrução, designado dia para debate instrutório, nomeado patrono aos menores e o MP apresentou alegações, propugnando pela aplicação da medida de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção, nos termos do art. 35º, nº 1, al. g) da LPCJP.
Realizou-se debate instrutório, vindo, oportunamente, a ser proferido acórdão que decidiu: a) aplicar a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção, ao abrigo do disposto no art. 35º, n.º 1 alínea g) da LPPCJP, mantendo-se a instituição a quem se confiou os menores; b) designar como curador provisório a/o director/a da instituição a quem se encontram confiados, nos termos do art. 167º, n.º 2 da OTM; c) como é decorrência do art. 1978º-A do C.Civil ficarem os progenitores inibidos do poder paternal dos menores, mais suspendendo de imediato as visitas dos progenitores bem como da demais família biológica aos menores, nos termos do art. 62º-A, n.º 2 da LPPCJP.
Não se conformando com a decisão, apelou o progenitor N, tendo no final das respectivas alegações formulado as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1. Entende o recorrente que a decisão recorrida não é a que melhor defende os interesses dos menores.
2. O acervo probatório disponível nos presentes autos não justifica a leitura e valoração que dele foi feita e a conclusão sobre a sua suficiência para sustentar a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção.
3. A decisão do Tribunal a quo restringiu fundamentalmente a sua motivação ao momento em que os menores foram institucionalizados e aos meses imediatamente subsequentes, olvidando toda a dinâmica posterior ocorrida no agregado familiar dos menores, designadamente no que tange à alteração de circunstâncias de vida do progenitor.
4. Na determinação da medida de promoção e protecção a aplicar aos menores deve ser tomado em consideração não só a situação de facto existente à data do debate judicial (663º. 1 do CPC), bem como as circunstâncias supervenientes relevantes (1411, nº. 1 do CPC subsidiariamente aplicável a processos desta índole).
5. A alteração de circunstâncias de vida do progenitor, que actualmente se encontra separado da progenitora e integrado no agregado familiar dos seus pais, deve ser tomada em consideração na determinação da medida de promoção e protecção a aplicar aos menores.
6. Da factualidade assente nos autos, resulta a existência de fortes vínculos afectivos entre  os menores e os seus familiares, nomeadamente progenitores, avós paternos e tias-avós, sendo evidente que de todo inexistem no caso da adopção.
7. É incompreensível para o recorrente toda a celeridade na determinação da medida de confiança para adopção sem antes esgotar a análise das efectivas condições dos familiares próximos, nomeadamente do progenitor, avós paternos e tia-avó materna.
8. O Tribunal tem o dever de envidar todos os esforços no sentido de “per si” ou por intermédio dos organismos que o coadjuvam recolher elementos para proferir uma decisão correcta e devidamente fundamentada que defenda o superior interesse dos menores.
9. A medida ora decretada é ultima ratio, sendo que esse não foi o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo, nomeadamente, no que tange à situação dos familiares dos menores que manifestaram disponibilidade os acolher e reuniam condições para o efeito.
10. Sendo, inequivocamente, de todo preferível entregar os menores a familiares próximos que reúnam condições para o efeito do que a desconhecidos para serem adoptados.
11. Face à postura do progenitor dos familiares mais próximos dos menores não estão reunidos os requisitos necessários para a determinação da medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção.
12. Pelo que se entende, salvo o devido respeito e melhor opinião, que o Tribunal a quo ao decidir como decidiu não fez uma correcta e ponderada aplicação dos princípios pelos quais se deve pautar a aplicação da medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção, violando o disposto na al. g) do nº. 1 art. 35º. da LPCJP e princípios previstos na Lei nº. 147/99 art. 1978º. do Código Civil.
Termina propugnando pelo provimento do recurso.
Não houve contra-alegações.
QUESTÕES A DECIDIR.
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do recorrente (art. 684º, n.º 3 e 685º-A, n.º 1 do CPC) as questões a decidir são:
a) impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
b) da verificação dos pressupostos para a medida aplicada.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
O tribunal recorrido deu como assentes os seguintes factos:
1. SARA, nascida em ...2004, NUNO, nascido em ...2007, e DIOGO, nascido a …2011, são filhos de A e N.
2. A Sara e o Nuno deram entrada no Departamento de Emergência Social no dia 8 de Junho de 2011 e o Diogo no dia 9 de Junho por ter estado integrado no Hospital.
3. Os PPP's dos 03 irmãos iniciaram-se na CPCJ em Março de 2011, na sequência de comunicação do estabelecimento de ensino frequentado pela menor Sara, à época com 07 anos de idade, por sinalização do abandono escolar, dado que desde Dezembro de 2010 a Sara não comparecia na escola.
4. Também até a menor Sara abandonar a frequência escolar, jamais a Encarregada de Educação actuou em conformidade com o que lhe era solicitado através da Caderneta Escolar da menor, tão pouco respondendo ou entrando, por qualquer meio, em contacto com a escola da filha, ou ali se dirigindo.
5. Após o abandono escolar da Sara, a escola continuou a não conseguir entrar em contacto com os pais da menor, apesar das inúmeras tentativas de contacto telefónico, por carta simples, por carta registada, através da entidade policial Escola Segura, bem como as resultantes do apoio prestado pela entidade policial da área de residência habitual - Cascais
6. Das diligências então encetadas resultou, tão só, que o agregado familiar já não habitava a morada existente na informação biográfica da criança.
7. Apesar de a menor não estar a frequentar o seu estabelecimento de ensino, os seus colegas viam-na num café, perto da escola, com a mochila às costas.
8. Em Abril de 2011 a CPCJ recebeu comunicação do HPP de Cascais de que naquele estabelecimento de saúde havia nascido mais um irmão da menor - o menor Diogo, na sequência de uma gravidez escondida e não vigiada e que o agregado familiar padecia de graves carências económicas.
9. O menor Diogo não teve alta após o parto, por ter nascido com muito baixo peso, para além de apresentar prematuridade, hipotonia, SDR e palidez.
10. Apesar de ter nascido a ….4.2011, só a ….5.2011 o bebé Diogo teve alta hospitalar, tendo, desde logo, ficado marcada consulta neonatal para o dia 02.6.2011 e ECO TF para o dia 30.5.2011, bem como ecografia às ancas (pélvica) para o dia 16.6.2011.
