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UNIÃO DE FACTO
CASA DA MORADA DE FAMÍLIA
COMPETÊNCIA MATERIAL
Sumário
Nos casos a que é ainda aplicável o art.º 78.º, al. b), da Lei n.º 3/99, por não estarem reunidas as condições previstas no art.º 187.º, n.ºs 1 a 4, da Lei n.º 52/2008 para a entrada em vigor, com a consequente atribuição de competência aos Juízos de família e menores, nos termos do art.º 114.º, al. b) da mesma lei, o tribunal de família não tem competência material para as ações em que seja pedida a atribuição de casa de morada de família no âmbito do instituto da união de facto. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa.
1. RELATÓRIO.
Maria …, inconformada com a decisão do Tribunal de Família e … que se declarou incompetente em razão da matéria, indeferindo liminarmente a petição da ação por ela proposta contra Jaime …, pedindo que lhe fosse atribuída a casa de morada de família por rutura de união de facto entre ambos, dela interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo que o tribunal recorrido seja declarado competente ou que seja determinado o tribunal competente, formulando as seguintes conclusões:
I. O presente recurso vem interposto da sentença que julgou verificada a exceção dilatória da incompetência absoluta em razão da matéria do Tribunal de Família e …, e indeferiu liminarmente a petição inicial.
II. A recorrente deu entrada de ação especial de atribuição de casa de morada de família, no Tribunal Judicial do ….
III. Porém, douta sentença, datada de 13-03-2012, o Tribunal Judicial do … julgou-se absolutamente incompetente em razão da matéria para conhecer e decidir da presente causa, absolvendo o R. da instância.
IV. Posteriormente, por douta sentença, datada de 25-03-2013, proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal de Família e Menores do …, declarou-se este Tribunal incompetente em razão da matéria.
V. No presente recurso está em causa a fixação do Tribunal competente para apreciação da ação especial de atribuição da casa de morada de família, que corresponde a forma de processo de jurisdição voluntária.
VI. Nos termos do disposto no artigo 114.º, alínea b) da LOFTJ compete aos juízos de família e menores os processos de jurisdição voluntária relativos a situações de união de facto.
VII. A competência material para conhecer da ação de atribuição da casa de morada de família, em caso de rutura da união de facto, cabe assim ao Tribunal de Família e Menores do ….
2. FUNDAMENTAÇÃO.
A) OS FACTOS.
A matéria de facto a considerar na decisão da apelação é a acima descrita, sendo certo que a questão submetida a decisão deste tribunal se configura, essencialmente, como uma questão de direito.
B) O DIREITO APLICÁVEL.
O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objeto do recurso, é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 660.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso).
Atentas as conclusões da apelação, supra descritas, a questão submetida ao conhecimento deste Tribunal pela apelante consiste, tão só, em saber se o Tribunal de Família e Menores do …é o tribunal competente para conhecer da ação interposta pela apelante.
Com efeito, não obstante a apelante pedir subsidiariamente que, caso assim se não entenda, se determine o tribunal competente, o certo é que essa possibilidade de decisão se não compreende no âmbito dos poderes de conhecimento deste tribunal da relação.
Tais poderes, como resulta da própria natureza jurídica do recurso e do disposto nos art.ºs 676.º, n.º 1 e 684.º do C. P. Civil, circunscrevem-se à apreciação da legalidade da decisão recorrida.
A apelante dá-nos conhecimento de uma decisão anterior, transitada em julgado, pela qual um outro tribunal, o Tribunal Judicial do …. se declarou também incompetente mas a sindicância dessa decisão está fora do objeto deste recurso.
De facto, a decisão com uma tal amplitude, decidindo se é competente o Tribunal de Família e Menores do …. ou o Tribunal Judicial do … só poderia ser proferida em processo de conflito de competência o qual, nos termos do disposto no art.º 115.º, n.ºs 1 e 2, do C. P. Civil, pressupõe a existência de duas decisões de declaração de incompetência, transitadas em julgado.
A apelante optou por impugnar a decisão recorrida e os poderes deste tribunal da relação, como referimos, circunscrevem-se à sindicância da legalidade dessa decisão, sem prejuízo do respeito que a decisão por nós proferida venha a merecer por todos os tribunais de primeira instância, incluído o Tribunal Judicial do …que antes se declarou incompetente, em face do previsível desfecho de um conflito negativo de competência sobre a mesma questão.