11. A CPCJ verificou que o agregado familiar mudava frequentemente de local de residência, bem como trocava frequentemente de número de telemóvel, disso não dando conhecimento aos serviços que lhes prestam apoio - o que também veio a ocorrer enquanto os PPP's estiveram na CPCJ.
12. Foi também verificado que nem a menor Sara, nem o seu irmão Nuno tinham as vacinas em dia, não tinham qualquer documento de saúde, bem como não tinham documentos de identificação.
13. Estando a menor Sara com 07 anos de idade, à mesma não haviam, sequer, sido ministradas as vacinas dos 05 anos.
14. Ao Nuno, que estava com 03 anos de idade, apenas tinha recebido a vacinação dos 02 meses de vida.
15. Os pais informaram as Técnicas de que haviam perdido todos os documentos dos filhos, mas veio a ser constatado que o menor Nuno tão pouco estava inscrito no Centro de Saúde.
16. No final de Maio de 2011 os Técnicos da CPCJ alertaram os pais para a importância de os menores serem seguidos quer em consultas de saúde infantil, bem como de vacinação, mas apesar disso, poucos dias depois o Hospital ...informou a CPCJ que o menor Diogo não havia sido levado ao exame do dia 30.5.2011, nem à consulta do dia 02.6.2011.
17. Numa primeira visita domiciliária a CPCJ constatou que a casa tinha boas condições de base e de dimensão adequada ao agregado, mas encontrava-se completamente desorganizada, e
18. Apesar de o menor Diogo já ter nascido e se encontrar em casa, o berço/ cama ainda não estava sequer montado, acrescendo que também havia um cão e um gato a partilhar o mesmo espaço. Porém, não mais a família ali foi encontrada.
19. Numa subsequente tentativa de localizar a nova residência do agregado familiar os Técnicos da CPCJ necessitaram seguir a menor Sara, pois a que os pais haviam fornecido não lhes servia de morada, e os pais não atendiam os telefones, cujos números haviam fornecido. Porém, a menor dirigiu-se para casa de uma tia e não para casa do agregado dos pais.
20. Das tentativas de visita domiciliária efectuadas os Técnicos aperceberam-­se que os pais destas crianças davam informações erradas, não só quanto às suas condições de vida, como quanto ao local que habitavam.
21. Posteriormente, a CPCJ conseguiu contacto com os pais dos menores, estes, apesar de evidenciarem não gostar de intromissões nas suas vidas, informaram estar a residir na casa dos avós paternos dos menores, tomando refeições em casa de uma tia-avó materna das crianças.
22. Na visita domiciliária efectuada à casa dos avós paternos foi constatado que na mesma inexistia qualquer vestígio de ali viverem crianças.
23. Apuraram os Técnicos que as mudanças constantes de residência se deveriam ao facto de as rendas nunca serem pagas, obrigando a constantes mudanças.
24. Aquando de uma das tentativas de visita domiciliária dois dos vizinhos - que recusaram identificar-se - informaram as Técnicas que era habitual as crianças ficarem na rua até tarde, não raro sem supervisão de adulto e que a menor Sara, nessas circunstâncias, tinha chegado a ser abordada por indivíduo desconhecido que teria tentado molestá-la sexualmente, ou mesmo conseguido.
25. O agregado familiar era, à época, composto pelos pais, os três menores dos autos e um outro menor, irmão uterino das crianças - Gonçalo - a favor do qual também corre PPP pela CPCJC, iniciado, também, por comunicação do estabelecimento de ensino.
26. Os avós paternos dos menores foram contactados e declararam desconhecer a morada do filho e destes netos, informado a CPCJ que há muito não viam o filho.
27. Os Técnicos verificaram, no início de Junho de 2011, que entre a mãe dos menores e os avós paternos destes menores, existia mau relacionamento entre a mãe dos menores e os avós paternos.
28. Só na sequência de informação anónima a CPCJ conseguiu localizar a arrecadação, na cave de um prédio, onde os pais e as crianças viviam.
29. A 08.6.2011 a CPCJC conseguiu realizar visita domiciliária ao local que lhes havia sido referido por anónimo, e verificou que o acesso à "morada" dos menores se fazia pelo corredor (escuro e não ventilado) das arrecadações - onde se encontravam vários caixotes e onde constataram existir um intenso cheiro a cão.
30. Junto à porta de uma delas, encontrava-se, no chão, a alcofa do Diogo e ao baterem à mesma, a progenitora das crianças abriu-a, e com indignação pela presença das Técnicas, exclamou: "quem vos abriu a porta?”.
31. As Técnicas de imediato constataram que o espaço era exíguo, muito em especial para ser ocupado por dois adultos, um adolescente e três crianças de tenra idade, para além de inexistirem quaisquer outras condições básicas adequadas a habitação.
32. Para além disso, aquele espaço encontrava-se sujo e desorganizado, estando o menor Nuno deitado sobre uma pequena espuma, no chão e a mãe, ao tentar vestir o menor Nuno para que pudesse sair à rua, não havia nenhuma peça de vestuário limpa, pelo que lhe envergou uma camisola de Inverno.
33. As Técnicas de imediato decidiram retirar as crianças daquele espaço, para que fossem acolhidas em instituição, dado que a família alargada, - que havia dito estar disponível para prestar apoio aos menores -, não mostrou disponibilidade para ficar com as crianças à sua guarda e cuidados.
34. Sempre que perguntados pelas suas condições económicas, os pais dos menores haviam referido proventos resultantes do trabalho, que seriam minimamente suficientes para que a família não vivesse naquelas condições.
35. Ulteriormente as Técnicas apuraram que os pais das crianças contraem dívidas que não conseguem saldar, para além de não terem actividade profissional constante e regular.
36. Após retirada dos 04 menores daquele agregado, foi obtido acordo para a aplicação da medida de acolhimento institucional, de curta duração, nos termos das disposições combinadas dos art.1°, 3°, 34° a) e b), 35° nº1 f) e 50° n.º2 da LPCJP, - tendo em vista a reorganização da família e o ulterior regresso dos menores à família biológica.
37. A integração dos menores na … - a 08.6.2011 - foi boa e nesse dia os pais telefonaram para a instituição.
38. Porém, até ao dia 14.6.2011 não voltaram a ligar e só ali compareceram no dia 17.6.2011, alegando falta de dinheiro para os transportes.
39. Nessa primeira semana a menor Sara confidenciou a uma das Técnicas da … que um amigo do irmão Gonçalo lhe havia pedido para tirar as cuecas.
40. No dia 20.6.2011, pelas 09h 30m da manhã os pais compareceram na CPCJ e alegaram que a menor Sara lhes havia dito ter sido maltratada por uma funcionária da …, que a havia magoado num braço e informaram que iriam “ fazer queixa à comunicação social”. Apresentavam ambos forte odor ligado à ingestão excessiva de bebidas alcoólicas.
41. A 01.7.2011 a progenitora contactou a CPCJ exclusivamente para fazer queixas da instituição e da funcionária que alegadamente havia magoado a Sara num braço, referindo que, durante o telefonema a ouviram gritar com o menor Nuno, para que dissesse à mãe, exactamente, o que estava a fazer no momento.
42. Foi informada que deveria fazer queixa à direcção da … e à PSP, se assim entendesse e respondeu que o faria.
43. A 04.7.2011 a mãe contactou novamente a CPCJ para indagar se tinha sido feita queixa à PSP contra a funcionária da ….
44. Da informação obtida pela CPCJ nesse mesmo dia os progenitores foram visitar os filhos à … e a visita decorreu sem incidentes, nem queixas, mas, porque os progenitores haviam dito à menor Sara que a levariam dali, no fim da visita a menor chorou convulsivamente ao verificar que ali permaneceria.
45. Nos dois contactos posteriores com a CPCJ a mãe disse ter vontade de ter os filhos novamente consigo e não entender a razão de estarem acolhidos, tendo também referido que os avós paternos destes filhos não gostam dela por ela não ter dinheiro.
46. A 11.7.2011 a tia-avó materna contactou a CPCJ a comunicar que a avó paterna das crianças havia sofrido um AVC por causa da preocupação com a situação dos netos. Mais informou que os pais dos menores maltratam os avós paternos, tendo a progenitora das crianças chegado a ameaçar bater àquela avó.
47. A mesma familiar informou não haver alternativa familiar para os menores, dado que a avó estava incapacitada e o avô cuidava da mulher, ao que acrescia o facto de a mãe dos menores ser pessoa "problemática" e ainda a circunstância de apesar de os menores terem vivido um ano em casa daqueles avós, na companhia dos pais, a mãe, depois, não ter incrementado a continuação do convívio entre os menores e estes avós.
48. Em momento posterior, a própria mãe acabou por se contradizer e informar os Técnicos de que os filhos Sara e Nuno não haviam chegado a permanecer muito tempo em casa dos avós paternos, pelo facto de ela própria se ter ido embora e ter levado as crianças consigo.
49. A 11.7.2011 os menores foram visitados pela avó paterna e por um casal de primos e a visita decorreu bem, não tendo as crianças chorado no termo da visita.
50. A 14.7.2011 as medidas foram mantidas por não haver ainda alterações substanciais e consistentes nos comportamentos dos pais, e, apesar de já terem conseguido arranjar uma casa para viverem, evidenciavam, ainda, traços de desorganização, sendo que, e de entre o mais, a documentação dos filhos ainda não estava tratada, a mãe ainda não se encontrava a trabalhar, apesar de dizer já ter arranjado trabalho.
51. A tia-avó materna dos menores expressou à CPCJ o entendimento de que a menor Sara não ia à escola porque a mãe gostava de dormir até tarde, dado que já tinha constatado essa situação no período de tempo em que a família viveu perto de si.
52. Do contacto de um familiar que pretendeu manter em anonimato foi apurado que em Julho de 2011 a progenitora continuava a passar os dias inteiros no café, a ingerir bebidas alcoólicas e sem trabalhar e que é aí que todo o dinheiro é gasto, sendo que continuavam a ter dívidas e que até para irem visitar os filhos pediam dinheiro emprestado, que nunca pagam, embora a CPCJ lhes entregasse dinheiro para os transportes para e do centro de acolhimento das crianças.
53. Do mesmo contacto resultou que as crianças, enquanto estiveram à guarda dos pais, se deitavam excessivamente tarde, perto da meia-noite/ uma da manhã, por ficarem no café com os pais, bem como que não tomavam o pequeno-almoço, por dormirem até tarde, e as restantes refeições seguiam o mesmo desvio.
54. O avô paterno encontra-se a pagar uma dívida deste filho suportando uma prestação mensal no valor de € 140.
55. A 19.7.2011 os pais não compareceram à visita agendada e a Sara ficou todo o dia à espera dos mesmos, e estes só contactaram telefonicamente o CAT à noite, informando não terem conseguido ir à visita.
56. A partir do dia 19.7.2011 e até 29.7.2011 os pais não voltaram a visitar os filhos, nem a contactá-los telefonicamente, não dando qualquer justificação às crianças, nem aos Técnicos do CAT ou da CPCJC.
57. Das visitas de outros familiares aos menores, ocorridas naquele mês de Julho de 2011, foi obtida a confirmação de que os pais mantinham os consumos excessivos de bebidas alcoólicas, terminando todos os dias alcoolizados.
58. Considerando aqueles familiares ser preferível a manutenção das crianças em acolhimento institucional, face à inalteração comportamental dos pais, nomeadamente no que respeita à ingestão das referidas bebidas e da má gestão dos proventos económicos.
59. As crianças usufruíam sempre das visitas daqueles familiares com agrado e no final das mesmas sempre apresentavam boa disposição.
60. Nenhum desses familiares se disponibilizou para passar a ter a guarda das crianças, mantendo sempre o entendimento de que ficariam melhor na instituição a fim de serem alimentadas, vestidas e cuidadas.
61. No final das visitas dos progenitores a menor Sara chorava sempre e os Técnicos não conseguiram perceber se tal se devia a tristeza, se se destinava a agradar aos pais pelo facto de estes conduzirem, insistentemente, todas as visitas com conversas ligadas ao sofrimento que os filhos sentem pelo afastamento dos pais, indagando se choravam muito ou não no fim das visitas e durante o resto do tempo em que estavam afastados dos pais.