Assim delimitada a questão da apelação passemos à sua apreciação.
Iniciada a nossa análise deparamos logo com um certo desencontro entre a decisão sob recurso e este mesmo recurso; a decisão recorrida estrutura-se numa Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), a Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro, e o pedido de revogação dessa decisão estrutura-se numa outra lei de organização, a aprovada pela Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto.
Por isso, atenta a diferença de textos legislativos sobre a matéria, antes de mais, importa determinar qual desses diplomas é aplicável.
Sobre essa precisa questão, o art.º 186.º, al. d) da Lei n.º 52/2008 determina a revogação da Lei n.º 3/99, mas o art.º 187.º da mesma lei vem subordinar essa revogação à sua própria entrada em vigor, nas condições que define, assim mantendo não revogada e em vigor a Lei n.º 3/99.
A comarca do … não faz parte das comarcas piloto, identificadas no art.º 171.º, n.º da Lei n.º 52/2008, nem lhe foi ainda determinada a aplicação dessa nova lei de organização, nos termos do disposto no seu art.º 187.º, n.º 4.
No caso sub judice, tal como referido na decisão recorrida, é aplicável o regime legal da Lei n.º 3/99 e não o novo regime da Lei n.º 52/2008, em que a apelante estrutura a sua pretensão de recurso.
No âmbito da Lei n.º 3/99, a competência dos Tribunais de Família é a estabelecida pelo seu art.º 81.º e nela se não incluem os processos da natureza do que ora nos ocupa, relativo a casa de morada de família constituída por união de facto[1].
É certo que o instituto da união de facto e a sua relevância jurídica sofreu alterações relevantes em data posterior à entrada em vigor da Lei n.º 3/2009, mas não existe na matéria uma situação de vazio legislativo que determinasse a extensão da competência dos Tribunais de Família por via interpretativa, nomeadamente, por interpretação extensiva ou por analogia, nos termos do disposto nos art.ºs 9.º a 11.º do C. Civil.
De facto, sendo o Tribunal de Família um tribunal de competência especializada (art.º 78.º, al. b), da Lei n.º 3/99), a sua competência é apenas a expressamente definida na lei, por contraposição aos tribunais de competência genérica que têm uma competência residual, ou seja, competência para todas “…as causas não atribuídas a outro tribunal” (art.º 77.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 3/99) e, onde existem, aos tribunais de competência específica, entre eles, os juízos cíveis, também com competência residual em matéria cível, nos termos do art.º 99.º da mesma Lei.
Temos assim, forçosamente, que concluir que sendo aplicável o art.º 78.º, al. b), da Lei n.º 3/99, o Tribunal de Família e Menores do … não tem competência material para as ações em que seja pedida a atribuição de casa de morada de família no âmbito do instituto da união de facto, pertencendo essa competência ao Tribunal Judicial do Funchal.
Solução diversa é a estabelecida pelo art.º 114.º, al. b), da lei n.º 52/2008, que atribui aos Juízos de família e menores a competência para preparar e julgar: “Processos de Jurisdição voluntária relativos a situações de união de facto ou de economia comum”, a qual todavia, só terá aplicação nas comarcas em que essa Lei entrar em vigor, nas condições definidas no se art.º 187.º, n.ºs 1 a 4.
Improcede, pois, a apelação devendo confirmar-se a decisão recorrida.
C) EM CONCLUSÃO.
Nos casos a que é ainda aplicável o art.º 78.º, al. b), da Lei n.º 3/99, por não estarem reunidas as condições previstas no art.º 187.º, n.ºs 1 a 4, da Lei n.º 52/2008 para a entrada em vigor, com a consequente atribuição de competência aos Juízos de família e menores, nos termos do art.º 114.º, al. b) da mesma lei, o tribunal de família não tem competência material para as ações em que seja pedida a atribuição de casa de morada de família no âmbito do instituto da união de facto.
3. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Lisboa, 18 de junho de 2013.
(Orlando Nascimento)
(Ana Resende)
(Dina Monteiro)
--------------------- Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince. [1] Neste sentido, entre outros, os acórdãos desta Relação de 9/2/2012 (Relator Olindo Geraldes), 14/9/2010 (Relator: Graça Amaral); 17/6/2010 (Relator: Fernanda I. Pereira), 19/4/2007 (Relator: Lúcia de Sousa). Em sentido contrário, entre outros, o acórdão da Relação do Porto, de 24/1/2012 (Relator: Vieira e Cunha).