62. Só na primeira semana de Agosto o pai voltou a visitar os filhos e tendo sabido que estes estavam a ser visitados pelo avô paterno telefonou-lhe proibindo-o de continuar com aquelas visitas. Apesar disso o avô paterno continuou a visitar os netos.
63. Em Setembro de 2011 a menor Sara deixou de perguntar pelos pais, admitindo os Técnicos que tal se deve ao facto de a mesma estar desiludida com aqueles, face às promessas não cumpridas.
64. Em meados de Setembro de 2011 resultou do relato de um familiar que a progenitora se encontrava a trabalhar num restaurante em Tires, regressava a casa ao fim do dia, e dirigia-se de imediato para o café, o que a levaria a não ir visitar os filhos.
65. Informando também que aquela não telefonava aos filhos por, provavelmente, não ter dinheiro para carregar o telefone. A progenitora havia, mais uma vez, mudado de cartão do telefone.
66. A 19.9.2011 os avós paternos e outro familiar solicitaram à CPCJ que os informasse qual seria o destino das crianças na hipótese de os pais continuarem a manter os comportamentos que vinham tendo e informaram que, na hipótese de as crianças serem encaminhadas para a adopção, talvez algum de outros familiares não presentes na reunião pudesse ponderar a hipótese de ficar com a Sara à guarda e cuidados, mas não com o Nuno e o Diogo.
67. Um dos familiares presentes na reunião referiu entender que o melhor seria as crianças manterem-se institucionalizadas.
68. Volvidas várias tentativas para contactar a família a mãe compareceu na CPCJ no final do mês de Setembro e justificou a ausência de contactos com os filhos por se encontrar a trabalhar, informando que o pai dos menores havia sido despedido por faltar um dia por semana para os visitar.
69. O pai dos menores apenas terá faltado 03 vezes ao trabalho para os visitar e já se encontrava novamente a trabalhar em outra área. A CPCJ apurou que o pai dos menores, antes do acolhimento institucional destes, havia perdido vários empregos por faltar ao trabalho.
70. Em data subsequente compareceram ambos os progenitores a pedido da CPCJ tendo-lhes sido transmitida a urgência na alteração de comportamentos, sob pena de as crianças terem que ser encaminhadas para família alternativa à biológica.
71. O pai reiterou o seu comportamento agressivo, imputando o incumprimento sucessivo do acordo à CPCJ, não assumindo as suas próprias faltas.
72. A partir de 02 de Agosto de 2011 os pais deixaram de visitar os filhos, apesar de as viagens ao CAT serem custeadas pela CPCJC.
73. Ao irmão mais velho dos menores - o Gonçalo - que antes do acolhimento vivia no mesmo agregado destes, foi aplicada a medida de apoio junto do pai, tendo ficado estabelecido um regime de convívio da mãe com o menor, mas, apesar de viverem na mesma área geográfica, e a curta distância, a mãe não mais voltou a procurar este filho.
74. A mãe dos menores tem outro filho mais velho a viver no concelho de Cascais, embora à guarda e cuidados de outros familiares e nunca contacta com este filho.
75. Os pais da Sara, do Nuno e do Diogo, instados a pronunciarem-se sobre a ausência de contactos com os filhos e na óptica do abandono que as crianças sentirão, referiram que as mesmas são visitadas por outros familiares.
76. De todos os familiares dos menores só uma tia-avó declarou que, na hipótese séria de encaminhamento para a adopção ficaria com as crianças, referindo a necessidade de proceder à alteração do seu local de residência, por actualmente não dispor de condições.
77. Esta familiar, a tia-avó materna, sempre soube e viu a negligência a que as crianças estavam a ser votadas, ocultou tais factos e nada fez para obstar a tal, para além de saber que não dispõe de condições, pelo menos habitacionais, para ter as três crianças à sua guarda e cuidados.
78. Esta mesma familiar disponibilizou-se, por escrito, já no âmbito da fase judicial do processo a "apoiar incondicionalmente a sobrinha ... na tarefa de cuidar dos filhos menores .... /1, oferecendo-se para "ir recolher" os menores à escola e ficar com os mesmos durante o horário laboral da sobrinha, 1\ dar-­lhes de lanchar ou qualquer outra refeição que pontualmente seja necessária, prontificando-se a ficar com o Diogo durante o horário laboral da mãe.
79. Através de Mandatário Judicial o pai dos menores veio declarar não ser dependente de consumo, alcoólicos, estar disposto a submeter-se a análises para determinação desse dependência, bem como, na hipótese de a dependência se comprovar, a submeter-se à respectiva desintoxicação, com vista a que os filhos regressem ao seu seio familiar, que considera estar já expurgado de deficiências para a guarda e cuidados dos filhos menores.
80. Do relatório social elaborado pela ECJ, datado de Janeiro do corrente ano, resulta que da consulta das Bases de Dados da Segurança Social consta que o pai dos menores, nos últimos 05 (cinco) anos, trabalhou para 05 (cinco) entidades patronais diferentes, e que o registo de dias de trabalho é muito irregular, sendo que nos primeiros 03 meses do ano de 2011, o pai apenas trabalhou 30 dias, 18 dias em Abril, 03 dias em Maio e 09 dias em Junho, não mais tendo efectuado descontos.
81. Os menores foram institucionalizados a 09.6.2011 e o pai não os foi visitar nesses dias.
82. A mãe dos menores apenas procedeu a descontos para a Segurança Social no ano de 2007, por ter trabalhado 15 dias.
83. Dos contactos estabelecidos pela ECJ com os proprietários da casa onde os pais dos menores residem, foi possível apurar que aqueles conheceram bem os menores por aqueles passarem muito tempo no café de que os mesmos eram proprietários e lá comerem "tudo o que quisessem", tendo sido também confirmado o problema alcoólico da progenitora.
84. A aludida casa foi cedida aos pais das crianças, sem pagamento de renda e com o ónus de os pais pagarem apenas o gás, a luz e a água.
85. A "patroa" da progenitora referiu, estar a ajudar os pais a reaverem os menores, declarando desejar ter a guarda do Diogo - de quem disse que viria a ser madrinha.
86. Admitiu a hipótese de até ficar com a guarda e a total responsabilidade pelos três menores - "desde que os pais não interferissem"; tendo também exclamado para a Técnica da ECJ: "porque é que algumas pessoas querem muito ter filhos e não os têm e outras têm e tratam-nos mal".
87. A ECJ apurou que o referido casal está junto há 10 anos e tem feito tratamento à infertilidade, mas sem sucesso.
88. O mesmo casal informou que os pais dos menores apenas pagavam o gás, mas que se os menores não regressassem à família, os pais teriam que passar pagar a renda.
89. Os progenitores já não se encontram a residir nesta casa, a qual abandonaram sem pagar as contas dos consumos de água, luz e gás, não subsistindo qualquer relação laboral.
90. Do contacto da tia-avó materna com a ECJ resultou mais uma vez a confirmação de que ambos os progenitores têm "hábitos alcoólicos, são muito manipuladores e mentirosos".
91. Do conjunto das 40 visitas previstas para os progenitores, estes apenas compareceram a 16, desde o início do acolhimento dos filhos, ocorrido a 08.6.2011 para os menores Sara e Nuno e 09.6.2011 para o menor Diogo.
92. Entre 02 de Agosto e até 27 de Setembro de 2011 os pais não visitaram os filhos.
93. A 27.9.2011 o pai, sem agendamento e no período em que os menores estavam na escola, compareceu no CAT e estando ali apenas o Diogo, o pai deu-lhe um beijo e foi-se embora.
94. No dia 02.11.2011 a mãe marcou visita aos filhos e não compareceu, só ali voltando a 28 do mesmo mês.
95. O pai compareceu à visita no dia 23.11.2011, acompanhado dos seus próprios pais.
96. O avô paterno das crianças informou a ECJ que iria dizer ao filho para ir viver lá para casa com a mãe dos menores, informando que lhe iria impor condições.
97. Assim, a partir de Janeiro do corrente ano de 2012, os pais das crianças passaram a viver na casa dos avós paternos das mesmas, tendo em vista, do ponto de vista dos avós, a reunificação familiar, sendo que actualmente já ali não residem.
98. A menor Sara foi progressivamente deixando de perguntar pelos pais até deixar completamente de o fazer, e ainda não compreenderá o porquê do abandono a que está votada pelos pais.
99. Pelo relato de uma Técnica da …, no dia 08 de Março de 2012 o avô paterno das crianças, contactado telefonicamente, estava emocionalmente muito transtornado, tendo informado estar a desmontar o quarto do filho e dos netos e que, quando o filho reaparecesse, lhe iria dizer que saísse da sua casa, pois ele e a mãe dos menores, para além de estarem dias sem aparecer, por regra chegavam a casa, às 05 h da madrugada, não trabalhando e dormindo depois todo o dia.
100. Nenhum dos progenitores se encontra a trabalhar, a mãe das crianças não executa qualquer tarefa doméstica, nem trata da sua própria roupa, e chegam ambos a estar dias sem ir a casa e andam sempre alcoolizados, só foram às visitas por insistência dos avós e nunca compraram nada para oferecer aos filhos, sendo os avós a providenciarem por tal.
101. No dia do aniversário da Sara o avô paterno não telefonou à neta a dar-lhe os parabéns, referindo que os transtornos porque tem passado o fizeram esquecer aquela data, bem como a do seu próprio aniversário.
102. Os pais dos menores apenas visitaram os filhos no período compreendido entre 20 de Janeiro de 2012 e 20 de Fevereiro de 2012, por irem acompanhados dos avós paternos dos filhos, apesar de terem faltado à visita do dia 13 de Fevereiro de 2012.
103. O Nuno fez 05 anos no dia 22 de Fevereiro de 2012 e não recebeu nenhuma visita, tendo apenas tido um telefonema da prima que costumava visitá-lo.
104. A Sara fez 08 anos no dia 27.02.2012 e apesar de durante todo o dia ter esperado a visita dos familiares, nem um telefonema recebeu e ao fim do dia evidenciava tristeza, sendo que no Lar havia referido que precisava de sair mais cedo da escola para estar a tempo das visitas e quando ali chegou foi diversas vezes ao gabinete Técnico para indagar se tinha havido alterações às visitas.
105. A tia-avó Celeste apenas visitou os menores nos dias 22.7.2011 e 05.8.2011.
106. Pela informação prestada pela Equipa Técnica do Lar a ausência dos pais às visitas tem sido difícil de gerir, muito em especial com a Sara, que, não raro entrava no gabinete Técnico a chorar e a perguntar do porquê de os pais não a visitarem.
107. Contudo, as visitas dos avós foram colmatando a ausência dos pais, tendo a Sara deixado de tão frequentemente perguntar por aqueles.
108. O avô paterno tem afirmado aos Técnicos da … entender agora ser mais adequado que as crianças não sejam entregues a nenhum familiar, referindo, com manifesta mágoa que "se as crianças forem para a adopção, eu deixo de ter um filho .hábitos alcoólicos, são muito.. ".
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
1. Embora o agravante não impugne, de forma explícita a decisão sobre a matéria de facto, resulta das suas alegações e conclusões que o pretende fazer, pretendendo que seja ponderado e dado como assente o facto de os progenitores dos menores se encontrarem separados de facto há cerca de 2 meses, encontrando-se actualmente o recorrente a viver com os seus pais”, como resulta do depoimento do avô paterno (C) [1].
Tendo em conta a natureza do processo em causa, de jurisdição voluntária (art. 100º da LPCJP) e o interesse dos menores sempre subjacente, apreciar-se-á, pois, a pretensão do agravante, uma vez que os depoimentos prestados se mostram gravados.
Ouvimos os depoimentos das testemunhas Maria (tia-avó materna dos menores), C (avô dos menores) e Helena (tia-avó paterna dos menores) e todas elas confirmaram que os progenitores se encontram separados desde há cerca de 1 mês (com referência à data do debate instrutório, 22.10.2012), estando o agravante a viver com os avós paternos.
Assim sendo, afigura-se-nos que tal facto deverá constar da factualidade provada, à qual se acrescenta o seguinte facto:
“109. Os pais dos menores deixaram de viver juntos em data não apurada de Setembro de 2012, tendo o pai dos menores voltado para casa dos pais, onde passou a residir”.
2. Entremos, agora, na apreciação de mérito, que se prende, essencialmente, com a adequação, e efectiva verificação dos pressupostos, da medida aplicada pelo tribunal recorrido.
A Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela L. 147/99 de 1.09 (alterada pela Lei 31/2003, de 22.08), “tem por objecto a promoção dos direitos e a protecção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem estar e desenvolvimento integral” (art. 1º).
Como estabelece o nº 1 do art. 3º da referida Lei, “a intervenção para promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, ... ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, …”, exemplificando o nº 2 do mesmo artigo várias situações em que se considera que a criança está em perigo, nomeadamente quando “não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal” (al. c), ou quando “está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectam gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional” (al. d)).
Nesta conformidade, as medidas de promoção e protecção das crianças e jovens visam afastar o perigo em que elas se encontram e proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem estar e desenvolvimento integral (art. 34º, als. a) e b) da LPCJP).
A intervenção e aplicação de qualquer medida deve obedecer aos princípios enumerados no art. 4º da LPCJP, nomeadamente e desde logo, o do interesse superior da criança, ou seja, “a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto” (al. a)).
Deve, ainda, obedecer ao princípio da proporcionalidade e actualidade [2], da responsabilidade parental [3], e da prevalência da família [4].
Entre as medidas de promoção e protecção previstas, conta-se a aplicada, isto é, a de confiança a pessoa seleccionada para adopção ou a instituição com vista a futura adopção (art. 35º, nº 1, al. g) da LPCJP), que só deve ser aplicada quando se verifique alguma das situações previstas no art. 1978º do CC (art. 38º-A da LPCJP).
Dispõe o nº 1 aquele artigo que “Com vista a futura adopção, o tribunal pode confiar o menor a casal, a pessoa singular ou a instituição quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, pela verificação objectiva de qualquer das situações: …d) se os pais, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do menor; e) se os pais do menor acolhido por um particular ou por uma instituição tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança”, esclarecendo o nº 3 que se considera “que o menor se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à protecção e à promoção dos direitos dos menores”.
Foi ponderando este regime legal e a factualidade provada que o tribunal recorrido decretou a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção dos menores Sara, Nuno e Diogo.
Insurge-se o agravante contra o decidido, por entender que a medida aplicada não é a que melhor defende os interesses dos filhos, e que o acervo probatório disponível não justifica a valoração que dele foi feita e a conclusão sobre a sua suficiência para sustentar a referida medida.
Assim, sustenta, em síntese, que:
- a decisão recorrida restringiu fundamentalmente a sua motivação ao momento em que os menores foram institucionalizados e aos meses imediatamente subsequentes, olvidando a dinâmica posterior ocorrida na vida dos progenitores e familiares próximos dos menores;
- os vínculos afectivos sempre se mantiveram com os progenitores e familiares mais próximos;
- nunca o progenitor se desinteressou dos seus filhos, encontrando-se reunidas as condições para que o progenitor, com a ajuda dos avós paternos, venha a acolher os menores no seio da família;
- os familiares próximos, avós paternos e tia-avó materna, assumiram disponibilidade para acolher os menores, não se encontrando esgotadas todas as eventuais possibilidades de dar outro destino aos menores.
Conclui que deve antes ser determinada uma medida de apoio junto do progenitor e avós paternos, ou, em alternativa, ordenada a elaboração de relatórios às situações dos familiares mais próximos, nomeadamente do progenitor, avós paternos e da tia-avó materna para depois ser tomada “decisão justa e não precipitada de forma a salvaguardar os superiores interesses dos menores”.
Vejamos, então, começando por sublinhar que o agravante não põe em causa a necessidade de aplicação de uma medida de promoção e protecção, mas apenas a medida que foi aplicada, sustentando que, face à factualidade provada, deveria ter sido outra, nomeadamente, a de apoio junto do progenitor e avós paternos.
Ao contrário do sustentado pelo agravante, o tribunal recorrido, ao decidir, não se restringiu a ponderar a situação existente no momento em que os menores foram institucionalizados e aos meses imediatamente subsequentes, antes tendo atendido a toda a situação que se desenrolou até à data do debate judicial, não sendo o facto de não ter feito constar da factualidade provada o facto agora aditado que o impediu de analisar a situação de forma actualizada.
Não se poderá deixar de referir que a postura que o agravante vem agora em sede de recurso assumir, não a assumiu em sede de debate judicial, no qual se limitou a referir que os menores deviam de ser entregues “à tia dela”, referindo-se à tia-avó materna dos menores [5].
À data já o agravante se encontrava separado da mãe dos menores há cerca de um mês e a residir com os pais e nada disse no sentido de que já alterara, ou estava a alterar, a sua postura, ou a melhorar as suas condições de vida para vir a acolher os menores [6], como agora alega, nem a sua postura foi a de um pai que se interessa pelos filhos e por quem tem grande proximidade e afecto.
Do dizer ao fazer e demonstrar vai grande diferença.
As suas visitas aos filhos (que, à data do debate judicial, já se encontravam institucionalizados há cerca de 16 meses) foram sempre escassas e inconstantes (pontos 38, 40, 56, 62, 72, 91, 92, 95 da fundamentação de facto), tendo ocorrido com periodicidade durante o período de um mês (entre 20.01.2012 e 20.02.2012), apenas na altura em que vivia com a mãe dos menores em casa de seus pais e com vista a reunir de novo a família (ponto 102 da fundamentação de facto), após o que deixou de visitar os filhos [7], mesmo em dia dos seus aniversários.
É certo que os menores se encontram e encontravam a alguma distância do agregado familiar, mas não menos certo é que a CPCJC custeavam as despesas das viagens e, ao contrário do que os progenitores sempre foram invocando “como desculpa” para não visitarem os filhos, os dias e horários de visita podem sempre ser alterados por forma a harmonizá-los com as obrigações profissionais e horários dos pais, desde que tal seja pedido.
Mas em momento algum se viu uma atitude dos pais (e, portanto, do agravante) no sentido de alterar as suas condições de vida por forma a reunir, de novo, a família, ou de demonstrar aos filhos que tudo faziam para se reunirem todos outra vez, ou mesmo de quererem manter os laços afectivos com os filhos.
Os contactos telefónicos com os filhos também sempre foram escassos e irregulares.
Várias vezes diziam à Sara que os iam visitar e depois não apareciam, desiludindo-a profundamente.
Mesmo após a separação da progenitora, não assumiu o agravante perante o tribunal recorrido uma postura de vontade e “luta” pelos filhos, de reaproximação, acomodando-se na sua entrega à tia-avó materna.
A solução que, agora, pretende – de receber de novo os filhos, em casa dos avós paternos, com a medida de apoio ao progenitor e aos avós paternos – não encontra qualquer base de sustentação, quaisquer factos demonstrativos de vontade efectiva e determinada nesse sentido, sendo certo que do depoimento do avô paterno resulta que o mesmo nem sequer equaciona essa possibilidade.
O que ressalta do depoimento deste último é que o relacionamento com o filho nunca foi fácil e que apenas equaciona uma solução sua para os menores, mais concretamente para a menor Sara, referindo que não tem possibilidades de ficar com os 3, nada tendo referido quanto a qualquer nova situação que se desenhava por o filho ter regressado, sozinho, para a casa paterna.
Nada referiu o agravante em sede de debate instrutório no sentido de já terem preparado, de novo, a casa dos avós paternos com vista a vir a acolher os 3 menores, e de ter o apoio destes para esta solução.
E não se pode pretender que estas 3 crianças continuem à espera que o pai organize a sua vida, e demonstre um verdadeiro afecto e vontade de as amparar, proteger, educar, cuidar, acompanhar, decorridos que se mostram já (nesta data) 2 anos da sua institucionalização (como pode o agravante falar em celeridade na decisão ?) e sem que, até à data, tenha feito qualquer esforço nesse sentido.
Mesmo tendo em conta a data do debate judicial, o que é um facto é que resulta dos autos que o agravante, em 16 meses, não logrou reunir e assegurar as condições reais e efectivas que lhe permitissem cuidar dos filhos e assumir a sua educação sendo pouco provável que as venha a adquirir - o agravante para além de apresentar grande instabilidade profissional, tem problemas alcoólicos não assumidos e um temperamento agressivo, como resulta da factualidade provada [8].
Equacionar o regresso dos menores à família do pai, sem qualquer factualidade concreta demonstrativa dos seus benefícios, e da verificação de condições efectivas para receber os menores, era sujeitá-los a nova experiência de vida de viabilidade duvidosa e que, a frustrar-se, representaria danos acrescidos para aqueles e comprometeria, de vez, o seu projecto de vida.
Refere o agravante que os laços afectivos com os menores se mantêm.
Perguntamos: como é que se mantêm se deixou de os visitar, de lhes telefonar, de lutar por eles, se nada fez para alterar a sua situação, com ou sem a mãe dos menores, se nunca veio ao processo dar conta de uma nova eventual vontade de alterar a situação ?
Como é que os laços afectivos sem mantêm com a menor Sara (que, muito provavelmente, terá fortes lembranças da sua família), que sofreu com a falta de visitas dos pais, desiludida com as promessas de visitas não cumpridas, sentindo-se abandonada e que acabou por deixar de perguntar pelos pais, como resulta da factualidade provada?
Como é que se mantêm com o menor Nuno que foi institucionalizado com 4 anos [9], tem visto o pai esporadicamente, e sem qualquer regularidade, e poucos telefonemas dele recebe, mesmo em dia de aniversário ?
Como é que mantêm os laços afectivos com o menor Diogo, que um mês depois de nascer (com problemas de saúde, refira-se) foi institucionalizado e poucas vezes e sem qualquer regularidade viu os progenitores ?
Pergunta-se de novo: perante esta factualidade, melhor, perante esta realidade, como é que se pode afirmar que os menores mantiveram um forte vínculo afectivo aos seus progenitores ?
E como é que se pode concluir que o agravante não se desinteressou dos filhos ?
Não basta invocar o vínculo afectivo, antes importando praticar actos e adoptar atitudes para com os filhos que demonstrem o seu amor, a sua preocupação e a efectiva vontade de assumir as suas responsabilidades parentais, bem como é preciso uma constância e qualidade de contactos que permita aos menores criarem e fortalecerem os laços afectivos com os pais.
Entende o agravante que o simples facto da sua situação com a mãe dos menores se ter alterado releva nesse sentido, mas o que é um facto é que a sua postura no processo e em sede de debate judicial mostram exactamente o contrário, nenhuma atitude activa e efectiva tendo tomado que demonstre vontade de alterar o que até àquele se passou.
Mostram-se, pois, seriamente comprometidos os laços afectivos próprios da filiação, não resultando dos autos que seja do superior interesse dos menores a aplicação da medida sustentada pelo agravante, ou seja, a de apoio junto do progenitor e avós paternos.
E deverá equacionar-se a entrega a familiares próximos, quer os três menores à tia-avó materna, quer a Sara aos avós paternos e outros dois à referida tia-avó ?
Afigura-se-nos que não, sufragando inteiramente o entendimento do tribunal recorrido.
É certo que ressalta da leitura completa e atenta de todo o processo que aqueles familiares, bem como outros [10] nunca deixaram de acompanhar, de uma forma ou de outra [11], os menores e de ter interesse no seu futuro.
Mas não menos certo é que, também, ressalta dos autos que nunca se constituíram como solução alternativa séria para o futuro dos menores.
Desde que os menores foram institucionalizados [12] que a CPCJC tentou que os menores regressassem ao seio da família nuclear ou encontrassem alternativa na família mais alargada, o que nunca se revelou possível, por falta de disponibilidade desta para tal [13].
De facto, a tia-avó materna e o avô paterno sempre manifestaram a sua vontade de dar apoio aos progenitores e menores, mas nunca assumiram, de forma firme e inequívoca, a possibilidade de os receberem, em parte por as relações com os progenitores não serem fáceis e “adivinhando” que nunca se lhes conseguiriam impor.
Já com o processo em tribunal, tal situação de indisponibilidade manteve-se [14], mas porque a tia-avó referiu que “se fosse preciso” ficava com os menores, foi solicitado inquérito sobre as suas condições de vida, resultando do mesmo que a casa onde reside não reúne condições para acolher os menores, tendo a mesma referido que se ficasse com os menores iria viver para Samora Correia, onde tinha uma casa maior [15].
O que é um facto é que este inquérito foi realizado em Março de 2012, e quando foi ouvida em sede de debate judicial (realizado em 22.10.2012, recorde-se), ou seja, 7 meses depois, a referida tia-avó referiu que, se fosse para os menores irem para a adopção, preferia que lhe dessem a oportunidade de ficar com eles, mas, ainda assim, tinha necessidade de, primeiro, fazer obras na casa, para os acolher.
Ou seja, a referida tia-avó materna nunca, verdadeiramente, se viu e assumiu como alternativa para o futuro dos menores, nunca tendo diligenciado por obter condições para os acolher (na sua casa em … ou em …), nem os visitando (relembre-se que apenas visitou os menores 2 vezes [16]), com vista a fortalecer os laços afectivos entre si e a mostrar-se uma alternativa familiar credível para os menores.
Aliás, nunca a referida tia-avó disse, de forma clara e inequívoca, que queria acolher os menores para deles cuidar, como mereciam; o que disse foi que “se fosse preciso”, “se fosse para eles irem para a adopção”, então preferia que lhe fossem entregues, em boa verdade nenhum mal vendo que continuassem institucionalizados [17].
Certo é, porém, que, como referiu o tribunal recorrido relativamente à tia-avó materna, “para além das condicionantes habitacionais e pessoais (problemas de saúde e instabilidade profissional) [18], tudo o resto não oferece qualquer segurança sobre o destino das crianças”, nomeadamente os antecedentes (por ter tido ao seu cuidado um irmão uterino dos menores e o ter deixado ir com a mãe, acabando este por ser exposto a uma situação de perigo) e por, sendo a pessoa que tinha grande contacto com os menores e progenitores, conhecendo a situação em que se encontravam, nada fez para a alterar, melhorar ou denunciar, antes ocultando informações e dificultando a actuação das técnicas.
De tudo quanto se deixa dito conclui-se, como concluiu o tribunal recorrido, que a referida tia-avó materna dos menores não é uma solução viável no sentido de assegurar o superior interesse daqueles.
No que ao avô paterno respeita, o mesmo apenas mostrou, em sede de debate judicial, disponibilidade para acolher a menor Sara, o que, desde logo, se revela negativo, pois isso significaria o afastamento da menor dos outros dois irmãos, com quem tem forte ligação, como resulta dos autos e dos depoimentos do avô e tia-avó paterna, uma vez que não se vê viabilidade daqueles ficarem com a tia-avó materna.
Mas para além disso, resulta também dos autos, nomeadamente do que foi dito em sede de debate judicial, que tal situação não se mostra benéfica para a menor, nem salvaguarda o seu interesse, uma vez que é possível perspectivar, como fez o tribunal recorrido, que a menor Sara iria acabar por prestar apoio ao avô no sentido de fazer companhia à avó, negando-se-lhe o direito a ser criança.
De facto, a avó paterna foi vítima de um AVC e embora tenha sido referido que “faz a vida normal”, apenas não tendo recuperado a fala, também foi referido que “do lado direito” tem dificuldades e é o marido que a auxilia.
Por outro lado, a tia-avó paterna também referiu que o avô se ausenta muito porque, apesar de reformado, dá formação, à noite, na empresa onde trabalhava [19].
Para além disso, a menor passaria a viver, também com o pai, o que não seria benéfico, atentos os problemas de relacionamento entre o pai e o avô, os hábitos alcoólicos (não assumidos) e agressividade do pai e tudo o que acima se deixou dito, afigurando-se-nos que o avô paterno não teria capacidade (como não teve no passado) de se impor perante o filho, possibilitando-se que a menor Sara voltasse a vivenciar situações inadequadas para a sua idade, se sentisse motivo de desentendimentos e, mais uma vez, fosse colocada numa situação de perigo.
A Sara e os irmãos têm direito a um projecto de vida estruturado, calmo e gratificante que lhes permita desenvolverem-se sem mais sobressaltos.
Do que se deixa dito conclui-se que o avô paterno não é, também, uma solução viável no sentido de assegurar o superior interesse da Sara.
Assim sendo e ao contrário do que sufraga o agravante, o tribunal recorrido fez uma correcta e ponderada aplicação dos princípios pelos quais se deve pautar a aplicação da medida concreta aplicada, nada havendo a censurar.
DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao agravo, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo agravante, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
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Lisboa, 2013.06.11
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(Cristina Coelho)
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(Roque Nogueira)
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(Tomé Gomes)
[1] Cumprindo, ainda que de forma imperfeita, as exigências legais - art. 685º-B, nº 1, als. a) e b) do CPC.
[2] “A intervenção deve ser a necessária e adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade” – al. e).
[3] “A intervenção deve ser efectuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem” – al. f).
[4] “Na promoção de direitos e na protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integram na família ou que promovam a sua adopção” – al. g).
[5] A testemunha C.
[6] Tendo referido que estava desempregado.
[7] Pelo menos até Junho de 2012, conforme informação do … junta a fls. 407 e ss.
[8] E do depoimento do avô paterno e avó-materna dos menores.
[9] Idade em as memórias são menores e menos vincantes.
[10] Tia-avó paterna e primos Pedro e Esmeralda.
[11] Quer com visitas e telefonemas aos menores, quer em contactos e reuniões com a CPCJC.
[12] E mesmo com vista a evitar tal institucionalização – ver ponto 33 da fundamentação de facto.
[13] Cfr., a título meramente exemplificativo, fls. 83, 84, 93, 100, 103 e 110.
[14] Cfr. fls. 359 e 394.
[15] Cfr. fls. 399 e ss.
[16] Ponto 105 da fundamentação de facto.
[17] Fazendo um paralelismo (em sede de debate judicial) à sua situação pessoal que, aos 5 anos, conjuntamente com mais 4 irmãos, foi acolhida num colégio, onde permaneceu até aos 17 anos, por força do falecimento da mãe.
[18] Vejam-se relatórios sociais.
[19] O que vai no sentido do referido pelo agravante nas alegações.